domingo, 26 de outubro de 2014

MULHERES NA POLÍTICA E A MISOGINIA




A onda de estereótipos instalada sobre as mulheres que se candidatam e concorrem em eleições, seja em âmbito formal ou não, tem sido devastadora.
Nos estudos que tenho feito sobre este assunto, as autoras que se dedicam a essas matérias mostram o tom censor dos que não aceitam a presença feminina no cenário político e apontam reflexões formuladas em torno dessas versões. O aspecto mais evidente é o de certos vocábulos aplicados para criticar representantes deste gênero que se apresentam para competir, principalmente em cargos dificilmente reconhecidos como de competência feminina. E os termos são lançados para desqualificá-las, são vistos, pela maioria das pessoas, da população ou do eleitorado, como fazendo parte do jogo político-partidário que se estabelece nesses pleitos, na escolha formal mais enfaticamente para um cargo majoritário, ou num posto informal, para o desempenho de uma coordenação ou presidência de um determinado órgão ou associação.  
Há alguns anos participei da formação de um movimento de mulheres pescadoras em certa cidade paraense em que havia uma Colônia e regularidade de comando masculino nas eleições dessa categoria. Já organizadas e filiadas ao seu órgão de classe, as pescadoras apresentaram o nome de uma de suas associadas para competir ao cargo de presidente da Colônia, em certa eleição deste órgão. Os obstáculos foram intensos para que elas não participassem do evento. Primeiramente houve tentativa de exclusão do nome apresentado considerando que a associação não tinha os requisitos necessários para a competição. A apresentação dos estatutos e toda a formalidade exigida para a ocasião venceu a pretensão dos líderes da colônia e as mulheres inscreveram sua chapa. A argumentação de que não sabiam administrar selava o veredicto. A chapa encabeçada pela associada não foi exitosa. Sistematicamente elas têm apresentado candidatas a esse cargo, mas somente agora, segundo relato de uma das associadas, devem vencer a eleição.
As candidatas à presidência da república, nesta eleição, não foram poupadas de constrangimentos pelo tom de críticas ofensivas e emblemas de misoginia que são revelados no embate público. Antes mesmo, na abertura da Copa do Mundo, em junho deste ano, uma ala de torcedores levantou a voz numa locução marcada com palavras de sentido pejorativo para agredir a Presidente da República. Nessa agressão não estava somente a visibilidade da ofensiva de seus opositores partidários pelo cargo ocupado, mas infiltrado notam-se acepções que desvirtuam a dignidade da pessoa que está no poder pelo voto. Neste caso, a crítica a essa agressão, levou em conta mais a ofensa à autoridade da representante do país, entretanto, subjacente, se encontrava a aversão ao feminino. À consideração da primeira mulher a assumir o poder máximo de um país em cuja competição se observam mais duas ou três outras mulheres, a demanda por esse tipo de cargo será cada vez mais evitado e o acúmulo de interesse deste gênero, por ele, tenderá a encolher. Kunovich & Paxton (2005) observam: “Enquanto as mulheres fizeram progressos notáveis no domínio da educação superior e de profissões tradicionalmente masculinas, a esfera política continua a ser uma arena em que elas ainda não obtiveram comparativamente visível status. Atitudes preconceituosas são custos eleitorais pensados pelas mulheres bem mais do que qualquer outro recurso necessário.
Os epítetos misóginos contra as candidatas têm sido recorrentes neste período de campanha. A avaliação dessa aversão tem estado presente nas redes sociais, mas nem sempre os/as que estão submetidos ao calor competitivo partidário se tocam da aplicação subjacente que fazem sobre a desvalorização feminina. A naturalização clássica sobre os chamados “papéis” femininos e masculinos subjaz no imaginário social e nesses momentos repercutem num tom vazado de “partidário”. Mas a representação desses papéis sempre foi uma demanda pública pelo comportamento “certo” e “errado” entre os gêneros e em especial, das mulheres. E àquelas que fogem à regra são culpabilizadas.
Para a historiadora Joan Scott, “o gênero é, portanto, um meio de decodificar o sentido das relações de poder” expresso na hierarquia que transita secularmente entre os sexos fazendo com que emirja a “compreensão sobre as relações complexas entre diversas formas de interação humana” (Scott, p.23). Essa interação é contributiva da argumentação da autora ao tratar das representações de poder. Diz Scott (idem, ibidem): “As mudanças na organização das relações sociais correspondem sempre à mudança nas representações de poder, mas a direção da mudança não segue necessariamente um sentido único”.
Por que a centralidade dessa historiadora no conceito de gênero? Trata-se de considera-lo em uma dimensão decisiva na organização hierárquica da sociedade que está baseada na naturalização da incapacidade feminina para a vida pública e política.
Trazendo esse conceito para a cena atual da competição política, com as evidências de que o tom pejorativo às candidatas se serve de versões já instituídas nas representações sociais considerando que esta ocorrência nada mais é do que um embate político-partidário não se percebe que são referenciais de cunho altamente misógino assumidos por homens e mulheres que têm determinada preferência partidária.
Contudo, há visões que apontam para a identificação dessa ambiguidade. Posts & outras referencias circulando em blogs e em redes sociais mostram, de forma mais coloquial, o que propus nesta avaliação reconhecendo que não estou só.
De um  email de Yone M. Kegler à jornalista Hildegarde Angel (http://www.hildegardangel.com.br/) extrai somente um parágrafo: (...) : “Debocham de Dilma, como “gorda ridícula”, o tempo todo, mas dizem ao amigo (a) importante, na mesma situação, que ele (a) está só um “pouquinho acima do peso”.  
Luanna Tomaz (docente da UFPA) em seu post (FB), diz: “Independente de qualquer partido ganhar as eleições, sei que a misoginia saiu vitoriosa. A Dilma foi chamada de gorda, insinuaram que era lésbica porque é divorciada (...), riram da queda de pressão dela (...). Dilma e Luciana foram chamadas de levianas, o coque de Marina ganhou mais atenção do que as propostas dela. (...) Tantos obstáculos que as mulheres precisam superar para chegar ao poder que não estranha termos baixo percentual de vagas da câmara, por exemplo”.

