quarta-feira, 25 de novembro de 2015

CULTURA & POLÍTICA NA VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES



Primeiro Anúncio Contra A Violência Doméstica Publicado Na Arábia Saudita


 As Nações Unidas proclamaram o dia 25 de novembro o Dia Internacional pela Eliminação da Violência Contra as Mulheres. Em 1991, o Center for Women's Global Leadership (Centro Global para a Liderança das Mulheres) criou a Campanha Internacional: 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência Contra as Mulheres, cuja idéia central visava uma ligação simbólica à violação desses direitos. A ampliação da campanha de 25 de novembro a 10 de dezembro considerou outras datas significativas no período: 1º de Dezembro – Dia Mundial da AIDS; 6 de Dezembro - Massacre de mulheres em Montreal (inspiradora da Campanha Mundial do Laço Branco); 10 de dezembro - Dia Internacional dos Direitos Humanos. No Brasil, a Campanha tem sido realizada, todos os anos, pelos movimentos de mulheres e organizações feministas.
A violência é um termo polissêmico e aponta para as formas diferenciadas de constrangimentos morais, coativos ou através da força física explícita, aplicada por uma pessoa contra outra, num ambiente que pode ser tanto público no contexto social e político, quanto privado como o familiar. Alguns autores consideram o ato violento não apenas em situações episódicas agudas como a violência física, mas incluem também aquelas formas evidentes de distribuição desigual de recursos em todos os seus matizes. Este discernimento levou ao reconhecimento de que certos comportamentos nas relações sociais, embora fossem vistos como “naturais” tramavam contra a dignidade humana. A denúncia dos movimentos de mulheres ao tratamento que suas congêneres recebiam em casa, no trabalho e em outros locais de convivência, ao serem impedidas de participar de determinada atividade, ou quando eram agredidas pelo marido, pelos filhos ou pelos pais ao transgredirem a tradição dos afazeres domésticos, apontou-os como atos de violência doméstica e, atualmente, recebem o tratamento especial de entidades governamentais e não governamentais que consideram essas condutas destrutivas da condição humana, propondo-se políticas públicas para o seu enfrentamento.  
A punição aos atos de violência foi se inserindo então em resoluções, códigos e leis, no Brasil, ganhando reforço com a Lei 11.340, Lei Maria da Penha, sancionada em agosto de 2006, com vistas a incrementar o rigor das punições para esse tipo de crime. Uma síntese da Lei, na Introdução do texto, compromete essa preocupação:
Mais recentemente, em março de 2015 foi sancionada a Lei 13.104/2015, a Lei do Feminicidio, “classificando-o como crime hediondo e com agravantes quando acontece em situações específicas de vulnerabilidade (gravidez, menor de idade, na presença de filhos, etc.).” (Mapa da Violência 2015- Homicídios de Mulheres no Brasil). Não há unanimidade ainda nas definições dessa lei, sendo criticada por diversos operadores da lei e pelos movimentos sociais e de mulheres, contudo, os esclarecimentos sobre ela na pesquisa que foi realizada por Julio Jacobo Waiselfisz (Instituto Sangari, SP) utilizou como “ponto de partida para a caracterização de letalidade intencional violenta por condição de sexo (....)” que há feminicidio “quando a agressão envolve violência doméstica e familiar, ou quando evidencia menosprezo ou discriminação à condição de mulher, caracterizando crime por razões de condição do sexo feminino. “ (idem, p. 8).
A abrangência do termo violência inclui formas diferenciadas de agressão à integridade física, moral e psicológica das mulheres, implicando ainda em atos mais graves como assassinatos pelos maridos, crime que até bem pouco tempo era acobertado pela lei com a justificativa de que esses episódios fatais representavam “lavagem da honra”.
O ditado secular sexista “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”, até recentemente representava deferência à vida privada do casal, considerando que os “entremeios” de alcova diziam respeito somente ao par, mesmo que essa briga se tornasse geradora de uma ação de homicídio.
Para Heleieth Saffioti (1994: 44) “A violência masculina contra a mulher integra, assim, de forma íntima, a organização social de gênero vigente na sociedade brasileira.” Trata-se de uma cultura da hierarquia de poder que domina a estrutura social, sendo legitimada pela ideologia que criou papéis sociais com base nas diferenciações de sexo. As mulheres tendiam ser tomadas apenas pelo útero errante no seu corpo, visto que sua figura era colada à maternidade. “Talvez uma das maiores violências sofridas pelas mulheres tenha sido a própria construção de sua suposta “essência” como algo situado no útero”, diz Margareth Rago (199l: 2). Essa organização clássica ainda hoje se encontra instituída e é instituinte também, num contexto de dominação, visto que o lar e a maternidade ainda representam o lugar “natural” da mulher, e a rua e a política  configuram o espaço do homem.
A violência contra as mulheres não escolhe idade, raça e classe social, pois em todas essas situações já foram identificados casos graves com repercussões sociais, agravos na saúde tanto física quanto mental e já levaram as vítimas ao caminho da prostituição, das drogas e do suicídio. Os números mundiais são alarmantes, conhecendo-se somente os dados extraídos dos casos denunciados nas delegacias ou em tratamento hospitalar, pois há os fatos silenciados posto que as mulheres, sob o domínio do medo, calam a agressão, o estupro, para não serem tratadas discriminadamente e/ ou prevendo ameaças de morte de seus agressores.
Esses fatos são graves. Os movimentos de mulheres exigindo políticas públicas criaram mecanismos de informação para o reconhecimento das medidas interpostas na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher adotada pela OEA, em 6 de junho de 1994 e chamada “Convenção de Belém/PA” (porque assinada numa reunião internacional em Belém), ratificada pelo Brasil em 27 de novembro de 1995. Dar visibilidade a existência das agressões que as mulheres sofrem como “atos naturalizados” constituindo-se em violência doméstica, exige a punição aos culpados, medidas protetivas, atos de repúdio pelos Estados-membros da OEA, estratégias para a ruptura com a política do silencio.
Há duas questões para reflexão: a) a desinformação entre as mulheres e a sociedade em geral sobre a hierarquização das relações de gênero motivadores dos atos de violência contra esse gênero; b) a importância na inclusão dos homens nessas discussões visto que a política do sistema patriarcal motivou tipos de valores que definiram as hierarquias ainda hoje vigentes, a exemplo, a constatação do grande índice de violência doméstica e sexual praticadas contra as mulheres na sociedade e evidentes nos mapas que são construídos através de pesquisas nos centros de Saúde para onde são conduzidas as vítimas.
Neste registro sobre o fenômeno da violência doméstica e sexual contra as mulheres me coloco entre as pessoas que estão à frente dos movimentos de estímulo ao estudo da cultura desse tipo de violência denunciando a discriminação e a homofobia como anti-valores ancestrais que submetem secularmente o imaginário social em padrões estabelecidos de comportamentos aspirados para os dois sexos. E quando o modelo tradicional é perdido o grupo homofóbico se encarrega de criar outras leis para extinguir as que já existiam e que haviam trazido benefícios exemplares à vida das mulheres.

Obs. Imagem extraída do endereço 




sexta-feira, 20 de novembro de 2015

CONSCIÊNCIA NEGRA E DIREITOS HUMANOS

(imagem extraída de http://www.colegioweb.com.br/)

O Dia Nacional da Consciência Negra celebrada hoje, 20 de novembro, foi criado pelo Projeto-Lei número 10.639, no dia 9 de janeiro de 2003 (Art. 79-B), estabelecendo “as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir, no currículo oficial da Rede de Ensino, a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira" (...)”. Nesse dia, no ano de 1695, morrera Zumbi dos Palmares, o líder e chefe do mais famoso quilombo da história da escravidão no Brasil. A sua morte, resistindo contra o opressor branco, marcou a luta pela emancipação de uma etnia imposta como escrava no Brasil desde os primórdios da colônia portuguesa na América.
A escravatura existiu desde guerra, escravizados por dívida, por pirataria ou por mau comportamento a origem da civilização. Tratava-se de povos conquistados, prisioneiros de cívico, com evidências ainda àqueles com características físicas e de língua diferente dos conquistadores.
Em termos de Brasil, a escravidão iniciou-se na primeira metade do século XVI, com a produção de açúcar. Os colonizadores portugueses capturando os negros nas suas colônias na África utilizava-os no trabalho nos engenhos de açúcar no Nordeste. Comerciantes de escravos, mercadoria humana, escolhas entre os sadios, condições desumanas, mortes e submissão aos grilhões de ferro nos porões fétidos dos navios negreiros e/ ou quando nas senzalas eram acorrentados para evitar as fugas e submetidos a torturas físicas são evidências de um passado infausto desse povo cuja vida marcou a sua presença desde o Brasil Colônia. A história desse período é um dos mais cruéis momentos da humanidade e deste país. Da compra da liberdade por alguns, no Século do Ouro (XVIII) e da resistência política de outros, esse povo conseguiu manter sua cultura, exercitar seus rituais e falar sua própria língua ao organizar comunidades de quilombos.
Isto quer dizer que a abolição da escravatura tão festejada não foi algo dado para eles. Eles lutaram para chegar até ela. Historicamente se desenvolveu com a transição da Corte Portuguesa para o país e do Tratado de Aliança e Amizade de 1810, época em que o príncipe regente se comprometeu com a Inglaterra a abolir o tráfico negreiro. Esse tráfico só foi extinto quarenta anos depois, com a aprovação da Lei Eusébio de Queiroz e teve como reflexo a redução gradual da escravidão. Nessa época, o mundo conhecia as primeiras teorias cientificas de base racista. Surgiu, por exemplo, o “darwinismo social” e, no Brasil, começou a “preocupação com o branqueamento da população”. Essa ideia que se desdobrava entre a radicalização da diferença étnica, afinal um dos fatores da teoria nazista, e o estimulo à miscigenação como um meio de “diluir a cor negra”, caminhou com seu flagrante confronto na aceitação dos filhos de proprietários de terra com suas escravas. Segundo a professora Mary Del Priore em um artigo denominado “Entre a Casa e a Rua” (Revista “Aventura na História”/Ed. Abril), o conde Suzanet ,em 1825, afirmava que “as mulheres brasileiras (...) casavam-se cedo, logo se transformando, pelos primeiros partos, perdendo os poucos atrativos (...) e os maridos apressavam-se em substituí-las por escravas”. Mas sabe-se que não era só assim. Estas escravas eram estupradas, algumas mortas e a convivência com as “matronas” brancas submetia-as a uma outra forma de opressão e castigo por parte destas que se vingavam ao se sentirem em segundo plano na base de sedução do marido.
O livro “A Cabana do Pai Tomás”(escrito em forma de série, de 1850 a 1852) da escritora, filantropa e antiescravagista Harriet Beecher-Stowe teve ampla repercussão no processo de abolição da escravatura na América do Norte. Há versões de que ele ajudou na declaração da Guerra da Secessão rebelando, naquele país, o sul escravocrata. A autora foi uma das fundadoras do Partido Republicano que abraçou a causa do abolicionismo e o livro, por ser impulsionador da liberdade étnica, foi muito lido pelos donos de escravos, inclusive no Brasil. As mulheres desses comerciantes & industriais, especialmente na zona rural, tinham “A Cabana...” como leitura predileta. Isso valeu uma citação no romance “Sinhá Moça”(1950), de Maria Dezone Pacheco Fernandes, uma visão romântica do abolicionismo.
Mas, sabe-se que não foi fácil extinguir o estigma da escravidão a partir de um juízo de graus de etnia. O movimento abolicionista surgiu com o Iluminismo no século XVIII. O legado brasileiro da emancipação do negro contou com a colaboração de nomes famosos nas artes e letras. O poeta baiano Castro Alves chegou a bradar: “Não pode ser escravo/ quem nasceu no solo bravo/da brasileira região”. O pernambucano Joaquim Nabuco impulsionado pela experiência na infância, com escravos, lançou a obra “O Abolicionismo”, em 1883. José do Patrocínio, filho de um padre com uma negra, fez campanha contra a escravidão ao lado de Ruy Barbosa, Teodoro Sampaio, Aristides Lobo, André Rebouças e outros. Mesmo assim, com tantos nomes de vulto, inclusive políticos, dedicados ao abolicionismo, o Brasil foi o país que mais demorou em libertar oficialmente escravos. Havia forte pressão, especialmente dos proprietários sediados no campo. D. Pedro II temia um quadro bélico semelhante ao que aconteceu na América do Norte do governo Lincoln. Mas a Câmara era a favor da lei que afinal foi assinada pela filha de D. Pedro, a princesa Isabel, na sua fase de governante provisória em 1888.
Evidenciar o processo escravo e eliminá-lo das injunções econômicas através de leis e decretos foi um aspecto da luta pela libertação dos negros. O outro foi e tem sido introduzir a questão como elemento de conscientização antirracista, haja vista que desde muito, em especial do século XVII a XIX na Europa e no Brasil houve forte presença das teorias raciais com base cientifica demonstrativas da essencialidade do fenótipo africano onde a negrura era uma evidencia da degeneração da raça humana.
A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) patrocinou um conjunto de pesquisas sobre as relações raciais no Brasil, no inicio da década de 1950. Este projeto associava-se à agenda antirracista dessa instituição internacional que desde o final dos anos quarenta, estava impactada pela Segunda Guerra Mundial, quando o nazismo estimulou a grave exacerbação da degenerescência da mestiçagem humana pelo cientificismo sobre a raça ariana. Como aquela altura o Brasil apresentava imagem positiva em termos de relações inter-raciais se comparado aos EUA e o apartheid da África do Sul, este país se tornava um “laboratório” para "determinar os fatores econômicos, sociais, políticos, culturais e psicológicos favoráveis ou desfavoráveis à existência de relações harmoniosas entre raças e grupos étnicos".
Mas essa questão também era política e existencial para intelectuais negros organizados no período. Experiências mobilizadoras traduziram o outro lado da situação vindo dos movimentos negros que  se formavam no país alguns encabeçados por esses personagens.
A promulgação da Constituição de 1988 marcando o período de redemocratização do Brasil apontou para as demandas de discussões e de avanços nas decisões políticas reivindicadas pelos vários segmentos da sociedade, os movimentos sociais e o Movimento Negro. Assim, “A lei de preconceito de raça ou cor (nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989) e leis como a de cotas raciais, no âmbito da educação superior, e, especificamente na área da educação básica, a lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que instituiu a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-brasileira, são exemplos de legislações que preveem certa reparação aos danos sofridos pela população negra na história do Brasil” (http://www.brasilescola.com/ ).
Hoje a luta pelas rupturas do preconceito racial tem várias vertentes. E ainda há luta pela extinção do preconceito racial. Se Affonso Arinos lançou a lei que considera crime o racismo, muitos outros processos se institucionalizaram para a subversão das crime o racismo e muitos espaços como as universidades abrem vagas para negros e negras, a inserção no mercado de trabalho e valorização da cultura, a luta pela consciência do povo negro por sua identidade tem sido uma forma de militância dos grupos constituídos por agendas de demandas pelos direitos humanos.


sexta-feira, 23 de outubro de 2015

LAURO SODRÉ E A REPÚBLICA NO PARÁ


Lauro Nina Sodré e Silva , Primeiro governador constitucional do Pará : de 24 de junho de 1891 a 1º de fevereiro de 1897


A presença de Lauro Nina Sodré e Silva no Pará está registrada em toda a história política da Primeira e da Segunda República. Encima monumentos públicos como nomes de edificações, de ruas e escolas. Vejo, entretanto, total descaso dos estudos históricos nas escolas de ensino médio sobre figuras e feitos paraenses. Poucas pessoas, ao serem questionadas, sabem sobre quem foi esta ou aquela figura pública do passado embora reconheçam o nome nos espaços da cidade. A meu ver as escolas deveriam incluir uma matéria sobre os fatos políticos paraenses e seus personagens. Sabe-se muito mais de entes políticos do sul e sudeste e silencia-se sobre os nossos próprios fatos. Meu registro hoje é sobre um desses episódios.
No último dia 17/10 registrou-se o aniversário de Lauro Sodré, nascido em Belém, em 1858, e falecido no RJ, em 1944. Por não ter recursos para frequentar uma das escolas de Direito existentes no Brasil, conforme era sua vontade, seguiu a carreira de engenheiro do Curso Militar do Brasil, na Praia Vermelha. Entre seus professores, Benjamin Constant fora o responsável pela adesão dele a uma das correntes do positivismo, linha filosófica que influenciou as idéias do século XIX, no Brasil, e que tinha sido um marco no meio da juventude militar. A corrente seguida por Constant e seus discípulos não se alinhou à ortodoxia dos princípios do Apostolado Positivista liderados por outros intelectuais brasileiros, que favoreciam a solução republicana do movimento brasileiro condenando a realeza hereditária através das leis naturais, assumindo a via pacífica do "evolucionismo", e não através de uma revolução. Os positivistas não ortodoxos, ou seja, os que não seguiam a linha rígida dos princípios de Comte, como Benjamin Constant, Quintino Bocaiúva, apoiavam a via insurrecional e foi esta linha a adotada por Lauro Sodré.
Servindo no 4º Batalhão de Artilharia, em 1884, ele polemizou sobre religião e política, através das colunas de “A Província do Pará", usando o pseudônimo Danton, e do jornal "República", como Diderot. Nessas polêmicas, enfrentou duas figuras paraenses de prestígio, o Bispo Dom Macedo Costa e o Conselheiro Tito Franco de Almeida. Era maçon, criando, com isso, zonas de atritos com os católicos ultramanos, entre os quais se incluíam as duas figuras em referência.
Lauro Sodré foi republicano histórico, vindo da primeira hora das lutas pela implantação desse regime. Com Justo Chermont, Paes de Carvalho, Manuel Barata e outros, fundou o Clube Republicano. Em 1890, foi eleito para deputado à Constituinte Federal, sendo escolhido, em 1891, o primeiro governador constitucional do Pará.
A historiografia regional silencia sobre possíveis conflitos havidos por ocasião da promulgação do regime republicano no Pará, relatando apenas os fatos convencionais da tomada do poder dos monarquistas pelos republicanos. Mas estes ocorreram, quer entre os militares, quer entre os civis, aflorado mais fortemente através do episódio que ficou conhecido como o “levante do Cacaolinho” e que é registrado no livro “Um Democrata[  ] Os sucessos de junho ou o último motim político do Pará” (Belém: Imprensa de Tavares Cardoso & Cia, 1891).
Este confronto entre as forças republicanas e monarquistas e alguns membros do clero paraense, coincidiu com o período de governo do Capitão Tenente da Armada Huet de Bacelar, gaúcho que veio nomeado pelo Governo Provisório para substituir Gentil Bittencourt, na interinidade do governo estadual, desde a nomeação de Justo Chermont para o Ministério das Relações Exteriores.
Huet de Bacelar adotou medidas de repressão contra os adversários do seu governo, entre os quais os chefes dos jornais "O Democrata" e do "Diário do Grão Pará". Estes dois jornais foram apedrejados e os jornalistas agredidos, sendo acusado o governador, como mandante das violências. No dia 11 de junho de 1891, momento de instalação do Congresso Estadual que indicaria Lauro Sodré para o Governo Constitucional, ocorreu uma insurreição armada conhecida como o “levante do Cacaolinho”. Segundo versões encontradas na história oficial do Pará, este levante armado, encabeçado por Francisco Xavier da Veiga Cabral, fora perpetrado pelos chefes do Partido Democrata e visava "impedir a reunião do Congresso, depor o Governador Huet de Bacelar e substituí-lo por Vicente Chermont de Miranda, chefe daquela agremiação política". A versão dos democratas para os fatos, registrado no livro, referencia sérios conflitos ocorridos ainda no período do governo de Justo Chermont contra os militares, denunciando o "spirit of corps" da categoria que se considerava responsável pela vitória do movimento republicano e que fora preterida na Junta Provisória do Pará.
Entre outras motivações que levaram ao “levante do Cacaolinho” sobressaem denúncias às eleições para a Constituinte Federal e Estadual, quando o Partido Democrata Republicano, apesar das alianças com as demais forças partidárias locais, como Partido Nacional Católico, foi derrotado fragorosamente pelo PRP Radical. Faz referência às condições em que se acham, naquele momento, as forças estaduais republicanas, e utilizam-se dessa denúncia para justificar e supervalorizar a importância das forças monarquistas subjacentes no Partido Democrata Republicano para conter a "insegurança do povo", pois, só "os chefes democratas" foram capazes de demonstrar "energia e patriotismo", num momento de agitação. A incúria do então nomeado governador Huet de Bacelar, contra os adversários de um modo geral, confluiu para o desfecho desse motim.
Este fato levou à prisão os considerados responsáveis pelo movimento armado, Vicente Chermont de Miranda, Augusto Américo Santa Rosa, Francisco Xavier da Veiga Cabral, e outros. Contra Chermont de Miranda e mais os majores reformados do exército e heróis da Guerra do Paraguai Frederico Gama e Costa, José da Gama e Silva e seu filho José Caetano, foi decretada, pelo governador, a deportação para a Europa.
A Constituinte do Pará foi promulgada em 22 de junho de 1891, encerrando-se assim o período em que as nomeações dos governos estaduais eram feitas pelo Governo Provisório Republicano. Um dia depois, os constituintes elegiam por unanimidade o Governador Lauro Sodré, que assumiu o cargo em 24, permanecendo no governo até 1º de fevereiro de 1897.

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

ONDE ENCONTRAR O CÍRIO?

A Berlinda com a imagem da Virgem de Nazaré 

Nesta interrogação há muitas histórias. O verbo pode se transformar em conceito e se complexificar no que pretendo tratar sobre um evento cujos extremos – entre o que se considera sagrado e o que demonstra ser profano – em meio a vivências pessoais, memórias, práticas acadêmicas e as sinuosas hipóteses na extração de seu significado tendendo a evidenciar os muitos lugares em que o Círio possa estar.
A começar pelo termo originário – Círio – cujo verbete, na Enciclopédia Brasileira define-a da palavra latina cereus e apesar da dimensão da linguística mais conhecida – grande vela de cera – também reporta à rubrica religiosa – “procissão em que se leva, de uma localidade para outra, uma dessas velas”.
O que tratamos aqui sobre Círio está mais ligado à segunda dimensão por se constituir em duas posições – uma procissão que transporta uma imagem representando uma santa católica e as velas que iluminam os caminhos da passagem dessa procissão, tanto como registro de abrir espaços da caminhada quanto para reverenciar a imagem santa.
Na verdade, a recorrência histórica dessa festividade em Belém (PA), sobre o Círio de Nazaré tem sido bastante estudada, apresenta muitas versões, apreendendo-se de cada uma destas mais um capítulo de descobertas sobre esse evento, analisando-se a proximidade com outra festividade europeia. Com essas argumentações que aportam na história paraense vão sendo incorporadas ricas visões sobre fatos evidenciando pessoas ilustres e humildes devotos, objetos, valores, histórias simples e de guerra, costumes, novos atores entre os velhos da tradição e os novos da devoção.
Das teias de conhecimentos que procuram sustentar as análises de observações e dados coletados e sistematizados, o registro sobre o Círio percorre escritas as mais diversas. A História é então interpenetrada pela Antropologia que se abebera da Sociologia e adentra a Ciência Política não sem atravessar outras áreas de conhecimento como a Filosofia, a Geografia, o Turismo, a Economia, a Gastronomia, a Comunicação e outros roteiros acadêmicos que circulam como propulsores das pesquisas em torno desse fato social. Das teorias científicas aos procedimentos metodológicos cada eixo desses leva a várias formas de investigação onde categorias sociais se tornam os eixos fundantes das interpretações que ajudam a analisar desde a memória à indústria cultural, dos ritos aos mitos, da culinária à convivialidade familiar construindo-se laços de sociabilidade e marcando o processo identitário do povo paraense.
Na minha perspectiva reconheço alguns lugares em que posso encontrar o Círio. Primeiramente a memória da descoberta do que essa festa representava e das expectativas sobre ela enquanto moradora de uma cidade no interior do Estado. Alguns meses antes de outubro – o mês da festa - minha mãe projetava seu interesse em “passar o Círio em Belém”. Aquelas alturas nós já tínhamos parentes moradores nessa cidade e que nos dariam hospedagem. O desejo da celebração esbarrava, a maioria das vezes, no baixo lucro comercial do meu pai naquele ano. E os planos de minha mãe não se realizavam. O Círio nos encontrava, então, através do noticiário radiofônico onde a mesura católica de benzer-se à orientação ouvida no momento da procissão era registrada. Mas certa vez deu certo e viemos todos, entre cestos de patos, farinha e mel. Roupa e sapato novos para os filhos também fazia parte do enxoval. Embora a celebração fosse numa casa da família de meu pai senti certo constrangimento pela intrusão naquele espaço pouco conhecido para nós.
O próximo lugar de encontro desse evento, anos depois, eu já fazia parte da “comunidade urbana” de Belém, adolescente, aluna de um colégio religioso, e a participação na procissão se tornara um processo regular nos anos de convivência no internato entre as colegas e as freiras. Aliás, em que pese o tom místico determinante de nossa presença como caminhantes na procissão, para nós era realmente o momento da liberdade, deixando as quatro paredes do internato e nos integrando àquele povo todo que circulava conosco. Era uma grande festa de independência, pode-se dizer. Suadas nos nossos uniformes de manga comprida, não sentíamos cansaço. Só a alegria de olhar a cidade e observar os lugares desconhecidos. A geografia do conhecimento dos espaços se tornava uma espécie de surpresa quando conciliávamos o que diziam as colegas externas sobre esse ou aquele lugar e o que constatávamos sobre a cidade de Belém naquele instante de festa religiosa.
Outros tempos, outros encontros, outros Círios, outras descobertas, outras emoções. Casada, com filhas, nova família e parentes colaterais, os costumes já repassadas de anos de vivência e convivência entre a tradição, o ritual, a carreira acadêmica e as áreas de conhecimento que têm me dado material de análise para avaliar essa festa religiosa paraense percebi que há muitas outras versões sobre o Círio de Nazaré. Do lugar onde nos encontramos à forma que sobre ele nos reconhecemos, a situação da festa que se avoluma em estabelecer os vínculos com o religioso, mas englobam novos processos. Nossos olhos encontram a diferenciação de classe social nas normas da organização religiosa do evento que determinam quem vai estar posicionado num espaço hierárquico da procissão, mas esta situação não consegue deter o curso dos demais estratos que nem se importam com essa projeção porque o estar no processo tem o significado afetivo que se faz constitutivo de tantos quantos participantes estão ali convictos para oferecer sua ternura e o preço de sua promessa, conscientes de que valeu a pena estar na casa do amigo, do parente, nos encontrões da turba que vai e vem entre os “rios caudalosos de gente”. É o “carnaval devoto”, na expressão de Dalcídio Jurandir, que deu a Isidoro Alves a análise de sua versão como mais um encontro do Círio.

(Texto originalmente publicado em O Liberal (PA) de 09/10/2105 com outro título) 

sábado, 3 de outubro de 2015

POR TODAS AS FAMÍLIAS



"Familia de Saltimbanco" de Pablo Picasso 


A sociedade civil e organizada brasileira há duas semanas está se mobilizando na articulação do Movimento “Por Todas As Famílias” contra o Estatuto da Família, o PL 6583/13, apresentado pelo deputado Anderson Ferreira (PR-PE) que define o conceito de família como “a união entre um homem e uma mulher” e restringe o núcleo familiar aos padrões heteronormativos. O parecer do relator, Deputado Diego Garcia/PHS, foi aprovado em 24/09/2015, por 17 votos a 5, na Comissão Especial, com o trâmite previsto para apresentação ao Senado.
A comunidade acadêmica que tem se debruçado desde longa data para estudar, pesquisar e refletir sobre as mudanças historicamente construídas da realidade global e da brasileira em particular iniciou e fortaleceu essa mobilização apresentando notas de repúdio, análises de experts das várias áreas inclusive da área jurídica como a da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC/MPF), com demonstrativos da inconstitucionalidade de vários artigos e da grave violação de direitos fundamentais de cidadãos e cidadãs brasileiros. Em sua nota diz:
“A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC/MPF) vem a público manifestar sua discordância acerca do PL 6.583/2013, que dispõe sobre o Estatuto da Família, por entender que o Congresso não pode legislar sobre direitos já garantidos pela Constituição Federal (CF) e pelo Supremo Tribunal Federal (STF), notadamente:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (...) IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição (...)”
Em outra parte do documento a PFDC/MPF afirma: “O PL 6583/2013 ao definir, em seu Art. 2º, “entidade familiar como o núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou união estável, ou ainda por comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”, restringe direitos já conquistados por uniões civis de pessoas do mesmo sexo e que não correspondem à definição proposta.”(...) O documento segue demonstrando quais direitos são cerceados a/ao cidadã/ao brasileiro e que constam na Constituição de 1988.
Sobre o conceito de família homoafetiva, o documento capta o entendimento da Professora Dóris de Cássia Alessi (2011, p. 45): “Amparada pelos princípios constitucionais, às uniões homoafetivas ganharam relevo a partir do momento em que o obsoleto modelo patriarcal e hierarquizado de família cedeu lugar a um novo modelo fundado no afeto. A propósito, as uniões entre pessoas do mesmo sexo pautadas pelo amor, respeito e comunhão de vida preenchem os requisitos previstos na Constituição Federal em vigor, quanto ao reconhecimento da entidade familiar, na medida em que consagrou a efetividade como valor jurídico”.
Neste texto considero, também, como retrocesso as alterações sociais provindas do Estatuto da Família. A Dra. Simone Barbosa Villa (FAUeD/Universidade Federal de Uberlândia) ao estudar a dinâmica urbana no Brasil contemporâneo observa “as significativas mudanças pelas quais têm passado os arranjos familiares da população (...)” constituindo-se em “nova dimensão nesse início do século XXI onde a velocidade das mudanças é grande”. Além da ordem demográfica como a diminuição da fecundidade e o envelhecimento da população ela destaca outros componentes integrados às transformações sociais e culturais como “o menor número de matrimônios, aumento das separações e atraso das uniões, conjuntamente com o novo papel da mulher na família e no trabalho, as quais tiveram importantes implicações nas relações de gênero.” Neste último aspecto são percebíveis as conquistas históricas que as mulheres alcançaram na luta por sua emancipação construindo um processo de conscientização sobre as seculares perdas de direitos no âmbito da cidadania política, social, cultural e econômica.
Esse processo de mudanças que nas últimas cinco décadas revolucionaram o mundo tende a afetar as estruturas familiares e sociais a exemplo: “(i) revolução contraceptiva na qual ocorre dissociação da sexualidade da reprodução; (ii) revolução sexual, principalmente, para as mulheres que passam a distinguir a sexualidade do casamento e; (iii) revolução no papel social da mulher e nas relações de gênero tradicionais, onde a figura do “homem provedor” duela com o consolidado papel da “mulher cuidadora” (apud LESTHAGUE, 1995).
A autora evidencia, então, que esses processos transformadores favorecem a consolidação de novos formatos de grupos domésticos com ativa participação nas estatísticas onde havia o predomínio da família nuclear. “Famílias monoparentais, casais DINC (Duplo Ingresso e Nenhum Filho), uniões livres – incluindo casais homossexuais -, grupos coabitando sem laços conjugais ou de parentesco entre seus membros e a família nuclear renovada.” Neste caso, essa renovação da antiga família nuclear trouxe maior autonomia aos seus membros com declínio da autoridade dos pais. Simone Villa cita Perucchi e Beirão (2007 p. 66): “O modelo patriarcal de família, caracterizado pelo arranjo composto por pai, mãe e filhos que convivem sob a égide da autoridade do primeiro sobre os demais, está em crise”.
Neste aspecto, a presença feminina se destaca em meio à nova ordem que tem disseminado ao entrar no mercado de trabalho antes restrito a algumas funções e hoje ampliado e inclusivo para as mulheres. No Censo Demográfico do IBGE, os dados de 2010 apontam para 66,2% de famílias “nucleares” (definidas como um casal com ou sem filhos, ou uma mulher ou um homem com filhos); 19% são estendidas (mesmo arranjo anterior, mas inclui convivência com parente(s)); 2,5% são compostas (inclui convivência com quem não é parente) e os demais 12,3% são pessoas que moram sozinhas. Há ainda 60 mil casais de outra orientação sexual e quanto às uniões homoafetivas, o IGBE aponta, em 2013, para 3.701 casamentos registrados no país, 52% (1926) ocorrem entre mulheres e 48% (1775) com homens.
Meu Estatuto é em defesa dos direitos e da pluralidade.

(Texto publicado originalmente em “O Liberal”/Pa, em 02/10/2015)


