sexta-feira, 25 de março de 2011

OS CAMINHOS DA REFORMA POLÍTICA






Embora seja conhecido o diferencial entre reforma política e reforma eleitoral, os movimentos sociais têm outra versão sobre esses estatutos políticos. Para eles, a reforma política é muito mais abrangente e incide num amplo desenvolvimento do sistema democrático em que o cidadão e a cidadã se sintam realmente representados usufruindo os direitos que defendem.

Sabe-se que no Brasil a reforma política reúne um conjunto de propostas de emendas constitucionais e a revisão da lei eleitoral com objetivos variados: a eliminação da corrupção do meio político-partidário e eleitoral e do desgaste, na opinião pública, sobre a atuação dos políticos que representam as instituiçoes do país. Nesse caso, a reforma eleitoral serve de subsidio às mudanças que são pleiteadas para a saúde do sistema político brasileiro. Uma ênfase nessa preocupação de reformas é dar maior correspondência entre o voto do/a eleitor/a e o resultado das urnas, coincidentemente, uma maneira de responsabilização pública sobre a democracia representativa no país.

Constituida desde o inicio de março, a Comissão Especial da Reforma Política tem avançado nos debates iniciais e organização das emendas da proposta defendida para garantir a aprovação dos pontos vitais de saneamento do sistema eleitoral, devendo ainda ser submetido à aprovação do Congresso. Entretanto, alguns aspectos estão demonstrando que a sociedade civil espera ser ouvida no projeto da reforma, ou seja, precisa ter voz nas discussões que serão feitas sobre as questões levantadas. Assim, a deputada Luiza Erundina (PSB-SP) anunciou a criação da Frente Parlamentar Mista pela Reforma Política com Participação Popular que teve a assinatura de mais de um terço de senadores e deputados federais de vários partidos políticos e que foi instalada nesta quinta feira, 23. Para a deputada, essa Frente criará um ponto de convergência entre os trabalhos das duas Casas: “A reforma política não diz respeito só aos parlamentares, por isso, o propósito dessa Frente é fazer uma ponte com a sociedade para a discussão do tema – ela é um espaço amplo, plural, aberto para propostas, e que vai trazer o pensamento da sociedade a respeito desta questão”.

Outro ponto me pareceu importante: a iniciativa do Senado ao usar o DataSenado para uma pesquisa de opinião com o objetivo de captar as impressões da população brasileira em relação aos 11 temas discutidos pela Comissão Especial. Esta sondagem nacional realizada pelo telefone com cerca de 900 brasileiros maiores de 16 anos, residentes em 111 municípios está prevista de ocorrer até o próximo dia 28, com os entrevistadores fazendo 25 perguntas aos cidadãos/ãs. Haverá uma contextualização para informar melhor o entrevistado visto que uma parte significativa de pesssoas deconhece alguns itens que devem ser reformulados.

A mídia tem explorado cada item discutido e aprovado pela Comisão do Senado nos seus primeiros acordos entre os pares, como por exemplo, sobre o fim da reeleição e um mandato de cinco anos para presidente da República; o fim das coligações partidárias nas eleições proporcionais, haja vista que através desse sistema são eleitos os vereadores e os deputados estaduais, distritais e federais. Com isso, soma-se o número de votos de todos os candidatos da coligação saindo daí a divisão de cadeiras para esta última. Não foi decidido, ainda, qual modelo substituirá o sistema proporcional para esses cargos. Com certeza essa discussão incluirá o debate sobre o voto em lista fechada e preordenada (é o partido quem define a lista de candidatos) e o voto distrital ( divisão do país em distritos) em substituição ao atual sistema de voto em lista aberta.

Outros temas do projeto Lei de reforma incluem o financiamento de campanha, cuja proposta é aprovar o financiamento público, aplicando os recursos do fundo partidário administrado pelo TSE, sistema a ser usado somente para eleições de presidente, governador e prefeito. Presentemente as doações são feitas pelas empresas privadas e pelo setor público.