(Texto originalmente publicado em "O Liberal"/PA, em 24/10/2014)


sexta-feira, 17 de outubro de 2014

SER OU NÃO SER PROFESSORA?





Em 15 de outubro de 1827, um decreto imperial de D. Pedro I, então imperador do Brasil (rubricado, também, pelo Visconde de São Leopoldo) criou o Ensino Elementar no país. Nos 17 artigos que compunham esse decreto (cf. http://www.pedagogiaemfoco.pro.br ), o Art. 1o determinava: “Em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos, haverão (sic) as escolas de primeiras letras que forem necessárias”. Nos demais artigos, esse documento registra uma série de itens, sendo que o 2º artigo determina que o Conselho dos presidentes das provincias, com audiência das Câmaras enquanto Conselhos Gerais “marcarão o número e localidades das escolas, podendo extinguir as que existem em lugares pouco populosos e remover os Professores delas para as que se criarem, onde mais aproveitem, dando conta a Assembléia Geral para final resolução”. Outros itens são nomeados nesse decreto como o salário e a forma de contratação dos professores, as disciplinas que serão ministradas ( Art. 6º: “...ler, escrever, as quatro operações de aritmética, prática de quebrados, decimais e proporções, as noções mais gerais de geometria prática, a gramática de língua nacional, e os princípios de moral cristã e da doutrina da religião católica e apostólica romana ,...”).
Três artigos são interessantes conhecer, haja vista referenciar as diferenças do ensino e da atividade de magistério para homens e mulheres: “Art. 11: Haverão (sic) escolas de meninas nas cidades e vilas mais populosas, em que os Presidentes em Conselho, julgarem necessário este estabelecimento. Art. 12: As Mestras, além do declarado no Art. 6º, com exclusão das noções de geometria e limitado a instrução de aritmética só as suas quatro operações, ensinarão também as prendas que servem à economia doméstica; e serão nomeadas pelos Presidentes em Conselho, aquelas mulheres, que sendo brasileiras e de reconhecida honestidade, se mostrarem com mais conhecimento nos exames feitos na forma do Art. 7º. Art. 13: As Mestras vencerão os mesmos ordenados e gratificações concedidas aos Mestres.”
Desde o inicio da colonização educavam-se nas escolas apenas os meninos, com os mestres sendo homens, também. E como se vê, no Decreto Imperial de 1927, há evidência de uma escola formal para meninas em cidades mais populosas, há diferencial do curriculo extinguindo-se algumas matérias (possivelmente por serem consideradas supérfluas ao “destino matrimonial” previsto para elas) e há inclusão de outras como as prendas e a economia doméstica. Nesse decreto já se observa referência às mestras, ou seja, nomeação de professoras que sejam “brasileiras e de reconhecida honestidade” e que demonstrem bom proveito de conhecimento nos exames que prestem para a atividade de magistério, conforme outro artigo (o 7º). Embora naquele momento sejam ratificados salários iguais para os professores e as professoras essa situação ainda hoje é uma questão problemática, em todas as profissões a que as mulheres estão inseridas no mercado de trabalho.
Analfabetas, no império, com as damas da corte tendo pouco contato com a leitura salvo os seus livros de rezas, a oportunidade que as mulheres brasileiras tinham de estudar era o ingresso em conventos. A sociedade não via com bons olhos o alcance do saber intelectual por parte desse gênero, haja vista a previsão determinista para lar, além do que, o conhecimento adquirido lhes daria poder e sendo instruídas avaliariam sua condição e pleiteariam outro tratamento. Dessa forma, seria mais fácil afastá-las do “perigo” da instrução pública embora com direito de obter a educação formal. Alguns escritos na imprensa são reveladores dessa tensão. Veja-se, por exemplo, o que escreveu o professor paraense Vilhena Alves no periódico literário "A Borboleta" que circulava na cidade da Vigia, num longo texto intitulado “A Mulher”, publicado em 1887 dissecando a condição feminina. Sobre a instrução a esse gênero ele comenta:
“(....) - Não simpatizamos nada com as mulheres doutoras apesar de sermos idólatras da ciência. Não queremos com isto que se deva conservar a mulher na ignorância; e sim que o seu grau de instrução seja adequado ao meio em que vive, às necessidades do seu viver social. De que serve, com efeito, a uma moça pobre o estudo das ciências e das belas artes, se desconhece os princípios rudimentares da economia doméstica?” (...) Em vez dessa instrução de luxo que só serve para satisfazer a vaidade de pais mal avisados, não seria melhor que estes ensinassem às suas filhas aquelas regras comezinhas do bom amanho da casa, aqueles princípios de economia que operam na família o milagre bíblico da multiplicação dos pães, fazendo que, - com pouco dinheiro - se obtenha muito e se passe bem? (...)”
Se nesse período os ideólogos conservadores detinham essa preocupação sobre a convivência das mulheres determinando seu lugar, seus saberes, sua forma de ser na sociedade, sem dúvida, houve uma retração da atividade intelectual formal feminina que avançou algumas dezenas de anos, mas não fortaleceu a idéia de que estas teriam somente uma maneira de saber das coisas restritas ao lar. Assim, as conquistas foram muitas, o período republicano trouxe novos decretos que facilitaram a entrada deste gênero em muitas profissões entre as quais a de professoras, hoje visto como feminização da educação.
E enquanto professora, o ingresso das mulheres no âmbito escolar, se visto como uma situação ligada às suas funções no lar e na maternidade, permeado de estereótipos, presentemente foge desses chichês. Entretanto há outros. Num estudo do INEP/2002, entre as disciplinas ministradas, na de Língua Portuguesa, independentemente da série avaliada, há maioria da proporção de professores do sexo feminino, enquanto na Matemática, nas mesmas condições, o sexo masculino prevalece. Somos hoje a maioria (97%) na força de trabalho na educação infantil, mas apenas 45,6% no Ensino Superior.
E por ai vai a nossa história. Sabemos que temos valor, sabemos que as noites e os dias de trabalho extrapolam domingos e feriados. Nossas palavras são fortes para criar a mudança. Nós nos reconhecemos. E isso é o que importa.