sexta-feira, 25 de setembro de 2015

EM DEFESA DOS DIREITOS E DA PLURALIDADE


http://taislc.blogspot.com.br/2008/10/tarsila-do-amaral 

Em 16 de outubro de 2013, foi apresentado ao Plenário da 55ª Legislatura da Câmara de Deputados, pelo deputado Anderson Ferreira, do PR/PE, o Projeto de Lei n. 6583/2013, dispondo sobre o “Estatuto da Família e outras providências”. Nesse mesmo dia, o mesmo deputado apresentou o Projeto de Lei n.º 6.584/2013, que instituía a "Semana Nacional de Valorização da Família", com vistas a integrar o Calendário Oficial do País. Em 25/10/2013 esta nova PL foi apensada a primeira passando a circular em todas as instâncias previstas e para a avaliação da Comissão Especial destinada a proferir parecer pela inconstitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa. Esse PL está em vias de ser aprovado este mês o que vem a demonstrar o intenso conservadorismo dos membros da casa legislativa intentando de forma regressiva contra os direitos constituídos por diversos grupos familiares já formados na sociedade brasileira.
O conceito de família, nesse Estatuto corrói e exclui o formato atual e plural das famílias brasileiras ao propor, no Art. 2º: “Para os fins desta Lei, define-se entidade familiar como o núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou união estável, ou ainda por comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.”
Como se vê, a representação do conceito de família gerou uma versão que tende a ser considerada imutável, mesmo que ao longo do tempo houvesse mudanças na estrutura sociocultural e econômica da sociedade transformando a vida dos indivíduos e reorganizando as normas do Direito para alcançar essas mudanças, cujo reconhecimento entre essas doutrinas jurídicas avançaram na interpretação da lei. Sem dúvida para conter esses avanços é que esse parlamentar se apoiou para converter a sua lógica ético-conservadora em protótipo impositivo de um estatuto que segundo ele, é “obrigação do Estado, da sociedade e do Poder Público em todos os níveis assegurar à entidade familiar a efetivação do direito à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania e à convivência comunitária.” (Art. 3º).
Considerando as perdas e exclusões que este Estatuto tende a promover, o mundo acadêmico e grupos de pesquisas estão se movimentando em uma campanha que interroga "Qual Estatuto da Família? Em defesa dos direitos e da pluralidade" procurando sensibilizar sobre as práticas lesivas aos direitos humanos que o parlamento brasileiro atual agregado a setores religiosos e fundamentalistas tem criado contra os grupos que se organizam de forma diferenciada da representação socialmente aceita, como a que foi deflagrada em favor da “cura gay”, da comunidade LGBT, da inclusão de gênero e orientação sexual nos planos de educação estaduais e municipais.
Pertinente a atenção aos comentários da assessora técnica Fernanda Saboia, do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA ), no ano passado (03/06/2014) sobre o Estatuto da Família: “tal definição exclui a pluralidade das famílias brasileiras, já reconhecida por doutrinas de Direito, que avançam na interpretação da lei. Existem pelo menos 11 tipos de família, que são: matrimonial, informal, homoafetiva, paralela ou simultânea, poliafetiva, monoparental, anaparental, pluriparental, extensa ou ampliada, substituta, eudemonista. Os tipos de famílias já apreciadas pelo ordenamento jurídico brasileiro são a matrimonial (CF art. 226 § 1 ), a família informal (união estável, CF art. 226 § 3), e família monoparental (CF art. 226 § 4), e conforme decisão do Supremo Tribunal Federal, tem se reconhecido legalmente e juridicamente a existência das famílias homoafetivas.”
Com isso se torna preocupante gerando insegurança jurídica, diz Saboia, a todas as famílias não enquadradas nesses limites definidos pelo PL. A assessora acentua a inconstitucionalidade diante da Carta de 1988, no Art. 5º (Dos Direitos e Garantias Fundamentais) “conforme o princípio da igualdade de todos perante a lei sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.”
Outras diretrizes que o PL impõe referem-se à criação de políticas públicas para o tipo de família restrito, a criação de Conselhos da família (Art. 14), “orgãos permanentes e autônomos encarregados de tratar das políticas públicas voltadas à família”. E nesse aspecto enfoca a obrigatoriedade da “Educação para a família” nas escolas tendo currículo obrigatório no ensino fundamental e médio. Opera com a outra PL apensa a esta que cria o Dia Nacional de Valorização da Família nas escolas como meio de favorecer as novas metas de ruptura ao que esse grupo conservador chama de “ideologia de gênero” que é acusada de favorecer a diversidade e as mudanças culturais conectadas ao movimento LGBT e ao feminismo.
Um aspecto lembrado por Saboia contido no Estatuto da Família (Art. 6º) refere-se às atribuições e deveres do Estado com o privilegiamento aos “membros da entidade familiar” no Sistema de Único de Saúde (SUS) e no Programa de Saúde da Família, garantindo-lhes o acesso em conjunto articulado e contínuo das ações e serviços, para a prevenção, promoção, proteção e recuperação da saúde, incluindo a atenção especial ao atendimento psicossocial da unidade familiar.” O SUS foi criado pela Constituição Federal de 1988 e regulamentado pelas Leis n.º 8080/90 e nº 8.142/90, Leis Orgânicas da Saúde, “com a finalidade de alterar a situação de desigualdade na assistência à Saúde da população, tornando obrigatório o atendimento público a qualquer cidadão, sendo proibidas cobranças de dinheiro sob qualquer pretexto.” Sendo assim, esse serviço tende à “universalidade, a integralidade e a igualdade no acesso às ações e aos serviços de saúde sem quaisquer tipos de preconceitos” e com essa “nova ordem” como ficam os grupos familiares já formados? Como e onde serão atendidos?
Vejo a família como um grupo de convivência onde o afeto, a diversidade de cada um/a com suas individualidades transformam a organização social institucionalizada, estruturando uma pluralidade que dignifica, inclui, protege e fortalece os direitos humanos.


(Texto originalmente publicado em "O Liberal"/PA em 25/09/2015)

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

VIAJANDO PELA TEORIA DEMOCRÁTICA

http://tribunadainternet.com.br 

Comenta-se tanto sobre democracia que esse conceito “viralizou” socialmente. Muitas leituras de teóricos da ciência política se acercam do modelo clássico e reinventam os paradigmas para a democracia moderna em que a construção incorpora os rearranjos do sistema em vários períodos. Numa fase pessoal de entendimento sobre este conceito, circulei entre muitos autores. Neste texto prefiro iniciar da teoria do elitismo democrático e democracia como método, tendentes a comprovar a presença de uma minoria assumindo a direção política da coisa pública.
O eixo argumentativo de Gaetano Mosca sobre a impossibilidade de a teoria democrática demandar  a condução política da coisa pública, constituindo-se na teoria justificadora do governo da maioria, considera as observações comparativas entre os tipos históricos de organização social, para demonstrar que não procede o fato acusatório sobre a debilidade da classe dirigente ser responsabilizada pelas catástrofes nacionais. Há causas intrínsecas (defeitos ou carências da doutrina) e extrínsecas. Neste caso, a democracia representativa elimina o governo da maioria porque, em parte, está modelada nos princípios de Montesquieu (separação dos três poderes) e em parte está definida pela invenção rousseauniana (a vontade geral como eixo do poder legítimo e o direito ao sufrágio uma condição inata e do qual ninguém pode ser excluído). Critica o estatuto do sufrágio universal por considerá-lo responsável pelo descenso do nível cultural e intelectual médio dos que disputam os cargos, devendo ser atribuído aos que tiverem capacidade para exercê-lo.
Quanto à renovação da classe dirigente, a tendência democrática é utilizar-se de membros da classe dirigida, favorecendo uma renovação rápida e violenta, em períodos de revolução e, algumas vezes, lenta e inclusiva de estratos superiores da sociedade, em tempos normais.
Alguns apontam a obra de Mosca sobre a teoria das elites como a primeira teoria científica no campo da política. Houve uma forte polêmica em torno da tendência antidemocrática e antissocialista da teoria. O argumento de uma classe política dirigente, concebendo de forma negativa e estática a natureza humana criando a antítese Elite-Massa foi, entretanto, perdendo a sua matriz ideológica e transformando-se em valor heurístico. Respeitada por seu valor científico por filósofos conceituados, Mosca refez algumas ideias da juventude sobre os regimes democráticos e realimentou seus escritos de 1896 reconsiderando, em 1923, a argumentação sobre a formação da classe política, distinguindo diversamente a sua organização.
Nos EUA a teoria conquistou formuladores da ciência política contemporânea como H. Lasswell e C. Wright Mills, enquanto outros se agruparam entre os críticos democráticos (liberais e radicais) e os marxistas. Os primeiros questionavam o bloco monolítico da classe governante; para os segundos, a defesa da elite no poder se agregaria entre os que detêm o poder econômico. Os liberais arguiram a renovação de uma teoria que estabelecesse os acertos entre a teoria das elites e a democracia. Os críticos com tendência à compatibilidade argumentavam a impropriedade da teoria da democracia clássica e a sujeição aos ideais abstratos de liberdade, igualdade e vontade geral, procurando redefinir este conceito com a finalidade de acomodar o elitismo, utilizando-se de uma nova propositura: o regime democrático é um método.
Os críticos do elitismo monolítico decantaram sua argumentação no “elitismo democrático” considerando que a multiplicidade de elites compatibiliza com a democracia, os “pluralistas” circulando entre filósofos políticos como William Kornhauser  ou entre pesquisadores como Polsby e Robert A. Dahl. O primeiro criou a figura de “grupos intermediários”, que protegem as elites contra a pressão do povo. Quanto a Dahl, sua questão baseou-se na suposição da existência desses grupos intermédios considerando a necessária verificação para efeito explicativo do papel e da função (poder e influência) que estes realizam nas comunidades em estudo. Houve os defensores da “democracia radical” (Kariel, Bachrach e Bottomore), pressupondo a reforma da estrutura da sociedade para a participação efetiva do cidadão considerando viáveis os ideais políticos clássicos (igualdade, liberdade e participação) lutando por “maior igualdade de oportunidade para as pessoas dividirem a tomada de decisões que afeta suas vidas”.
A teoria da elite opondo-se à teoria das massas, embora fosse usada de maneira conservadora num intento “declaradamente antidemocrático”, instigou, contudo, uma crítica realista do “poder nas mãos do povo”, ao argumentar que o poder político está sempre nas mãos de uma minoria. A diferença se dá através da competição que estes grupos realizam entre si, entre um regime e outro.
Joseph Schumpeter encontra uma possibilidade de conciliação entre a teoria das elites e a teoria democrática. Ele define democracia como um método, afastando-se da “camisa de força” da doutrina clássica da democracia que elabora uma versão sobre “bem comum” e “vontade do povo”, indispostos um contra o outro, devido a que se existe o primeiro nos moldes da expressão clássica, dissipa-se o conceito de vontade geral. O bem comum significa diferentes coisas para diferentes pessoas e, portanto, intransitivas no movimento que faz do individual para o coletivo. Schumpeter desenha um conceito positivo de democracia: “A democracia é um método político, ou seja, certo tipo de arranjo institucional para se alcançarem decisões políticas – legislativas e administrativas –, e, portanto não pode ser um fim em si mesma, não importando as decisões que produza sob condições históricas dadas. E esse deve ser o ponto de partida para qualquer tentativa de defini-la” (...). O método democrático é aquele acordo institucional para se chegar a decisões políticas em que os indivíduos adquirem o poder de decisão através de uma luta competitiva pelos votos da população”.
A ênfase de Schumpeter à conciliação com a teoria das elites é a recusa aos principais mitos da democracia liberal. Para ele não há governo do povo, mas governo da maioria visto que o primeiro passa a ser “governo pelo povo”, substituído pela “Vontade Manufaturada”. A competição pela liderança torna-se a livre competição no mercado do voto. Subsiste a relação democracia vs liberdade individual, numa esfera de autogestão individual que concorre para evidenciar a questão de grau do processo. E embora o eleitorado possa produzir como função básica um governo, esse mesmo eleitorado poderá desapossa-lo.




Texto originalmente publicado em O Liberal, de 18/09/2015 

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

AS MUITAS FACES DO TERRORISMO




O dicionário Merrian-Webster diz que terror é o “uso da violência física ou psicológica através de ataques localizados a elementos ou instalações de um governo ou da população governada”, cujo efeito é incutir esse medo obtendo-se efeitos psicológicos que vão além do círculo das vítimas abarcando a população do território.
Segundo Walter Laqueur, 94, historiador e comentarista politico polonês “nenhuma definição pode abarcar todas as variedades de terrorismo que existiram ao longo da historia”. Cabe a definição hoje, 11 de setembro, quando se completam 14 anos do atentado ao World Trade Center em Nova York, tido como um dos mais dramáticos atos terroristas efetuados na era moderna.
No plano internacional, a luta surda contra instituições, sejam ou não de governo, faz a vez das guerras não declaradas. A diferença repousa justamente na falta de um respaldo legal para efetuar o ato de violência. E por mais paradoxal que pareça, nas guerras há esse liame legal onde se destrói amparado por uma legitimidade expressa em documentos (escritos ou orais).
No mundo moderno a tecnologia exibe forças que substanciam os atos de terror. E terror é sinônimo de medo. Nos anos 1960/70 EUA e URSS mantiveram uma relação de temor, uma nação da outra, cientes de que cada uma delas possuía armas nucleares e em um confronto poderiam ser destruídas – e levar consigo boa parte do mundo.
Mas será que terrorismo é só ameaça de bombas ou de destruição material? Na própria definição, segundo o Departamento de Defesa dos EUA, “terrorismo é um tipo muito específico de violência, bastante sutil, apesar de o termo ser usado para definir outros tipos de violência considerados inaceitáveis”. Dessa forma, um assalto a mão armada como tantos que a crônica policial registra diariamente em quase todas as cidades do planeta, é um ato de terrorismo. E a violencia doméstica, ora enfatizada em debates interessantes, é terrorismo. Tambem tipos de propaganda de ação subliminar, incitando pessoas a tomarem medidas que não se pode chamar de “civilizadas”, enquadra-se nesse termo.
Através dos tempos encontram-se episódios de violência contra a pessoa, desfigurando o sentido de humanismo, uma “filosofia moral que coloca os humanos como principais, numa escala de importância”. O ato de tratar mal alguém já é uma forma de processo desumano, ou, pelo medo que isso causa, a terrorismo.
No úlltimo dia 7 de agosto completou-se 9 anos de promulgada a Lei Maria da Penha, ou a Lei nº 11.340 “que objetiva maior rigor nas punições sobre crimes domésticos,  normalmente aos homens que agridem fisicamente ou psicologicamente a uma mulher ou à esposa.” Sem dúvida uma forma de combater o terrorismo caseiro. E nesse caso observa-se a validade do conceito através do medo que o ato de violência implica nos alvos das medidas dramáticas. Viver no terror é, portanto, um ato que se mede plural e particularmente.
A grande pergunta que se faz é por que o ser humano passa a odiar seu próximo de forma extrema. Os casos em que os terroristas ofereceram suas próprias vidas pelo objetivo de destruição, como os que pilotaram os aviões de encontro aos edificios no caso do Worl Trade Center (ou dos “kamikases”, pilotos japoneses que se atiravam sobre os alvos inimigos durante a 2ª Guerra Mundial), a resposta paira nos supostos terrenos da religião e do ardor patriotico. Mas não se deve deixar de pensar nos esquemas de mercado em que as nações subliminarmente subscrevem um tipo de terrorismo. Os crentes de que estão sendo alvos de uma defesa ao seu deus ou a seu credo são incontaveis no tempo. E os que se deixam morrer numa guerra é mais do que a simples obediencia a superiores que dizem comandar uma luta pela preservação de um ideal patriótico. Curiosamente, numa linha espiritual nada disso tem valor posto que o espirito não deve obediencia aos fatos terrenos mas à situação que o espera depois da morte.
Um conceito de humanismo que no sentido amplo tende a valorização do ser humano relacionando-se com a generosidade e compaixão como atributos das realizações humanas vem com o Renascimento, no século XIV, um movimento intelectual italiano objetivando romper com a Igreja e o pensamento religioso da Idade Média. No filme “Ted 2” (2015) a síntese do advogado de defesa de um brinquedo de pelúcia que aspira ser um ser humano é de que o conceito de humano passa pela dedicação que este deseja a seu proximo. No dizer do cristão, seguindo o mais evidente mandamento exposto por Jesus: “amar o proximo como a si mesmo”. Desse modo, se todos seguissem esse mandamento não haveria terrorismo.
Pode-se achar uma fantasia a relação hegemônica dos chamados “homo sapien”. Para se amar o proximo é preciso perdoar esse proximo. Sim, pois tambem é de todas as crenças o fato de que “errar é humano”. E se não se tratar de um erro é de uma interpretação. “Quem somos nós para julgar”? O livre-arbitrio traz embutido as paixões que se pode considerar naturais, ou, nos termos médicos, fisiológicas. Um conjunto de fatores orgânicos, como os hormonios, geram atitudes dispares que nem sempre se coadunam com uma postura benéfica a todos. E o que causa medo é que nem sempre se pode definir o certo e o errado e da mesma forma perdoar alguém que em um momento tenha agido errado pensando que está certo.
Há muitos estudos sobre o terror que embasam certos principios apontando a violência inerente ao ser humano. Nesse caso, este aspecto já resvala para outros planos secundando perfis referentes à agressividade humana comprometendo o processo civilizatório como regulador dos impulsos agressivos (Freud). Mas não entro nessa questão.Dom Orani Tempesta definiu a reação a um assalto que sofreu no Rio de Janeiro como um caso a merecer educação aos jovens assaltantes. Não só o b-a-ba, mas uma educação polimorfa que começa no lar e segue na escola, modulando as manifestações de ira social. E as Marias da Penha onde entram?