A questão da suplência de senador é outro ponto a ser arguido, posto que o/a eleitor/a vota no candidato ao senado e não no suplente escolhido pelo partido e que assumirá o lugar do titular por ausência ou renúncia deste.

A permissão para as candidaturas avulsas, o voto facultativo e não obrigatório, estão em discussão. Na verdade, se a preocupação é fortalecer os partidos ao mudar o sistema de voto, as avulsas ficam ser objetividade, a meu ver.

Sobre a filiação partidária e o domicílio eleitoral, o que se discute é o aumento do tempo exigido para a filiação de um simpatizante ao partido. Presentemente esse período é de 12 meses, mas há quem defenda 30 meses, o mesmo ocorrendo para o domicilio eleitoral.

A cláusula de barreira ou a cláusula de exclusão ou, mesmo, de desempenho, controla o número de partidos ao diminuir a atuação de legendas sem representatividade. A proposta é considerar o alcance de 2% do total de votos pelo partido, na eleição para a Câmara dos Deputados e não mais o estabelecido em 5%.

A mudança de partido ou a fidelidade partidária expõe a discussão sobre o tempo permitido para que o político eleito mude de partido. Alguns defendem uma autorização de seis meses antes das eleições. Quanto ao mandato, pertence ao partido e não ao eleito segundo determinação da Justiça eleitoral.

A articulação da Comissão Especial com a Frente de Participaçao Popular será um meio de construir propostas para a ampliação da gestão democrática das políticas públicas.


(Texto originalmente publicado em "O Liberal" -PA, em 25/03/2011. Imagem extraida de papopolitico.com.br)



segunda-feira, 21 de março de 2011

CASAMENTO ONTEM E HOJE



Tratar de um tema como o casamento é hoje um assunto que suscita polêmica tanto acadêmica, como também na opinião pública. No cenário social das várias épocas e dos mundos (ocidental e oriental) a representação do casamento explora ritos, cerimônias e uma base comportamental diferenciada. Se antes a História Social mostrava esse estatuto em países do ocidente em arranjos interfamiliares que funcionavam como concentração da riqueza derivada de heranças e valores, essa disposição das relações intrafamiliares foi dando espaço para outros arranjos, embora a origem social num contrato organize, de certa forma, as relações entre os casais.

Flores e vestidos brancos, ramos de flor de laranjeira ou de espinheiro na cabeça, ervas aromáticas perfumando o ambiente eram tradição nas cerimônias de casamento e se transformaram em símbolos, como o véu usado pela noiva - uma referência à deusa Vesta que no mito greco-romano era protetora do lar. Os romanos foram os primeiros a garantir a união de direito, monogâmica, com a noiva casando-se diante de juízes e de testemunhas, dentro das garantias da lei. Na Idade Média a escolha do noivo se tornou uma questão de família, com as meninas de 3 a 5 anos sendo obrigadas a um contrato de noivado reunindo em cerimônia, na igreja, os noivos, os pais e os convidados, havendo a troca de alianças. Nessa época, a cor vermelha e não o branco compunha o traje das núpcias simbolizando “sangue novo” para a continuidade da família. Entre os vários povos esse cerimonial e símbolos são diferenciados, mas estamos tratando da sociedade ocidental cristã.

Minha intenção não é um levantamento histórico do rito do casamento, mas evidenciar que essa instituição que antes formalizava um padrão de comportamento “natural” e um “destino” para mulheres e homens, confirmando a heterossexualidade e os papéis sociais e uma representação específica gerenciando a organização do lar e a procriação de filhos, hoje apresenta uma nova versão na construção da relação amorosa entre os principais atores que se agregam com intenção de serem parceiros numa união desse tipo.

Pesquisas sobre alianças matrimoniais no Pará têm tratado o tema como a tese de doutorado “Casamento e relações familiares na economia da borracha - Belém, 1870-1920” (USP, 2006) de Cristina Cancela (UFPA) que evidenciou o corte do ambiente sócio cultural distinto entre marcadores sociais do tipo gênero, idade, origem social dos nubentes, espaços e valores que indicam as maneiras de tecer as relações que construíram as práticas de nupcialidade entre homens e mulheres.

Outra tese de doutorado “Falando de amor: discursos sobre o amor e práticas amorosas na atualidade”, de Telma Amaral Gonçalves (PPGCS/UFPA, 2011) extraiu novos indicativos sobre a conjugalidade. A autora entrevistou nove casais entre parcerias heterossexuais e homossexuais femininas e masculinas de camadas sociais médias paraenses, avaliando a definição que estes pares criam sobre o amor e como isso se reflete na prática amorosa vivida por essas pessoas. Procurou demonstrar como o conceito de amor é pensado e como este sentimento é aplicado na vida diária, condicionando “a forma de o ser humano ser e estar no mundo.”

O meio termo entre estes dois recortes temporais sobre a conjugalidade pode ser avaliado na prática amorosa da geração dos anos 1960-1970. Os casais casados mantinham as normas que definiam as representações sociais próprias para o contrato que assumiam perante o juiz e o padre. As mulheres, contudo, não eram mais obrigadas pela família a casar-se com um pretendente escolhido. Deveriam, entretanto, obedecer aos ritos católicos e às normas do código civil. Havia um Estatuto que dispunha sobre a situação jurídica da mulher casada (Lei nº 4.121, de 27 de agosto de 1962).

Dessa perspectiva, o lar e a maternidade constituíram-se em funções “naturais” da mulher compondo-se modelos que inseriam fatores biopsiquicos para garantir toda a estratégia de poder subjacente a cada ordem e determinação de papéis e condutas, ou seja, funções que abonavam uma divisão política diferenciada entre homens e mulheres, em pactos hierarquizados de sobrevivência. Aproveitados pelas instituições sociais, políticas e econômicas estes pactos definiram posições estratégicas para os primeiros, enquanto às mulheres sobraram as determinantes de sujeição.

Hoje, outros estudos apresentam dados significativos sobre as estratégias desenvolvidas pelas mulheres ao negociarem as relações dentro do âmbito doméstico avaliando também quais resultados estas obtém a partir de uma política de “barganha patriarcal”, conforme trata Adelmam (1998). É demonstrado que há um eixo de negociação na relação conjugal, e se antes o acesso aos recursos sociais fundamentais privilegiava os homens havendo assimetria na relação, as mudanças operadas favorecem ganhos de recursos tradicionalmente “masculinos” às mulheres que têm procurado desenvolver um conceito de si próprias com direitos e autonomia em relação aos seus parceiros.
(Texto originalmente publicado no jornal "O Liberal" em 18/03/2011)

domingo, 13 de março de 2011

SÉCULO XXI - QUE DIREITOS AS MULHERES AINDA LUTAM PARA ALCANÇAR?












Na IV Conferência Mundial das Nações Unidas sobre as Mulheres: Ação Para Igualdade, Desenvolvimento e Paz, realizada em 1995, em Beijing, ao serem identificadas 12 áreas críticas como obstáculos a serem eliminados para o avanço social e político das mulheres, foi aprovada, pela maioria dos governos dos países membros, inclusive o Brasil, uma Declaração e uma Plataforma de Acção, onde as organizações envolvidas com a luta pelos direitos das mulheres debateram os problemas de desigualdade e violação dos direitos humanos, reinvidicando a adoção de medidas concretas que trouxessem a melhoria das condições de vida desse gênero.
Destacaram que havia necessidade de radicalizar sobre o item fundante da Convenção Mundial sobre Direitos Humanos de Viena (1993) de que “Os direitos humanos das mulheres e meninas são uma parte inalienável, integrante e indivisível dos direitos humanos universais”. Foram criadas, então, ações de reconhecimento, análise da situação das mulheres em dados estatísticos em todas as áreas; divulgação, planejamento e implementação de programas de políticas públicas, considerando as relações sociais culturalmente construidas das desigualdades entre os sexos; atualização de legislação de combate à discriminação das mulheres em todos os aspectos, incluindo-se ações afirmativas para o acesso a cargos públicos e de decisão política; e o acesso às oportunidades iguais no mundo do trabalho.
Cinco anos mais tarde, ou seja, em 2000, a ONU realizou uma Sessão Especial objetivando avaliar os resultados alcançados pós-Beijing, considerando os compromissos que haviam sido assinados pelos estados-membros das Nações Unidas. A situação das mulheres e a identificação dos avanços e consequente melhoria da qualidade de vida desse gênero, os entraves, os desafios e os recuos na promoção dos direitos das mulheres intensificaram os debates entre governos e movimentos de mulheres e feministas para atualizar as metas traçadas a partir de um novo cenário.

Através de ações efetivas com a visibilidade de situações discriminatórias no trato das mulheres, houve algumas melhorias na qualidade de vida desse gênero, haja vista que os movimentos de mulheres “bateram forte” nos obstáculos para sanear o impacto cultural da desigualdade vivida por elas.
Em 2004 a ONU estabeleceu 8 Objetivos de Desenvolvimento para o Milênio – ODM. Um documento consolidou as várias metas estabelecidas pelas conferências mundiais dos anos 90, para adoção pelos estados membros das Nações Unidas, objetivando alcançá-los até 2015. No Brasil são chamados de “8 Jeitos de Mudar o Mundo”, sendo eles: “1) Erradicar a extrema pobreza e a fome; 2) Atingir o ensino básico universal; 3) Promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres; 4) Reduzir a mortalidade na infância; 5) Melhorar a saúde materna; 6) Combater o HIV/Aids, a malária e outras doenças; 7) Garantir a sustentabilidade ambiental; 8) Estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento”.
Dois desses objetivos, o terceiro e o quinto, se referem, especificamente, à situação das mulheres, embora os demais tangenciem aspectos que repercutem na vida das mulheres. Somente estes dois itens dariam um tratado para explicitar de que forma foram disseminados, elaborados, implementados programas e políticas em várias áreas sociais e políticas de empoderamento para afastar o grande fantasma da violência doméstica e sexual contra as mulheres e o seu acesso a espaços de poder político.

O Brasil apresentou um nono objetivo, considerando que embora melhorem as estatísticas gerais das oito metas, elas seriam em vão se não fossem oferecidas condições iguais a todas as etnias. A partir de 2006, a ONU estabeleceu um novo item para o Brasil: “Os objetivos do milênio sem o racismo”. Ou seja, os oito objetivos principais só serão dados como cumpridos se, até 2015 “brancos e negros estiverem em condições iguais”.

Pergunta-se: com tantas batalhas e conquistas que já foram travadas secularmente pelos movimentos de mulheres e feministas para solucionar a discriminação contra as mulheres e atingir as metas do milênio, o que ainda falta alcançar mais objetivamente?
Minha perspectiva de estudos, numa visão mundial, evidencia, pelos menos, três pontos vitais que ainda não foram alcançados:



1). A conciliação da vida privada/doméstica com a profissional. Com o trabalho fora de casa devido o aumento da profissionalização feminina, as mulheres ainda mantêm, sozinhas, os encargos domésticos sendo “cobradas” por isso e, muitas vezes, se culpando “de não darem conta do trabalho”. Não há divisão sexual do trabalho.
2). Baixa (ou às vezes nula) participação das mulheres em lugares de decisão política quer seja na área parlamentar, no executivo, empresarial, religiosa, militar etc. Esses lugares se mantêm num formato masculino de poder e têm agregado menos mulheres. Por isso, a política de ações afirmativas onde as quotas por sexo (na representação parlamentar) tem sido um instrumento de inclusão bastante defendido pelos movimentos de mulheres.
3). A elininação das várias formas de violência contra as mulheres apesar de todas as denúncias, medidas protetivas, a aplicação da Lei Maria da Penha (no caso do Brasil), ainda não foi alcançado em nivel mundial. Embora esses níveis de violência sejam identificados em vários espaços da sociedade, principalmente no doméstico, as discriminações que as mulheres sofrem devido à cultura sexista de um modelo feminino tradicional, ainda arrefecem a luta pela eliminação de todas as formas de violência registradas na carta assinada na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher ou "Convenção de Belém do Pará" (1994), adotada pela Assembléia Geral da ONU. (Texto publicado em "O Liberal",PA, em 08/03/2011)







