sábado, 26 de fevereiro de 2011

A LUTA PELO DIREITO DO VOTO DAS MULHERES E O SUFRAGISMO PARAENSE (1922-1932)











Há 79 anos, no dia 24 de fevereiro de 1932, foi promulgado o 1º Código Eleitoral brasileiro, através do Decreto 21.076, adotando-se o voto direto, obrigatório e secreto e o sufrágio universal, onde foi, finalmente, formalizado o direito de voto das mulheres.
Entre essa conquista e as lutas empreendidas para o alcance desse passo na cidadania feminina, um grupo de mulheres lideradas por Bertha Lutz e parte da sociedade brasileira se movimentaram desde os primeiros anos da década de vinte. Sobre essas ações, considerando a luta das mulheres paraenses em movimentos instigativos ao valor dessa luta que foi pesquisada essa história a que este texto vai se dedicar.




Entre Imagens e Movimentos

A sociedade paraense presenciou o debate sufragista desde a década de 1920. Em 1923, Orminda Ribeiro Bastos, advogada e jornalista, posiciona-se através da imprensa, desenvolvendo os pontos positivos e negativos que ela considerava essenciais nas reivindicações do movimento emancipacionista instalado no sul do país, através da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. Faz conferência para a Liga Cooperativa das Operárias de Fábricas, enfatizando a necessidade de instrução como ponto fundamental para a ascensão da mulher na luta pelos seus direitos políticos.

A imprensa da época recende a um forte anti-sufragismo. O discurso masculino, dominante na sociedade, procurava reafirmar a reprodução dos papéis sexuais, aprisionando a mulher em nome de uma suposta fragilidade biológica, em um campo de atividades menos valorizadas socialmente. Enquanto a mulher é vista como "imperfeita e frágil" para suportar a "dureza" imposta pelas condições da política, o homem, "forte e perfeito", era visto como "talhado" para assumir o espaço público e político. Esse discurso reforçava ainda a concepção sobre a ignorância cultural da mulher, apta apenas a mexer "panelas e mingaus". O confronto atinge as raias do paroxismo, quando a prática sufragista é invocada para estabelecer dúvidas à honra da "mulher-cidadã".

O direito do voto levaria a abertura de um outro caminho até ali restrito aos homens, a atividade político-partidária, concedendo às novas "cidadãs" o direito de ombrear-se aos "varões" de igual para igual. No discurso de alguns anti-sufragistas deste período, subjaz, de alguma forma, a preocupação com essa provável "igualdade", pois estes desconfiavam que a concessão do direito ao voto, levaria, cedo ou tarde, à efetiva representação parlamentar das mulheres, campo restrito da política partidária.
Quando as paraenses Maria Aurora Pegado Beltrão e Corina Martins Pegado solicitam ao Juiz Federal o alistamento eleitoral, em 1929, o arrazoado jurídico contrário à solicitação arvorou-se na justificativa de uma ruptura com a imagem tradicional da mulher.

A imprensa paraense acompanha o noticiário nacional sobre a trajetória - vitórias ou derrotas - da Federação, mas os comentários restringem-se ao questionamento sobre as possibilidades de mudança, no comportamento feminino, se o projeto de concessão do direito ao voto fosse aprovado, no Senado. Pergunta-se que “novo comportamento" seria esse? Votar? O que amedrontava mais os anti-sufragistas? A presença feminina na política ou a ausência da mulher da cozinha?

Liderança Sufragista paraense

Orminda Ribeiro Bastos é, sem dúvida, a liderança pioneira do sufragismo paraense da década de 1920. Sua figura mantém um nível equilibrado no debate jornalístico, apresentando suas próprias dúvidas sobre a concessão irrestrita do voto à mulher e à filiação do movimento brasileiro ao movimento norte-americano. Sua preocupação refere à essência histórica brasileira, em dissonância com a norte-americana. Seu compromisso é claro com um maior instigamento ao interesse cultural que deveria pautar a preocupação da mulher às suas condições de desigualdade com o sexo oposto. A "anarquia social" vivenciada pelo sistema político brasileiro e o "mau caminho" que tomaria o voto feminino, nessas condições, preocupam Orminda.

Em 1925, Orminda Bastos deixa o Pará, embarcando para o Rio de Janeiro, tornando-se advogada auxiliar, no escritório de Evaristo de Moraes. Prossegue na trajetória de feminista, incorporando-se à Federação Brasileira pelo Progresso Feminino tornando-se a assessora jurídica do movimento. Juntamente com outras profissionais liberais, criou em 1929, a União Universitária Feminina, grupo que representava uma forma de "lobby" aos interesses das sufragistas. A imprensa paraense acompanhava os passos de Orminda Bastos, registrando-lhe a ascensão profissional e de militante feminista.

Núcleo Paraense pelo Progresso Feminino


É somente em meados de 1931, já instalada, portanto, a revolução de trinta, que se organiza o núcleo feminista, no Pará.
A “Folha do Norte” de 12 de junho de 1931 dá o tom da notícia referindo as principais repercussões do movimento em nível nacional. Encimando a notícia há uma foto de Orminda Bastos.

