sexta-feira, 25 de outubro de 2013

MULHERES E O COMBATE À EXPLORAÇÃO




É voz corrente que o dia 8 de março é o dia internacional da mulher, cujas comemorações, em cada ano, são sempre pontuais para celebrar as conquistas deste gênero, mas também para refletir e avaliar até que ponto as lutas pela eliminação de todas as formas de violência, preconceito e discriminação já foram abolidas do cotidiano feminino. Sabe-se que a Organização das Nações Unidas – ONU – desde 1975, entrou na luta pela publicização das campanhas em prol de ações e socialização das formas de combate à exploração da mulher, formulando em uma convenção específica, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (que entrou em vigor em 1981), a criação de várias datas dedicadas à reflexão sobre a condição feminina. É assim que durante o ano todo, a sociedade mundial tem observado que os movimentos de mulheres e feministas fazem constar em suas agendas, as pautas de reivindicações para evidenciar as demandas sobre os direitos humanos que ainda não aconteceram regularmente na vida das mulheres e/ou estão em pendências de politicas públicas para o saneamento da desigualdade. A saúde, a educação, o trabalho, a violência doméstica e sexual, os direitos humanos de um modo geral têm se tornado pontos focais de dias específicos marcados pelos reclamos de que ainda há arestas a serem aparadas nas relações sociais com base nas relações de gênero traduzidas em relações de poder. Em que pese tantas conquistas, as datas comemorativas são tomadas como instantes de utilizar os meios positivos de informação e reflexão sobre o que ainda se traduz como abuso de tratamento a esse gênero. Assim, o dia 25 de outubro recebeu da ONU mais um mérito de valorização e disseminação de reflexão se constituindo como o Dia Internacional Contra a Exploração da Mulher.
Entre os vários panfletos e documentos que fazem parte da avaliação crítica em torno desse processo de exploração feminina há aqueles que históricamente refletem um passado de reforço ao tratamento hierarquizado nas relações de gênero denotando o que se traduz para a recorrência a esta visão de ações “naturalizadas” sobre as mulheres. Esta posição é seguida, também, por algumas téoricas que estudam a questão das mulheres. Por exemplo, ao serem vistas ao sabor das diferenças físicas a partir da biologia – sexo masculino e sexo feminino –, na tradição do pensamento patriarcal, consideram que os papéis que elas e eles representam se mantém numa ordem normativa sem questionamento à naturalização dos mesmos. E dessa perspectiva são mantidas as facilidades para o processo de exploração das mulheres. É o caso de se entender certas análises de teóricas como Carol Gilligan (“Uma Voz Diferente”, 1982) que ao explicar os diferentes modos de desenvolvimento moral dos meninos e das meninas, em termos de diferenças de “experiências” (de realidade vivida) constrói sua argumentação ao afirmar: “a experiência das mulheres levam-nas a fazer escolhas morais que dependem dos contextos e das relações”, chegando a evidenciar: “as mulheres pensam e escolhem esse caminho porque elas são mulheres”. Trata-se de uma noção a-histórica e essencialista sobre esse gênero. Como Gilligan, outros/as extrapolam sua própria descrição, com base em amostras pontuais de certas sociedades, no caso dela, de alunos norte- americanos do fim do século XX, para todas as mulheres. A historiadora Joan Scott enfatiza criticamente: “Essa extrapolação é evidente, particularmente, mas não exclusivamente, nas discussões da “cultura feminina”, levadas por certos(as) historiadores(as) que coletando seus dados desde as santas da Idade Média até as militantes sindicalistas modernas, os utilizam como prova da hipótese de Gilligan que diz que a preferência feminina pelo relacional é universal.”
Em outras palavras, a representação da sociedade reproduz um status quo feminino ancestral “porque somos mulheres”. Trata-se de uma inconguência haja vista que essa “cultura feminina” foi imposta desde tempos pretéritos sobre os costumes e as normas de que nós mulheres deveriamos seguir sendo assim e não “assado” porque estava escrito no nosso corpo (no caso, a diferença de sexo). E quando as lutas pelos direitos se implantam, as mulheres que reivindicam são sumariamente avaliadas em uma representação negativa de seu gênero = revoltadas, mal-amadas etc.
No caso de pensar a luta contra a exploração da mulher, celebrado hoje, a ampla dimensão das desigualdades ainda se impõe. Por exemplo, a organização do lar, forma clássica para apresentar os dois sexos e que ainda hoje se encontra instituída num contexto de dominação: o lar e a maternidade (o espaço privado como o situs da mulher e a rua e a política, espaço público, o lugar do homem), reproduziu o confinamento da mulher e reforçou condições especificas para a esfera do privado. Nesse espaço a mulher reduziu-se a instrumento de reprodução da sociedade (por via biológica), sendo o trabalho caseiro, na ordem da hierarquia social e econômica considerado a menos importante das atividades. Esses são atributos ainda presentes em nosso meio e que tendem a configurar o processo de exploração da mulher.