sexta-feira, 11 de março de 2011

POLÍTICA DE REFORMAS SOCIAIS



As comemorações e referências na mídia e redes sociais sobre o Dia Internacional da Mulher revelaram-se pródigas em pelo menos dois pontos: a) mostrar à sociedade letrada ou não o que até hoje foi conquistado para que a metade do mundo humano atingisse uma vida de qualidade; e b) evidenciar custos e ganhos dessas conquistas para as novas gerações.

No primeiro aspecto, a política das mulheres sempre foi em busca de algo que a elas não chegava, embora uma parte de seus parceiros humanos já usufruisse sem ter assediado as instituições para garantir direitos. E aqui não se pode deixar de referir à formação do movimento feminista que teve e tem peso nas pressões sociais contra a exclusão desse gênero dos beneficios de cidadania. Mas o termo “feminismo”, malvisto, ao ser entendido como “a loucura de mulheres que querem tomar o lugar dos homens”, hoje, ao ser mencionado, ainda conserva o preconceito, com menos custos, mas, de certa forma, ainda impactando quando a palavra é pronunciada.

Na primeira onda feminista ocorrida deste o século XVIII seguindo-se durante o século XIX e início do XX, vê-se que o embate desse movimento se dava em função da igualdade de direitos que estavam sendo distribuidos sem que as mulheres fossem pensadas como partícipes desse “banquete”. Olympe do Gouges (1748-1893) ainda no século XVIII, ao ter acesso à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão como estatuto das necessárias mudanças políticas e sociais exigidas à nobreza decadente pela burguesia nascente em 1789 (Revolução Francesa) não encontra representação às mulheres do “Cercle Social” do qual faz parte, nos dizeres do documento e escreve uma “Declaração dos Direitos das Mulheres e das Cidadãs”, em 1891. Não percebeu, nos escritos dos revolucionários jacobinos, a demanda de suas companheiras que não tinham direito a voz nem a voto, mas que através de seus “cahiers doléance” (cadernos de argumentação) registravam suas queixas e repassavam aos líderes da ocasião, para que fossem lidas nas assembléias. Em 3 de novembro de 1793, Olympe de Gouges foi guilhotinada a mando do Procurador Chaumette porque estava me interpondo em “coisas próprias dos homens”.

Mas as reformas pleiteadas no século XIX, além do direito do voto que incluiria as mulheres na cidadania política pelo efeito desse estatuto, focava também na demanda pela igualdade nos direitos de propriedade e de contrato às casadas que se viam submissas aos maridos nesse quesito; à educação mais alargada, aos empregos qualificados. Havia mulheres desse período que já pleiteavam os direitos sexuais e econômicos. Mas é à campanha pelo sufrágio feminino que vai ser dada maior ênfase quando as ativistas sufragistas fazem greve nas portas dos parlamentos, se amarram nas cercas do Capitólio e/ou são presas e submetidas à torturas (cf. “Anjos Rebeldes”, EUA, 2004).

Novas pressões às reformas sociais e políticas foram abrigadas numa segunda onda do feminismo, com atividades no inicio da década de 1960. A onda anterior não sofreu uma “parada”, mas uma sequência e inclusão de novas demandas por direitos e ainda pelo sufrágio, haja vista que mulheres de muitos países ainda não votavam (cf. IPU - http://www.ipu.org/ ).