(Texto originalmente publicado em "O Liberal" (PA), de 1710/2014)

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

ELEIÇÕES 2014 E A REPRESENTAÇÃO FEMININA

A presidenta Dilma Rousseff, na abertura da 3a. Conferência de Política para as Mulheres.


O tema da sub-representação das mulheres na política atravessa os processos eleitorais internacionais. E não é de hoje. Nas modernas democracias a ausência da cidadania feminina instituiu uma luta acirrada para incluir esse gênero no direito do voto e, à medida que a visibilidade de novos direitos demonstrava que as mulheres ficavam de fora, estas iam à luta em busca de alcançá-los e, somente dessa forma conseguiram espaços que antes eram de exclusividade masculina.
Se as eleições fizeram a história do Brasil diferenciar-se de muitas outras experiências democráticas, desde o período colonial, as mulheres sempre ficaram de fora, nos primórdios dessa história. Não votar, no império, por exemplo, não era só uma exclusão desse gênero, mas de uma categoria de homens pobres que não alcançava o nível mínimo de renda como uma qualificação para a votação e garantia de sua entrada no censo eleitoral. A exclusão atingia, também, os ex-escravos, embora seus filhos e netos e, também, os analfabetos (estes, até a Lei Saraiva, 1881) se constituíssem votantes. Construindo a história do processo de participação política (ativa e passiva) do brasileiro, essa “trajetória do voto” criou legitimidade aos governantes, antes conselheiros que administravam as cidades e hoje, no Estado republicano, se acham nas representações dos cargos principais do poder executivo e legislativo.
Avaliando as configurações da cidadania política brasileira atual com o olhar na presença feminina tanto na categoria de eleitorado quanto na de demandantes e de eleitas em cargos majoritários e proporcionais, vê-se, a partir dos dados do TSE (acesso em 07/10/2014) que houve crescimento. Por exemplo, na distribuição do eleitorado por gênero, em âmbito comparativo, o percentual de mulheres teve um crescimento significativo no século XXI: 2002 – 50,85%; 2004: 51,21%; 2006: 51,53%; 2008: 51,73%; 2010: 51,82%; 2014: 52,13%. Um fator determinante nesse crescimento sem dúvida foi o aumento da população. É de supor, também, que a idade mínima para se tornar eleitor/a construiu esse crescimento, contudo, ao apresentar as estatísticas de 2014, do IBGE, sobre esse eleitorado na categoria faixa etária, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Dias Toffoli, fez um comentário sobre a queda no número de eleitores jovens de 16 e 17 anos, para os quais o voto é facultativo. Segundo os dados, o número diminuiu de 2.391.352, em 2010, para 1.638.751, em 2014. Outro detalhe para esse recuo, segundo Dias Toffoli: “Há um aumento da faixa etária geral da população brasileira e os dados do IBGE, que também fizemos consulta, indicam isso. Uma baixa do crescimento da natalidade e a perspectiva, em consulta que formulamos, é que a cada eleição diminuirá o número de eleitores em faixas etárias mais baixas, relativamente as mais altas”.
