sexta-feira, 26 de abril de 2013

QUE REFORMA ?





O debate público sobre a reforma política no Brasil tem sido tema recorrente ao longo de muitos anos e hoje retorna para novas discussões e acordos. Dois livros pontuam as abordagens recentes de expertises da Ciência Política, do Direito e de parlamentares da comissão responsável para pensar esse quesito trazendo subsídios fundantes dos aspectos que têm sido questionados sobre o sistema partidário e eleitoral. O livro “Reforma Política no Brasil: Realizações e Perspectivas” (Fundação Conrad Adenauer, 2003, 108 pag.) e a revista “Plenarium: Reforma Política” (http://www2.camara.gov.br/internet/publicacoes/edicoes, 2007, 273 pag.), da Câmara de Deputados, ambos disponíveis para download, exploram as várias faces de uma reforma política onde pontos históricos sobre esse assunto circulam nessas edições mostrando uma preocupação com o aperfeiçoamento do nosso sistema.
Por outro lado, nos anos de 2004 e 2005, os movimentos sociais organizaram seminários onde debateram os pontos que ao ver dos representantes da entidade necessitavam de acertos, apresentando sua proposta (cf. http://www.reformapolitica.org.br/)para contribuições dos/as cidadãos/ãs. Nesse sentido, expõem uma plataforma para a reforma do sistema político, elaborada em 2006, cujos pontos, de certa forma, têm diferenciais dos aspectos pontuais enfocados nos outros estudos. Procuram apontar, por exemplo, mecanismos de participação e controle social na política econômica integrados às demais políticas e à reforma, rompendo com a  estreiteza da discussão em pontos específicos, pois, para os movimentos sociais interessa o desvendamento de todo o “adoecimento” do sistema político e não somente os aspectos pontuais eleitorais e partidários.
Como resultado dos debates da II Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, em 2007, foi criada a Comissão Tripartite com o ponto central do temário sobre a subrepresentação feminina nos espaços de poder, visando discutir uma minireforma política com a ênfase recaindo nos seguintes Projetos de Lei: da Deputada Vanessa Grazziotin (4.407/2008), obrigando cada partido ou coligação no preenchimento ( e não mais reserva) de uma cota mínima de candidatura registrada de cada sexo e no caso destes partidos desprezarem a lei descumprindo o limite fixado, serem penalizados; o da Deputada Luiza Erundina (PL nº. 6.216/2002) destinando 30% dos recursos do fundo partidário “à criação e manutenção de programas de promoção da participação política das mulheres, prevendo, ainda, a propaganda partidária gratuita para a mesma finalidade”; o da Deputada Rita Camata (PL nº. 4.037/2008), estabelecendo “normas para a realização de eleições proporcionais conjugando listas preordenadas de candidaturas e dispondo sobre a arrecadação e aplicação de recursos nas campanhas eleitorais”. As discussões destas bases fortalecendo a maior participação feminina foram contempladas com a revisão da Lei dos Partidos Políticos (nº 9.096/1995) e Lei das Eleições (nº 9.504/1997). Entre acordos e desacordos com muita votação foi aprovada a Lei nº 12.034/2009, no Congresso Nacional. Note-se que os itens percentuais discutidos e que haviam sido propostos pela Comissão Tripartite foram rebaixados para menores dígitos. Essa agenda de dispositivos foi traduzida numa minireforma partidária que deixou de fora, por exemplo, a questão do financiamento de campanha e da lista fechada e preordenada.
No debate atual sobre a criação de novos partidos políticos, parte das discussões no plenário da Câmara dos Deputados com a apresentação da PL 4470/12, de autoria do deputado Edinho Araújo (PMDB-SP) atenho-me às idéias de Jairo Nicolau: “A fundação de um novo partido não chega a ser uma novidade na vida política brasileira. Desde 1985, quando foram realizadas as primeiras eleições após o fim do regime militar, até as últimas eleições gerais (2012), 80 diferentes partidos participaram de algum pleito. Nesta conta não estão incluídas as mudanças de nome das legendas; por exemplo, o PFL e o DEM foram contados como uma única organização”(...). (Valor Econômico, 08/03/2013)
O Projeto de Lei 4470/12 foi questionado por alguns líderes visto impedir “a transferência do tempo de propaganda eleitoral no rádio e na televisão e dos recursos do Fundo Partidário relativos aos deputados que mudam de partido durante a legislatura”. O projeto foi aprovado, mas denunciado como artimanha de eliminar a criação de novas siglas porque estas não vão ter credenciais de horário eleitoral nas mídias e nem disponibilidade de recursos do fundo partidário.
A situação dos novos partidos tem apresentado estudo tangencial, ao serem responsabilizados pela fragmentação do sistema partidário. As legendas que saem das fraturas dos partidos tradicionais e vão constituir os partidos de “cidadãos anônimos”, tendem a preparar o terreno competitivo para seus projetos eleitorais na composição das listas, considerando o seu lugar no espectro partidário e a conseqüente base de representação parlamentar. O cálculo que fazem considera a posição legal no mercado mais a de terem chances de eleger um ou dois representantes ao se coligarem (Nicolau, 1996).
Presentemente, em fase de criação, há o Rede Sustentabilidade, de Marina Silva cuja proposta é a de rediscussão do formato dos partidos tradicionais brasileiros. Para Nicolau, embora ainda se atenha à sua organização, na apreciação do programa do partido, vê dois pontos importantes levantados: “a adoção das primárias como instrumento de escolha dos candidatos do partido (inclusive dos candidatos a cargos proporcionais)”. E o segundo, “...o não recebimento de doações de empresas (...) como as de tabaco, álcool, agrotóxicos e armas”.
Em 2011 criaram-se dois partidos – o PPL e o PSD. Em 2012, o PEN. Pergunta-se: essa “sopa de letrinhas”é uma perspectiva de reforma?




