São significativos os estudos internacionais que analisam o formato dos sistemas de democracia estável imersos em medidas institucionais e informais que deixam de fora a maioria do eleitorado sem representação (minorias étnicas, de gênero etc.). Procuram identificar como se dá esse processo de recrutamento político nesses sistemas ao se constituírem em degraus de uma escada que dá “passagem ao poder”.
Considerando que cidadãos/as ascendem ou descem esta escada em arranjos formais ou informais, explora-se o comoe o porquêuma pessoa se torna “política” (no sentido weberiano), e se para isso há uma escala de valores numa trajetória pessoal que cria um padrão de carreira onde estão centradas as motivações pessoais e partidárias dos aspirantes que desejam concorrer a um cargo parlamentar ou executivo; e quemestabelece o significado que têm esses valores enquanto responsáveis pela seleção partidária.
Na literatura anglo-americana os estudos sobre recrutamento político & padrão de carreira são explorados numa perspectiva comparada, sendo conhecidos os trabalhos de Pippa Norris e Joni Lovenduski (1995).
No Brasil, Fabiano Santos (2000: 89) diz que “a escolha dos representantes [tomadores de decisões nas democracias representativas], assim como a quantidade de vezes em que determinados políticos se reelegem, produzem impactos significativos na organização interna e na produção legislativa parlamentar. [...]... A decisão de recrutar e de manter legisladores nos órgãos representativos constitui um dos atos fundamentais da democracia”. O autor analisa o processo de escolha de parlamentares brasileiros em diferentes períodos históricos e os impactos dos filtros do padrão de carreira que corroboram para a eleição de determinados tipos de candidatos. Observa também a perspectiva de mudança na composição desses quadros em torno de categorias como gênero, geração, classe e profissão e o padrão de reeleição de competidores no que tange à competitividade eleitoral e ao grau de influência da experiência legislativa na definição da agenda decisória. O resultado a que chega centra-se num padrão de carreira legislativa imbricado no desempenho institucional, com perfis diferenciados ao serem comparados em dois períodos políticos (o autoritário e o redemocratizado) e cujo padrão de recrutamento tem sido afetado pelos poderes congressuais e ampliação de prerrogativas do executivo, tomando o rumo de importância a prática para a reeleição, a experiência política.
André Marenco (1997) aponta o ingresso de “outsiders” mais do que “raposas políticas” nos quadros legislativos nacionais, o que reforça o indicativo de que a prática política está perdendo vez para a renovação no padrão de carreira filtrado pelo eleitor enquanto selecionador de candidaturas, o que vem a demonstrar um “recrutamento mais embaralhado”.
David Julian Samuels (1998), ao perguntar qual a estrutura de carreira política no Brasil e quais conseqüências são observáveis sobre a ambição política dos candidatos, no país, explica, numa tese doutoral, em meio à metodologia qualitativa e fórmulas matemáticas, que os brasileiros não constroem carreiras congressionais (ou seja, declinam da reeleição num plano federal) porque estão mais interessados nas carreiras no plano local, diferentemente dos parlamentares norte americanos que apresentam alta taxa de candidaturas para reeleição. Quanto à hipótese motivacional, Samuels mostra que a decisão de candidatar-se, no Brasil, é do próprio aspirante à carreira política. Que os candidatos brasileiros buscam a reeleição, porém não buscam o carreirismo num plano federal porque os benefícios do plano municipal e estadual são maiores em relação aos custos de uma baixa visibilidade congressional num distrito como o Estado e numa representação plurinominal. E que o estudo da estrutura de carreira política não pode se resumir às questões micro, “mas as questões macro do desenvolvimento institucional e político, como mudança de regime e outras questões que interessam os teóricos democráticos”. A maior evidência empírica que o autor apresenta é sobre a ambição política do competidor. Diz ele que esta “...inicia e finda no nível subnacional, com o legislativo nacional servindo meramente como um trampolim para altos cargos tipicamente no ramo executivo do governo municipal e estadual”.
O sistema partidário brasileiro tem baixa institucionalização diz Scott Mainwaring (2001) comparando-o às novas democracias. Para ele “A escolha dos candidatos é um processo decisivo para os políticos porque a possibilidade de fazer progressos numa carreira pública exige disputar e ganhar uma vaga na lista do partido. As regras de seleção definem poderosos incentivos para os candidatos”. A escolha destes é determinante para a vinculação entre “os políticos e os partidos, como eles promovem o desenvolvimento de suas carreiras, os tipos de campanha que fazem, como procurar atrair votos, como atuam depois de eleitos e, por conseguinte, como partidos e políticos tentam representar seus eleitorados”. Para este autor, a compreensão do funcionamento da escolha de candidatos possibilita a apreensão de como funcionam os partidos, mas há pouco conhecimento desse processo na América Latina.
Na minha própria concepção, uma carreira política tende a acumular três níveis da trajetória pessoal de candidatos/as, que é o percurso que uma pessoa faz em várias áreas de sua vida. Na trajetória política, o capital social acumula-se em atividades nas práticas sociais e nos movimentos políticos. A trajetória profissional é a capitalização de valores no âmbito da profissão exercida. E a familiar agrega os valores de extração da base familiar quando estes vêm da elite geracional anterior. Assim, um/a candidato/a tem esse acúmulo como motivação e interesse à competição eleitoral.
(Publicado em "O Liberal" em 29/07/2010)
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