sábado, 19 de outubro de 2013

PROFESSORES/AS E SEU DIA




Datas comemorativas há para tudo hoje em dia. O “Dia do Médico”, por exemplo, comemora-se hoje, 18/10. O Dia do Professor/a ocorreu no último dia 15. Ouve-se de louvores a impropérios para estes profissionais. Mas uma coisa é certa, conforme já li em uma frase em rede social: “Professor: o único profissional que forma todos os profissionais”. Mais visceral ainda encontra-se na célebre frase da goiana, poeta e contista Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas ou Cora Coralina “Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina”. Saber, ensinar e aprender são ações mantidas pelos três verbos e intimamente relacionados no seu reverso. Porque para ela estão ligados a um qualificativo fundante do processo educacional ao tempo em que relaciona a prática formal e a informal dessa ação: “O saber se aprende com os mestres. A sabedoria, só com o corriqueiro da vida”.
Outro explicativo sobre o que é professor/a extraí do dicionário Houaiss. Entre sete referências objetivas e/ou com significados achei a que tem o indicativo que se conhece usualmente: professor: “aquele que transmite algum ensinamento a outra pessoa”. Logo abaixo, para o feminino desse substantivo, encontrei apenas duas indicações: professora – 1. mulher que ensina ou exerce o professorado (cargo no magistério). E, no regionalismo do Nordeste do Brasil, o uso informal do termo: 2.“prostituta com quem adolescentes se iniciam na vida sexual”. Veja-se que nesse significado já se observa a conotação sexista circulando em um compêndio coletor de vocábulos e conceitos composto de um “conjunto de unidades lexicais identificadas, organizadas e codificadas”, algumas (unidades), inclusive, criadas pela própria população.
Por que 15 de outubro a comemoração do Dia do Professor? É que nesse dia, em 1827, D. Pedro I assinou o decreto que criou o Ensino Elementar no Brasil. Pelo decreto "todas as cidades, vilas e lugarejos deveriam ter escolas de primeiras letras". E abrangia a descentralização do ensino, o salário dos professores, as matérias básicas que todos os alunos deveriam aprender, além de mencionar a forma de contratos. O problema é que nada foi cumprido. Somente em 1947 o Dia do Professor passou a ser comemorado com todos os direitos mencionados 120 anos antes. Esse festejo foi iniciado em São Paulo, na cidade de Piracicaba, sugerido pelo Prof. Salomão Becker, cuja frase ficou célebre: “Professor é profissão. Educador é missão”.
Presentemente, por coincidencia, os mestres do país reclamam por novos contratos de trabalho. Exigem aumento de salário e disposições que regulem a atividade. Há greve geral e o sindicato da categoria luta para que a classe seja ouvida. Devido a essa nova postura dos mestres de intentarem re-conquistar sua posição social e profissional são tachados de mercantilizar o ofício de educar, herança do clássico tratamento do magistério como “missionarismo”.
Quem assumiu a profissão e quem foi aluno/a noutra época pode revelar/tratar as/das varias faces da carreira onde se vislumbra quem ensinava sem diploma (as/os mestres leigas/os), quem se limitava ao alunado infantil no interior e na capital (ou grande município), quem trabalhava porque gostava de ensinar, tinha satisfação em ver um aluno vencer em carreira profissional.
Creio que o/a bom/boa professor/a encontra a felicidade no êxito do aluno/a. Ha satisfação em saber que o ensinado responde corretamente o que aprendeu e, mais ainda, o que partiu desse aprendizado para as suas próprias conquistas, ganhando um patamar intelectual que foi apenas sonhado por quem o iniciou no processo educacional.
Hoje a ciência e o mercado de trabalho exigem de quem ensina um grau de aprimoramento, ou atualização, que requer um permanente estudo. E o/a próprio/a aluno/a é bombardeado por diversas mídias com informações que muitas vezes conflitam com os primeiros ensinamentos, mormente em pequenas comunidades. Mas a sabedoria está na aferição de valores capaz de discernir o básico do que se acumulou culturalmente daí em diante. O saber, portanto, parte de uma constante permuta de informações legadas pelo tempo, embora a base dessa permuta esteja na velha cartilha que faz escrever o que se aprende formalmente, e também, no “corriqueiro da vida” (a base informal) como disse Cora Coralina.
Para o/a professor/a, portanto, as homenagens a que faz jus. A valorização de seu trabalho parte, primeiramente, do/a aluno/a. É, portanto, um processo relacional. O amor pelo ensino produz os frutos de uma profissão que se evidencia na felicidade de se deixar ver. Parabéns, portanto, aos mestres e mestras entre os/as quais me incluo há 35 anos.

