sexta-feira, 28 de junho de 2013

EM TORNO DE DEBATES E MANIFESTAÇÕES

(Imagem extraída do Correio das Manifestações Políticas do Brasil)

Hoje não tenho a “muleta” de um clássico da política, mas vou tratar da política que se mostra viva nas ruas a partir das manifestações populares que há duas semanas se fizeram públicas num demonstrativo de insatisfação ao status quo estabelecido nas instituições no poder.
Nos primeiros momentos de uma nova era com evidências de que a democracia brasileira está com suas bases amadurecidas – apesar de alguns discordarem desse estado de desenvolvimento de nosso sistema politico – mostram-se insatisfeitos pelos rumos da distribuição de políticas públicas, os cidadãos e cidadãs do país com maior desempenho de jovens embora, pelo que se observa, sem que se possa estreitar em termos de um marcador geracional. Assentados em um bem maior mecanismo comunicacional onde as novas tecnologias como a internet e midias sociais extrapolam as antigas formas de manifestação e demonstram-se eficazes para se apoderarem de maneiras de exercitarem a democracia direta, essa população nas ruas tem procurado estabelecer suas próprias demandas – embora suscitadas por uma específica em outro local (SP) – mantendo-se no eco politico mais profundo e constante de mostrarem a que vieram.
Se nas cidades em que o aumento das tarifas dos transportes coletivos os manifestantes fizeram suas primeiras incursões, saindo às ruas para reinvidicar a reavaliação dessa medida, os chamados “flash mobs” – ou seja, as aglomerações instatâneas organizadas pelas midias (emails, redes sociais, blogs) – mantiveram constância e tomaram as rédeas nacionais. E em cada cidade do país iniciou-se uma revisão de quais serviços públicos estavam “desativados” pela inércia do sistema em suas localidades e se detiveram com as mesmas bandeiras de luta visando o ato de gritar pela demanda de melhorias.
Mas outras questões vieram a lume, consideradas responsáveis pela trama emperrada do funcionamento da educação, saúde e segurança pública etc.: os aparelhos do Estado responsáveis pela gestão das políticas de acesso a esses serviços.
Os questionamentos ecoaram em um gradual reconhecimento sobre as disposições legais e os aparelhos definidores dessas políticas e, então, a perspectiva de que recursos maiores eram deslocados para bens supérfluos passaram a ser incorporados nos apelos populares: o sistema executivo, o sistema representativo e o sistema judiciário (alías, este com pouco menos evidência de cobranças, não sei a razão, quando se sabe de intercorrências de corrupção e impunidade desse sistema) teriam que ser chamados às falas porque se quedavam inertes diante das falhas sobre o sistema social e por isso necessitavam enxergar melhor onde estavam essas fraturas. E, além disso, a revisão dos gastos públicos subsumidos pela corrupção deveria se tornar um elemento prioritário a ser cobrada dessas instituições democráticas e sumariamente extirpada do cenário político.
O que me causa estranheza quando se trata de lutar contra a corrupção ou assenhoreamento de recursos públicos é que só é pensado nos milhões de reais que são desviados das verbas públicas necessários ao beneficiamento da melhoria e/ ou implantação dos bens públicos de melhoria da saúde, educação etc. É que pessoalmente vejo um tipo de corrupção que não é observado a olho nú (não sei se os manifestantes estão pensando sobre isso). Trata-se de materiais de consumo & outros  bens que são consumidos por certos servidores a seu uso próprio. E/ ou desconhecem horários de trabalho a que estão sujeitos (mas recebem os salários), tratam mal os usuários e por ai vai o processo de corrupção que se implanta em pequenas coisas e não é levado em conta no grito popular. Porque ir às ruas buscar o que outros não fazem é muito fácil, o problema é uma reflexão sobre como estou me portando para ser aquele eficaz manifestante.
O sistema representativo brasileiro está num dos eixos mais criticados nessas manifestações. Se são representantes do povo que os elegeu para legislar e tratar dos interesses dos cidadãos e cidadãs porque, a maioria das vezes, legislam em causa própria e/ou de seus grupos, a revelia de estarem atentos à defesa do bem estar da coletividade que delegou poderes para que assim fosse? O mais grave é a observação de que certos parlamentares estão mais propensos em pensar em sua reeleição do que em avaliar que medidas poderiam tomar sobre o funcionamento do serviço público em nivel precário. Essa inércia, aliada aos altos salários que recebem e a ausência de defesa dos interesses populares demonstram que uma parte dos atores assentados no cenário do congresso nacional precisa ser revitalizada, novos nomes devem ser sufragados tomando-se como medida de valor a Lei da Ficha Limpa. Caso contrário há possibilidade de um retorno das mesmas peças.
O sistema partidário, peça-chave no regime democrático, também está sendo questionado. Sem dúvida cada partido se institucionaliza através de um programa e de um estatuto onde são expostas a filosofia ética e as bases dos direitos e deveres dos/as filiados/as. Mais uns do que outros foram se adequando às conformidades de partidos de massa injetando compromissos com as forças populares. Contudo, no exercício do poder como partidos efetivos e/ou partidos parlamentares desoneram-se dos compromissos estatuidos e seguem determinados a lançar a candidatura de suas lideranças e serem sistematicamente exitosos nas urnas.
Em cada canto do país as vozes ecoam pela melhoria do sistema social englobando-se as denúncias contra os serviços precários. Esse grito é justo e benéfico porque aquelas instituições que deveriam espaldar essa função deixaram no caminho suas lutas, por alguma razão. Contudo, não sou favorável ao grito violento onde as palavras de ordem tomam a forma de imprópérios chulos e o gestual carrega a força da pedra que machuca. Como não sou favorável também à defesa violenta do aparato policial que se mostra despreparado para manter esses desvios agressivos. A mudança virá, tenho certeza, assim como as mulheres conseguiram a cidadania ao denunciarem a exclusão política democrática, atacando a legislação e as normas.

