quarta-feira, 25 de novembro de 2015

CULTURA & POLÍTICA NA VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES



Primeiro Anúncio Contra A Violência Doméstica Publicado Na Arábia Saudita


 As Nações Unidas proclamaram o dia 25 de novembro o Dia Internacional pela Eliminação da Violência Contra as Mulheres. Em 1991, o Center for Women's Global Leadership (Centro Global para a Liderança das Mulheres) criou a Campanha Internacional: 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência Contra as Mulheres, cuja idéia central visava uma ligação simbólica à violação desses direitos. A ampliação da campanha de 25 de novembro a 10 de dezembro considerou outras datas significativas no período: 1º de Dezembro – Dia Mundial da AIDS; 6 de Dezembro - Massacre de mulheres em Montreal (inspiradora da Campanha Mundial do Laço Branco); 10 de dezembro - Dia Internacional dos Direitos Humanos. No Brasil, a Campanha tem sido realizada, todos os anos, pelos movimentos de mulheres e organizações feministas.
A violência é um termo polissêmico e aponta para as formas diferenciadas de constrangimentos morais, coativos ou através da força física explícita, aplicada por uma pessoa contra outra, num ambiente que pode ser tanto público no contexto social e político, quanto privado como o familiar. Alguns autores consideram o ato violento não apenas em situações episódicas agudas como a violência física, mas incluem também aquelas formas evidentes de distribuição desigual de recursos em todos os seus matizes. Este discernimento levou ao reconhecimento de que certos comportamentos nas relações sociais, embora fossem vistos como “naturais” tramavam contra a dignidade humana. A denúncia dos movimentos de mulheres ao tratamento que suas congêneres recebiam em casa, no trabalho e em outros locais de convivência, ao serem impedidas de participar de determinada atividade, ou quando eram agredidas pelo marido, pelos filhos ou pelos pais ao transgredirem a tradição dos afazeres domésticos, apontou-os como atos de violência doméstica e, atualmente, recebem o tratamento especial de entidades governamentais e não governamentais que consideram essas condutas destrutivas da condição humana, propondo-se políticas públicas para o seu enfrentamento.  
A punição aos atos de violência foi se inserindo então em resoluções, códigos e leis, no Brasil, ganhando reforço com a Lei 11.340, Lei Maria da Penha, sancionada em agosto de 2006, com vistas a incrementar o rigor das punições para esse tipo de crime. Uma síntese da Lei, na Introdução do texto, compromete essa preocupação:
Mais recentemente, em março de 2015 foi sancionada a Lei 13.104/2015, a Lei do Feminicidio, “classificando-o como crime hediondo e com agravantes quando acontece em situações específicas de vulnerabilidade (gravidez, menor de idade, na presença de filhos, etc.).” (Mapa da Violência 2015- Homicídios de Mulheres no Brasil). Não há unanimidade ainda nas definições dessa lei, sendo criticada por diversos operadores da lei e pelos movimentos sociais e de mulheres, contudo, os esclarecimentos sobre ela na pesquisa que foi realizada por Julio Jacobo Waiselfisz (Instituto Sangari, SP) utilizou como “ponto de partida para a caracterização de letalidade intencional violenta por condição de sexo (....)” que há feminicidio “quando a agressão envolve violência doméstica e familiar, ou quando evidencia menosprezo ou discriminação à condição de mulher, caracterizando crime por razões de condição do sexo feminino. “ (idem, p. 8).
A abrangência do termo violência inclui formas diferenciadas de agressão à integridade física, moral e psicológica das mulheres, implicando ainda em atos mais graves como assassinatos pelos maridos, crime que até bem pouco tempo era acobertado pela lei com a justificativa de que esses episódios fatais representavam “lavagem da honra”.
O ditado secular sexista “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”, até recentemente representava deferência à vida privada do casal, considerando que os “entremeios” de alcova diziam respeito somente ao par, mesmo que essa briga se tornasse geradora de uma ação de homicídio.
Para Heleieth Saffioti (1994: 44) “A violência masculina contra a mulher integra, assim, de forma íntima, a organização social de gênero vigente na sociedade brasileira.” Trata-se de uma cultura da hierarquia de poder que domina a estrutura social, sendo legitimada pela ideologia que criou papéis sociais com base nas diferenciações de sexo. As mulheres tendiam ser tomadas apenas pelo útero errante no seu corpo, visto que sua figura era colada à maternidade. “Talvez uma das maiores violências sofridas pelas mulheres tenha sido a própria construção de sua suposta “essência” como algo situado no útero”, diz Margareth Rago (199l: 2). Essa organização clássica ainda hoje se encontra instituída e é instituinte também, num contexto de dominação, visto que o lar e a maternidade ainda representam o lugar “natural” da mulher, e a rua e a política  configuram o espaço do homem.
A violência contra as mulheres não escolhe idade, raça e classe social, pois em todas essas situações já foram identificados casos graves com repercussões sociais, agravos na saúde tanto física quanto mental e já levaram as vítimas ao caminho da prostituição, das drogas e do suicídio. Os números mundiais são alarmantes, conhecendo-se somente os dados extraídos dos casos denunciados nas delegacias ou em tratamento hospitalar, pois há os fatos silenciados posto que as mulheres, sob o domínio do medo, calam a agressão, o estupro, para não serem tratadas discriminadamente e/ ou prevendo ameaças de morte de seus agressores.
Esses fatos são graves. Os movimentos de mulheres exigindo políticas públicas criaram mecanismos de informação para o reconhecimento das medidas interpostas na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher adotada pela OEA, em 6 de junho de 1994 e chamada “Convenção de Belém/PA” (porque assinada numa reunião internacional em Belém), ratificada pelo Brasil em 27 de novembro de 1995. Dar visibilidade a existência das agressões que as mulheres sofrem como “atos naturalizados” constituindo-se em violência doméstica, exige a punição aos culpados, medidas protetivas, atos de repúdio pelos Estados-membros da OEA, estratégias para a ruptura com a política do silencio.
Há duas questões para reflexão: a) a desinformação entre as mulheres e a sociedade em geral sobre a hierarquização das relações de gênero motivadores dos atos de violência contra esse gênero; b) a importância na inclusão dos homens nessas discussões visto que a política do sistema patriarcal motivou tipos de valores que definiram as hierarquias ainda hoje vigentes, a exemplo, a constatação do grande índice de violência doméstica e sexual praticadas contra as mulheres na sociedade e evidentes nos mapas que são construídos através de pesquisas nos centros de Saúde para onde são conduzidas as vítimas.
Neste registro sobre o fenômeno da violência doméstica e sexual contra as mulheres me coloco entre as pessoas que estão à frente dos movimentos de estímulo ao estudo da cultura desse tipo de violência denunciando a discriminação e a homofobia como anti-valores ancestrais que submetem secularmente o imaginário social em padrões estabelecidos de comportamentos aspirados para os dois sexos. E quando o modelo tradicional é perdido o grupo homofóbico se encarrega de criar outras leis para extinguir as que já existiam e que haviam trazido benefícios exemplares à vida das mulheres.