Do registro dos nomes das sufragistas paraenses à frente da associação feminista, identificam-se mulheres com expressão no meio das letradas: Elmira Ribeiro Lima, jornalista, militante e conferencista espírita, (tia de Orminda Ribeiro Bastos); Feliz Benoliel de Cavaco, espírita, descendente de judeus, professora de piano (casara-se com o jornalista gaúcho Carlos Cavaco, contrariando a orientação familiar e étnica); Corina Pegado, filha do sindicalista Luiz Martins e Silva (solicitante, em 1929, do seu alistamento eleitoral, indeferido pelo Juiz Federal paraense). Desse grupo, pode-se identificar, ainda, Cloris Silva, espírita (ligada à Confederação Espírita "Caminheiros do Bem" dirigida por Elmira Lima), professora primária, exercendo atividades no Instituto Vieira (das professoras Joventina e Hilda Vieira); Helena Souza, professora de piano, do Instituto Carlos Gomes, jornalista, líder católica. O nível de classe destas mulheres é da camada social média, letradas, com livre acesso na imprensa e facilidade de oratória.

O Núcleo Paraense pelo Progresso Feminino é instalado oficialmente em 21 de junho de 1931, constituindo-se uma diretoria provisória sendo indicada Presidente de Honra a esposa de Justo Chermont, Izabel Justo Chermont. Os demais cargos são ocupados respectivamente pelas organizadoras do movimento: Presidente: Elmira Lima; Vice: Ana Leopoldina Borges Pereira; 1ª Secretária: Cloris Silva; 2ª Secretária: Antonina Prado; 3ª Secretária: Feliz Benoliel de Cavaco; Diretoras: Olímpia Martins, Helena Souza, Marieta Campos, Juanita Machado, Pétala Pfaender, Ester Nunes Bibas, Maria da Costa Paraense, Dolores Nunes; Tesoureira: Olga Paes de Andrade; colaboradoras: Hermínia Flávia de Miranda, Maria de Jesus Marques Alves, Carmem Rodrigues de Souza, Edith Barriga Cavalcante, Clara Martins, Zuleika de Carvalho Nobre, Ana Fonseca e Antonia Rodrigues de Souza.

Embora ausentes da reunião, foram indicadas outras colaboradoras ao movimento nascituro, as srtas. Raquel Levy, Ermelinda de Almeida, Maria Izaura de Moraes, Alzira Cruz e Adalcina Camarão.
A sede provisória do Núcleo Feminista ficou sendo na casa de Elmira Lima. Seus objetivos principais orientavam-se na maior mobilização das mulheres paraenses para a luta sufragista, utilizando-se de todos os meios de divulgação de que dispunham. Na composição da diretoria provisória desse Núcleo outros nomes de mulheres estão relacionados ao grupo que iniciou a mobilização, podendo ser reconhecidas como poetisas (Adalcina Camarão, Juanita Machado, Ermelinda Almeida, Ester Nunes Bibas); pianistas (Olímpia Martins); professoras (Antonina Prado, Dolores Nunes); cantoras líricas (Maria da Costa Paraense); profissionais liberais (Olga Paes de Andrade) uma artista plástica (Carmem Souza). Percebe-se que são mulheres de alto nível intelectual, possivelmente, o vínculo mais forte existente entre elas. A produção artística de algumas é reproduzida nas revistas e jornais locais, constituindo-se, portanto, em nomes já reconhecidos, no meio artístico e intelectual paraense.
Lançadas as bases do movimento organizado, o grupo procurou sensibilizar a opinião pública, em torno dos objetivos da agremiação. A imprensa assinala todos os movimentos do Núcleo Paraense pelo Progresso Feminino, nas suas reuniões, nos contatos que faz, nas propostas que pretende encaminhar às colegas. A jornalista Elmira Lima, presidente da agremiação, conclama suas companheiras para a construção de uma nova trajetória. Seu artigo, "Mulher, A Caminho!", na Folha do Norte, espelha a visão que tem sobre o papel da mulher.
Nas palavras de Elmira Lima patenteiam-se as diferenças existentes entre homens e mulheres desde a educação realizada no lar paterno, possível fulcro das desigualdades observadas entre os dois sexos. Na perspectiva da presidente do Núcleo é a mulher-mãe, a responsável, pelas rupturas com os desvios de educação, pois, se corrige o modo “autoritário” da filha não há motivo para conservar o "império" do "rei pequeno". Elmira acusa o sexismo que determina comportamentos "agressivos" aos homens e atitudes "delicadas" às mulheres, modos, aliás, vistos como "naturais" na formação dos dois gêneros. O movimento de implantação do Núcleo Feminista é o momento para instigar a mulher a rever sua postura masculinizada de criar diferenças na educação dos seus filhos responsabilizando-a, também, pelas desigualdades sofridas pelo gênero feminino.
O depoimento de outra feminista paraense na imprensa, Feliz Benoliel, confirma a preocupação da direção das sufragistas, em torno do caminho que haviam tomado os processos de concessão ao voto feminino, anteriormente debatidos no Congresso, e que haviam sido arquivados com as mudanças políticas ocorridas com a revolução de trinta. Assim, era um dos objetivos da criação da sucursal paraense "agitar os princípios reivindicatórios dos direitos da mulher", tornando mais conhecido o movimento, possivelmente procurando criar adesões de outros membros da política local à causa sufragista.