(Originalmente publicado em "O Liberal", de 28/06/2013)

sábado, 22 de junho de 2013

A POLITICA COMO PRÁTICA




O conceito de política, no senso comum, é marcado por interpretações variadas onde a crença sobre o que realmente ela é extravasa de jargões, sem que seja avaliada através de uma investigação efetiva que atenda a um conhecimento mais profundo e não num sentido vago e impreciso. Resulta que esse tipo de conhecimento (senso comum) tende a acumular evidências de ações espontâneas e imediatistas fornecendo entendimento frágil do que ela realmente é. A questão é que esse acúmulo superficial sobre política vai passando de geração a geração como verdades sobre o conceito e aplicando-se a práticas herdadas pelos costumes. Dessa forma, as pessoas começam a ser manipuladas porque absorvem o lado mais negativo da ação e do comportamento políticos.
Um fato me alertou para esses entendimentos equivocados. Nas minhas aulas da disciplina Ciência Política I (DCP/UFPA), no final dos anos setenta (1978), semestralmente, no primeiro dia de aula, eu passava um teste de sondagem aos alunos matriculados, onde três conceitos eram arrolados sendo, o primeiro, “o que é política?” A maioria dos que estavam presentes na sala de aula respondiam sob o aspecto vulgar do termo de que era “corrupção”, “politicagem”, “negócio sujo” e obviedades nesse tom. Salvo pouquíssimos registros de sentido positivo, a maioria revelava a negatividade do conceito. Na sequência, essa primeira aula procurava reaver uma assertiva mais objetiva com a intenção de mostrar que se o olhar da maioria era para esse lado, convergindo para o que na sequencia afirmavam de “não gostar de política”, alunos e alunas, enquanto sujeitos da História, estavam se despojando da condição de cidadania herdada pela dimensão democrática que a política destinava aos realmente incluídos no processo de inserção na vida social com direitos e deveres. A proposta dessa primeira aula era inscrever-nos no estudo da Ciência Política onde os parâmetros paradigmáticos eram resultantes de duas vertentes fortes dos estudos da teoria democrática – a democracia dos antigos - desde o estado e sociedade na antiguidade clássica – à democracia dos modernos - aos prolegômenos do estado contemporâneo com emergência do estado Moderno (em Maquiavel) e sequenciamentos.
Nesses episódios que nos dias atuais sacodem as capitais dos estados brasileiros pensei no meu reencontro com esse conceito partindo de um filósofo da teoria clássica, mais conhecido com o “pai” da ciência política – Aristóteles (384-322) – que para escrever seu livro “Política” estudou 153 constituições de cidades-Estado gregas. É onde se encontram suas teorias sobre a justiça e a liberdade, a composição da cidade, da escravidão, da família, das riquezas, as diversas formas de governo, a divisão dos poderes, as funções do Estado e a constituição da sociedade, entre outros temas. Para ele, o termo política referencia a ciência da felicidade humana, considerando todos os âmbitos desse estado de satisfação:
“Em todas as artes e ciências, o fim é um bem, e o maior dos bens e bem em mais alto grau se acha principalmente na ciência todo-poderosa; esta ciência é a política, e o bem em política é a justiça, ou seja, o interesse comum; todos os homens pensam, por isso, que a justiça é uma espécie de igualdade, e até certo ponto eles concordam de um modo geral com as distinções de ordem filosófica estabelecidas por nós a propósito dos princípios éticos."
Não precisa ir ao encontro de outros clássicos e/ou teóricos atuais da ciência politica para observar que as estratégias que estão sendo seguidas por uma parte dos manifestantes de rua (digo, uma parte apenas), no momento atual, no Brasil, reencontram os parâmetros aristotélicos de exigir a felicidade humana. E, portanto, são, segura e eminentemente políticos.
Se observarmos o início da onda de protestos de um grupo da população da cidade de São Paulo contrária ao aumento das tarifas dos transportes coletivos (trem, metrô e ônibus) vê-se que os propósitos tendem a mostrar a avaliação desses/as cidadãos/ãs de que as medidas tomadas entre o poder público e o empresariado não seguiam os princípios éticos de instituírem um bem público que possibilitasse a satisfação no uso desse bem. Isso quer dizer que, ao assumirem a condição de cidadãos viventes da cidade (ação pelos direitos) afastaram-se do conceito vulgar de política para assumirem a verdadeira maneira de lutar por justiça e igualdade, insertos no conceito aristotélico.
É a partir desse olhar que as demais insatisfações dos manifestantes passam a se acumular e, ao buscar o alargamento das demandas para a composição de sua maneira de viver bem, outros figurantes se assenhoreiam de novas demandas no meio onde circulam e percebem que podem criar o clima mais amplo de protestos incluindo novos objetivos. Nesse caso, então, captam os gastos públicos com alguns bens que foram priorizados pelo poder público e acrescentam novas avaliações quanto a interesses de suas comunidades procurando entender qual o diferencial que acoberta os custos de certos bens hierarquizados pelo Estado e os que tendem à satisfação das necessidades básicas. Da situação material necessária à sobrevivência passando pelas instituições sociais que normatizam a maneira de viver, esses/as cidadãos/ãs se posicionam para reverter o “status quo” e reformular o sentido da justiça enquanto igualdade de direitos, concordando com propósitos estabelecidos pelo interesse comum.
No texto sobre ativismo político (da sexta feira última) tratei do ativismo cívico, cujo um dos tipos é o ativismo de protesto, um fenômeno das sociedades democráticas onde é possível alavancar requisitos que sustentam a liberdade popular nas atitudes formadoras da maneira de abranger o respeito plural das convicções em ampliar os limites das normas das quais não estão de acordo.
Creio que é essa a política que está se observando no Brasil hoje. Os da minha geração foram presos, espancados e mortos por um governo autoritário que dissentia das manifestações. A democracia implantada no Brasil com esses novos padrões poliárquicos estão beneficiando os novos contendores.