Obs. Imagem extraída do endereço 




sexta-feira, 20 de novembro de 2015

CONSCIÊNCIA NEGRA E DIREITOS HUMANOS

(imagem extraída de http://www.colegioweb.com.br/)

O Dia Nacional da Consciência Negra celebrada hoje, 20 de novembro, foi criado pelo Projeto-Lei número 10.639, no dia 9 de janeiro de 2003 (Art. 79-B), estabelecendo “as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir, no currículo oficial da Rede de Ensino, a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira" (...)”. Nesse dia, no ano de 1695, morrera Zumbi dos Palmares, o líder e chefe do mais famoso quilombo da história da escravidão no Brasil. A sua morte, resistindo contra o opressor branco, marcou a luta pela emancipação de uma etnia imposta como escrava no Brasil desde os primórdios da colônia portuguesa na América.
A escravatura existiu desde guerra, escravizados por dívida, por pirataria ou por mau comportamento a origem da civilização. Tratava-se de povos conquistados, prisioneiros de cívico, com evidências ainda àqueles com características físicas e de língua diferente dos conquistadores.
Em termos de Brasil, a escravidão iniciou-se na primeira metade do século XVI, com a produção de açúcar. Os colonizadores portugueses capturando os negros nas suas colônias na África utilizava-os no trabalho nos engenhos de açúcar no Nordeste. Comerciantes de escravos, mercadoria humana, escolhas entre os sadios, condições desumanas, mortes e submissão aos grilhões de ferro nos porões fétidos dos navios negreiros e/ ou quando nas senzalas eram acorrentados para evitar as fugas e submetidos a torturas físicas são evidências de um passado infausto desse povo cuja vida marcou a sua presença desde o Brasil Colônia. A história desse período é um dos mais cruéis momentos da humanidade e deste país. Da compra da liberdade por alguns, no Século do Ouro (XVIII) e da resistência política de outros, esse povo conseguiu manter sua cultura, exercitar seus rituais e falar sua própria língua ao organizar comunidades de quilombos.
Isto quer dizer que a abolição da escravatura tão festejada não foi algo dado para eles. Eles lutaram para chegar até ela. Historicamente se desenvolveu com a transição da Corte Portuguesa para o país e do Tratado de Aliança e Amizade de 1810, época em que o príncipe regente se comprometeu com a Inglaterra a abolir o tráfico negreiro. Esse tráfico só foi extinto quarenta anos depois, com a aprovação da Lei Eusébio de Queiroz e teve como reflexo a redução gradual da escravidão. Nessa época, o mundo conhecia as primeiras teorias cientificas de base racista. Surgiu, por exemplo, o “darwinismo social” e, no Brasil, começou a “preocupação com o branqueamento da população”. Essa ideia que se desdobrava entre a radicalização da diferença étnica, afinal um dos fatores da teoria nazista, e o estimulo à miscigenação como um meio de “diluir a cor negra”, caminhou com seu flagrante confronto na aceitação dos filhos de proprietários de terra com suas escravas. Segundo a professora Mary Del Priore em um artigo denominado “Entre a Casa e a Rua” (Revista “Aventura na História”/Ed. Abril), o conde Suzanet ,em 1825, afirmava que “as mulheres brasileiras (...) casavam-se cedo, logo se transformando, pelos primeiros partos, perdendo os poucos atrativos (...) e os maridos apressavam-se em substituí-las por escravas”. Mas sabe-se que não era só assim. Estas escravas eram estupradas, algumas mortas e a convivência com as “matronas” brancas submetia-as a uma outra forma de opressão e castigo por parte destas que se vingavam ao se sentirem em segundo plano na base de sedução do marido.
O livro “A Cabana do Pai Tomás”(escrito em forma de série, de 1850 a 1852) da escritora, filantropa e antiescravagista Harriet Beecher-Stowe teve ampla repercussão no processo de abolição da escravatura na América do Norte. Há versões de que ele ajudou na declaração da Guerra da Secessão rebelando, naquele país, o sul escravocrata. A autora foi uma das fundadoras do Partido Republicano que abraçou a causa do abolicionismo e o livro, por ser impulsionador da liberdade étnica, foi muito lido pelos donos de escravos, inclusive no Brasil. As mulheres desses comerciantes & industriais, especialmente na zona rural, tinham “A Cabana...” como leitura predileta. Isso valeu uma citação no romance “Sinhá Moça”(1950), de Maria Dezone Pacheco Fernandes, uma visão romântica do abolicionismo.