Padrões sociais criticados

O "lobby" desenvolvido pelas feministas paraenses não demonstra desviar-se dos padrões sociais vigentes, contudo, alguns registros na imprensa são sugestivos da presença de interditos "camuflados" censurando esse comportamento. O texto de Mário Souza, intitulado "Feminismo e Sexualismo", na Folha do Norte, entre outros, é expressão disso. O autor considera que a nova condição "deslustra" as pretensões de igualdade entre homens e mulheres. Para isso, estas deveriam despojar-se "das macaqueações herdadas da paradisíaca vovó de todos nós". A "perversão" da mulher que se veste de "mulher", para o cronista, seria a causa do "fracasso quase completo do feminismo". Para igualar-se ao homem, teriam as mulheres de segui-lo, "nas minúcias essencialmente masculinas". Sendo impossível conseguir isso, torna-se impossível também a ruptura com as desigualdades, permanecendo a mulher como "vítima do seu próprio fatalismo sexual". Mário Souza estabelece os motivos para que as feministas paraenses desistissem dos objetivos assumidos publicamente.


Ao ser publicado no Diário Oficial o anteprojeto eleitoral, elaborado por membros do governo provisório, as opiniões contrárias ao direito do voto feminino contidas no documento foram rechaçadas, publicamente, por Elmira Lima, num arrojado artigo publicado no fórum das feministas que era o jornal “Folha do Norte”.

As sufragistas tinham 90 dias de prazo para enviar sugestões à comissão organizadora da reforma eleitoral e a Presidente do núcleo paraense, ao posicionar-se contrária ao voto qualificado, mantido no corpo do documento, realizava essa exigência. Ela aponta as contradições do discurso masculino, que, ao apresentar desigualdades à condição da mulher eleitora, está enjeitando "como espúria a colaboração da mulher", até mesmo em ser "a guia da família". Se a exigência à qualificação eleitoral é fator econômico, maior prova dá a mulher, diz Elmira, como "a esposa, a dona de casa, trabalhadora ativa, perfeita economista e administradora dos bens do casal".

O movimento feminista paraense estimulou também os anti-sufragistas históricos. É o caso de Lauro Sodré. Durante os debates da Constituição de 1891, sendo este um dos deputados constituintes, apresentou opinião contrária às propostas favoráveis à concessão do direito do voto feminino. Na década de trinta, entretanto, Lauro Sodré revela-se favorável ao movimento sufragista, enviando carta a Arquimino Lima, marido da presidente do Núcleo Feminista Paraense, Elmira Lima, dando a conhecer sua nova posição.
A promulgação do novo Código Eleitoral, no qual incluiu-se um artigo referente à concessão do direito do voto à mulher, em 24 de fevereiro de 1932, através do Decreto 21.076, motivou a realização de festas para comemorar o evento. Uma serata (como eram chamadas as sessões lítero-musicais daquela época) foi carinhosamente preparada e realizada, no dia 12 de março, às 9 horas, na casa da Presidente do Núcleo Sufragista Paraense, Elmira Lima. Na ocasião, foram lidos os telegramas de Bertha Lutz às feministas locais e ao Presidente Getúlio Vargas, ao Ministro Maurício Cardoso, e a Batista Luzardo, enviados pela Federação Brasileira pelo Progresso Feminino como agradecimento ao apoio recebido pelas feministas, durante a campanha sufragista. As paraenses também encaminharam telegrama a Getúlio e fizeram visitas aos jornais, agradecendo a acolhida que haviam tido, desde junho de 1931, quando o Núcleo se organizara.

As atividades das feministas paraenses não desapareceram com a vitória sufragista. Continuaram presentes, na imprensa os convites habituais às associadas para o comparecimento às reuniões. Em maio, elas organizam, pela primeira vez, uma festa para homenagear o Dia das Mães, evento cuja realização havia saído do II Congresso Internacional Feminino do RJ. Mas, o Padre Dubois um dos maiores críticos do sufragismo, não viu assim. Contrariamente a todas as opiniões que ele já registrara, através dos textos que escrevia para a Folha do Norte, em torno do papel materno, estimulou uma campanha contrária à realização do evento.
"Dissolução familiar", sexismo e voto

No meio paraense, as dúvidas de uma provável "dissolução familiar" permearam as opiniões dos anti-sufragistas, acompanhando os comentários gerais da sociedade brasileira. Havia, entretanto, um outro grande problema particular do caso paraense: as feministas que, desde a década de 1920, orientavam os debates sobre o emancipacionismo e, posteriormente, na década de 1930, organizaram o Núcleo Feminista para encaminhar o sufragismo, são líderes espíritas, quer dizer, professam uma doutrina religiosa diferente dos moldes tradicionais católicos, ferindo uma prática das mais respeitadas, no interior da sociedade. O Pará sempre foi considerado um Estado essencialmente católico, vinculado às normas da romanização.

Por outro lado, a hierarquia masculina da Igreja Católica, excluindo as mulheres da prática de seus rituais, esbarrava num outro ponto de abertura proposto pela doutrina espírita, que é a possibilidade de inclusão das mulheres nas práticas de evangelização. Enquanto, na Igreja Católica, havia desigualdade no tratamento hierarquizado entre homens e mulheres, na Doutrina Espírita, a igualdade entre os dois gêneros se dá a partir da própria essência da doutrina, que prevê uma figura espiritual assexuada (essência), assumindo (encarnando) um corpo sexuado (aparência) de acordo com o interdito expiatório que deve prevalecer "nas provas que deve suportar" (Kardec, 1988:116) na vida terrena. Não havendo desigualdade, considerada a essência doutrinária, homens e mulheres são responsabilizados pela evangelização e despojados do poder hierárquico de um sexo sobre o outro e o aprendizado da condução dos novos adeptos pode ser feita tanto por homens quanto por mulheres. Enquanto as mulheres católicas submetem-se à hierarquia eclesiástica com predomínio masculino, as mulheres espíritas são as condutoras do processo doutrinário e não se submetem a nenhuma cúpula formada por homens, constituindo-se elas também integrantes do grupo diretor.

A "nova ordem" e o esgotamento do movimento

Com o golpe de Estado, em novembro de 1937, e a instalação do Estado Novo e, conseqüentemente, a extinção dos partidos e de todas as formas de associativismo com tendência política, é possível que o Núcleo Paraense pelo Progresso Feminino, tivesse esgotado suas forças com o esvaziamento do movimento, até mesmo no plano nacional.

Se o motivo da arregimentação feminista no Pará seguiu os moldes da realizada pela Federação Brasileira de encaminhar a luta sufragista desprendida de outros movimentos sociais presentes, naquele período, arrefeceram-se os ânimos da luta acirrada, registrada pela imprensa, logo após a promulgação do novo Código Eleitoral, em 1932.

Até 1936, os jornais paraenses fazem referência às sessões comemorativas realizadas pelas feministas, sendo que, a partir daí, deixa de haver qualquer menção ao Núcleo. Como pensar isso? Esgotamento do movimento? Ou pouca importância dada pelos jornais desse tumultuado período paraense à organização das mulheres? Mas, se por um lado, a agremiação oficial deixa de ter presença na imprensa, por outro lado, nota-se a arregimentação que se inicia junto ao eleitorado feminino, pelos partidos políticos que precisam, assim, conquistar a nova mulher que se fez em sujeito político, legalmente, ao lhe ser conferido o status de cidadã. Ela nascia do movimento sufragista - eleitora e elegível - e foi, sem dúvida, uma força política para os dias do Estado Novo, período em que as pressões de classe permitiram que se elaborassem novas formas de legitimação e domínio, onde a mulher tinha um novo papel e uma carta política.

(Este texto é parte de um dos capítulos da minha dissertação de mestrado – NAEA/UFPA, que já está no prelo, a ser publicada pela Editora Paka-Tatu)

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

NOTA DE REPÚDIO!



Data: 24/02/2011


A Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República vem a público repudiar a atitude dos Delegados da Corregedoria da Polícia Civil de São Paulo no procedimento de busca pessoal na ex-escrivã de polícia suspeita de receber propina durante uma operação, em 2009.

O vídeo, produzido pela própria Corregedoria de Polícia e veiculado recentemente na imprensa, mostra que a ex-escrivã foi algemada quando não oferecia nenhum risco ou resistência à investigação, que recebe voz de prisão por “desobediência” por ter se recusado a despir-se na frente de todos os servidores e da câmera de vídeo, sendo obrigada a produzir prova contra si mesma. As imagens revelam que ela foi despida à força na frente de vários agentes do sexo masculino, quando em nenhum momento se negou a ser revistada, mas apenas exigiu que a busca fosse feita por outra mulher, conforme prevê o artigo 249 do nosso Código de Processo Penal.

Basta analisar o caso para identificar o abuso de autoridade na conduta dos Delegados, especialmente no constrangimento ilegal de despir a ex-escrivã na frente de vários servidores do sexo masculino, pois a prova necessária para condená-la não é aquela obtida no momento em que ela é despida a força e filmada, mas no ato da confirmação de que teria exigido dinheiro de outrem para deixar de fazer o seu dever funcional (crime de concussão, art. 316 do Código Penal).

Para esta Secretaria, que tem como uma de suas principais atribuições criar políticas públicas que promovam ações de enfrentamento a toda e qualquer forma de discriminação e violência contra a mulher, os procedimentos adotados foram abusivos e arbitrários.

Não podem ser essas as condutas adotadas nas abordagens dos policiais, nem com a população em geral, tampouco com os/as colegas da corporação. Ainda mais quando fatos como estes acontecem dentro do órgão que existe justamente para coibir as infrações e abuso dos policiais em suas operações.

Esta Secretaria vem se somar aos que desejam uma nova apuração dos fatos e a conseqüente responsabilização dos culpados.

Secretaria de Política para Mulheres
Assinam:
GEPEM/UFPA
REDOR-N/NE

LISTAS, REFORMAS E CRÍTICAS





Como previsto, foi instalada na última terça feira (22), a comissão especial criada para a elaboração do anteprojeto da chamada reforma política, composta de 21 senadores, sendo quinze titulares e seis suplentes. Desse total, 20% são mulheres. Os temas mais em evidência para as discussões são: o sistema de lista, financiamento de campanha, fundo partidário, voto distrital e regulação de partidos políticos. Pelo proposto, a comissão organizará audiências públicas com especialistas na área para um debate consistente acerca de diversos temas envolvendo as reformas, procurando mapear as versões existentes e as posições divergentes sobre elas, considerando um melhor esclarecimento dessas divergências. Com isso, um relatório final será elaborado e um anteprojeto apresentado. A Câmara dos Deputados também organizará um grupo para debater a reforma.

Em 2003, a Câmara de Deputados organizou uma Comissão Especial de Reforma Política composta de especialistas da política brasileira e de deputados daquela legislatura, com vistas a levantar dados sobre “aspectos variados de funcionamento das instituições eleitorais e partidárias brasileiras”. Os debates ensejaram a elaboração de um projeto relatado pelo deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO), convertendo-se, em 2008, no Projeto de Lei (PL) 1210/07. Esse debate propiciou a elaboração de um livro “Reforma Política: Lições da História Recente” (Rj, FGV, 2006) organizado por Glaucio Soares e Lúcio Rennó, constando os principais itens que hoje se está tratando em termos de reformas políticas. A contar pelo sistema de listas.

É preciso que o/a eleitor/a conheça um pouco do que está sendo tratado sobre esse assunto, para avaliar as mudanças.

O sistema eleitoral brasileiro define os procedimentos adotados na escolha dos cidadãos/as que ocupam as cadeiras legislativas. O tipo usado no país é o proporcional de lista aberta, oferecendo aos eleitores a opção de votar em um nome ou em um partido. Esse tipo de lista favorece o voto personalizado, ou seja, vota-se mais nas pessoas e não nos partidos. Assim, a definição da lista final de eleitos é determinada pela soma dos votos dados aos candidatos. Segundo Nicolau (2006) “As cadeiras obtidas pelos partidos (ou coligações entre partidos) são ocupadas pelos candidatos mais votados de cada lista. (...) as coligações (...) funcionam como uma única lista; ou seja, os mais votados da coligação, independentemente do partido ao qual pertençam, elegem-se”.

As críticas feitas a esse modelo são inúmeras, desde o incentivo à fragilidade dos partidos tornando-os mera “sopa de letrinhas” ao cultivo da reputação personalizada dos candidatos ao Legislativo que segundo Carey e Shugart (1995) “...se as perspectivas de sucesso eleitoral aumentam como resultado de ser pessoalmente bem conhecido e apreciado pelo eleitor, então a reputação pessoal importa”. E isso é considerado efeito nocivo proporcionado pela lista aberta ao reforçar as campanhas centradas no candidato.

Outras críticas: o fato de os partidos estimularem a competição entre os membros de uma mesma legenda; a fidelidade de certos candidatos/as e eleitos às lideranças e não aos seus partidos pelo incentivo que receberam (inclusive indicação do nome na lista) à sua carreira política.

Os efeitos sobre os eleitores incidem na decisão em votar em um determinado candidato/a pelos atributos pessoais que este/a apresenta. Isso contribui para eleger outros do mesmo partido (ou da eventual coligação). Quer dizer, o voto dado ao candidato é também para seu partido. Com o número total de votos válidos de cada partido é definida a quantidade de vagas a que este terá direito. Esta lógica confere a um candidato que conquistou sozinho uma grande soma de votos, o chamado "puxador de votos", a possibilidade de eleger outros concorrentes do mesmo partido ou da coligação, mesmo que este tenha recebido uma votação pífia, muito menor do que a de concorrentes de outras legendas. O deputado federal Enéas Carneiro (antigo PRONA), em 2002, com 1.5 milhão de votos levou consigo outros quatro candidatos, um deles com 275 votos, em detrimento dos que tiveram mais de 100 mil.

Embora haja críticas a esse sistema e aos seus efeitos perversos, Nicolau (2005) aponta a inexistência de “associação empírica ou lógica entre a lista aberta e a corrupção”. Para ele, o que há é que “o controle dos gastos de campanha é mais difícil em sistemas de representação proporcional com voto preferencial.”, com agravo pelo “alto número de candidatos que disputam as eleições”.

Aprovar a lista fechada é a proposta da reforma atual. Os partidos ordenariam a lista dos candidatos antes das eleições e o/a eleitor/a votaria em uma das legendas e não no/a candidato/a. A ordem dos eleitos é estabelecida nas instâncias de deliberação dos partidos. A convenção aprovaria a lista preordenada e os eleitores votariam nos partidos valorizando os programas e não os atributos pessoais dos candidatos, com os votos das legendas garantindo certo número de cadeiras aos primeiros da lista partidária. A ênfase é dada aos partidos, com valorização do aspecto coletivo e programático de representantes das idéias e dos interesses dos cidadãos.

A crítica feita pelos analistas a este modelo é sobre o poder dos líderes partidários na preordenação das listas gerando uma possível “oligarquização” dos partidos brasileiros. Trata-se de uma variável perversa, supondo-se que os chamados “caciques” ou os “donos” dos partidos serão responsaveis pela preordenação, controlando as indicações, relacionando numa ordem inferior os nomes dos adversários. O comando da lista será sempre do mandonismo pessoal de certa figura em cada estado. Esta crítica mais obssessiva gera-se com o novo formato.

(Texto originalmente publicado em "O Liberal" em 25/02/2011´. O último parágrafo não foi publicado por falta de espaço. Imagem extraída de blogdojaironofre.com.br )

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

CARTA DE AGRADECIMENTO Á COMUNIDADE

Prezado(a) Maria Luzia Miranda Álvares,

Em março de 2010 iniciamos movimento mais ostensivo para garantir a sobrevivência dos programas de pós-graduação em Sociologia e Ciência Política em que trabalhávamos, após anos de crise continuada, levada ao ponto de ruptura pela determinação da direção da Universidade Candido Mendes de não mais pagar os salários de professores e funcionários dos programas. Apesar dessa medida extrema da UCAM, iniciamos o semestre letivo em respeito a nossos alunos e à nossa história, e com o firme propósito de construir uma alternativa definitiva para os programas, que completavam 41 anos naquele ano.

Recebemos, imediatamente e ao longo das semanas e meses seguintes, a solidariedade de associações científicas, instituições de pesquisa, programas de pós-graduação, professores e estudantes das mais diversas áreas da comunidade científica, vinda de todo o Brasil e de várias partes do mundo.

Graças ao apoio recebido e ao esforço de decisivas instâncias da administração pública federal e estadual, e, sobretudo, graças ao apoio decidido do Governo do Estado do Rio de Janeiro, o processo de transferência da excelência em Sociologia e Ciência Política para a UERJ, embora inédito, tem sido, até aqui, e apesar de incertezas ainda pendentes, coroado de êxito.

Relatamos, em linhas gerais, os passos dados até o momento, destinados, todos, a assegurar a transferência integral dos professores, funcionários e alunos de nossos antigos programas para a nova instituição.

1. Todos os antigos professores dos dois programas, sem exceção, rescindiram judicialmente seus contratos de trabalho com a Universidade Candido Mendes no dia 22 de junho de 2010.

2. O Governador do Estado do Rio de Janeiro, em ato público realizado no mesmo dia 22 de junho, outorgou 16 bolsas de pesquisadores visitantes à UERJ, destinadas aos antigos professores, que se vincularam ao novo Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP-UERJ) em regime de Dedicação Exclusiva.

3. Os professores que, antes, mantinham vínculos também com outras instituições de ensino, vincularam-se à UERJ como pesquisadores em tempo parcial.

4. Nesse sentido, a transferência do corpo docente foi integral, embora em condições precárias, já que ainda não pertencemos aos quadros permanentes da UERJ. Nossa expectativa é que a UERJ crie, proximamente, vagas de professor para os programas de Sociologia e Ciência Política já aprovados nas instâncias deliberativas da Universidade e já reconhecidos pela CAPES, e que realize concursos para seu provimento. Só assim teremos garantida a tão almejada estabilidade ao corpo docente.

5. Os antigos funcionários dos programas da instituição de origem, com poucas exceções, foram acolhidos na UERJ em contratos administrativos.

6. Todos os alunos dos programas, sem exceção, ingressaram por transferência externa de pós-graduação nos novos programas de Sociologia e Ciência Política criados na UERJ, mantendo seus orientadores.

7. As atividades acadêmicas não sofreram interrupção. No ano passado completamos o segundo semestre letivo normalmente, e faremos o mesmo daqui para frente. Neste ano de 2011 selecionamos as novas turmas de Mestrado e Doutorado de Sociologia e Ciência Política. A estrutura acadêmica dos programas permanece. E o mais importante: as orientações das dissertações e teses de mestrado e doutorado em curso vêm sendo levadas a termo por cada um de nós. Entre novembro de 2010 e a presente data houve 12 defesas de doutorado (3 outras já estão com data marcada para defesa) e 18 defesas de mestrado. As teses defendidas estarão, proximamente, disponíveis em nossa página na web (www.iesp.uerj.br).

O esforço coordenado do Governo do Estado, da Reitoria e demais instâncias deliberativas da UERJ, a confiança dos antigos funcionários e a adesão incondicional dos corpos docente e discente dos dois programas, vêm garantindo uma transição segura e a continuidade de nossas atividades de pós-graduação e pesquisa, como um patrimônio que - não pertencendo somente a nós - vem sendo entendido pela comunidade científica e as autoridades públicas como importante de ser preservado.

Agradecemos à comunidade científica nacional e internacional, e em especial aos colegas da UERJ que nos têm apoiado desde o início desta transição, pedindo que continuem conosco na reta final desse processo de re-institucionalização. Agradecemos também aos órgãos federais e estaduais que têm apoiado a criação dos novos programas e a consolidação do IESP.

Cordialmente,

Adalberto Moreira Cardoso
Argelina Maria Cheibub Figueiredo
Carlos Antonio Costa Ribeiro
César Augusto Coelho Guimarães
Diana Nogueira de Oliveira Lima
Fabiano Guilherme Mendes Santos
Frédéric Vandenberghe
Gláucio Ary Dillon Soares
Jairo Nicolau
João Feres Júnior
José Mauricio Castro Domingues da Silva
Luiz Antonio Machado da Silva
Marcelo Gantus Jasmin
Marcus Faria Figueiredo
Maria Regina Soares de Lima
Nelson do Valle Silva
Renato Raul Boschi
Ricardo Augusto Benzaquen de Araújo
Thamy Pogrebinschi


IESP

Instituto de Estudos Sociais e Políticos
www.iesp.uerj.br

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

O PARLAMENTARISMO INGOVERNÁVEL


Breno Rodrigo de Messias Leite (*)
(sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011)



A democracia não é um regime político de fácil compreensão. Talvez o entendimento de que a democracia é “o governo do povo para o povo” tenha caído em desuso pela própria dinâmica dos fatos. Por outro lado, dizer que a democracia é o governo dos políticos tampouco seria um exagero.