(Texto originariamente publicado em O Liberal/PA em 18/10/2013)

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

PASSEATA CIRIANA

A corda do Círio de Nazaré: mãos em prece em outubro Pará - 2013

         O dicionário Houaiss trata o termo passeata como realizaçaõ de “protesto, reivindicação, manifestação de solidariedade etc., ou para expressar regozijo por alguma coisa; caminhada”. O título, portanto, quer ser essa expressão ao tratar do Cirio como a maior procissão que se realiza no Brasil e uma das maiores do mundo, com a lembrança da gênese da devoção à Virgem elegendo Belém do Pará  a cidade em que esta devoção se tornou grandiosa.
Os/as paraenses sabem (ou devem saber) da lenda de Plácido, o caçador que achou no igarapé Murutucu uma pequena imagem da santa e ao levá-la para casa viu, surpreso, que ela voltava para o mesmo lugar onde estivera. Isto aconteceu por mais de duas vezes e terminou com a construção de uma capela no exato espaço do encontro (hoje o Santuário de Nazaré).
Reza a tradição que a imagem de Maria, mãe de Jesus, que morava com o esposo, São José, em Nazaré (daí Senhora de Nazaré), foi esculpida por ele, São José, e pintada por São Lucas. No século VI foi levada para o Espanha, permanecendo no Mosteiro de Cauliniana até o ano de 711, seguindo para Portugal depois da Batalha de Guadalete. Lá ficou escondida até ao ano de 1182, quando o cavaleiro D. Fuas Roupinho foi salvo milagrosamente de cair num abismo, afirmando que o fato se deu por intercessão da santa (em Belém, o fato ganhou uma alegoria com o Carro Dos Milagres).
O Cirio de Nazaré soma mais de 200 anos e acontece no segundo domingo de outubro. Realizou-se, inicialmente, na parte da tarde e como atravessava terreno alagadiço necessitou de um carro atrelado a um boi, que transportava a imagem da santa. Esta operação era feita com cordas. E surgiu a noção de que puxar esta corda daria beneficio a quem o fizesse. Várias promessas começaram a ser feitas para quem segurasse a corda. Com o tempo, a procissão passou a ser matutina, o trajeto percorrendo ruas do centro tratadas por paralelepípedo e, depois, asfalto, mas a corda, agora atrelada à berlinda condutora da imagem, permanece como forma de pagar promessa. Até o boi desapareceu e uma das causas foi um acidente acontecido em um ano do século passado quando o animal provocou uma movimentação dos romeiros a derrubar um muro onde algumas pessoas assistiam a passagem da procissão.
Em tantos anos, o Cirio (termo originário de “cereus”/vela grande) foi motivo de atração de diversas classes sociais de diversos lugares do país e mesmo do exterior. Obviamente os politicos estiveram presente, desde o governador da capitania à época, Francisco da Silva Coutinho. Tornou-se então lugar comum o desfile, adiante da berlinda, do governador do Estado, do prefeito do municipio, alguns membros das casas legislativas, autoridades de outros pontos da federação como convidados, e os que se lançavam às eleições ou esperavam resultados de pleitos (muitos pleitos efetuados pouco antes do dia do Cirio) até como pagamento de promessa.
Mas o que salta aos olhos são os promesseiros e os que aproveitam o mar humano para reivindicar seus argumentos. Promesseiro é uma parte indissociável do Cirio. Há tipos de promessas que se repetem anos a fio como miniaturas de casas, rostos, membros (pernas ou braços), objetos de cera que traduzem os problemas vividos por quem os carrega e que foram sanados segundo cada “pagador/a de promessa” por intercessão à Virgem de Nazaré. Há lojas em Belém especializadas em venda de objetos de cera para este fim como há (ou havia) um depósito de objetos dos promesseiros no santuário (antes Basílica). Os reivindicadores vestem os fatos que acontecem no periodo. Algumas faixas traduzem reclamações ou reivindicações (embora haja uma proibição quanto a isso), mas há pessoas que se vestem de forma a exibir o que acham necessário e o fazem em grupos, apesar de não deixarem fluir qualquer desrespeito ao fundo cristão do cenário.
Caracteristica também é o acompanhamento de bandas de música, geralmente de origem militar. Nos tempos modernos, o aspecto turistico foi reforçado com caixas de som espalhadas pelo trajeto da procissão tocando hinos sacros e comentaristas do evento histórico.
O escritor paraense Dalcidio Jurandyr chamou o Cirio de “Carnaval Devoto”. O sociólogo Isidoro Alves usou esse titulo para a sua tese de mestrado, um dos livros mais procurados por conter uma análise decisiva sobre a questão sóciocultural e política do evento. Sem ser um desrespeito, na verdade, a alusão é a interpretação de que se trata de uma festa popular. E como tal ultrapassa uma feição puramente religiosa. O Cirio é do povo e foi instituido pela devoção que esse povo presta à Virgem de Nazaré que muitos nem vêem como a mesma Senhora Aparecida (a padroeira do Brasil) e outras imagens que refletem Maria, mãe de Jesus. Essa devoção traduzida na expressão mais simples de diversas classes sociais, especialmente a menos favorecida, ganha contornos especificos que traduzem a fé devotada. Cirio, portanto, é a vela grande que traduz a fé.



