Sou abaetubense, nascida e criada numa sociedade que se pode chamar de tradicional, levando em conta as normas e os costumes que depositavam no relacional das situações, pessoas e coisas, a dimensão dos valores herdados, dos hábitos transferidos de geração para geração em sintomas de verdadeiras assertivas sobre a continuidade do processo da vida na cidade. Essas formas de ser social institucionalizavam-se e se tornavam impregnes nas mentes e nas vivências sociais.
Fugir das tendências desses usos era infringir os valores dos nossos ancestrais e das regras interpostas nessa permanente integração com os costumes.
Desse tempo lembro alguns aspectos repassados às crianças sobre as pessoas idosas. O respeito aos mais velhos se representava pelo “tomar-lhes a benção”, pela obediência à sua fala (ou ordens), por certos comportamentos que deveríamos ter em função dessa pessoa – abaixar a voz em sua presença, dar-lhe o lugar para sentar, tomar-lhes a mão numa caminhada mais longa etc.
Lembro, contudo, algumas coisas inusitadas. Quando queríamos lembrar algo do “antigamente” era a essa pessoa a quem recorríamos visto que por suposto detinham a memória da família, da cidade, dos grandes acontecimentos.
Havia, contudo, alguma coisa ainda mais inusitada para nós, crianças: os/as idosos/as não saiam de casa com freqüência e por isso achávamos que eles/as já eram “muito velhos” – 70 anos já criava o “gueto” do abismo entre a vida e a morte.
Tínhamos em mente que eles/as estavam fadados à morte iminente. Bengalas eram objetos próprios de velhos/as. E por ai vai.
Na verdade, cada geração faz a sua própria maneira de conviver com as instituições e os valores sociais. E muitas evidências dessa tradição se transformaram em versões preconceituosas sobre essa faixa etária.
Pela legislação brasileira (Lei n. 10.741, de 1.º de outubro de 2003), idoso é a pessoa com idade igual ou superior a 60 anos. Vale dizer que uma boa parcela dos nossos políticos é composta de idosos (as “balzaquianas” e os idosos vão decidir as eleições de 2010, diz José Eustáquio Alves). Isto não quer dizer que a idade tenha sempre influência na capacidade intelectual. Mas se os idosos podem legislar nem sempre eles podem usufruir de benefícios legais. Nem tanto pela ausência de dispositivos que privilegiem a idade, mas pelo antigo preconceito de que “velho é trapo” (no dizer popular de antigamente).
Hoje é comum os jovens chamarem os “bem mais velhos” de “tios”. Não é por se utilizar uma expressão carinhosa, mas por colocar a idade no patamar da referência. O modismo do século iniciante acha, por exemplo, que um computador de cinco anos já é velho. E se a máquina envelhece rapidamente, o ser humano com mais de 60 anos ganha pela maior eficiência da terapêutica uma expectativa de vida mais larga e por isso mesmo torna-se mais sujeito a ser visto como “ultrapassado”.
A música jovem dista dos ouvidos calejados, da mesma forma as artes cênicas e plásticas. Tudo bem que em cada tempo uma forma de expressão domine. Mas o que passou dentro desse prisma é desprezado. Desde que não ganhe o rotulo de “clássico” e se inscreva num museu.
O preconceito com o idoso atinge os dois gêneros, embora entre as mulheres se torne ainda mais estigmatizante. Mas é interessante observar outra forma de preconceito, esta, curiosamente (e não por ironia) mais velha: a referente ao novo. Se uma produção intelectual é criticada cabe muitas vezes o titulo de “imatura”, ganhando o autor a fama de que é “muito criança”.
Subestima-se sempre o menor e hoje a ciência médica começa a despertar para a inteligência dos bebês. Enquanto se discute esse assunto, resta dissipar a idéia de que trabalhos importantes feitos por jovens deixem de ser considerados pela idade dos autores.
O tema, com base na “idade mental”, é um vasto campo de estudo em diversas áreas. Assim como se critica o que é “velho” se critica no mesmo tom, o que é “novo”, neste caso assumindo o caráter de “imaturo”.
Pode-se simplificar a análise do preconceito etário com o privilegio de uma etapa entre os pólos da vida, afirmando que a pessoa produz mais, e se sente melhor, numa faixa etária entre os 30 e 50 anos. Não seriam os “tios”, ou os “sobrinhos”, mas os filhos/irmãos ou mesmo pais de uma geração. Índice que se aperta na aparência física de cada um ou no que as pessoas dessa idade costumam produzir. Uma forma bastante estreita de medir valores, e com isso demonstrar educação e sensibilidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário