quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

AS DATAS, NO CALENDÁRIO DA VIDA





Há 39 anos, o dia 22 de dezembro marcou uma celebração na minha vida. Nesse dia, acompanhada do pai, dos irmãos e do marido, fui receber meu diploma de concluinte do Curso de Ciências Sociais (Licenciatura)/UFPA, no Ginásio de Esportes, ato institucional realizado em conjunto com os/as alunos/as concluintes dos vários cursos universitários.
Não tive fotos para o registro. Lembro do vestido longo que tomei emprestado de uma sobrinha. Era da cor da pele, de gaze, comprido, rebordado no corpinho. Senti que eu realizaria um sonho de conquistar um título universitário que não estava no script de muitas mulheres da minha geração cujo destino era casar-se e ter filhos. E meu pai, naquela humildade tão assustadora para os dias de hoje declinou de ser meu paraninfo dando a sua vez ao meu marido. Como todo o interiorano de fala fácil ele argumentou: “o Pedro esteve estes anos ao seu lado de estudante”. Eu aceitei, e o marido, em relutância, mas fomos à celebração, às 16 h desse dia.
Rostos, naquele mundo de colandos, não vi, salvo de alguns da minha turma. O orador Alex Fiuza de Melo, escolhido para o ato, foi sorteado em meio aos demais apresentados pelos outros cursos elegendo-se a Rose Salame. Ainda hoje guardo o folheto com o nome de todos os universitários em suas turmas, paraninfos e oradores, do ano de 1977.
Registros. Saudade. Avaliação. Reavaliação da vida acadêmica que passei a exercer. A Ciência Política, tendo como decano da matéria Amílcar Alves Tupiassu, foi minha paixão, como até hoje.
Um mundo novo surgiu então. Ministração de aulas no ensino da graduação. Tempo de estudos com os colegas para a preparação dessas aulas sob a orientação do Amílcar (que revisava conosco os temas os quais deveríamos tratar). Toda a quinta feira a noite, após nossas aulas no campus, nos reuníamos em casa para repassar o que sabíamos ou não, do programa das disciplinas, e o modo de transmitirmos, o que usar, como usar. Eram seminários internos para preparação das aulas.
A Antropologia nos faz criar os enredos etnográficos sobre o processo entre os viveres e saberes. E desse procedimento aprendi a importância de entender como conciliar um casamento, as crianças crescendo, outras nascendo, indo por ai o calendário existencial.
Sobrevivi. Aprendi na UFPA os inúmeros formatos e conhecimento de áreas temáticas, de relacionamentos, de regras a considerar. E se o percurso foi exitoso em nível pessoal caminhou com as mudanças para a inclusão relacional diversa. Desenvolvi estudos sobre as teorias feministas pesquisando e examinando, inicialmente, a situação das mulheres. E aqui quero registrar a linha do feminismo que assumi e que favorece a inclusão de todos e todas, o qual chamei de feminismo para a humanidade. Não somente para as mulheres, mas para estas e os demais gêneros e etnias, procurando identificar de onde emergem as ideias que se impregnam como cultura de hierarquia sexista que estão arraigadas nos corações (há pessoas com ódio impregnado) e nas mentes (atitudes nefastas e, às vezes, camufladas perpetrando embates que as vezes levam à morte). Quero dizer, esse feminismo para a humanidade converge para conquistar outras pessoas com reconhecimento dos direitos das mulheres, das raças, dos gêneros – dos direitos humanos. Assim, nesse calendário que estou revisando hoje reafirmo o meu respeito por aqueles e aquelas que em suas análises críticas respeitam os seres humanos favorecendo assim, a melhoria da qualidade de vida de todos e todas. Que não se calam diante das arbitrariedades cometidas pelos fundamentalismos homofóbicos e racistas. Que criam espaços para subverter as culturas e práticas de violência contra as mulheres, negros e os gêneros – espécies humanas que hoje são torturadas e mortas em nome de uma sociedade que pode ser chamada de patriarcal racista contemporânea.
HOJE. UMA DATA. UMA VIDA. UM PERCURSO. UM CALENDÁRIO DE EMOÇÕES E AFETOS.
UM ABRAÇO AS/AOS MEUS COLEGAS DE TURMA! UM ABRAÇO AOS NOSSOS PROFESSORES!


sábado, 10 de dezembro de 2016

OS DIREITOS HUMANOS, A CARTA DE 1948 E A LUTA DAS MULHERES





Comemora-se hoje o Dia Internacional da Declaração dos Direitos Humanos. Os altos níveis de violência mundiais perpetrados contra a pessoa revelam a baixa conscientização sobre o que representou a assinatura dessa Carta pelas Nações Unidas e que tem pautado suas campanhas na luta contra a discriminação e os processos de violência contra os humanos.
Os trinta artigos do documento descrevem os direitos básicos garantidores de uma vida digna para todos os indivíduos (liberdade, educação, saúde, cultura, informação, alimentação e moradia adequadas, respeito, não-discriminação, entre outros).
Secularmente, há uma longa história de debates entre filósofos e juristas acerca da concepção dos direitos humanos, considerando o início dessas discussões a área da religião, com o cristianismo medieval defendendo a igualdade de todos os homens, admitindo a teoria do direito natural. Mas, se reconhecem a centralidade dos indivíduos numa ordem social e jurídica justa, sobrepõem a prevalência da lei divina sobre o direito laico e, a partir dai, há uma outra vertente de discussões que não cabe avaliar neste momento.
Com a teoria dos direitos naturais ou jus naturalismo (século XVII) que fundamenta o contratualismo de onde desponta a doutrina liberal, o direito à vida, à liberdade, à propriedade, à segurança e à resistência contra a opressão serão considerados os direitos naturais do indivíduo. E constam do Art. 1 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, assinada em 26 de agosto de 1789, na Revolução Francesa. A Declaração de Independência da Revolução Norte Americana, de 4 de julho de 1776, portanto, anterior à francesa, compõe com esta as primeiras manifestações concretas de declarações de direitos, na era moderna. São fatos históricos que determinam que os direitos humanos se associem, primeiramente, aos direitos individuais e as liberdades públicas, contribuindo para os limites à competência do poder público.
Os Direitos Humanos vão adquirir estatuto próprio durante o Século XX, a partir de 1945, com a declaração firmada na Carta de fundação das Nações Unidas (24 de outubro de 1945), quando as experiências de guerras mundiais demonstram a necessidade da consolidação desses direitos através da criação de um sistema internacional de proteção, para estabelecer e manter a paz no mundo. 
A Declaração Universal dos Direitos do Homem concretizada na Carta das Nações Unidas, adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembleia Geral da ONU em 10 de dezembro de 1948, procura “reafirmar a fé nos direitos fundamentais dos homens, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos de homens e mulheres e das nações grandes e pequenas”(cf. Chiarotti & Matus, p. 8). No postulado básico que declara os direitos iguais pela condição de pessoa, remete a uma nova perspectiva de igualdade entre os seres humanos visto que considera sua diversidade e diferenças.
A formulação dessa declaração como direitos humanos (não como “Direitos do Homem”) vem da presença de Eleanor Roosevelt na Comissão de Direitos Humanos da ONU, ao discutir a redação da Carta. Ela propõe que a palavra homem seja substituía pelo termo humano ou pessoa, iniciando-se um processo que vem sendo defendido historicamente pelas mulheres e feministas, de rupturas ao sujeito genérico e universal, passando assim a ser incorporada à Declaração Universal.
Os direitos civis e políticos constantes da Carta centram-se “na proteção à liberdade, à segurança e à integridade física e moral da pessoa, além da garantia ao seu direito de participação na vida pública” (p.9). São chamados de Direitos Humanos de Primeira Geração.
Na segunda metade do Século XX, a concepção e os conteúdos dos direitos humanos sofrem mudanças importantes com “a noção de direitos econômicos, sociais e culturais, referidos à existência de condições de vida e de acesso aos bens materiais e culturais, de acordo com a dignidade inerente a cada ser humano” (idem). Este novo conjunto de direitos nomeia-se Direitos Humanos de Segunda Geração.
Os de Terceira Geração emergem na Carta como produto das lutas dos diversos movimentos sociais das últimas décadas, constando os “direitos a respeito das ofensas à dignidade humana, tão graves como a tortura e a discriminação racial. Outros direitos estão orientados a proteger certas categorias de pessoas: mulheres, crianças, refugiados, negros entre outros. Também existem os chamados “direitos coletivos”, entre os quais podemos citar o direito ao desenvolvimento, o direito ao meio ambiente e o direito à paz”(p. 10). Entre os três há diferenças visto que este último tem como titulares grupos de pessoas.
Os Direitos Humanos têm contribuído na concepção de sujeito, recuperando as dimensões “do corpo, a sexualidade, a linguagem, a subjetividade, negadas tanto na concepção vigente de sujeito como também nas práticas cotidianas”(p. 11). A valorização dessa nova dimensão proporciona a construção de um novo imaginário permitindo repensar novas perspectivas das formas de vida social.
As mulheres contribuíram ao conceito de direitos humanos a partir de duas dimensões imbricadas: a contribuição teórico-acadêmica do feminismo revalorizando a diferença sexual e a formulação da perspectiva de gênero; e as contribuições teórico-práticas das experiências diferenciadas dos movimentos de mulheres em nível mundial e latino-americano.
As novas formulações dos movimentos feministas fazendo emergir a organização e a visibilidade das mulheres passa a questionar os paradigmas da modernidade. A ordem das relações hierárquicas e dos valores são questionados deixando à mostra o processo de subordinação que submete a mulher. “Ao revelar a construção histórica da diferença sexual instituída pelas sociedades, denuncia a edificação de uma ordem natural que perpetua um sistema de relações fundamentado na hegemonia de um sexo sobre outro”( p. 12).
Há um tempo de denúncias a essa subordinação histórica que emerge a partir do conceito de patriarcado, e outro tempo de identificação das identidades construídas culturalmente das diferenças de sexo. De ferramenta explicativa, o patriarcado torna-se uma categoria política. Quando as investigações sobre a condição da mulher alcança uma dimensão expressiva nasce o conceito de gênero.
O resultado das ações concretas das mulheres vai demonstrar que este gênero sempre esteve excluído de seus direitos sociais e políticos. Da linguagem que estabelece a hierarquia genérica – homens - à questão do acesso à saúde, aos direitos reprodutivos, à sexualidade prazerosa, as mulheres passam a perceber que estão enquadradas num nível de cidadania de segunda categoria. É-lhes negado o direito ao corpo, o direito à escola, o direito à terra, o direito de decidir sobre uma gravidez indesejada, o direito previdenciário (enquanto representante de certas categorias de trabalhadoras, como as pescadoras), o direito ao trabalho, o respeito à sua inteligência, o espaço em que circula.
Ao investigar as práticas de violência doméstica e sexual percebe-se que toda a noção de sujeito centra-se num processo de discriminação sobre seu gênero. Contudo, suas formas de resistência ao processo opressor, a visibilização da exclusão aos direitos sociais e aos meios que a discriminam, tendem a reformular a noção de sujeito apontando para a diversidade desses sujeitos dos Direitos Humanos. “É desta maneira que as mulheres contribuem de modo fundamental na reformulação da noção de sujeito universal e abstrato, ao questionar o etno e o androcentrismo que situa ao homem ocidental como parâmetro do universal. Isto permite o reconhecimento de uma “humanidade” com diversos rostos.”(p 17)
Por isso, o que dizer da impunidade aos bárbaros crimes cometidos contra as milhares de mulheres conforme denunciam as pesquisas e os dossiês sobre violência de gênero, apesar da pressão internacional, que neste “des-governo” brasileiro vai perdendo as garantias de tantos direitos aos quais temos lutado para nos incluirmos nas linhas da Carta Declaratória dos Direitos Humanos?

A luta pelos direitos humanos das mulheres & demais grupos sociais não tem tempo de descanso. Façamos dessa luta a grande bandeira de nossas resistências. 

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

#ocupagepem# NOS 16 DIAS DE ATIVISMO: NÃO VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES



O dia 25 de novembro foi denominado o Dia Internacional da Não Violência contra a Mulher homenageando três irmãs, ativistas políticas: Pátria, Minerva e Maria Teresa Mirabal, brutalmente assassinadas pela ditadura de Leonidas Trujillo, na República Dominicana. O fato que culminou nesse episódio trágico originou-se de um agravo sofrido por Minerva, assediada por Trujillo durante o “Baile do Descobrimento”, em 12 de outubro de 1949, para o qual fora convidada toda a família. Impulsiva, a jovem repele injuriada o ditador e, então, toda a familia foge do baile antes do final, atitude vista pelos órgãos oficiais como afronta dos Mirabal ao governo. A partir desse incidente as três mulheres e seus familiares passam a sofrer forte repressão. Perdem a casa e os recursos financeiros, contudo, num olhar pelo país percebem o abalo no sistema econômico em geral, com o governo de Trujillo levando ao caos financeiro. Elas formam, então, um grupo de oposição ao regime tornando-se conhecidas como Las Mariposas. Por diversas vezes foram presas e torturadas, mas não deixaram de lutar contra a ditadura. Decidido a eliminar essa oposição, Trujillo manda seus homens armarem uma emboscada às três mulheres, interceptando-as no caminho da prisão onde iam em visita aos maridos. Conduzidas a uma plantação de cana de açucar foram apunhaladas e estranguladas em 25 de novembro de 1960. Esse fato causou grande impacto entre os dominicanos que passaram a apoiar as idéias das jovens, reagindo às arbitrariedades do governo e, em maio de 1961, o ditador foi assassinado.
Em 1981, durante o Primeiro Encontro Feminista Latino-Americano e Caribenho, realizado em Bogotá, Colômbia, o episódio foi relembrado sendo a data proposta pelas participantes do encontro para se tornar o Dia Latino-Americano e Caribenho de luta contra a violência à mulher. A Assembléia Geral das Nações Unidas (em 17 de dezembro de 1999) também declarou o 25 de novembro o Dia Internacional da Eliminação da Violência contra a Mulher, em homenagem ao sacrificio de Las Mariposas.
A tragédia que se abateu sobre as irmãs Mirabal há mais de cinquenta anos se por um lado configura-se um ato de violência política, também pode ser visto como violência institucional (embora esta inclua outros aspectos infringidos às mulheres), haja vista que foi cometido por forças de um governo constituido. E a partir dele fez eclodir entre os movimentos sociais mundiais o combate às demais formas de violência que se abatiam contra esse gênero.
A violência é um termo polissêmico e o seu uso aponta para as formas diferenciadas de constrangimentos morais, coativos ou através da força física explícita, aplicada por uma pessoa contra outra, num ambiente que pode ser tanto público - no contexto social e político – como privado, no espaço familiar.
Esta percepção levou ao reconhecimento de que certos comportamentos nas relações sociais, embora fossem vistos como “naturais” tramavam contra a dignidade humana. A denúncia dos movimentos de mulheres ao tratamento que muitas mulheres recebiam nos locais de convivência, impedidas de participar de determinada atividade, e/ou em casa, quando agredidas pelo marido, pelos filhos ou pais por não fazerem as tarefas domésticas e/ ou por ciúmes, essas atitudes passaram a ser denunciadas como atos de violência recebendo o tratamento devido de entidades governamentais e ONGs ao considerarem essas condutas destrutivas da condição humana.
Conferências, convenções, acordos, cartas constitucionais e demais documentos internacionais foram abrigando discussões e fundamentos legais para a erradicação das formas de violência que acometiam as mulheres. A Conferencia Mundial de Direitos Humanos de Viena (1993) criou o slogam considerando que "os direitos da mulher também são direitos humanos". E em 9 de junho de 1994 foi assinada pela ONU a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, mais conhecida como Convenção de Belém do Pará porque a Assembleia Geral desse órgão foi realizada nesta cidade. O documento levou em consideração “o amplo processo de consulta realizado pela Comissão Interamericana de Mulheres desde 1990 para o estudo e a elaboração de um projeto de convenção sobre a mulher e a violência”.
Os dados sobre a violência doméstica no Brasil são muito sérios. E já são bem visíveis entre a população. As evidências de que os/as brasileiros/as já reconhecem diferentes formas de agressão como sendo violência doméstica são apontadas na pesquisa do Instituto Avon-IPSOS – “Percepções Sobre A Violência Doméstica Contra A Mulher No Brasil” – realizada de 31/01 a 10/02 de 2011, em 70 municípios das 5 regiões brasileiras, entre homens e mulheres com 16 anos ou mais. Segundo o relatório: “entre os diversos tipos de violência doméstica sofridos pela mulher, 80% dos entrevistados citaram violência física, como: empurrões, tapas, socos e, em menor caso (3%), até a morte. Ou seja, a violência física é a face mais visível do problema, mas muitas outras formas foram apontadas. 62% reconhecem agressões verbais, xingamentos, humilhação, ameaças e outras formas de violência psicológica como violência doméstica, assim como a sexual e a moral”. Para a maioria, esses atos são vistos como uma questão cultural (50%), e consideram que o homem ainda se acha “dono” da mulher (41%) (www.institutoavon.org.br).
Presentemente os registros dos primeiros meses de 2015 apontam 63.090 denúncias de violência contra a mulher - correspondendo a uma denúncia a cada 7 minutos no país, dados da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR), com base ne balanço dos relatos recebidos pelo Ligue 180. Quase metade destes registros, (31.432 ou 49,82%) corresponde a denúncias de violência física e 58,55% foram relatos de violência contra mulheres negras.
Outras formas de violência foram detectadas pelo Ligue 180 com 19.182 denúncias de violência psicológica (30,40%), 4.627 de violência moral (7,33%), 3.064 de violência sexual (4,86%) e 3.071 de cárcere privado (1,76%). Os atendimentos registrados mostram ainda que 77,83% das vítimas têm filhos e que mais de 80% destes filhos presenciaram ou também sofreram a violência.
A violência é um termo polissêmico e o seu uso aponta para as formas diferenciadas de constrangimentos morais, coativos ou através da força física explícita, aplicada por uma pessoa contra outra, num ambiente que pode ser tanto público - no contexto social e político – como privado, no espaço familiar. Alguns autores consideram o ato violento não apenas em situações episódicas agudas como a violência física, mas incluem também aquelas formas evidentes de distribuição desigual de recursos em todos os seus matizes. Outro aspecto explicativo desse ato é o da violência estrutural do Estado e o das instituições, cujos vetores criam um sistema coordenado de medidas que geram e reproduzem a desigualdade.
Esta percepção levou ao reconhecimento de que certos comportamentos nas relações sociais, embora fossem vistos como “naturais” tramavam contra a dignidade humana. A denúncia dos movimentos de mulheres ao tratamento que suas congêneres recebiam nos locais onde mantinham convivência, ao serem impedidas de participar de determinada atividade, por exemplo, em casa, quando eram agredidas pelo marido, pelos filhos ou pais ao deixarem de fazer determinadas tarefas domésticas, essas atitudes passaram a ser percebidas pela sociedade como atos de violência e, atualmente, recebem o tratamento devido de entidades governamentais e não governamentais que consideram essas condutas destrutivas da condição humana.
Segundo a Sociedade Mundial de Vitimologia (Holanda), em pesquisa junto a 138 mil mulheres de 54 países, o Brasil é o que mais sofre com a violência doméstica,
Neste texto registro minha posição de lutar pelo fim da violência qualquer forma seja ela aplicada.

NÃO À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E SEXUAL CONTRA AS MULHERES E O CONJUNTO DE PESSOAS LGBT!

domingo, 20 de novembro de 2016

CONSCIÊNCIA NEGRA E DIREITOS HUMANOS



O Dia Nacional da Consciência Negra celebrada hoje, 20 de novembro, foi criado pelo Projeto-Lei número 10.639, no dia 9 de janeiro de 2003 (Art. 79-B), estabelecendo “as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir, no currículo oficial da Rede de Ensino, a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira" (...)”. Nesse dia, no ano de 1695, morrera Zumbi dos Palmares, o líder e chefe do mais famoso quilombo da história da escravidão no Brasil. A sua morte, resistindo contra o opressor branco, marcou a luta pela emancipação de uma etnia imposta como escrava no Brasil desde os primórdios da colônia portuguesa na América.
A escravatura existiu desde a origem da civilização. , Tratava-se de povos conquistados, prisioneiros de guerra, escravizado por dívida, por pirataria ou por mau comportamento cívico, com evidências ainda àqueles com características físicas e de língua diferente dos conquistadores.
Em termos de Brasil, a escravidão iniciou-se na primeira metade do século XVI, com a produção de açúcar. Os colonizadores portugueses capturando os negros nas suas colônias na África utilizava-os no trabalho nos engenhos de açúcar no Nordeste. Comerciantes de escravos, mercadoria humana, escolhas entre os sadios, condições desumanas, mortes e submissão aos grilhões de ferro nos porões fétidos dos navios negreiros e/ ou quando nas senzalas eram acorrentados para evitar as fugas e submetidos a torturas físicas são evidências de um passado infausto desse povo cuja vida marcou a sua presença desde o Brasil Colônia. A história desse período é um dos mais cruéis momentos da humanidade e deste país. Da compra da liberdade por alguns, no Século do Ouro (XVIII) e da resistência política de outros, esse povo conseguiu manter sua cultura, exercitar seus rituais e falar sua própria língua ao organizar comunidades de quilombos.
Isto quer dizer que a abolição da escravatura tão festejada não foi algo dado para eles. Eles lutaram para chegar até ela. Historicamente se desenvolveu com a transição da Corte Portuguesa para o país e do Tratado de Aliança e Amizade de 1810, época em que o príncipe regente se comprometeu com a Inglaterra a abolir o tráfico negreiro. Esse tráfico só foi extinto quarenta anos depois, com a aprovação da Lei Eusébio de Queiroz e teve como reflexo a redução gradual da escravidão. Nessa época, o mundo conhecia as primeiras teorias cientificas de base racista. Surgiu, por exemplo, o “darwinismo social” e, no Brasil, começou a “preocupação com o branqueamento da população”. Essa ideia que se desdobrava entre a radicalização da diferença étnica, afinal um dos fatores da teoria nazista, e o estimulo à miscigenação como um meio de “diluir a cor negra”, caminhou com seu flagrante confronto na aceitação dos filhos de proprietários de terra com suas escravas. Segundo a professora Mary Del Priore em um artigo denominado “Entre a Casa e a Rua” (Revista “Aventura na História”/Ed. Abril), o conde Suzanet ,em 1825, afirmava que “as mulheres brasileiras (...) casavam-se cedo, logo se transformando, pelos primeiros partos, perdendo os poucos atrativos (...) e os maridos apressavam-se em substituí-las por escravas”. Mas sabe-se que não era só assim. Estas escravas eram estupradas, algumas mortas e a convivência com as “matronas” brancas submetia-as a uma outra forma de opressão e castigo por parte destas que se vingavam ao se sentirem em segundo plano na base de sedução do marido.
O livro “A Cabana do Pai Tomás”(escrito em forma de série, de 1850 a 1852) da escritora, filantropa e antiescravagista Harriet Beecher-Stowe teve ampla repercussão no processo de abolição da escravatura na América do Norte. Há versões de que esse livro ajudou na declaração da Guerra da Secessão rebelando, naquele país, o sul escravocrata. A autora foi vista como emblema do Partido Republicano que abraçou a causa do abolicionismo e o livro, por ser impulsionador da liberdade étnica, foi muito lido pelos donos de escravos, inclusive no Brasil. As mulheres desses comerciantes & industriais, especialmente na zona rural, tinham “A Cabana...” como leitura predileta. Isso valeu uma citação no romance “Sinhá Moça” (1950), de Maria Dezone Pacheco Fernandes, uma visão romântica do abolicionismo.
Mas, sabe-se que não foi fácil extinguir o estigma da escravidão a partir de um juízo de graus de etnia. O movimento abolicionista surgiu com o Iluminismo no século XVIII. O legado brasileiro da emancipação do negro contou com a colaboração de nomes famosos nas artes e letras. O poeta baiano Castro Alves chegou a bradar: “Não pode ser escravo/ quem nasceu no solo bravo/da brasileira região”. O pernambucano Joaquim Nabuco impulsionado pela experiência na infância, com escravos, lançou a obra “O Abolicionismo”, em 1883. José do Patrocínio, filho de um padre com uma negra, fez campanha contra a escravidão ao lado de Ruy Barbosa, Teodoro Sampaio, Aristides Lobo, André Rebouças e outros. Mesmo assim, com tantos nomes de vulto, inclusive políticos, dedicados ao abolicionismo, o Brasil foi o país que mais demorou em libertar oficialmente escravos. Havia forte pressão, especialmente dos proprietários sediados no campo. D. Pedro II temia um quadro bélico semelhante ao que aconteceu na América do Norte do governo Lincoln. Mas a Câmara era a favor da lei que afinal foi assinada pela filha de D. Pedro, a princesa Isabel, na sua fase de governante provisória em 1888.
Evidenciar o processo escravo e eliminá-lo das injunções econômicas através de leis e decretos foi um aspecto da luta pela libertação dos negros. O outro foi e tem sido introduzir a questão como elemento de conscientização antirracista, haja vista que desde muito, em especial do século XVII a XIX na Europa e no Brasil houve forte presença das teorias raciais com base cientifica demonstrativas da essencialidade do fenótipo africano onde a negrura era uma evidencia da degeneração da raça humana.
A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) patrocinou um conjunto de pesquisas sobre as relações raciais no Brasil, no início da década de 1950. Esse projeto associava-se à agenda antirracista dessa instituição internacional que desde o final dos anos quarenta, estava impactada pela Segunda Guerra Mundial, quando o nazismo estimulou a grave exacerbação da degenerescência da mestiçagem humana pelo cientificismo sobre a raça ariana. Como àquela altura o Brasil apresentava imagem positiva em termos de relações inter-raciais se comparado aos EUA e o apartheid da África do Sul, este país se tornava um “laboratório” para "determinar os fatores econômicos, sociais, políticos, culturais e psicológicos favoráveis ou desfavoráveis à existência de relações harmoniosas entre raças e grupos étnicos".
Mas essa questão também era política e existencial para intelectuais negros organizados no período. Experiências mobilizadoras traduziram o outro lado da situação vindo dos movimentos negros que se formavam no país alguns encabeçados por esses personagens.
A promulgação da Constituição de 1988 marcando o período de redemocratização do Brasil apontou para as demandas de discussões e de avanços nas decisões políticas reivindicadas pelos vários segmentos da sociedade, os movimentos sociais e o Movimento Negro. Assim, “A lei de preconceito de raça ou cor (nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989) e leis como a de cotas raciais, no âmbito da educação superior, e, especificamente, na área da educação básica, a lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que instituiu a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-brasileira, são exemplos de legislações que preveem certa reparação aos danos sofridos pela população negra na história do Brasil” (http://www.brasilescola.com/ ).

Hoje a luta pelas rupturas do preconceito racial tem várias vertentes. E ainda há luta pela extinção do preconceito racial. Se Affonso Arinos lançou a lei que considera crime o racismo, muitos outros processos se institucionalizaram para a subversão das crime o racismo e muitos espaços como as universidades abrem vagas para negros e negras, a inserção no mercado de trabalho e valorização da cultura, a luta pela consciência do povo negro por sua identidade tem sido uma forma de militância dos grupos constituídos por agendas de demandas pelos direitos humanos.



sexta-feira, 18 de novembro de 2016

OPINIÃO - O AMANTE PASSAGEIRO SE VAI



  

(Recebi novo texto para publicação no blog).
 De: Joana Dulce


Estou na meia idade. Situação social e econômica estável, frutos de trabalho de anos a fio... 

Trago a “ferida” de um cataclismo. Já quase cicatrizada devo dizer: o casamento de trinta e seis anos que terminou há três. Mas, no sofrimento que seguiu, me deixei rever de mim, da espiritualidade rasa à autoestima sempre baixa... Tive amigos que não me facilitaram a trégua da auto piedade, me falaram duro pra buscar um lado construtivo “das voltas que a vida dá”. 

Hoje me acho bonita. Pra mim, uma revolução! Claro que procuro não esquecer que beleza, saúde, disposição... tudo é graça... não mérito. De todo modo, nessa descoberta de que tenho um estoque de encantos, a dança tem lugar de honra. Recomendo a todo mundo! E não é que por essa via da dança, a vida me ofereceu há alguns dias, um encontro de amor, ardor e sexo em belíssima expressão? Em outro texto, pretendi registrar o incomensurável dessa chegada. Se posso representa-la com imagens, foi como cachoeira caindo em riacho, maré de lua subindo a foz, autoestrada cruzando vicinal. Mas, de preço alto! É encontro passageiro, não dá pra segurar. E agora, vivo as “veredas do adeus” de que falam Almir Sater e Renato Teixeira na música “O amor tem muitas maneiras”. 

Hoje, portanto, é hora da descontinuidade. Mais um aprender preciso: o saber viver a intensidade dos momentos, sem prender o que “anda a esmo”, como diz o poeta Emanuel Matos em “Outras saudades”. Para mim, solteira, vivendo socialmente o que a classificação da faixa etária implica, desapegar é lição urgente, curso intensivo sem direito à segunda chamada, ou reprovação. Tenho amigas bem mais a frente nesse curso! 

Nesse aprender, quero registrar memórias do meu amante passageiro, quem sabe rever em outros tempos. Também me move o desejo de dividir o tesouro que desfrutei. Mostrar a caixa de joias que só eu tive. Então, antes de esquecer, preciso escrever esse amor paixão... 

Primeiro, foi o seu jeito de olhar. Ele mira recônditos, percorre sinuosidades do corpo, vê charmes em gestos sobre os quais eu sequer perguntaria: o que tem aí? Ele é dono, então, do que eu imagino ser uma habilidade milenar dos bons amantes, que é saber revelar para o amado graças e surpresas, a ponto de revirar o olhar do outro sobre si mesmo. Porque ele se permite essa liberdade de ver essas coisas. E, assim, dono de uma segurança no olhar erótico - no sentido pleno desta palavra - ele também junta conselhos. Não há na voz indício de elogio fácil, romantismo barato... Ao invés, é admiração genuína, surpresa quase infantil pois espontânea... Assim, da sugestão da cor que me cai bem, ao riso por notar um meandro na perna ou o molejo da cintura... O cheiro, o gosto, traços não escapam à sua mirada... ele é como um escultor da amada... 

Esse amante é uma alma leve. Anota fascínios. Com quantos outros o faz? Pergunta sem juízo! Não cabe fazer. Com ele, enfim, compreendo tantas músicas que falaram do perfume que os amantes se deixam. Senti sua presença como uma forma de arte, maestria do encontro, sensualidade que arrebata.

Contudo, como é amor passageiro, encontra seres carentes, que querem ceder à tentação do apego e da posse. Assim, sua chegada não é para muito frágeis. É de risco. Requer abertura de espírito e, na medida do possível, aprendizado rápido. Esta, sem dúvida, a melhor solução. 

Eis que agora pareço querer sofrer porque a estrela se foi, já virou a maré. Uma dor se insinua. Mas, se a sabedoria das belezas me ensinar, se os versos de muitos amantes me inspirarem, saio dessa viagem maior do que embarquei... Porque, como aprendi com ele, demos e recebemos um do outro.

Ressoam de novo em mim palavras de “Quase nada”, de Zeca Baleiro, que elegi a música de nosso affair

De você sei quase nada, pra onde vai, ou por que veio. Nem mesmo sei qual é a parte da tua estrada, no meu caminho. Será um atalho, ou um desvio, um rio raso, um passo em falso, um prato fundo, pra toda fome que há no mundo. Noite alta que revele, o passeio pela pele...

Com meu jovem amante vivi um atalho, um desvio, um prato fundo e um passeio pela pele! Nunca um passo em falso, muito menos um rio raso. Nossa história foi breve. Claro que eu queria mais. Mas isso também não me diz respeito. Só viver e prosseguir.

Gratidão sempre!


terça-feira, 15 de novembro de 2016

OPINIÃO - SEXO, ARDOR E PAIXÃO NO ALVORECER DA VELHICE



(Recebi este texto para publicação no blog. Achei importantíssimo. LA

AUTORIA : Joana Dulce 

Uma das poucas certezas da vida é a incerteza da vida. Insidiosamente, de passagens em passagens, de permutas em permutas, o curso da vida muda.  Mais para uns, menos para outros... mas mudam sempre corpo, interioridade, paisagem, contexto, meio, os queridos e os anônimos. Manejar o leme, exercer algum controle na trajetória, é maestria invejável.  Sobretudo, exercer controle sobre os companheiros do caminho, especialmente os mais caros, moradores no fundo do coração. Mas, missão inglória. Esforço nulo. Bom que assim seja, somos todos livres, sujeitos em buscas de ser na viagem comum, migrantes que somos.

E no entanto, é um equilíbrio precário o que se alcança, o controlar a vida. No fundo, é desejável, necessário. Pois a incerteza e as mudanças de curso tanto abalam, riscam a alma e as certezas, quanto abrem rotas novas... Se o controle por acaso vem a ser bem sucedido, a vida ossifica, passa a hora de sacodir o que nela enrijeceu e se fechou...

Digo isso a propósito de uma dimensão sobre na qual pesam pressões seculares de controle, costume, autocensura e censura pública. O sexo e a paixão para uma mulher só, a chegar oficialmente na velhice e, portanto, a que não desperta e nem arde de desejo. Já abrandou a memória do encontro amoroso, do toque... Moral e comportamentos reafirmam o fora do lugar que representa acender o que devia estar quieto ... Eu mesma vi meu casamento encerrar em parte por isso...

Eis que descubro que desejo, ardor e paixão não se apagaram. Mudaram, por certo, da paixão do corpo aos vinte. Mas, menos em intensidade do que poderia pensar, e mais em qualidade. Se expressam agora com coragem, abertura, liberdade de entrega, aquecidos pela gratidão e pela redescoberta – quase uma primeira vez ... Eis que numa curva da vida, chega um jovem que - loucura das loucuras – me olhou como mulher, me desejou e, de imediato, despertou a chama. Como um presente da vida, me convidou ao amor paixão e, pois, a saborear a infinitude do que é passageiro, usufruir o amor e sua expressão sexual.  Seu olhar e seus gestos não me distinguiram como corpo mais velho, de imperfeitos... e, assim, esse menino – posso assim chama-lo com afeto - me permitiu que eu mesma me redescobrisse. Retirou de mim mesma a cortina da convenção e do hábito, que eu tanto contribuíra a tecer. Deu-me, assim, um presente de uma beleza que não consigo traduzir em palavras.

Nada de prender, nada de futuro, nada de reter o que é fugidio, onda, vento, chuva que renovaram uma trajetória e lhe aqueceram quase além da medida.

Nada, penso saber agora, nada permite selar a priori a morte do desejo e da paixão para a mulher que envelhece, seja por um decreto da cultura, por uma resolução da biologia, ou pela sanção moral ou, simplesmente, pelo esquecimento e pelo desuso.

Escrevo este texto porque quero confia-lo a tantos homens e tantas mulheres beirando ou passando os sessenta, os setenta... especialmente aos homens que acham que apenas nas mais novas saciarão o desejo e que pretendem afirmar algum controle inócuo sobre o tempo. E dedico também, para as mulheres que se conformaram e que, como eu, foram sublimando esse lado da vida, essa capacidade de amar e desejar com que fomos agraciados desde nossa criação... A esses homens que não olham mais para suas companheiras de casamento com olhar renovado... A essas mulheres que se privam de reacender o que de fato não morre, apenas abranda, e retorna grande, intenso, mágico.

Ontem, dançando com o jovem amante, eu olhava ao longe mesas com homens mais velhos, da mesma idade que eu, a beber, e pensava o quanto nenhum deles sequer olharia para mulheres como eu. Eu vivia o momento mágico que não sei se a sorte ou o destino me reservou. E, compreendi: todas temos fogo – desculpe, não encontro palavra menos comum –  temos ardor, temos desejo e capacidades de exprimi-los no encontro com o outro, no encontro de amor... Olhares desassombrados, sedução, vontade de surpreender, vontade de conhecer... tudo é possível, me ensinou ele.

Tive um presente da vida que me levou a aprender uma velha lição.  Relaxei os controles e me permiti me abrir ao incerto e seus riscos, recebendo em troca muito mais do que esperava conseguir. Obrigada companheiro de passagem que acostou em meu porto. Seja feliz!

 Belém, 02 de novembro de 2016.


domingo, 16 de outubro de 2016

DIA DA PROFESSORA E DO PROFESSOR




Se ontem falávamos romanticamente sobre esses/as mestres e mestras dos primeiros ensinamentos escolares hoje continuamos a tê-los na lembrança pela forma que nos trataram e nos ensinaram as primeiras “lições de coisas” conforme um livro que circulava na minha época de criança com o registro das principais matérias do dia a dia escolar. Mas não era o de Carlos Drummond de Andrade, do mesmo título, de 1962 e sim a obra “Primeiras lições de coisas – manual de ensino elementar para uso dos paes e professores”, do professor norte-americano Norman Alisson Calkins, publicada pela primeira vez no ano de 1861 (cf. análise do mesmo em Gladys Mary Teive Auras, 2003, Editora UFPR e/ ou em Roseli B. Klein (FAFIUV -UNESPAR /PR). Este livreto corria as escolas primárias dos anos 1930 a 1950 no Brasil, e nós, em Abaetetuba, da minha geração, tínhamos a obra como formadora do método intuitivo.
A perspectiva sobre essa categoria profissional tinha um forte emblema missionário, considerando-a o ponto principal da vida da criança, visto que a instrução escolar se agregava à educação que os pais exigiam das escolas na formação de seus filhos e filhas. Tratava-se, sem dúvida, de uma formação cultural no modelo da tradição conservadora, mas esse aspecto era visto como “natural” na representação social vigente. E dessa forma fomos aprendendo alguns diferenciais da biologia entre ser homem e ser mulher & suas nuances nas várias fases etárias dadas pela versão patriarcal que decidia, através de suas normas, algumas dos costumes, outras institucionais, o que cada um/a seguiria em cada tempo ou lugar.
Nesta reflexão de aluna em tempos pretéritos vejo o que avançou nos tempos atuais, agora como partícipe enquanto professora. Se hoje se diz que os/as alunos/as não respeitam ao/a professor/a não podemos generalizar essa versão tão recorrente que aponta para um quadro desalentador em que o refrão “o professor finge que ensina e o aluno finge que aprende” desmoraliza a educação que temos no cenário brasileiro. Há uma certa mania de menosprezar o que é nosso favorecendo o que é de outras nações.
A nossa foi aos poucos amadurecendo. Entretanto, hoje, vemos com desilusão o quanto essas medidas do desgoverno atual quebraram nossos alicerces de crescimento. Professores, alunos e a vida escolar de um modo geral sofreram um baque assustador com essa onda que está vislumbrada com a PEC 241.
Dessa forma, neste dia em homenagem ao professor e à professora, o que podemos pleitear?
FORA TEMER! FORA MEDIDAS DE DESVALORIZAÇÃO DO ENSINO!

PROFESSORAS E PROFESSORES! PRESENTE!

terça-feira, 9 de agosto de 2016

UMA VIDA ... COMEÇOS E RE-COMEÇOS

Foto de março de 1961 - Um barco, os caminhos, as travessias ...

Nada, nada, são 80 anos. Como é chegar a essa idade? Vivendo, ora. Mas a sentença etária define-se pelas fases da vida e a contagem já apresenta um repertório de caracterizações que as áreas de conhecimento, de um modo geral, criam adequações utilizando-se desses formatos para extrair as representações de cada uma.
Do nascimento à velhice as peças de um quebra-cabeça existencial revelam a estrutura da ambiência vivenciada por uma pessoa considerando-se hoje os marcadores sociais da diferença com evidência nas situações de gênero, geração, classe social, raça, orientação sexual. Que em tempos pretéritos condicionava-se nos aportes da cultura de uma natureza humana em que o mundo material definia a condição originária sem mostras de que as fases de vida dos humanos sofria os impactos desses marcadores.
Hoje (09/08) o Pedro Veriano completa 80 anos. Na verdade, a reflexão que faço quer repercutir no que essa idade exprimia para a nossa geração e para o momento atual. Daí a referência aos marcadores sociais. Sem estes não é possível contar hoje a história de alguém. É a História no tempo presente.
Nascido de pais já maduros, conviveu com as brincadeiras infantis de um garoto de classe social média, estudou em casa com professor particular, só criando maior socialização na pré-adolescência quando foi matriculado em colégio particular. Nesse tempo encontrou amigos e conviveu com as brincadeiras próprias ao seu gênero, mas já se iniciara em gostar de cinema, de literatura, de desenho gráfico, de música, de leitura, de ficção científica, de criar enredos para novelas de rádio, de escrever jornalzinho e roteiros para filmes e tirar fotografias.
É esse o adolescente, depois o jovem e, mais tarde, o adulto que definiu sua vida profissional em outros moldes, nos que a família esperava fazê-lo seguir num estudo superior. E a medicina foi o ramo escolhido, considerando que o irmão mais velho já se fizera médico.
O Pedro que eu conheci, já estava na juventude. Na mesma geração que a minha, e embora ele residisse na zona urbana do estado, representava, ao meu ver, aquele jovem que estava “pronto” pra namorar. E dessa fase em diante conjuga-se outro marcador, a heteroafetividade que àquela altura era vista como a situação natural entre os jovens.
E lá se vão muitos anos. No processo de convivência, se ontem a cultura condicionava um modelo feminino à maternidade, à educação dos filhos, ao espaço privado do lar para desenvolver as qualidades naturalizadas ditas “femininas”, e aos meninos a condição era de se tornar o provedor do lar, conquistando o espaço público e o trabalho, aos poucos foram se sucedendo mudanças nesse processo e o aspecto imposto culturalmente e autoritário pela aliança de casamento foi se desfazendo em parceria. A ideia de sujeitar-se a esses modelos masculino e feminino estava internalizada, sendo necessário uma grande onda de novas práticas para contrapor-se aos costumes esperados.
Vimos o tempo passar. Vimos as mudanças sociais se desenvolvendo na trilha do grande projeto de vida sendo construído, que indicava novas personagens entrando em cena (filhas, genros, netos/as, bisneto) daí tratar de começos e re-começos. E se pensávamos em começos, nessas novas historinhas já criávamos processos de re-começo. E a vida continuou e vai continuar.
Ontem perguntei ao Pedro Veriano: como é chegar a essa idade? Ele me disse:
“Fred Astaire morreu aos 88 e foram comunicar ao Irving Berlin, o compositor, que chegou aos 101. Irving estava na casa dos noventa e passeando com seus cachorros pela rua exclamou: “Mas o Astaire? Tão jovem!”. Assim eu me sinto chegando aos 80. A cabeça vai bem e isto me parece o mais importante. E quando todo mundo fala em idade eu penso ainda em Henry Rider Haggard (1886-1925) no seu livro “Ela” (She, 1887) filmado duas vezes com o nome brasileiro “Ela, A Feiticeira”. Ele escreve que o maior inimigo do homem é o relógio, que gradativamente vai registrando seu envelhecimento e, obviamente, o caminho da morte. Medir o tempo dá nisso. Melhor é festejar o que já se venceu. E melhor ainda é aquilatar a qualidade do que passou, o que foi bom, útil, criativo”.



segunda-feira, 25 de julho de 2016

SEM AMARRAS...


  



Às vezes, me deparo com algumas cobranças pessoais ao supor que não tenho feito o “dever de casa” da antiga função de opinar sobre os filmes e/ou temáticas sociais. E sinto que as horas do dia são as mesmas, os programas de assistir aos filmes são ainda mais intensos, as ideias sobre o formato narrativo das produções são cumulativos de contribuições e novos arranjos nos assuntos, e as comparações com os tempos idos em que tudo “dava tempo” se tornam momentos de angústia pessoal. Paro para pensar. Por que me cobro tanta coisa? Já não produzi tanto? Já não apresentei as lições de acordo com o estabelecido?
Mas é o tempo das amarras que impõem a culpa. Quando a idade chega e define quais prioridades devem ser assumidas vemos que algumas funções que acumulávamos podem ser menos tensas e, ao ariscarmos as mudanças, estas não sintonizam de imediato com a disposição que queremos dar-lhes. E nesse confronto, um olhar mais distanciado nos remete aos nossos ganhos e perdas, sendo um momento que devemos manter os lucros porque já enfrentamos muitas travessias para avançar e garantir o êxito. Se naquele momento não reconhecemos valores como a coragem, a ousadia, hoje olhamos pra trás e pensamos: “como foi possível enfrentar essas dificuldades? Fui eu, mesmo?”
Por que forçar o espírito das coisas quando a realidade nos oferece tantos bens que podem reacender as motivações da vida? São tempos diferentes vividos, assumindo as práticas da idade. Ontem a infância nos lançou em várias frentes: na família, na sociedade, na escola, na religião, e tudo o que circulasse fora dessas instituições era motivo de controle. Que na adolescência tomava percurso diferente porque as ideias do “eu sou o quê?” chamuscavam certezas recebidas dos orientadores e nos faziam criar estratégias para fugir à submissão que nem sempre era saudável. E na juventude e idade adulta as decisões se incluíam num jogo de coragem firmando a capacidade de resolver sem hesitação os processos de nossas próprias escolhas. Na ancianidade, a soma de todas as vivências atinge o seu clímax e nos oferece a oportunidade de olhar ao redor e sentir que o empoderamento foi construído nos vários percursos que foram dados, muitos deles por caminhos desconhecidos. Muitas dúvidas, ainda. Mas na crença que podemos avançar sempre procurando desatrelar os nós construídos em certos (des)valores herdados de determinados estatutos sociais antiquados.
Se na época da nossa formação de infância e juventude se desconhecia o preconceito social, sexual, étnico, de gênero e tantos mais impingidos como “naturais” pelas instituições que haviam tomado a frente da pedagogia humana submetida ao sistema patriarcal dominante, a experiência que vem com a velhice deve transgredir essas regras e criar meios de fugir de certa cultura tradicional que oferece a estabilidade do status quo e violenta os direitos humanos. Há tantas posições hoje aquecidas com o ranço do ódio dizendo-se religiosas ou procurando extrair de livros bíblicos a definição de comportamento humano que não é possível enxerga-las como benéficas. E o aprendizado prossegue intentando subverter o que é possível para não cair nas amarras que só fazem mal.
No blog do Geledés (http://www.geledes.org.br/ ) um texto interessantíssimo (“Por uma pedagogia antirracista desde a creche: descolonizando as armadilhas da educação básica”) remete ao “que fazer” quebrando vínculos com os preconceitos. Recorto um trecho para finalizar este texto:
“(...) É necessário que descolonizemos os “nossos ouvidos” do adultocentrismo permitindo olhar os meninos pequenininhos e as meninas pequenininhas como sujeitos que criam e recriam as relações sociais, bem como resistem a inúmeros enquadramentos normativos estabelecidos para a manutenção das desigualdades sociais.” (...)




domingo, 17 de abril de 2016

AS MULHERES NA POLÍTICA, O VOTO CONQUISTADO E AS LUTAS AINDA EM AÇÃO. AGORA CONTRA UM GOLPE.


Carlota Pereira de Queiroz, a primeira mulher a ser eleita ao parlamento brasileiro, assinando a Constituição de 1934.

As mulheres brasileiras, qual as mulheres do mundo todo, conseguiram o direito à cidadania política na ordem democrática, ou seja, o direito ao voto, através de muitas lutas, prisões, mortes até que as normas criadas por uma sociedade que as considerava "cidadãs de 2a. categoria" , desprestigiando-as, lhes outorgasse esse direito. Nada foi "de graça". Sangue, ferro e prisões têm mostrado às mulheres que elas têm que se manter alertas para não perder direitos conseguidos nesses moldes agressivos.
Ser elegível no processo de representação política também não foi assim tão fácil. Cargos majoritários, no Brasil, somente em 2010 uma mulher conseguiu alcançar. Dilma Rousseff foi a primeira a galgar esse posto. Mas está sendo agredida em nome das políticas que ela administrou num mundo que também sofre de distúrbios econômicos. Mas as acusações resvalam para o preconceito de ser mulher num cargo de alto poder de administração publica - uma exclusão sociopolítica que submete a todas as mulheres do mundo.
Não me calo diante desse infortúnio. De ver, há mais de 30 anos de estudos e pesquisas que as versões da cultura sexista são as mesmas, são de âmbito secular.
Respeito as mulheres que não estão entendendo o processo, cuja mente tem sido "lavada" pela mídia raivosa e parcial que teima em deslocar suas versões para o âmbito político-partidário e etc. Mas não perdoo a quem se submete, desculpem, parentes, amigos e demais, e também não me KALO.
VIVI OS MOMENTOS AUTORITÁRIOS DO PAÍS , ASSIM COMO SOFRI COM OS AMIGOS QUE CAIAM NAS MALHAS POLITICO-POLICIAIS.
E hoje, 17/04, me posiciono: viva a democracia! vida a luta das mulheres! que vença hoje a legalidade democrática.
Na imagem que encima o texto relembro o momento em que Carlota Pereira de Queiroz assinava a Constituição de 1934 (com a posição de 1932 pelo direito do voto feminino). Veja-se: somente uma mulher. Rodeada de homens. E ai? Quem se habilita a desconhecer que as leis e normas têm sido criadas e legisladas e impostas pela cultura sexista que teima em se manter?

sexta-feira, 25 de março de 2016

QUANDO O PODER É SOLITÁRIO

Dilma Rousseff diante de uma corte de julgamento. Presa, lutando pela democracia. Solitária, aquele momento. 

Acompanho, tanto como eleitora como militante social e mais ainda como cientista política as sucessivas tendências de desgaste político a que vem sendo submetida a Presidenta Dilma Rousseff, desde o momento em que foi eleita para o cargo pela segunda vez, em outubro de 2014, com 51,64% de 54.501.118 votos.
As forças opositoras que não conseguiram o cargo pelo direito do voto popular do sistema de representação democrático, criaram uma agenda para desgastá-la formal e pessoalmente sendo visível esse jogo que se tornou uma medida sistematizada das lideranças do partido que perdeu as eleições agregando aos  demais representantes de uma elite partidária que embora  estivesse integrada à base coligada para manter a governabilidade do momento, montou seus palanques e procurou cada vez mais contaminar as múltiplas vertentes que pudessem servir aos momentos mais promissores para cultivar esse desgaste.
O séquito de opositores partidários e da elite conservadora se formou nesse tempo em que o executivo federal procurou estabelecer uma política de rearranjo econômico e social e revalidação de políticas cambiáveis com um tempo de recessão mundial estabelecendo medidas de combate à corrupção política em órgãos integrados às políticas de crescimento econômico e cujas mazelas não se apresentavam com a cara atual, mas vinham de outros governos que subsidiaram as tramas gastando os recursos de seus próprios governos para garantir a hegemonia no poder.
Mas foi em Dilma que recaíram as dúvidas de que era neste momento que as “operações pró-corrupção” eram de seu governo e não vinham de outras épocas. Sangra-se assim, até a morte moral um governo que jamais fechou um canal de imprensa, uma rede social que emitia opiniões ambíguas com o objetivo de criar maiores chagas no desgaste.
As denúncias de corrupção que eram executadas pelos detratores do governo, em que pesem serem emitidas por fontes institucionais consideradas jamais transbordaram para um noticiário de imprensa com acesso de grande alcance. As opiniões dos jornalistas dessa imprensa sempre ocorreram de forma ambígua , tratando o caso com evasivas e/ ou trazendo convidados/as para emitir opinião com o foco na  tabela solitária de um “Brasil que vai pra trás”.
Até o momento em que se dá a responsabilidade de todas as políticas que se criam para fornecer acesso a um Brasil que está forte, que segue vencendo crises mesmo com arrochos e que há necessidade desses acertos para mostrar esse encaminhamento de responsabilidade esse comportamento é tomado como passível de ser um dos motes de um processo de impeachment à mandatária do País.
É aqui que fica no ar minhas questões considerando que embora tenha meu direito de eleitora estou na posse de meus direitos de cidadã para lançar tensão com ímpetos de receber respostas, não dos querelistas, dos tendenciosos, dos que não estão “nem aí” para a vida política que representa o Brasil democrático porque foi eleita por mais de 50 milhões de eleitores:
a)          Onde anda esse eleitorado? Encolheu com as denúncias capciosas dos opositores partidários que perderam as eleições em 2014 e se propuseram a “avacalhar” os representantes eleitos até chegarem ao poder?
b)          Onde andam os movimentos sociais que não repercutem em coletivo salvo em posições de um ou outro líder sobre a situação que está sendo vilipendiada nacionalmente?
c)          Onde buscar os filiados/as do Partido incumbente – o PT – que embora em notas aqui ou acolá – não tomaram à frente a posição de desmontar esses incautos predadores?
d)          Onde estão os grupos de pressão integrados ao PT que se calam e em um ou outro post nas redes sociais acha por bem assumir uma posição às vezes ambígua para desnortear esse arcabouço de incertezas contra a presidente?
e)          Onde fica o Ministério da Justiça que deixa as inverdades escalarem a tal ponto a linha informativa que não acorre às leis e as posições demonstrativas de que o lado da barganha tradicionalista está tomando a frente do poder e desmontando falaciosamente os caminhos da busca por uma política de integração com o mundo em recessão para sair da crise?
f)           Onde andam os movimentos de mulheres e feministas que deixam as pancadas masculinas (de homens e mulheres) sangrarem até a morte o corpo político e físico da primeiro mulher a ter a ousadia de assumir o poder de decisão nacional, procurando articulação com as coalizões partidárias que só têm mesmo de seu o medo de perder o poder?
g)          Aonde andam as lideranças das coalizões partidárias do governo que não tomam a frente de uma ofensiva mais direta nessa onda de terror político que tem deixado o país em tensão, sem saber para onde correr?
h)           E finalmente, aonde anda a imprensa alternativa que não cria um coletivo para se apor contra esse “globismo” inveterado que vem dissipando as mentes da população desde as primeiras fases da ditadura de 1964?

Fico pensando que temos nas mãos o poder de reverter esse estado de coisas que está ocorrendo no Brasil, e mesmo se forem usadas as armas dos detratores devemos estar seguros de que vislumbramos o poder solitário da Presidenta Dilma Rousseff e não a deixaremos só. (Luzia Álvares)

(Obs. Texto escrito há mais  de dois meses quando as forças sociais ainda estavam muito silenciosas)