sexta-feira, 4 de outubro de 2013

MULTIPARTIDARISMO – NOVOS PARTIDOS


Siglas partidárias brasileiras. 

Na ultima quarta feira, 02/10, as mídias exploraram o fato de a criação da Rede de Sustentabilidade, partido proposto pela ex-senadora Marina Silva ter recebido parecer contrário da Procuradoria-Geral Eleitoral devido não ter conseguido a comprovação das assinaturas mínimas apoiadoras para a sua criação, que é de 492 mil nomes. Ou seja, faltariam cerca de 50 mil assinaturas, haja vista que as lideranças conseguiram validar apenas 442.500, embora haja questionamento sobre cerca de 95 mil delas que foram anuladas pelos cartórios, dizem os proponentes. Para o vice-procurador-geral eleitoral, Eugênio Aragão, "provar a autenticidade das assinaturas é ônus do partido e não dos cartórios".
O processo entrou no plenário do TSE nesta quinta feira (03/10) e para o Ministro Marco Aurélio que integra a corte desse órgão seria muito dificil que este aprovasse o registro como ele está. No entanto, diz que esse colegiado é “uma caixa de surpresas”.
Como afirmei na semana passada, o Brasil-2013 está com 32 partidos credenciados a concorrer nas próximas eleições de 2014 e, se a REDE for aprovada aumentará para 33. O quadro é visto como desesperador pelas siglas já existentes porque a cada novo partido legalizado há uma série de implicações em benesses normativas para os que chegam como: distribuição de tempo de TV e recursos do Fundo Partidário. Entre essas benesses veem-se também recursos de barganha circulando entre os novos e os velhos partidos para a criação de coligações às indicações aos cargos majoritários das próximas eleições.
Tradicionalmente, no imaginário social e político, cunharam-se as incertezas sobre a instabilidade da democracia brasileira apontando como responsável pela suposta baixa governabilidade, a fragilidade do sistema partidário, tanto em função do multipartidarismo quanto pela idéia de que esse ator – o partido – devido às rupturas sofridas pelo sistema brasileiro nos anos republicanos é acusado de expressar mais os interesses privados de seus dirigentes e não se integrar aos interesses da instância pública.
Diz-se ainda que as regras estatutárias não respondem pelo desempenho integral dos membros dos partidos, contudo, pelo que se observa, elas têm linhas definidas de atuação como normas de recrutamento político e exposição do relacionamento entre o partido, as lideranças e o/a filiado/a sendo aplicado pelo instrumental partidário para a maior implementação desse vínculo.
Angelo Panebianco (2005:13) com base na mais recente literatura sobre partido enquanto organização, opondo-se aos vários modelos evidencia o modelo racional que admite o “paradigma dos fins”, quer dizer: (...) tanto as atividades quanto a fisionomia, a ordem interna de cada organização, são compreensíveis somente à luz dos objetivos organizativos”.
Com isso diz que: a) uma organização jamais determina seus objetivos reais ‘a priori’, e espera maximizar seus lucros em qualquer situação; b) realiza uma pluralidade de objetivos “as vezes tantos quantos são os agentes que compõem a organização”, ou seja, metas variadas explicam a organização; c) pela necessidade da “manutenção da própria organização, da sobrevivência organizativa ( e com ela a salvaguarda das próprias posições de poder”) os partidos demonstram muito mais o verdadeiro alvo dos dirigentes das organizações.
O autor faz objeções ao modelo racional abrindo espaço para o que chama de modelo de organização como sistema natural proposto por B. Abrahamsson (1977) : “....a perspectiva sistêmica não vê a organização principalmente como instrumento para a realização dos objetivos dos seus titulares. Mais do que isso, a organização é percebida como uma estrutura que responde e se adapta a uma multiplicidade de demandas por parte dos vários jogadores e que procura manter um equilíbrio conciliando essas demandas”.
O sistema natural implica três conseqüências: 1) os objetivos efetivos da organização são, a maioria das vezes, encobertos pelos objetivos organizativos “oficiais”; 2) só serão concebidos como resultados dos equilíbrios, aqueles efetivamente alcançados entre demandas e objetivos  específicos em competição; 3) a sobrevivência da organização é a meta comum dos diversos participantes sendo esta a condição continuada da busca individual dos objetivos específicos de cada qual.
A referência a Angelo Panebianco(2005) nesta abordagem sobre a criação de novos partidos tende a demonstrar que a organização partidária tem múltiplas eficiências e que não leva a uma consequencia trágica de fragilidade do sistema partidário porque está mais a fim de se adaptar às multiplas demandas dos “jogadores” procurando equilibrar-se ao conciliar essas demandas principalmente às proximidades de um processo eleitoral onde as forças antagônicas estão em cruzamentos conflituosos. Nesse aspecto, estou considerando que seja avaliado o interior da organização partidária para averiguar o controle ou não das lideranças, com isso evidenciando se a estrutura organizatória se acha centralizada ou descentralizada.
Os partidos criados e/ou em criação recente no Brasil são extração de adeptos de varios partidos com representação significativa de filiados/as, de votos recebidos em eleições majoritárias e proporcionais. Os nomes de seus propositores derivam de lideranças cujo capital político tem certo peso nas estratégias de participação na arena eleitoral, mas, possivelmente, sem poder decisório na direção partidária. No Partido Verde, Marina Silva demonstrou a força nas urnas no embate majoritário de 2010, mas não conseguiu o controle de decisões internas desse partido, preferindo seduzir apoiadores insatisfeitos com suas siglas. Há mais: há propositores que já estão na arena eleitoral barganhando coalizões para suas novas conquistas de poder. Mas, o trânsito intrapartidário viabilizará o controle interno dessas decisões?


(Texto originalmente publicado em O Liberal/PA, em 04/10/2013)

terça-feira, 1 de outubro de 2013

FRACIONAR O VOTO DO ELEITORADO?





Os partidos políticos somente existirão em um sistema de democracia indireta ou representativa, esta é a primeira assertiva para se entender a presença dessas organizações em uma dada sociedade. Nesse caso, os partidos só serão existentes em um regime democrático. Tanto que Maurice Duverger - cientista político autor do clássico livro “Partidos Políticos” (1951) afirmou em uma visita a este país: “O Brasil será uma grande potência no dia em que for uma grande democracia. E só será uma grande democracia no dia em que tiver partidos e um sistema partidário forte e estruturado”.
Historicamente, o surgimento dos primeiros partidos políticos brasileiros se dá no cenário da pré-independência (1808- 1822). São eles: a) “Corcundas” – cujos adeptos eram contra a independência do Brasil; b) “Monárquico-Constitucionais” - a quem interessava a independência, contanto que fosse mantida a monarquia; c) os “Republicanos” - eram opositores e respondiam pelo fim da monarquia; d) e os “Federalistas” – interessados na independência, considerando a organização das então províncias autônomas e soberanas vigendo como repúblicas.
Ao subir ao trono brasileiro em 1822, no primeiro reinado, D. Pedro I se deparou com a questão nacional chave: a premência de criar e votar uma constituição. Em 1923 sem a influência do Corcunda (partido contrário à independência) e com a hegemonia dos Monarquistas-Constitucionais, as forças polarizam-se entre os Liberais e Conservadores. O período regencial (1831-1840) trás a abdicação de D. Pedro I e a forte agregação entre três tendências aglutinadas no Partido Liberal – os republicanos, os federalistas e os revolucionários. Com D. Pedro II ascendendo ao trono no Segundo Reinado (1840-1889), a definição do quadro partidário brasileiro incorpora as principais correntes de ideias circulantes agrupando-se em dois partidos: os Liberais e os Conservadores. Se estes últimos tinham o interesse na preservação de unidade nacional, os Liberais propugnavam pela permanência da continuidade democrática.
Com a Primeira República (1889-1930) vence o Partido Republicano que desde dezembro de 1870 lançara o seu Manifesto no RJ, aglutinando forças dos diversos clubes republicanos criados nos estados. Aos poucos esse partido foi se fracionando em partidos menores de caráter nacional, como os PR: do RGS (liderado por Júlio de Castilho); PRF (de Francisco Glicério), PRC (de Pinheiro Machado); PRL (de Ruy Barbosa); PR Mineiro (de Afonso Pena e Venceslau Brás); Partido Operário (com influência de Euclides da Cunha, Astrogildo Pereira e Lima Barreto); Partido Socialista; Partido Comunista Do Brasil, depois Partido Comunista Brasileiro (de Astrogildo Pereira, João Pimenta, Hermógenes Silva, etc.); PR Paraense (de Antônio Lemos, ligado a Pinheiro Machado, líder do PR Conservador). Etc.
Em 1937, com a implantação do Estado Novo, extinta a constituição de 1891 e com uma nova, a chamada “Polaca” dilapidando a democracia, Getúlio Vargas responsabiliza os partidos justificando-se que estes não tinham estrutura, organização, nem contatos permanentes com suas bases ou seja, não havia partidos fortes (são as lideranças locais que emergem e dão nome às suas estratégias de poder). Implanta-se então a ditadura Vargas, com ausência de partidos.