sábado, 20 de abril de 2013

ECOS DA INTOLERANCIA





Desde 1890, com o advento da Republica, o Brasil passou a ser um Estado Laico, ou seja, a religião deixou de ditar normas legais (Const./1824). Foi facil essa ruptura? Certamente não, mas a perspectiva de exclusões e discriminações de cidadãos/ãs perdeu a força.
Com a urbanização crescente e a secularização da cultura, na década de 1920, a influência do catolicismo tradicional enfraqueceu consideravelmente, sendo criado no Rio de Janeiro, pelo arcebisbo dom Sebastião Leme, um movimento em defesa aos ideais cristãos objetivando inserir-se na política nacional. A revista “A Ordem” (1921) e o Centro Dom Vital (1922) foram instituídos e dirigidos por Jackson de Figueiredo. Esse movimento teve maior expressão quando o intelectual católico Alceu Amoroso Lima assumiu a direção, no final da década de 1920. Em 1932, objetivando e inserção na política, esse grupo católico, ainda sob a orientação de Dom Leme, criou a Liga Eleitoral Católica – LEC, ampliando-se pelos estados, estratégicamente defensora da “segurança da comunidade católica”. Sua atuação consistia em supervisionar, selecionar e recomendar ao eleitorado católico os cadidatos que poderiam ser votados.
Em 1964, uma passeata que se chamou “Marcha da Família com Deus Pela Liberdade” levantou a bandeira contra o que era interpretado como a expressão do “comunismo ateu”, valendo como uma espécie de “trailer” dos acontecimentos de dias depois: o golpe militar ocasionando anos de ditadura.
Hoje se fala de uma manifestação pública contra casamento entre pares do mesmo sexo, contra o aborto, e o mais que a religião condene (e no caso atual não é apenas a religião católica, mas todas as religiões). Em 11 de abril de 2012, o Ministro Marco Aurélio Mello reiterou, em sessão do STF: "Os dogmas de fé não podem determinar o conteúdo dos atos estatais”. Somos além de um país laico um país democrático, como tal, a liberdade de expressão é reconhecida. Mas em se tratando de religião, está havendo uma espécie de “guerra santa” desde que um deputado-pastor foi guinado a um cargo que orientaria decisões democráticas (presidência do Conselho dos Direitos Humanos na CD) e agora se anuncia uma nova marcha (“com Deus e pela Liberdade”?) em que verdadeiras caravanas serão patrocinadas para gritar pelos preceitos religiosos que punem o que consideram “pecado”.
A idéia dos religiosos não é condenavel legalmente. A democracia abre espaço para as expressões conflitantes. Mas uma coisa fere outra, ou seja, a demonstração de força de idéias religiosas é orientada contra quem pensa de forma diferente. Há quem queira proibir uma cantora de dizer em público, antes de seu número em um espetaculo publico, que ama outra mulher. E o pastor-politico continua aplaudindo, pode-se dizer, mortes de ídolos da música popular, como John Lennon, os brasileiros Mamonas Assassinas, afirmando que eles foram vitimas da ira divina. Se a sua versão pode ser ampliada nos sistemas sonoros democráticos ela fere familiares e quem ame a esses musicos, quem vê poesia nos versos de Lennon e quem vê na irreverencia dos Mamonas uma forma de expressão que advoga a independência de idéias (ou seja, o sentido democrático puro e simples).