É possível ter em mente, no tempo presente, que a democracia é um método político para a formação de um governo representativo, sustentável, resposivo e transparente nas suas ações públicas. Em todo caso, seguir a tradição schumpeteriana ipsis litteris é condição necessária, mas não suficiente, para que haja um ambiente de governabilidade presidencial ou parlamentar nos arranjos democráticos que se estruturam no mundo.

O saber convencional em ciência política e na teoria do estado é quase unânime quanto a um fato: o parlamentarismo é superior ao presidencialismo, ceteris paribus. Certamente, o libelo mais bem articulado na defesa desta premissa é o ensaio de Juan Linz, “Presidential and parliamentary democracy: does it make a difference?”. Neste trabalho, Linz mostra que exceto o desenho presidencialista norte-americano, cujo consenso está ajustado à competição bipartidária, o regime presidencial é, por definição, politicamente instável e produtor de crises sistêmicas. Nas suas palavras, o presidencialismo multipartidário estaria fadado ao fracasso, especialmente no continente latino-americano.

Ocorre que nas últimas décadas, algumas combinações institucionais oriundas do parlamentarismo têm colocado em xeque os dogmas de muitos cientistas políticos e formadores de opinião.

O Iraque parlamentarista ficou sem governo por 248 dias. Neste período de oito meses, os parlamentares, os partidos e as clivagens religiosas não conseguiram sequer chegar a um consenso mínimo capaz de formar um governo minoritário, ou mesmo uma coalizão minimamente vitoriosa. Resultado: o país ainda ocupado pelos EUA parou literalmente.

Mas os dogmas são persistentes e remover ideias equívocas é um desafio tremendo. Para os defensores da superioridade do parlamentarismo, a razão da baixa institucionalização do regime parlamentar iraquiano é o leitmotiv da crise.

O problema maior vem depois. O recorde iraquiano acaba de ser ultrapassado pelo parlamentarismo belga. O impasse institucional entre conservadores e socialistas, potencializado pela retórica separatista da região flamenga de Flandres, deixa o país sem governo. Quase um ano de paralisia decisória sem a menor perspectiva de se formar um governo capaz de formar uma maioria sustentável. A sorte é que a Bélgica, como todos Estados europeus, tem uma burocracia eficiente que não permite que o país mergulhe no caos. Por enquanto, a Revolução da Batata Frita está dando as ordens de irreverência.

O parlamentarismo europeu passou maus bocados em outros três países do velho continente. O caso inglês provocou um fato inédito depois de quatro décadas de rotatividade entre conservadores e trabalhistas. A entrada dos liberal-democratas no jogo parlamentar forçou o rígido sistema parlamentar inglês a abrir as suas portas para o ingresso de novos atores partidários.

O caso alemão também produziu um grande rebuliço à época. O impasse após as duríssimas eleições de 2005 foi protagonizado pelos social-democratas e conservadores. Estes levaram a melhor contando com o apoio de pequenos partidos de centro-direita. Só assim se pôde formar um governo de maioria liderado por Angela Merkel.

Atualmente, o que se vê na Itália é uma espécie hibrida de parlamentarismo mambembe, sistema partidário fragmentado e um tipo de pornochanchada que nem Pasolini poderia imaginar. O primeiro-ministro Silvio Berlusconi, o homem mais rico do país, compra via sinecuras todos os parlamentares que ousam colocar em sufrágio o voto de desconfiança, o que obrigaria o primeiro-ministro a convocar eleições imediatamente. Na Itália parlamentarista berlusconesa-pasoliniana, a antiga sabedoria romana ainda é certa: divide et impera.

A lição da história é que não existe regime político ou compósito institucional impecável. O fator crise está presente em todos os arranjos institucionais quer no presidencialismo quer no parlamentarismo; quer nos países ricos quer nos pobres. A crise é indiferente: todos são potencialmente contaminados por seus efeitos. No plano da análise, precisamos substituir concepções dogmáticas por boas doses de veneno pirrônico. O mundo está em processo de mutação e novas abordagens precisam dar lugar aos monstrengos produzidos por nossas consciências. Em política, a análise concreta de uma situação concreta ainda tem a sua razão de ser.


(*) Breno Leite é cientista político e colaborador do NCPAM/UFAM. (Imagem de kalipedia.com)

sábado, 19 de fevereiro de 2011

REFORMA ELEITORAL E A LEI SARAIVA





Em cada inicio de legislatura, os congressistas brasileiros declaram prioridade numa agenda de discussões sobre a reforma política. Na segunda feira (14) o vice-presidente da República, Michel Temer, ao proferir a aula inaugural do curso de graduação do IDP (Insituto Brasiliense de Direito Público, DF) defendeu uma reforma imediata, criticou o atual sistema eleitoral e apontou o voto majoritário nas eleições para deputado federal e estadual, cujo mérito seria evitar a eleição de candidatos com poucos votos sendo puxada por um candidato bem votado do mesmo partido ou coligação, derrotando aqueles que não alcançaram o quociente eleitoral exigido para serem eleitos, mesmo com votação expressiva. Isso, disse ele, mostra os equivocos sobre a escolha da maioria do eleitorado que assim não consegue eleger seus representantes.

