quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

O VOTO FEMININO, O SUFRAGISMO PARAENSE E OS NOVOS TEMPOS


Primeiras brasileiras a exercerem o direito do voto 

Há 84 anos, no dia 24 de fevereiro de 1932, foi promulgado o 1º Código Eleitoral brasileiro, através do Decreto 21.076, adotando-se o voto direto, obrigatório e secreto e o sufrágio universal, onde foi, finalmente, formalizado o direito de voto das mulheres. Entre essa conquista e as lutas empreendidas para o alcance desse passo na cidadania feminina, um grupo de mulheres lideradas por Bertha Lutz e parte da sociedade brasileira se movimentaram desde os primeiros anos da década de vinte. Sobre essas ações, considerando a presença das mulheres paraenses em movimentos políticos instigativos extrai fragmentos da história desse processo no Pará para a minha dissertação de mestrado tornando visível os avanços que nossas conterrâneas impuseram no processo.
Desde a década de 1920, a sociedade paraense presenciou o debate sufragista. Em 1923, Orminda Ribeiro Bastos, advogada e jornalista, posiciona-se através da imprensa, desenvolvendo pontos positivos e negativos que ela considerava essenciais nas reivindicações do movimento emancipacionista instalado no sul do país, através da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. Faz conferência para a Liga Cooperativa das Operárias de Fábricas, enfatizando a necessidade de instrução como ponto fundamental para a ascensão da mulher na luta pelos seus direitos políticos.
A imprensa da época exala um forte anti-sufragismo nos textos que publica. A ideologia dominante na sociedade reafirma a reprodução dos papéis sexuais, aprisionando a mulher em nome de uma suposta fragilidade biológica, em um campo de atividades menos valorizadas socialmente. Mostra-a "imperfeita e frágil" para suportar a "dureza" imposta pelas condições da política, enquanto o homem, "forte e perfeito" é "talhado" para assumir o espaço público e político. Esse discurso reforçava ainda a concepção sobre a ignorância cultural da mulher apta apenas a mexer "panelas e mingaus". O confronto atinge as raias do paroxismo, quando a prática sufragista é invocada para estabelecer dúvidas à honra da "mulher-cidadã".
O direito do voto levaria a abertura de outro caminho até ali restrito aos homens, a atividade político-partidária, concedendo às novas "cidadãs" o direito de ombrear-se aos "varões" de igual para igual. No discurso de alguns anti-sufragistas deste período, subjaz, de alguma forma, a preocupação com essa provável "igualdade", pois estes desconfiavam que a concessão do direito do voto, levaria, cedo ou tarde, à efetiva representação parlamentar das mulheres, campo restrito da política partidária.
Em 1929 as paraenses Maria Aurora Pegado Beltrão e Corina Martins Pegado solicitam ao Juiz Federal o alistamento eleitoral, mas o arrazoado jurídico contrário à solicitação arvorou-se na justificativa de uma ruptura com a imagem tradicional da mulher.
Orminda Ribeiro Bastos é, sem dúvida, a liderança pioneira do sufragismo paraense da década de 1920. Sua figura mantém um nível equilibrado no debate jornalístico, apresentando suas próprias dúvidas sobre a concessão irrestrita do voto à mulher e à filiação do movimento brasileiro ao movimento norte-americano. Seu compromisso evidencia maior instigamento ao interesse cultural que deveria pautar a preocupação da mulher às suas condições de desigualdade com o sexo oposto. A "anarquia social" vivenciada pelo sistema político brasileiro e o "mau caminho" que tomaria o voto feminino, nessas condições, preocupam Orminda.
É somente em meados de 1931, já instalada, portanto, a revolução de trinta, que se organiza o núcleo feminista, no Pará. A “Folha do Norte” de 12 de junho de 1931 dá o tom da notícia referindo as principais repercussões do movimento em nível nacional. Do registro dos nomes das sufragistas paraenses à frente da associação feminista, identificam-se mulheres com expressão no meio das letradas. O Núcleo Paraense pelo Progresso Feminino é instalado oficialmente em 21 de junho de 1931, constituindo-se uma diretoria provisória sendo indicada Presidente de Honra a esposa de Justo Chermont, Izabel Justo Chermont.
O processo histórico da instalação do movimento sufragista paraense tem uma aura particular e os dados levantados identificam as personalidades femininas de mulheres letradas que organizam o movimento. Mas há um ponto dissonante: são mulheres espíritas que seguem à frente do movimento e, com isso, o sufragismo inicial neste estado favorece discursos inflamados contra elas do clero católico, a exemplo, os escritos da Folha do Norte assinados pelo Padre Florence Dubois.
Deslocando os avanços da cidadania feminina nacional para os dias atuais pergunta-se: o que representou a conquista do voto pelas mulheres brasileiras na ascensão aos cargos eletivos proporcionais e majoritários considerando que esse valor era o mote da participação feminina nesses espaços de poder? 
Num processo continuo, mas incipiente de avanços, vê-se que a nova legislatura iniciada em 2015 cresceu muito pouco em relação a anterior. No Senado, 11 mulheres representam 13,6% dos 81 senadores. E nas Assembleias Legislativas houve o maior número de mulheres candidatas em eleições gerais, mas somente 11,33 % ou 120 parlamentares eleitas. O número de deputadas estaduais e distritais diminuiu 14,89% ao compará-lo à bancada de 2010.
Quanto ao Pará, o eleitorado feminino é de 50,21%, aumentando em relação às eleições de 2010 que era 49,92%. Sobre as candidaturas de representação parlamentar, vê-se que de um total de 170 candidatos para a câmara federal, 31,76% eram mulheres. Nesse caso, este estado que apresentava 5,9% proporcional ao número de cadeiras (17) cresceu para 17,64%, uma vez que elegeu três mulheres, sendo uma reeleita e duas novas. Para deputado estadual, de 637, havia 182 candidatas ou 28,57% do total, contudo, em 2010 tínhamos 7 mulheres eleitas, e no pleito de 2014 reduziu-se para 3.

A não opção das mulheres por um cargo eletivo tem muitos componentes entre os quais a cultura sexista, falta de financiamento de campanha e outros itens da agenda política.