As pessoas que de alguma forma foram guinadas a cargos eletivos pelo povo têm obrigação de saber que povo não é só uma falange de eleitores. Se assim fosse não haveria partido de oposição.
Quem for gritar contra a homofobia, contra as mulheres que decidem sobre seu corpo, as etnias “diferentes” da branca (que o “defensor dos direitos humanos” separou interpretando trechos biblicos como ‘castas amaldiçoadas’) está indo contra o sistema que se lutou para conseguir: a democracia. Não se deve tentar convencer quem pensa que o sistema heliocentrico ou a Teoria de Darwin é “coisa de cientista maluco”. A fogueira queimou Giordano Bruno e só não queimou Galileu porque este aquiesceu aos tiranos retirando alguns de seus pensamentos para salvar a pele.
O chamado “homo sapiens” não se tem como o último elo da criação, ou da evolução. Hoje a ciencia aposta mais além, num ser que pode evoluir na inteligencia como pode, numa fatalidade que estarrece, regridir aos ancestrais que matavam por se acharem donos da verdade. O recente atentado em Boston (EUA) faz pensar numa forma de intolerancia que em nada condiz com um progresso intelectual.
Nas palavras de uma figura que emergia na liderança ancestral, como Jesus, dando lição aos que tentaram apedrejar a mulher infiel de que “aquele sem pecado que atire a primeira pedra” há o objetivo de repelir os intolerantes. Naquele momento, ninguém atirou. Esta lição é onipresente e não podia ser de outra forma em se tratando do chamado Filho de Deus. Com essa lembrança de que a violencia como forma de castigo ultrapassa os limites de um julgamento está presente agora na condenação de tantos em nome de uma lei distorcida, ou de uma interpretação pessoal de uma lei (que pode ser do ser humano e/ou divina). E não se vá longe: alguns operadores da justiça intérpretes da Lei Maria da Penha ainda não se conformam em aplicá-la, como o juiz de Sete Lagoas que argumentou: "A vingar esse conjunto de regras diabólicas, a família estará em perigo, como inclusive já está: desfacelada, os filhos sem regras, porque sem pais; o homem subjugado.”(...)
É triste pensar que no seculo XXI, com os humanos deixando suas impressões além da Terra, chegando aos planetas vizinhos, ainda se veja pessoas nessa luta insana e discriminatória socio-racial sem reconhecer os principios da diversidade. Os artistas condenados pelos atuais puristas da tradição cantaram, na época da repressão, que “é proibido proibir”. Ao que consta, muitos não ouviram a música. A intolerancia é uma forma de surdez. E o mais grave ainda: um meio de violência exacerbada.