sábado, 8 de junho de 2013

CONTRATO E CASAMENTO





Regras sociais regem a união entre duas pessoas sob o reconhecimento legal, religioso ou social definidor de um relacionamento mais íntimo onde a representação intrinseca evidencie a vida em comum com inclusão da coabitação sexual. Considerando que casamento é um contrato assinado entre o Estado e essas duas pessoas com o objetivo de formar uma familia, a teórica política e feminista inglesa Carole Pateman, 72 (presidente da American Political Science Association - 2010-2011), escreveu o livro “O Contrato Sexual”, em 1988. Nele, a autora reinterpreta de forma vigorosa as discussões do contrato social orientado por teóricos clássicos como Hobbes, Pufendorf, Locke e Rousseau, e os mais recentes, James McGill Buchanan Jr. e John Rawls, com evidências da questão do contrato sexual que figura na base do casamento, e, para ela, uma instituição marcada pelo patriarcado moderno onde o dominio masculino sobre as mulheres foi escamoteado sistematicamente. Pateman examina o significado da “historia política mais famosa e influente dos tempos”, ou seja, “a historia presumida, que conta como foi criada uma nova sociedade civil e uma nova forma de direito político a partir de um contrato original”.(...) Diz que o interesse na idéia de um contrato originário e a teoria do contrato em geral - relações sociais livres em forma contratual - é um problema muito maior hoje do que nos séculos XVII e XVIII quando os escritores clássicos relataram suas histórias. Para Pateman, conta-se, invariavelmente, somente a metade da história, visto que muito do contrato social é mantido em silêncio profundo acerca do contrato sexual, e que esse contrato originário é um pacto sexual-social. Para a autora “La historia del contrato sexual es también una historia de la génesis del derecho político y explica por qué es legítimo el ejercicio del derecho - pero esta historia es una historia sobre el derecho político como derecho patriarcal o derecho sexual. El poder que los varones ejercen sobre las mujeres. La desaparecida mitad de la historia señala cómo se establece una forma específicamente moderna de patriarcado. (...) El contrato original constituye, a la vez, la libertad y la dominación. A libertad de los varones y la sujeción de las mujeres se crea a través del contrato original (...) y el derecho patriarcal de los hombres sobre las mujeres se establece a partir del contrato”(...) (p. 11)
Como se vê, o estudo de Pateman desloca sua análise do contrato social como crítica ao liberalismo incluindo o recorte do casamento como contrato sexual. Embora sua avaliação considere as hierarquias de valores da liberdade civil nesse contrato como mera ficção para as mulheres, nessa perspectiva pode-se evidenciar que históricamente esta instituição foi por muito tempo uma forma de negócio. Na realeza, principes casavam com princesas de outros reinos para solidificar alianças politicas.
É interessante observar que esse “negócio” era feito para os homens. No império brasileiro temos exemplo dos nossos imperadores. D. Pedro I casou-se com Leopoldina, filha de Francisco de Habsburgo-Lorena monarca do Santo Império Romano Germânico e primeiro imperador da Austria. Depois da morte dela ele se casou com Amélia Augusta Eugênia Napoleona De Beauharnais, neta da imperatriz Josefina da França (a força da descendência napoleonica). O próprio D. Pedro II, vivendo uma época em que o romantismo aflorava, casou com Tereza Cristina do Reino das Duas Sicilias, quando era bem jovem e os conselheiros na corte achavam que era uma forma de “apressar o seu amadurecimento”.
Mas não era só na aristocracia que se observava o papel servil da mulher candidata a esposa. No livro “Inocência”(1872), o Visconde de Taunay trata de um patriarca em Santana da Parnaiba que impõe o casamento de sua filha, a Inocência do titulo, com Manecão, um negociante de gado. A moça, no entanto, gostava de Cirino, um jovem que passa por médico naquele ambiente sertanejo. O livro foi considerado uma transição entre o Romantismo e o Naturalismo. Mas esses Romeus e Julietas de cenários bem diversos da Verona pintada por Shakespeare foram comuns no passado em que a autonomia feminina no lar era restrita ou nula. A mãe de minha sogra, por exemplo, casou aos 11 anos com um comerciante português que visitou seu pai numa fazenda maranhense. Ela não conhecia o futuro marido com quem acabou tendo 11 filhos. O que se dizia na época era que “o amor vinha depois”. E nem sempre chegava, pois o “contrato” era o que mais valia.
No século passado a tradição exigia das mulheres a virgindade no contrato firmado. E muitos desses acordos civis estimularam as instituições, a exemplo, a Igreja, a anular casamentos em que o noivo se sentisse prejudicado nesse item. A idéia era de que a união contratual existia para a procrianção. Houve pouquissimos casos de reclamos da esposa quanto à impotência sexual do marido pedindo a dissolução dos votos proferidos.
Deixando um pouco a racionalidade de Pateman, é inegavel que o tom romântico circula nesses contratos atuais. Há também a revisão da orientação sexual obrigando a reavaliação de alguns termos em que hoje se inscrevem namoros e casamentos. O “ficar” deu realces de uma nova morada para estabelecer afetos e nem sempre o estabelecido (contrato) cerceia o não-estabelecido (compromisso afetivo).
A quebra da tradição ganhou força nos anos 60/70 com a mudança de costumes no bojo da Revolução Cultural simbolizada na rebelião de estudantes e intelectuais em Paris (1968), na reunião da contracultura no Festival Woodstcok, EUA(1969) e na segunda onda feminista com Betty Friedan. Dai em diante o namorado e namorada se comportariam ou como jovens independentes ou como “caretas” (oldfashion). Evidentemente nem todos seguiram ou seguem essa franquia emocional e fisica. Mas o número de casamentos com os filhos servindo de ajudantes de cerimonia cresceu bastante.


(Texto originariamente publicado em "O Liberal"/PA em 07/06/2013)