Nos anos sessenta, a preocupação maior das ativistas era em torno de questões das desigualdades e da eliminação da discriminação. Sinônimo desse periodo é a bandeira erguida em torno do “o pessoal é político” com as discussões inscrevendo a identificação das desigualdades sociais e políticas das mulheres inseridas em sua própria vida com identificação das posições sexistas e estruturas de opressão às profissões, ao trabalho qualificado, aos baixos salários à ocupação de cargos de chefia etc. Esse momento foi marcado pela publicação do livro de Betty Friedan (1921-2006) , “A Mística Feminina” (1963) que se tornou um best-seller.

Na argumentação a autora explora o papel das mulheres operárias de indústrias, das donas de casa e suas inplicações na dupla jornada de trabalho conivente com a política dos sistema capitalista opressor; levando-as a pensar em independência financeira e realização profissional . Dessa fase, foi deflagrada a “Women’s Liberation”, em 1964 , mas o que ficou no imaginário social foi a “queima dos sutiãs” em uma praça pública dos EUA, símbolizando o rompimento com a hegemonia sexista da sociedade. Em 1975, o Ano Internacional da Mulher designado pela ONU apontava as reformas pretendidas até ali pelas mulheres como situações necessárias de serem tratadas pelos organismos internacionais de direitos humanos.

A terceira onda feminista com ativismo continuado das duas outras, tem expressão maior no início da década de 1990, levando ao desafio as próprias feministas que desde a segunda onda já denunciavam que o ativismo até ali definia as experiencias de “ mulheres brancas e de classe média média e alta”. A inserção da questão etnica assenta mais uma necessidade de pensar a reforma social feminina pela cor e pela classe social, à quebra dos essencialismos e a “feminilidade neutra” como se os grupos estivessem tratando de todas as mulheres. Mas não era assim.

No aspecto de custos e ganhos para as novas gerações, a questão da sexualidade, dos direitos reprodutivos, da violência doméstica, da “micropolítica” desafiam as maneiras de enfrentar as reformas sociais hoje. E vão continuar até consideramos que há um mundo justo e sem desigualdades.

(Texto publicado originalmente em "O Liberal", PA, em 11/03/2011)

terça-feira, 8 de março de 2011

DOUTORAS !



















Hoje, DIA INTERNACIONAL DA MULHER procurei inúmeras frases, histórias, enfim, me preocupei em deixar neste espaço de crônicas, uma homenagem a todas as mulheres do mundo como celebração de muitos feitos que temos realizado. Há algum tempo, minha amiga Alicinha Nicolau da Costa, do RJ, me enviou uma mensagem em Power Point que me marcou muito. Hoje fui procurar e percebi que não há um/a autor/a, mas achei-a propícia para sentirmos o quanto certas mulheres são desconsideradas em sua profissão pelo olhar de uma sociedade que não sabe valorizar o conceito de trabalho. O trabalho doméstico é tido como "tarefa", "obrigação", mas não como trabalho. Por isso, deixo esta mensagem para pensarmos em tantas mulheres que ainda hoje são discriminadas por terem esse trabalho e também pensar nas nossas queridas mães, avós, bisavós, tias enfim, em tantas mulheres que nos amaram e nos trataram e podem hoje ser chamadas de doutoras (sem aspas, mesmo).
Feliz Dia Internacional da Mulher para todas nós!(LA)



“Não se preocupe por não poder dar aos seus filhos o melhor de tudo... Dê a eles o seu melhor.” ( Autor desconhecido )


Certo dia, uma mulher chamada Anne foi renovar a sua carteira de motorista. Quando lhe perguntaram qual era a sua profissão, ela hesitou. Não sabia bem como se classificar. O funcionário insistiu: "o que eu pergunto é se tem um trabalho."
"Claro que tenho um trabalho", exclamou Anne. "Sou mãe."
"Nós não consideramos isso um trabalho. Vou colocar dona de casa", disse o funcionário friamente. :

Uma amiga sua, chamada Marta soube do ocorrido e ficou pensando a respeito por algum tempo. Num determinado dia, ela se encontrou numa situação idêntica. A pessoa que a atendeu era uma funcionária de carreira, segura, eficiente. O formulário parecia enorme, interminável. A primeira pergunta foi: "qual é a sua ocupação?" Marta pensou um pouco e sem saber bem como, respondeu: :
"Sou doutora em desenvolvimento infantil e em relações humanas."
A funcionária fez uma pausa e Marta precisou repetir pausadamente, enfatizando as palavras mais significativas. Depois de ter anotado tudo, a jovem ousou indagar; "Posso perguntar, o que é que a senhora faz exatamente?" :
Sem qualquer traço de agitação na voz, com muita calma, Marta explicou:
"Desenvolvo um programa à longo prazo, dentro e fora de casa."