(Texto originalmente publicado em O Liberal/PA, de 19/04/2013) 

sexta-feira, 12 de abril de 2013

VIOLÊNCIA, AMBIENTE & HUMANOS




Notícias publicadas pelas mídias mais evidentes levaram-me a pensar na escalada da violência constatada em nível universal. A posição da Coréia do Norte alicerçando a ideia de uma guerra de consequências inestimáveis é o primeiro enfoque. Pode ser que a ameaça se dilua numa tradicional maratona que o governo desse país anuncia. Mas é evidente que o mundo não se tornou violento a partir de hoje. Os trogloditas guerreavam para manter seus domínios e caça. Nas escrituras sagradas cita-se o que seria o primeiro fratricídio. Por outro lado, daria para pensar que no “século do progresso” como foi chamado o início dos 1900 - e ao se saber de duas guerras mundiais – os fatos e as pessoas mudassem o tom. Afinal as armas deixaram de ser as primitivas e hoje espalham a morte com a tecnologia que desdobra o átomo. O roteirista do filme “O Dia em que a Terra Parou”(The Day the Earth Stood Still-1951), Edmund H. North (1911-1990), retratou um ser extraterreno que veio à Terra pedir a compreensão dos homens para evitar um conflito universal. Seria como um novo Cristo a lembrar da necessidade da paz que este pregava. No filme, que permanece atual, não se sabe se o sermão do ET vai ser ouvido. Na época corria o processo armamentista entre EUA e União Soviética embalado pela discordância ideológica. Hoje não se precisa saber por que a Coréia do Norte quer atirar mísseis com ogivas nucleares na vizinha Coréia do Sul (fato que assombra posto que os efeitos de explosões atômicas chegariam às vizinhanças) e também no Japão e EUA. Não se pode dizer que a ameaça é a “guerra da vez”. Na realidade, não há um dia em que uma nação em um pedaço do planeta, não esteja brigando (com outras ou entre si). O conflito interno na Síria permanece alicerçando as estatísticas de óbitos. O ato violento banalizou-se e chega a espaços que nos tornam participantes.
Sabe-se que nas cidades brasileiras, inclusive Belém, o maior número de presos é de jovens. As cadeias enchem-se de rapazes e moças e a escalada de violência abrange em maior percentagem os de baixo grau de instrução. No recente caso de estupro de uma turista estrangeira no Rio, o acompanhante da vítima contou que os bandidos riam ao atacar a jovem. Há um prazer no ato violento e este ato abrange várias etiologias e cabe em várias formas de participação a satisfazer ou não condições patológicas algumas perfeitamente diagnosticadas. Persiste, por exemplo, a violência sexual e étnica, e sobre o segundo caso disse, em 1968, o sociólogo afro-americano Kenneth Clark: “Eu leio o relatório de motins em Chicago de 1919 e é como se eu lesse o relatório da Comissão de Investigação das desordens no Harlen, de 1935, o relatório de investigação daquelas de 1943, o relatório da Comissão McCone sobre os motins em Watts. Devo sinceramente lhes dizer (...) que se acreditaria em “Alice no País das Maravilhas”, com o mesmo filme que nos é eternamente passado: mesma analise, mesmas recomendações, mesma inação”.
No grupo de homófobos está até mesmo, e paradoxalmente, quem trata de direitos humanos. Chega-se a observar que em casos onde se exemplifica temas religiosos, a violência se abriga como valor histórico.
Há 60 anos as notícias policiais figuravam nas últimas páginas de um caderno de abertura de um jornal de Belém. Mais atrás no tempo, especialmente em 1942, a sociedade local estarrecia-se com o caso de um assassinato. Dizia a “Folha Vespertina”: “Ainda não se deve haver apagado do espírito público a lembrança do bárbaro crime ocorrido no silêncio da casa nº. 6, da Praça da República, perpetrado com requintes de incrível perversidade, e do qual foi vítima a infortunada peruana Izabel Tejada y Perez, ou simplesmente Izabel Tejada.” O criminoso era conhecido como Red Lucier e o motivo foi roubo. Mais adiante no tempo e houve outro crime bárbaro em que a vitima foi um benquisto comerciante e o criminoso o seu afilhado. Hoje, os jornais dedicam cadernos a fatos policiais. Não faltam crimes de morte, furto, estupro, e o que antes era impensado: uso de drogas. Alucinógenos diversos, provocando a fuga mental de personagens vitimadas pela pobreza material e intelectual, além de casos nitidamente doentios advindos de diversas formas de patologia, ganham campo nas diversas classes sociais. A diferença, no caso, é que os menos abastados vendem o produto e os mais abastados ou são os compradores ou reforçam seus bolsos empresariando o comércio das drogas.
A escalada da violência se faz, portanto, de diversas formas e em diversos cenários. Se persiste o medo de uma guerra nuclear a alicerçar ideias de escritores que veem uma regressão da humanidade a ponto de transformá-la em símios numa alusão apressada, mas ao mesmo tempo irônica da Teoria de Darwin, (“O Planeta dos Macacos” de Pierre Boule) por outro lado, cresce a guerra interna onde se vê até crianças usando armas para atacar seus desafetos. Não é difícil achar exemplo dessa forma de violência observando-se as noticias constantes de alunos que atacam colegas ou professores em diversas escolas de diversos países.
Assim como hoje se prega a proteção ao meio ambiente deve-se propagar nesse tom, posto que faz parte do ambiente, o combate amplo ao que se pode ver como um tsunami de violência corpo a corpo. Se não se dissipar certo pessimismo em torno, realmente, a Terra pode parar.
(Texto originalmente publicado em O Liberal (PA) em 12/04/2012) 


sábado, 6 de abril de 2013

EMPREGO DOMÉSTICO OU DOMESTICÁVEL?