Este preâmbulo, embora longo sem ser uma cronologia do sistema de partidos que nasceu, criou pernas e líderes até hoje, espera mostrar que o Brasil sempre conviveu com partidos políticos inventados por interesses das correntes que permearam o sistema social. Com a política representativa fortalecida, a ecologia partidária favoreceu um sistema multipartidário, nacionalizado em 1946, somente cerceado em períodos de exceção como a 3ª República e o golpe militar de 1964 no qual foi adotado o bipartidarismo.  
O sistema partidário nacional expressava as  diversas correntes de opinião do eleitorado que naquele momento estava mais conscientes dos vínculos programáticos e ideológicos entre si. Destarte, há clareza na Constituição Federal (Artigo 17, parágrafo 1º) e na Lei nº 9.096/1995, artigo 1º: “O partido político, pessoa jurídica de direito privado, destina-se a assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo e a defender os direitos fundamentais na Constituição Federal. Art. 2º É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos cujos programas respeitem a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo e os direitos fundamentais da pessoa humana. Art. 3º É assegurada, ao partido político, autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento”.
O evento do multipartidarismo se é visto como o grande esfacelador do sistema político brasileiro criando-se uma amálgama de siglas chefiadas pelos chamados “cidadãos anônimos” (Nicolau, 1996) é o sistema dominante na maioria das sociedades contemporâneas. A criação dos partidos, nesse caso, não tem limites. Veja-se o número de partidos políticos dos E.U.A, por exemplo, são mais se 70 ou 80, mas somente dois são os maiores  – Republicanos e os Democratas. Outros países também apresentam dezenas de partidos regulares.
O Brasil-2013 está com 32 partidos credenciados a concorrer nas próximas eleições de 2014 e mais um, da Senadora Marina Silva, em fase de captação de assinaturas. O quadro é desesperador para as siglas já existentes porque a cada novo partido legalizado há uma série de implicações que são benesses para os que chegam como: distribuição de tempo de TV e recursos do Fundo Partidário. Tanto que essa situação quase cria uma crise institucional entre o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) visto que os parlamentares apresentaram uma emenda constitucional para impedir a repartição das benesses aos novos partidos.
Nas entrevistas de lideres partidários vê-se recursos de barganha circulando entre os novos e os velhos partidos. Essa situação cada vez mais afasta o eleitorado das urnas, tanto pelo desconhecimento de quem é quem como pela incerteza no que virá.


(Texto originalmente publicado em 27/09/2013 em O Liberal/PA)

EM TORNO DA VIOLÊNCIA




Causar intencionalmente dano ou intimidação a qualquer pessoa ou ser vivo é o que chamamos comportamento de violência, uma atitude que tende a atingir a integridade física, psicológica ou a liberdade de outrem. É qualquer aplicação de força contra qualquer coisa, embora força e violência se diferenciem, visto que a primeira  no aspecto filosófico, tende a ser caracterizada como energia sobre algo, enquanto que a violência é expressão de agressão com emprego da força física ou intimidação moral contra alguém. Assim, manifesta-se pela opressão e abuso da força, ocorrendo também pelo constrangimento sobre alguém que seja obrigado a fazer  a vontade de outrem. Há formas diversas de violência, a exemplo, as guerras, os conflitos étnico-religiosos, o banditismo, a violência doméstica (até bem pouco tempo vista como uma atitude “natural” entre um casal).
Na sociedade brasileira a violência se apresenta sob variados contornos, sendo um fenômeno histórico se pensarmos nela desde a escravidão (indígenas, nos primórdios, seguindo-se a captura e comercialização da população africana como mão de obra), no processo de colonização e, enfim, em todas as fases em que o capitalismo se impôs na constituição do Estado, com o mercantilismo, o coronelismo, as oligarquias que se tornaram contributores da força física e psicológica para a imposição da forma civilizatória que estava sendo pensada para favorecer uma arquitetura para o país.
Os fatores são diversos no aumento da violência. Os estudiosos referem a urbanização acelerada, responsável pelo grande fluxo de pessoas para as áreas urbanas contribuindo para um crescimento caótico das cidades. Outro fator visto como responsável por esse aumento da violência refere as aspirações de consumo de uma parte da população que se vê excluída do mercado de trabalho, assumindo com isso a frustração armada pela não inserção nesse espaço e a satisfação de seus desejos de gastos pessoais. Por outro lado, estas causas são associadas, em parte, a problemas sociais tais como a miséria e a fome. Entretanto, nem todos os tipos de crime  derivam das condições econômicas.
No Brasil os elementos da violência se acham dentro e fora do espaço institucional. Ela se dá ou como um assalto, visando roubo, ou um “ajuste de contas”. Há também os atos de violência a partir das atitudes dos próprios policiais que são pagos para manter a ordem pública. Há os traficantes de drogas que executam os seus devedores, como há também os que se vingam de medidas consideradas injustas no seu ponto de vista corroborando essas práticas e fazendo crescer o número de assassinatos. A repressão ao crime também leva a odisseia bélica para dentro e fora das casas das pessoas quando os responsáveis pela segurança se excedem e praticam a maioria das vezes atos mais arbitrários do que os cometidos. Mesmo assim, o poder público, tem mostrado incapacidade no enfrentamento dessa catástrofe social. O mais grave é a constatação de que no meio desses atos de violência há conivência de grupos milicianos, travestidos de “exterminadores do crime”. Outros são contratados por “eminências” com cargo público para eliminarem seus antagonistas. Quantos profissionais liberais e eminentes magistrados, parlamentares e prefeitos etc., têm sido apontados como mandantes de assassinatos.
Apresentada nas mais diversas configurações, a violência ainda tem sido denunciada como um estigma do espaço privado e doméstico acometendo a mulher, a criança, o idoso/a exacerbando um meio ambiente que antes era tido como sagrado.
Não há explicações únicas para o cometimento de atos de violência. Mas a questão passou a ser um eixo de estudos e de denuncias com a identificação das práticas variadas de violência a que as mulheres são submetidas no ambiente doméstico e que muitas vezes só eram/são externadas com a morte .
 Heleieth Saffioti em suas pesquisas sobre a situação da violência doméstica identificou dois eixos dessas práticas – o poder  e a impotência. No primeiro caso, a ação materializa-se na legitimação da falocracia pela sociedade, mas também pela necessidade que o homem apresenta de procurar afirmar-se, principalmente em uniões de caráter estável, repassando à companheira as perdas que teve em outros tipos de relações sociais que mantém. Essa sensação de impotência – e aí entra o segundo tipo originário da violência – ele compensa o massacre de que é alvo em outros campos, contra a mulher e as crianças fazendo “parecer maior o pequeno poder de que goza neste tipo de relação”. (...) A função do exagero seria exatamente a de ocultar a pequenez da parcela desfrutada de poder.”( 2000, p.43)
Dessa forma, o outro eixo do exercício da violência funda-se no medo cultivado na impotência. “O exercício da violência em busca do (re) estabelecimento do amor próprio não constitui apanágio dos homens. As mulheres também procedem desta maneira agredindo crianças, cujo status é inferior ao seu. A violência passa, assim, a penetrar cada poro do tecido social: ricos violam direitos humanos de pobres; brancos de negros; homens de mulheres; mulheres de crianças e velhos.”( p.43)
Em 1994, a Organização dos Estados Americanos – OEA – realizou a Convenção de Belém do Pará definiu uma das cláusulas do documento assinado pelos participantes como: “A violência contra as mulheres é uma manifestação de relações de poder historicamente desiguais entre homens e mulheres conduzindo à dominação e à discriminação feminina impedindo o pleno avanço das mulheres...”
Percebe-se que a gênese da violência é plural e não vai se deter simplesmente pela ação repressora. Vale dizer que a melhora do quadro de violência passa pela tríade básica que os governos abraçam e a população reclama nas ruas: educação, saúde e segurança. Somente com a boa qualidade desses serviços teremos uma sociedade plena de direitos humanos.


(Texto originalmente publicado em O Liberal/PA, em 20/09/2013) 