Mas, sabe-se que não foi fácil extinguir o estigma da escravidão a partir de um juízo de graus de etnia. O movimento abolicionista surgiu com o Iluminismo no século XVIII. O legado brasileiro da emancipação do negro contou com a colaboração de nomes famosos nas artes e letras. O poeta baiano Castro Alves chegou a bradar: “Não pode ser escravo/ quem nasceu no solo bravo/da brasileira região”. O pernambucano Joaquim Nabuco impulsionado pela experiência na infância, com escravos, lançou a obra “O Abolicionismo”, em 1883. José do Patrocínio, filho de um padre com uma negra, fez campanha contra a escravidão ao lado de Ruy Barbosa, Teodoro Sampaio, Aristides Lobo, André Rebouças e outros. Mesmo assim, com tantos nomes de vulto, inclusive políticos, dedicados ao abolicionismo, o Brasil foi o país que mais demorou em libertar oficialmente escravos. Havia forte pressão, especialmente dos proprietários sediados no campo. D. Pedro II temia um quadro bélico semelhante ao que aconteceu na América do Norte do governo Lincoln. Mas a Câmara era a favor da lei que afinal foi assinada pela filha de D. Pedro, a princesa Isabel, na sua fase de governante provisória em 1888.
Evidenciar o processo escravo e eliminá-lo das injunções econômicas através de leis e decretos foi um aspecto da luta pela libertação dos negros. O outro foi e tem sido introduzir a questão como elemento de conscientização antirracista, haja vista que desde muito, em especial do século XVII a XIX na Europa e no Brasil houve forte presença das teorias raciais com base cientifica demonstrativas da essencialidade do fenótipo africano onde a negrura era uma evidencia da degeneração da raça humana.
A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) patrocinou um conjunto de pesquisas sobre as relações raciais no Brasil, no inicio da década de 1950. Este projeto associava-se à agenda antirracista dessa instituição internacional que desde o final dos anos quarenta, estava impactada pela Segunda Guerra Mundial, quando o nazismo estimulou a grave exacerbação da degenerescência da mestiçagem humana pelo cientificismo sobre a raça ariana. Como aquela altura o Brasil apresentava imagem positiva em termos de relações inter-raciais se comparado aos EUA e o apartheid da África do Sul, este país se tornava um “laboratório” para "determinar os fatores econômicos, sociais, políticos, culturais e psicológicos favoráveis ou desfavoráveis à existência de relações harmoniosas entre raças e grupos étnicos".
Mas essa questão também era política e existencial para intelectuais negros organizados no período. Experiências mobilizadoras traduziram o outro lado da situação vindo dos movimentos negros que  se formavam no país alguns encabeçados por esses personagens.
A promulgação da Constituição de 1988 marcando o período de redemocratização do Brasil apontou para as demandas de discussões e de avanços nas decisões políticas reivindicadas pelos vários segmentos da sociedade, os movimentos sociais e o Movimento Negro. Assim, “A lei de preconceito de raça ou cor (nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989) e leis como a de cotas raciais, no âmbito da educação superior, e, especificamente na área da educação básica, a lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que instituiu a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-brasileira, são exemplos de legislações que preveem certa reparação aos danos sofridos pela população negra na história do Brasil” (http://www.brasilescola.com/ ).
Hoje a luta pelas rupturas do preconceito racial tem várias vertentes. E ainda há luta pela extinção do preconceito racial. Se Affonso Arinos lançou a lei que considera crime o racismo, muitos outros processos se institucionalizaram para a subversão das crime o racismo e muitos espaços como as universidades abrem vagas para negros e negras, a inserção no mercado de trabalho e valorização da cultura, a luta pela consciência do povo negro por sua identidade tem sido uma forma de militância dos grupos constituídos por agendas de demandas pelos direitos humanos.