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER


Maria da Penha Maia Fernandes 

Em 7 de agosto de 2006, o presidente Lula promulgou no Brasil a Lei 11.340/06, mais conhecida com Lei Maria da Penha, ganhando este nome em referência à Maria da Penha Maia Fernandes, que durante vinte anos denunciou e lutou para que seu agressor – seu marido - fosse preso. Mas apesar de 100% das brasileiras conhecerem a Lei, promulgada há nove anos, uma em cada cinco mulheres já foi espancada pelo marido, companheiro, namorado ou ex. Segundo dados da pesquisa Data Senado realizada no período de 24 de junho a 7 de julho, elas ainda se sentem desrespeitadas, sendo as causas principais, o ciúme e a bebida (18%). Foram ouvidas 1.102 brasileiras numa série histórica que já se acha em sua sexta sequência, tendo iniciado em 2005 e aplicada a cada dois anos, com mulheres de todos os estados do país.
O enfoque mundial dado à violência contra a mulher revela-se uma questão das mais importantes para a luta pelos direitos humanos e a mais crucial tentativa de desmistificar as formas de relacionamento impositivo do controle masculino, milenarmente tratado como condição “natural”, justificadas em normas sociais baseadas nas relações de gênero, com valorização dos papeis masculinos em detrimento do feminino. O resultante desta valorização é a criação de relações assimétricas entre os dois gêneros fundantes – homem e mulher – que estabelece um tipo de violência mais conhecida como violência doméstica.
Quando, em 1994, a Organização dos Estados Americanos – OEA – realizou a Convenção de Belém do Pará (Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher) a definição tomada como uma das cláusulas do documento assinado pelos participantes foi a de que: “A violência contra as mulheres é uma manifestação de relações de poder historicamente desiguais entre homens e mulheres que conduziram à dominação e à discriminação contra as mulheres pelos homens impedindo o pleno avanço destas últimas...”
Os estudos sobre o exercício da violência contra a mulher têm centrado explicações sobre a cultura da hierarquia de poder que domina a sociedade sendo legitimada pela ideologia que criou papéis sociais com base nas diferenciações de sexo. “Os papeis ensinados desde a infância fazem com que meninos e meninas aprendam a lidar com a emoção de maneira diversa. Os meninos são levados a reprimir as manifestações de emoção, amor, afeto e amizade, e estimulados a exprimir outras, como raiva, agressividade e ciúmes. Essas manifestações são tão aceitas que muitas vezes acabam representando uma licença para atos violentos” (portal violência contra a mulher). Por outro lado, a organização do lar reproduziu o confinamento feminino reforçando condições especificas para a esfera do privado, onde a mulher reduziu-se a instrumento de reprodução da sociedade (por via biológica), sendo o trabalho caseiro, na ordem da hierarquia social e econômica, considerado a atividade menos importante. Nessa condição, a mulher foi desviada de participação na vida pública e política, fornecendo-se apoios coercitivos para a sua exclusão, na base de concepções ideológicas atreladas a uma natureza que a configurava como frágil, sensível, pura, emotiva, contrapondo-se à natureza masculina vista como racional, fria, inteligente e forte. Dessa incursão ideológica fortalecida pela literatura, pelo saber médico e pela cultura, criou-se um modelo distinto de homem e outro de mulher. Modelos que deverão corresponder às funções esperadas desses cidadãos aos quais foram atribuídos papéis específicos. A fuga desses modelos levará, muitas vezes, a sessões de punição pelo que não foi seguido. E dessa forma, a penalização manifesta-se pelos extremos de brutalidade e até de sadismo praticados contra a mulher.
Além de ser uma questão cultural, política, jurídica este problema é, também, um caso de saúde pública. Muitas mulheres adoecem a partir de situações de violência em casa.
A violência doméstica ocorre numa relação afetiva, cuja ruptura demanda, via de regra, intervenção externa; deriva de uma organização social de gênero que privilegia o masculino; cria uma rotinização, contribuindo para a experiência da “co-dependência e do estabelecimento da relação fixada. Rigorosamente, a relação violenta se constitui em verdadeira prisão. Neste sentido, o próprio gênero acaba por revelar uma camisa de força: o homem deve agredir porque macho deve dominar a qualquer custo; e a mulher deve suportar agressões de toda ordem, porque seu “destino” assim determina” (Saffioti (2000).
Mas o que tem sido revelado pelas brasileiras em pleno ano de 2015?
Segundo a pesquisa do DataSenado (http://www.senado.leg.br/ ) a Lei Maria da Penha tende a possibilitar “a prisão em flagrante do agressor, ou mesmo a prisão preventiva, quando houver indícios de ameaça à integridade física da mulher. Além disso, medidas protetivas foram estabelecidas, como: afastar o agressor do domicílio em situações de risco de vida da vítima, ou ainda proibir que ele se aproxime da mulher agredida e dos filhos”. Contudo, se em 2013, 35% das entrevistadas afirmavam que não eram tratadas com respeito no Brasil, em 2015 43% consideraram que essa percepção ainda se observa, possibilitando verificar uma piora de oito pontos percentuais. São as mais idosas (52%) e as menos escolarizadas (53%) que tendem a perceber essa situação, com as empregadas domésticas as que mais sentem falta de respeito (59%), enquanto categoria profissional.
Mas se nos anos anteriores as brasileiras acreditavam menos na proteção da Lei Maria da Penha (66%) hoje houve um decréscimo desse percentual e somente 56% perceberam não proteção com a aplicação da Lei.
Um dado bem evidente é a referência percentual ao agressor – 49% apontaram o próprio marido ou companheiro responsável pela violência praticada, seguindo-se a menção de 21% ao ex-namorado, ex-marido ou ex-companheiro. O namorado também está nesse clima, com 3% denunciando-se vítimas deste tipo. Na contagem geral, a revelação é assustadora: 73% das mulheres vítimas de violência doméstica “tiveram como opressor  pessoa do sexo oposto sem laços consanguíneos e escolhida por elas para conviver intimamente”. E outro dado é que desse grupo 26% ainda se acham convivente com seu agressor e 14% permanecem nos estágios de violência.
Muito triste: as mulheres serem tratadas dessa forma por cidadãos de um país!


(Texto originalmente publicado em "O Liberal" de 14/08/2015)