(uipi.com.br)
Na última terça feira, 16/06, a
representação feminina do bloco de parlamentares, os movimentos de mulheres e
feministas e uma parte da sociedade civil brasileira foram impactadas pela
rejeição à emenda apresentada pela bancada feminina da Câmara de Deputados à
reforma política (PEC 182/07, do Senado) que garantia um percentual de vagas no
Legislativo para as mulheres. Dos 513 legisladores atuais, apenas 293 votos
contabilizaram a favor do texto, embora o mínimo necessário fosse de 308. Nessa
votação, houve 101 votos contrários e 53 abstenções.
É possível que muitos/as perguntem: o
que querem as mulheres no espaço político se já conquistaram demandas
significativas com reformas nesse espaço?
Num retrospecto vê-se que desde o 1º
Código Eleitoral - Decreto nº 21.076, de 24 de fevereiro de 1932, que adotou o
voto direto, obrigatório, secreto e o sufrágio universal, o direito do
voto foi estendido a uma parte dos indivíduos adultos, de nível intelectual
maduro. Porque até meados do século XIX, por "sufrágio universal"
compreendia-se apenas o voto de homens adultos. Entretanto, desde o final desse
século início do século XX, o movimento sufragista revolucionou as regras e o
direito ao voto foi estendido às mulheres, principalmente na maioria dos países
democráticos. No 2º Código Eleitoral - Lei nº 48, de 4 de maio de 1935, a
reforma criou o alistamento e o voto feminino obrigatórios para as mulheres que
exercessem atividade remunerada.
E assim, aos poucos alguns entraves à
presença feminina na representação política foram sendo eliminados por reformas
e leis contabilizadas as lutas empreendidas por esse gênero. As cotas
partidárias, por exemplo, foram consideradas benéficas para reduzir a
assimetria de gênero na política formal. Elas foram pensadas então como recurso
político para uma sensibilização em duas direções: motivar as candidaturas
femininas; e interferência na lei eleitoral obrigando os partidos a manterem
uma cota mínima de mulheres nas suas listas partidárias.
Para lembrar essa luta – desde 1995,
o país convive com as cotas partidárias. Em 1994, as discussões da IV Conferência
de Beijing exploraram, em seminários regionais, o tema das ações afirmativas para as cotas partidárias através de lei
nacional. Inicialmente garantiram um percentual de 20% das vagas de cada
partido ou coligação para preenchimento de candidaturas de mulheres, nas
eleições municipais de 1996. Nesse ano, houve aumento do número de candidaturas
e de eleitas nos quadros legislativos municipais, embora não fosse alcançada
pelos partidos, a cota mínima exigida naquele momento.
Os debates sobre as
cotas foram ricos de argumentação, tanto relativos à constitucionalidade da
medida quanto para mostrar o peso das barreiras culturais em interpretações
sobre a mulher em cargo eletivo. Entre essas discussões e algumas
interpretações dos parlamentares sobre uma nova redação da emenda a ser
aprovada, e novas propostas à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) foi
votada a legislação eleitoral e em 1997, o texto final aprovado assegurou a
adoção de uma cota partidária mínima de 30% e máxima de 70% para candidaturas
de cada sexo.
Presentemente, o desempenho das
mulheres brasileiras no cenário eleitoral ainda tem se apresentado pouco
receptivo no âmbito majoritário e proporcional. Em 2009, a minirreforma
política (Lei 12.034/2009), trouxe alguns incentivos às candidaturas femininas
mudando o termo “reservar” por “preencher” e enfatizando o
caráter obrigatório da distribuição de vagas de candidaturas partidárias de
cada sexo.
Há um conjunto de análises de
teóricas/os da Ciência Política que avaliam o processo de aplicação dessa lei e
afiançam a baixa consistência dessa política devido a não punição aos partidos
que não conseguem garantir a inscrição de 30% de mulheres em suas listas. Dessa
forma, a ineficácia das alterações legais na Lei 12.034/2009 nas eleições
proporcionais de 2010, foi motivada pela ausência de entendimento do caráter
impositivo e de sanção explícita ao descumprimento da regra no dispositivo
legal.
Avançando nas discussões sobre o
reduzido número de mulheres que a cada ano eleitoral conquista cadeiras para um
mandato, embora haja um número considerável de candidatas, a nova estratégia
inclusiva foi pensar na reserva de cadeiras no legislativo. Assim, o texto
apresentado agora para a reforma política em discussão e aprovação e que foi
rejeitado, previa uma espécie de reserva de vagas para as mulheres nas próximas
três legislaturas. Na primeira delas, de 10% do total de cadeiras na Câmara dos
Deputados, nas assembleias legislativas estaduais, nas câmaras de vereadores e na
Câmara Legislativa do Distrito Federal. Na segunda legislatura, o percentual
subiria para 12% e, na terceira, para 15%. Essas vagas deveriam ser preenchidas
pelo sistema proporcional, entretanto, caso não o fossem deveria ser aplicado o
princípio majoritário prevendo-se as vagas remanescentes.
A deputada Jô Moraes (PCdoB-MG)
afirmou, após conhecer o resultado: "Não conseguimos aprovar as cotas de
vagas para as mulheres por apenas 15 votos. Dura luta, disputando voto a voto.
Uma bancada determinada, que teve nas deputadas de primeiro mandato, uma garra
extraordinária. Agora é calcular o prazo regimental para reapresentar o
projeto. A maior vitória foi ter imposto a pauta e conseguido com que todos os
partidos discutissem a ampliação do espaço para as mulheres. Também uma
conquista histórica. Chegamos muito perto. Voltaremos à carga!"
Um parlamentar integrante da base do governo admitiu
ao Congresso em Foco: “A ideia, na
prática, é se vetar a cota das mulheres. Poucos são os deputados que estão
interessados nisso”.
O que isso significa? O Brasil dentre os 188 países
encontra-se na 124ª posição na ordem decrescente de participação de mulheres no
Poder Legislativo, correspondendo a apenas 10% dos assentos da Câmara dos
Deputados e 16% do Senado Federal. Vê-se
então a presença estimulada da cultura
machista enfrentada pelas
mulheres desqualificando a sua participação e obstaculizado o seu ingresso nos
espaços de poder. Com a proposta de cotas legislativas sendo reapresentada, as
parlamentares demonstram que seguem na luta para fortalecer o processo
democrático e o Poder Legislativo.
(Texto originalmente publicado em O Liberal/PA, de 19/06/2015)