Se considerarmos esse eleitorado na faixa etária por gênero vê-se que as jovens de 16 anos contribuem com 52,79% e as de 17, com 51,5%. Este dado reforça o que foi tratado em termos do aumento das mulheres eleitoras, mesmo nessas faixas que estão diminuindo.
Quanto ao Pará, o eleitorado feminino é de 50,21%, aumentando em relação às eleições de 2010 que era 49,92%. Nesse ano, as faixas etárias de 16 anos (51,03%) e 17 anos (50,35%) estavam acima da apresentada pelo eleitorado masculino.
Em termos de candidaturas, no quantitativo sexo vs. cargo, as mulheres se apresentaram da seguinte forma: 3 candidatas concorreram à presidência da República (27,27%, num total de 11 candidatos); para governador/a 20 ou seja, 12,05% (87,95%, homens); senador/a 19,77% (80,23% homens); deputado federal 29,07% (70,93% homens); deputado estadual/distrital, 29,11% (70,89% homens).
No Pará, considerando apenas as candidaturas de representação parlamentar, vê-se que de um total de 170 candidatos para a câmara federal, 31,76% eram mulheres. Para deputado estadual, de 637, havia 182 candidatas ou 28,57% do total.
Sem fazer um esboço comparativo de outras eleições, mas considerando que para esses cargos parlamentares há a cota eleitoral de gênero alterada pela minirreforma eleitoral de 2009 (Lei 12.034/09) que substituiu, no caso, a expressão anterior “reservar” por “preencher”, significou que a distribuição dos percentuais entre os sexos passou a ser obrigatória e não mais facultativa. Isto quer dizer punição para os partidos que não preencherem os 30%, a garantia de uma maior participação das mulheres na vida política e partidária brasileira.
Embora haja todas as evidências de que houve aumento no número de candidaturas nestas eleições gerais, a situação que está sendo discutida é se o número de eleitas aumentou. Em um gráfico elaborado pelo jornal CFEMEA (http://www.cfemea.org.br/) este cria uma geografia espacial da nova bancada feminina por estado, por partido e o percentual de representação na câmara de deputados numa série histórica desde 2006. Nesse ano, 47 mulheres foram eleitas equivalendo a 9,16% de um total de 512 cadeiras. Em 2010, houve 45 eleitas ou 8,77% e este ano, 51 eleitas perfazem um total de 9,94% deputadas federais, com renovação de 29 e reeleição de 22, sendo estas dos seguintes partidos: PT (9), PMDB (7), PSDB e PSB (5, cada) PP, PTB, PRB, PPS, PTN e PSC (2, cada) e PDT, PTC, PMN, PV e DEM (1, cada). Entre os estados, os que mais elegeram mulheres foram RJ e SP (6, cada), MG (5), e Bahia, Tocantins, Amapá e Pará (3, cada). Nesse caso, este estado que apresentava 5,9% proporcional ao número de cadeiras (17) cresceu para 17,64%, uma vez que elegeu três mulheres, sendo uma reeleita e duas novas.
Quanto às deputadas estaduais, foi uma lástima. Tínhamos 7 mulheres eleitas em 2010 e neste pleito reduziu-se para 3.
Números e percentuais de mulheres eleitas não podem ser vistos como algo insignificante. O fato de três mulheres posarem competitivamente ao cargo máximo do país demonstra avanços nas conquistas, mas ainda assim, a sub-representação política ainda é um fato para este gênero.


(Texto originalmente publicado em O Liberal, em 10/10/2014)