OS TRILHOS DO PROGRESSO




O noticiário atual da imprensa tem tratado de assuntos sobre a ligação ferroviária sul-norte. Evidencia-se o transporte de cargas. Mas, no passado, muitas cidades brasileiras eram ligadas por trens. A chamada Rede Ferroviária Brasileira chegou a ter mais de 34 mil quilômetros de extensão, começando através de uma empresa anglo-brasileira, em 1832, ligando o Rio de Janeiro e Porto Feliz (Santos/SP). Três anos depois, o regente Feijó promulgou a Lei Imperial que incentivava a construção de ferrovias no sul, sudeste e nordeste do país, ligando o Rio a São Paulo, RGS e Bahia. Houve ainda a participação do Barão de Mauá (Irineu Evangelista de Souza) que construiu uma via férrea de Porto de Mauá, na Baía da Guanabara, à Raiz da Serra, no caminho de Petrópolis (RJ). Historiadores consideram esta como a primeira ferrovia brasileira.
O norte, especificamente o Pará, ganhou a sua “estrada de ferro” em 1883, primeiramente ligando Belém a Benevides e em seguida trechos para Itaqui, próxima a Castanhal, e, finalmente, Bragança. Chamava-se Estrada de Ferro de Bragança. Cheguei a viajar nessa linha, em várias ocasiões dirigindo-me a Santa Izabel (uma das 31 estações do trem) para atividades no Colégio Antonio Lemos, um espaço educacional administrado pelas Irmãs Filhas de Sant’Ana, que tinham outras casas em Belém, como o Colégio Santa Rosa (além de administrarem hospitais locais), em cujo internato estudei durante sete anos. Lembro-me da locomotiva barulhenta que se dizia “cuspir fogo” em quem viajasse no primeiro vagão (as fagulhas da máquina a vapor voavam para trás atingindo passageiros). Mas era um meio de transporte muito apreciado, mormente pela classe menos favorecida posto que os custos da passagem eram acessíveis. Nossas viagens de trem eram uma aventura, quanto mais que levavam, também, alunos internos do Colégio Carmo e outros colégios de freiras, nos eventos do chamado “retiro espiritual”.
A opção por ferrovias era tão acatada no passado que até Mosqueiro chegou a ter uma ligação dos bairros da Vila ao Chapéu Virado. Chamavam o engenho de “Pata Choca” e era muito concorrido, pois não havia um transporte rodoviário evidente. O apelido da máquina, segundo os que viveram esse tempo, veio do barulho que ela fazia, algo a ver com o gasnar de um pato.
Por volta de 1957, os trilhos da Estrada de Ferro de Bragança começaram a ser retirados, ficando um ou outro remanescente. Essa estrada foi administrada pelo Governo do Estado até 1936 quando passou ao dominio da Rede Ferroviária Federal. Com a melhoria do transporte por rodovia, a desculpa dada à população é de que o trem era coisa do passado, usando-se o desgaste das locomotivas e vagões como exemplo. Apesar da imprensa, na época, não medir suas críticas, estas eram vistas como um argumento da oposição ao governo do Partido Social Democrático (PSD).
Com o fim da ferrovia, o transporte no Estado do Pará ficou limitado ao fluvial, certamente privilegiado e ainda hoje muito explorado, e o rodoviário, especialmente quando no governo JK surgiu a estrada Belém-Brasilia e os trilhos deixaram de ser produtivos, correndo-se do centro ao norte por malha viária que de inicio era um espaço pioneiro, sem recurso do asfalto, depois ganhando a facilidade que se vê desde alguns anos, apesar de uma constante luta com as condições climáticas que muitas vezes bloqueia a passagem de carros.
No noticiário de ontem, de “O Liberal” houve referência de que um “trecho de ferrovia chegará a Paragominas e Barcarena” ligando-se ainda a Açailandia, no estado do Maranhão. A expansão da malha ferroviária, desde o sul, visa, especialmente, o transporte de carga. Muitas dessas ligações por trens chegam a portos onde os containers ganham navios que levam as mercadorias a seus detinos.
Mas não percebi nenhuma menção sobre a opção de colocar vagões para passageiros. No mundo inteiro ainda se usa o trem como um meio de transporte de pessoas. E estes são cada vez mais sofisticados no emprego de tecnologias de última geração para agilizar esta forma de viagem, como o trem bala, que tem sido pensado para o sudeste.
Numa idéia imaginativa, penso: quando será que o paraense vai poder sair de São Brás, em Belém, para outros estados da federação viajando confortavelmente em trens que possuam os requintes necessários para uma viagem de muitos dias? O cinema é pródigo em mostrar, mesmo em filmes antigos, os passageiros em beliches ou em restaurantes dispostos em vagões específicos. Há espaços históricos nessa área como a ferrovia Expresso Oriente que deu margem a um dos bons romances policiais da escritora Agatha Christie. Interessante observar que no setor de transporte público nós, da planície, sofremos falta de alternativas até em metrópoles como o caso do metrô subterrâneo ou de superfície. Para o primeiro carecemos de terreno para adentrar pelo solo posto que podíamos ter sido uma Veneza se fossem conservados rios e igarapés aterrados pelos portugueses colonizadores. E o trem de superfície fica limitado aos BRT(Bus Rapid Transit), sendo agora construindo a duras penas para atender uma pequena faixa da população. O ato de viajar para lugares mais distantes permanece na bivalência do carro (particular ou ônibus) e do navio. A ferrovia sul-norte que chega para cargas esquece passageiros sem levar em conta que o meio de transporte pode favorecer o turismo. Curioso é que muito antes no tempo se pensava nesse tom de modernização. Perde-se agora na nossa memória.
(Texto originalmente publicado em O Liberal/PA, de 13/09/2013)