Em tempos passados, o trabalho doméstico estava ligado à escravidão, tanto no campo quanto nas cidades. Isto é o que se lê em livros didáticos e o que se sabe pelas conversas com pessoas mais velhas. Elas ou eles , quando não escravos comprados pelos patrões, funcionavam de mordomo, cozinheiro/a. lavadeira, arrumadeira, babá, até de ama de leite para os filhos e filhas da dona da casa. Chamados de “criadas” ou “criados” as pessoas, mesmo ex-escravas(ou seja, alforriadas) não discutiam o valor monetário de seu trabalho, pois muitas vezes eram pessoas adotadas pelos então patrões. O termo “criadagem” ganhou corpo no cenário de habitações luxuosas que escritores diversos retrataram em romances ainda hoje muito consumidos.
O histórico do emprego doméstico ganha diversas fases no Brasil. Há exemplos do que se conhecia no século XIX como ofertas de emprego desse tipo, abdicando de valores empregatícios, que chegavam a ganhar anúncios de jornal. Um exemplo:
“Oferece-se uma senhora solteira que não tem pai nem mãe para servir de companhia a uma senhora viúva que não tenha filhas, e prestando-lhe algum serviço não por dinheiro, e nem precisa dar-lhe de vestir: quem quiser anuncie sua morada. Diário de Pernambuco, 14/03/1856”.
As dificuldades de vida levavam a um prolongamento da escravidão sem o ônus da compra do escravo. E esse quadro persistiu na medida em que os problemas econômicos de uma classe foram ganhando espaço no que Noel Rosa cantava como “século do progresso”. Observe-se que no processo de invenção, produção e comercialização de novas tecnologias e da reforma social pela conquista das mulheres a empregos públicos, a “criada” ou o “criado” passou a ser chamada/o de “empregada/o doméstica/o”. Se isto deu margem a uma especialidade no mercado de trabalho, por outro lado gerou o fato de se tornar mais escasso o sistema de vagas para a categoria. Explica-se na questão do lar moderno onde as mulheres passaram a trabalhar em mesma carga horária do marido (ou sozinha, em casos de mulheres chefes de familia que vivem sem companheiros) e a sua remuneração tornou-se escassa para pagar quem lhe pudesse auxiliar. Evidentemente ampliou-se a necessidade de babás ou quem fizesse um mínimo de serviço para dar funcionamento à rotina de um lar de classe média. E aconteceu o acúmulo de serviço, ou seja, quem era contratado para uma especialidade passou a abraçar muito mais. E as/os domesticas/os passaram a ganhar salário, que era cotado pelo patrão, modulado em suas posses (ou que achava que podia pagar).
A crise do mercado de trabalho na contraposição do aumento populacional e dos desníveis sociais levou a uma luta em duas faces: a de usar o salário mínimo do trabalhador em geral para o serviço de casa e a maior oferta contra o menor ou o mesmo espaço empregatício.
A Lei nº 5.859, de 11 de dezembro de 1972 regulamentada pelo Decreto nº 71.885, de 9 de março de 1973 dispôs sobre a profissão do(a) empregado(a) doméstico(a), conceituando-a e atribuindo-lhe direitos. A Consituição de 1988 concedeu outros direitos sociais às empregadas/os domésticas/os como salário-mínimo, irredutibilidade salarial, repouso semanal remunerado, gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, 1/3 a mais do que o salário normal, licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com duração de 120 dias; licença-paternidade; aviso-prévio; aposentadoria e integração à Previdência Social. Outras medidas legislativas surgiram para beneficiar o/a doméstico/a. Recentemente, o Senado Federal aprovou, em primeiro turno, por unanimidade,a Proposta de Emenda Consitucional de n°478  (mais conhecida como PEC das domésticas), que revoga o parágrafo único do art. 7º da Constituição Federal e estabelece a igualdade de direitos trabalhistas entre os empregados domésticos e os demais trabalhadores urbanos.
Quando se decreta aumento do salário minimo é comum os empregadores dizerem “é pouco para quem ganha e muito para quem paga”. Há casos e casos. No âmbito do emprego doméstico há varias questões a serem estudadas como a regencia do horário de trabalho(quem rege), e (des)vantagens a partir de bons e maus serviços prestados. Quem, no fim das contas, será o equidistante do patrão da industria ou do comércio ? Por outro lado, que empregada/o procura agradar para não perder o emprego e com isso trabalhar além do que pede a regulamentação de seu oficio ?
A verdade é que todos trabalham e merecem ser remunerados por isso. Diz o refrão popular que “só quem trabalha de graça é relogio”. E o relogio acaba sendo, ironicamente, o modulador entre os dois polos do emprego (quem emprega e quem é empregado).
Num mundo de tantas injustiças sociais a luta por minorar este qualificativo é sempre válida posto que o próprio termo “injustiça” qualifica o desprezo pelo que é justo E tenha-se nesse parametro o que seja de melhor para as classes envolvidas num tipo de serviço que pode não aparecer mas é trabalhoso.
Louvem-se as novas medidas que estão respondendo por rearranjos nos contratos de trabalho das domésticas e na mentalidade de patrões e patroas. As mudanças sempre causam impacto e recebem contraditas, mesmo “ao pé do ouvido” – como foi/é o caso da luta secular das mulheres por direitos – mas trazem beneficios para quem contabiliza suas perdas e consegue conquistar tratamento humano justo.

(Texto originalmente publicado em "O Liberal" -PA, em 05/04/2013)