Pensando na sua família, ela continuou:
"sou responsável por uma equipe e já recebi quatro projetos. Trabalho em regime de dedicação exclusiva. O grau de exigência é de 14 horas por dia, às vezes até 24 horas." À medida que ia descrevendo suas responsabilidades, Marta notou o crescente tom de respeito na voz da funcionária, que preencheu todo o formulário com os dados fornecidos.
Quando voltou para casa, Marta foi recebida por sua equipe: uma menina com 13 anos, outra com 7 e outra com 3.

"Mãe, onde está meu sapato? Mãe, me ajuda a fazer a lição? Mãe, o bebê não pára de chorar. Mãe, você me busca na escola? Mãe, você vai assistir a minha dança? Mãe, você compra? Mãe..." :

Subindo ao andar de cima da casa, ela pôde ouvir o seu mais novo projeto, um bebê de seis meses, testando uma nova tonalidade de voz. Feliz, Marta tomou o bebê nos braços e pensou na glória da maternidade, com suas multiplicadas responsabilidades. E horas intermináveis de dedicação...

Sentada na cama, Marta pensou: "se ela era doutora em desenvolvimento infantil e em relações humanas, o que seriam as avós?"
E logo descobriu um título para elas: doutoras-sênior em desenvolvimento infantil e em relações humanas.
As bisavós, doutoras executivas sênior.
As tias, doutoras-assistentes.
E todas as mulheres, mães, esposas, amigas e companheiras: doutoras na arte de fazer a vida melhor.

Num mundo em que se dá tanta importância aos títulos, em que se exige sempre maior especialização, na área profissional, torne-se um(a) especialista na arte de amar.

Envie esta mensagem a todas as mulheres... Mostre-lhes que sempre existe “um tempinho” no qual você estará pensando nelas.... :

Deixe uma mulher feliz...Hoje... E sempre!!! E principalmente... :

SEJA FELIZ VOCÊ TAMBÉM!!!

sexta-feira, 4 de março de 2011

REFORMA ELEITORAL E O VOTO DAS MULHERES


Por reconhecer a importância da reforma política que se inscreve, neste começo de legislatura e do novo executivo federal, como um item importante que vem somar ao reconhecimento de cidadãos e cidadãs brasileiros/as não só sobre a memória do que já foi conseguido neste âmbito, mas sobre a forma de participação do demos na ampliação da polis mantenho o tema para contribuir na publicização das informações necessárias ao reconhecimento do que já foi mudando em nosso sistema eleitoral.

Uma data importante para as mulheres e para o povo brasileiro em geral, registrada no dia 24 de fevereiro, e a proximidade do Dia Internacional da Mulher, a ser comemorado no próximo dia 08, exigem que o assunto da reforma política seja o eixo deste texto. Comprometida com a questão dos direitos das mulheres não serei eu a perder a oportunidade deste registro, haja vista que segue o tema-chave.

