quinta-feira, 5 de agosto de 2010

MULHERES E ELEIÇÕES

Em recente programa de um canal fechado de televisão assisti a exposição sobre os números de uma pesquisa de opinião e o enfoque dos diferenciais metodológicos que os institutos utilizam para a aferição das questões respondidas pelos eleitores contatados. Um dos temas aflorados referiu-se ao percentual de mulheres indecisas na escolha de seu/sua candidato/a presidencial. O assunto sobre as mulheres demorarem mais a definir seu voto, explorado pelos debatedores, entre os quais duas pesquisadoras, levantou o quadro de possibilidades para essa ocorrência, centrando-se na explicação sobre a melhor reflexão que este gênero possa utilizar em torno das políticas públicas que interferem nas condições de vida de seu dia-a-dia familiar e que se tornam uma medida de avaliação do voto a dar aos que se adequarem às suas demandas.
Pesquisando desde 1986 a situação da sub-representação feminina nos cargos parlamentares e ausência de mulheres candidatas aos cargos majoritários, percebo, com o olhar distanciado no tempo histórico, devido às leituras sobre os discursos dos repúblicos brasileiros que negaram, em 1891, o direito do voto feminino no Brasil, a nova mentalidade que circula com maior desenvoltura no meio social. As mulheres hoje decidem em quem votar e sabem que seu voto tem um peso considerável sobre essa decisão. Mas elas sempre tiveram clareza da importância desse estatuto da cidadania para a sua vida cotidiana.
O estatuto da nova ordem que formalizou os direitos naturais e incrementou mudanças institucionais foi a "Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão"(1789), ao distribuir benefícios e recursos políticos para o universo dos seres humanos. Mas as mulheres não se sentiram contempladas, porque os direitos naturais que elas reconheciam eram ambíguos, faziam parte de uma “ordem natural”. Como só conheciam a função naturalizada da submissão, na relação entre os gêneros, não distinguiam os fundamentos da revolução enquanto tomada de poder através de um pacto em que os direitos proclamados eram os do homem universal. Na “ordem natural”, está implícito o preceito bíblico do direito de submissão ao homem. Ao apelar para a Declaração como instrumento de inclusão, define a relação jurídica como prioritária para desestabilizar essa “ordem” e estabelecer a oposição com o direito natural enquanto direito político ou cidadania. Quando elas percebemque podem mudar o estatuto naturalizado, exigem a equidade.
Os níveis de informação que acumulavam no trabalho coletivo, nas fábricas, ou no cotidiano do lar, revelavam-lhe a desigualdade existente entre si e os parceiros, daí considerarem que a mudança do status quosó podia ocorrer através das instituições. Isto leva-as a criarem ações propositivas embutindo recursos legais para mudá-lo, instaurando uma ação coletiva através da organização de grupos de pressão (feministas), com a finalidade de desautorizar as normas permeadas de ideologias exclusivistas e inventar outras para desestabilizar a ordem vigente.
Criam os mecanismos de barganha, às vezes operando com suas próprias regras, propiciando a partilha dos benefícios. Para elas, o sufragismo passou a representar o eixo decisivo do processo de inclusão dos sujeitos nas suas demandas cívicas, sociais e políticas.
As políticas distributivas externalizadas através da concessão do direito do voto, se por um lado alcançaram beneficiários diretos de um ou mais grupos; de outro, geraram certo conflito devido à específica distribuição das partes. Se a extensão do direito do sufrágio não contemplava uma grande parte de cidadãos do sexo masculino, por estarem aquela altura de fora do sistema de voto censitário, deixava de reconhecer, entretanto, todas as mulheres por serem estas consideradas na condição "natural" de mães de família, além de desapossadas de renda, e sem méritos de instrução.
Há dois eixos de questões no sufragismo: a) um de ordem sociocultural; b) outro, de ordem política. No primeiro, as mulheres pleiteantes do direito do voto eram acusadas de infringirem a ordem natural de mães da família, de serem pervertedoras morais dos costumes e de quererem se transformar em "mulheres públicas". Assim sendo, que benefícios elas estariam extraindo dos outros grupos? Ao deixarem de ocupar as funções privadas e de domesticidade para adquirirem o estatuto do direito político, revertem os eixos da virilidade oponente e esvaziam a moralidade privada do homem público.
A ordem política cria nas mulheres votantes aspirações na inversão da ordem dicotômica da natureza. Sendo a ordem social resultado da diferenciação entre os gêneros, a exclusão das mulheres do plano político, relegando-as a esfera familiar, traça uma nova vertente. O espaço do lar será intermediado pelo espaço político, uma vez que elas, ao penetrarem no exercício da política, tendem a reivindicar a visibilidade nessa arena, pressupondo as condições de uma representação devida a si próprias enquanto indivíduos. Propor novas demandas e anular a humilhante condição de submetidas a um status quonaturalizado, em razão de uma suposta "ordem natural", são alguns dos novos indícios de "deveres políticos" que as lançam em outra arena marcada pelas ideologias "protetivas" e "salvadoras" de um evento ameaçador.
Outro eixo é do incremento a um sistema normativo que funcionassem com um padrão de equidade, cujas regras desestabilizassem os recursos do sistema e resolvessem os problemas de segregação social e político que as excluía dos “deveres cívicos”.

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