No dia 24 de fevereiro de 1932, foi promulgado o 1º Código Eleitoral brasileiro, através do Decreto 21.076, adotando o voto direto, obrigatório e secreto e o sufrágio universal, onde foi, finalmente, formalizado o direito de voto das mulheres.
É possivel avaliar, com esses novos recursos de alargamento da polís, o indicativo de que a nossa democracia ainda dependia de certos ajustes para inclusão de cidadãos/ãs.
Com novas forças no poder emblematicamente reconhecidas sob os princípios do programa da Aliança Liberal, o sistema eleitoral, a partir de 1930, sofreu mudanças alterando o status quo existente na política praticada entre as oligarquias da 1ª República. O governo provisório de Getulio Vargas criou uma Comissão Legislativa que deveria rever a legislação existente e, ao apresentar novo projeto, modificar as atribuições eleitorais da Constituição de 1891 que, apesar dos méritos de ter adotado o federalismo e o presidencialismo, havia deteriorado o sistema com as fraudes (eleições “bico de pena”, atas falsas etc) e com a verificação de poderes, criando o chamado “terceiro escrutínio” ou a “política dos governadores”.
O Código Eleitoral de 1932 foi o primeiro vigente no país, surgindo com ele o direito eleitoral brasileiro. Até então, este sistema era regido através de Leis e Decretos que criaram modificações substantivas às normas eleitorais. No novo estatuto legal, as mais importantes características foram para a instituição do voto feminino e a adoção do voto universal direto e secreto (Art. 56). O Art. 2º caracteriza o eleitor pela idade (maior de 21 anos) e desconsidera o vínculo do cidadão neutro. A ênfase à qualificação do eleitor “sem distinção de sexo” concedia à mulher o voto que lhe fora negado, sem que estivesse explícita em lei a sua exclusão em qualquer matéria constitucional. Embora o código não apresente nenhuma cláusula restritiva ao tipo feminino investido da cidadania pelo voto, na Constituição de 1934 um ajuste tempestivo foi inscrito no Art. 109: “O alistamento e o voto são obrigatórios para os homens e para as mulheres, quando estas exerçam função pública remunerada (...)”.
O voto concedido às mulheres se manteve de forma seletiva, embora não tenha agregado os dispositivos iniciais inscritos no anteprojeto do Código, que estavam redigidos da seguinte forma, segundo Walter Porto (2000):
“Art. 8º - São admitidos a inscrever-se eleitoras desde que preencham as demais condições legais: a) mulher solteira sui juris que tenha economia própria e viva de seu trabalho honesto ou do que lhe rendam bens, empregos ou qualquer outra fonte de renda lícita; b) viúva em iguais condições; c) a mulher casada que exerça efetivamente o comércio ou indústria por conta própria ou como chefe, gerente, empregada, ou simples operária de estabelecimento comercial ou industrial, e bem assim que exerça efetivamente qualquer lícita profissão, com escritório, consultório ou estabelecimento próprio ou em que tenha funções, devidamente autorizada pelo marido, na forma da lei civil;

Art.9º - Ainda são alistáveis, nas condições do art. Antecedente: a) a mulher separada por desquite amigável ou judicial, enquanto durar a separação; b) aquela que, em conseqüência da declaração judicial da ausência do marido, estiver à testa dos bens do casal, ou na direção da família; c) aquela que foi deixada pelo marido durante mais de dois anos, embora esteja este em lugar sabido”.
Nestes dispositivos, as eleitoras estão referidas segundo duas características: o estado civil e a dependência econômica relacionada à civil. Demonstra a forte conexão com o casamento e com a ocupação exercida de forma livre, mas sob a autorização do marido para qualquer “profissão lícita”. O contraditório é que o trabalho fora do lar e a instrução até bem pouco tempo não se constituíam preocupações maiores da sociedade que, então, ditava as normas da cidadania política das mulheres.

Essas restrições contidas no anteprojeto não foram para o corpo da lei. Nas discussões da Constituição de 1934, dois movimentos feministas da época, a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino presidida por Bertha Lutz, e a Aliança Nacional de Mulheres, dirigida por Natércia da Silveira, prestaram ampla contribuição nesse documento.

Há mais lutas e conquistas a partir daí nas reformas eleitorais pelos direitos políticos das mulheres. Mas pelo menos em 1932 passamos a ser cidadãs de 1ª categoria.
(Texto originalmente publicado em"O Liberal", de 04/03/2011. A foto de Carlota Pereira de Queiroz é clássica e registrada em vários livros.)