A Presidente Dilma Rousseff, no seu pronunciamento na primeira sessão legislativa do ano, também colocou na lista das prioridades a reforma política ao lado da tributária, considerando a necessidade de "consensos" (congressual) para atingir ao menos uma rediscussão desses temas: "Trabalharemos em conjunto com esta Casa para a retomada da agenda da reforma política", afirmou Dilma.

Segundo estudos da Câmara dos Deputados, desde 1991 já foram apresentadas 283 propostas com a finalidade de alterar o sistema político e eleitoral do Brasil, desde emenda à constituição a projetos de lei. Todos se acham parados no Legislativo.No texto da sexta feira pp, argumentei sobre a diferença entre a reforma política (muito mais abrangente ) e reforma eleitoral (mais específica) segundo as discussões e plataforma dos movimentos organizados da sociedade civil brasileira. Nesta exposição de hoje quero lembrar a reforma eleitoral estabelecida pela Lei Saraiva, de 1881, que instituiu as eleições diretas no país para todos os cargos, salvo a de regente que se achava amparado pelo Ato Adicional.

A Lei Saraiva (ou Lei do Censo) apresentada em 1880 pelo deputado Rui Barbosa, a pedido do presidente do Conselho de Ministros, José Antonio Saraiva, trouxe arranjos e novos procedimentos para a participação dos eleitores e eleitos, rompendo uma prática que vinha de há muito tempo: a eleição em dois graus substituída pela eleição direta (Art. 1º), ou seja, o votante (agora chamado de eleitor) elegia os deputados (gerais e provinciais), os senadores (através de uma lista tríplice) e quaisquer autoridades eletivas.

Na relação Estado-Igreja foram dispensadas as cerimônias religiosas das atividades eleitorais; a comarca assumiu a importância que antes era da paróquia, passando esta a ser apenas a referência do votante para inclusão na lista, e o não-católico podia ser candidato.

O voto do analfabeto ainda se manteve (foi prevista uma transição para as restrições, a partir de 1882), sendo requerido por escrito “com assinatura sua ou de especial procurador, provando seu direito com documentos exigidos nesta lei” (Walter Porto, 2000).

O sistema de alistamento ascendeu de importância em virtude da eleição direta e da responsabilidade do votante que passou a ser reconhecido para sufragar senadores, deputados gerais, os membros das Assembléias Provinciais e autoridades eletivas municipais. Esse processo, que deu importância ao juiz de direito, era realizado em duas fases: uma preparatória, com o juiz municipal (em cada termo); e a outra definitiva, organizada pelos juizes das comarcas. Era anual e voluntário, solicitado por escrito pelo eleitor, deixando de ser ex-officio. A ficha identitária deste passou a ser o título, recebido após a qualificação e assinado na margem e, também, num livro especial. E, caso não soubesse ler, outra pessoa poderia assinar por ele. Quanto aos elegíveis, achavam-se entre “os cidadãos naturalizados e com 6 anos de residência no Brasil ao cargo de deputado à assembléia Geral, o nível de renda eleva-se para 800 mil réis, desaparecem as restrições relativas à condição social (o liberto pode ser deputado) e à crença religiosa (o não católico pode aspirar a um cargo).

A Lei Saraiva relacionava 30 funções que geravam inelegibilidades para quem concorresse, sendo distribuídas em três espaços geopolíticos: na Corte, nas províncias e nos distritos. Embora haja referência à representação relativa à população, no Império, não há Lei complementar cuidando da fixação do número de representantes eleitos. A lei entendia que “a igualdade de população a atingir se inscreve ao plano inter-distritos de cada Província e não a uma proporcionalidade de população entre as Províncias” (Decreto nº 3029/81). Este critério de proporcionalidade não foi cumprido, porque os censos deixaram de ser realizados, exceto o de 1872.

O tempo de mandato era de quatro anos, salvo se houvesse a dissolução da Câmara pelo Imperador, com os deputados perdendo sua representação e os eleitores seu voto. O sistema era de maioria absoluta (o candidato precisaria de mais de 50% dos votos para eleger-se) e num empate de votos, o candidato de mais idade ganhava o assento.

As mudanças no sistema eleitoral brasileiro desse período foram sempre marcadas por amplos debates parlamentares. Os modelos de democracias em processo de desenvolvimento em outros países eram parte da argumentação comparada feita pelo legislativo, com vistas ao aperfeiçoamento do sistema eleitoral brasileiro (Jairo Nicolau, 2002).

O alargamento da polis, com a inclusão das minorias não representadas e a alternância de poder, e a quebra da unanimidade partidária, com a nomeação de Ministros e a renovação dos membros da Câmara, constituem a garantia do princípio de equilibro das forças políticas representadas pelas facções partidárias.


(Texto originariamente publicado em "O Liberal", em 18/02/2011)

sábado, 12 de fevereiro de 2011

REFORMA ELEITORAL OU REFORMA POLÍTICA?



Longe de entrar no debate sobre os parâmetros jurídicos da reforma eleitoral, tema que tem sido tratado, pelo menos nos últimos dez anos e, no momento, segue o curso dos assuntos atuais propostos para uma definição neste governo que inicia e nas casas legislativas, meu interesse no assunto é evidenciar algumas abordagens que já foram feitas e continuam na ordem do dia, citando a corrupção como efeito perverso incrustada na efetivação de algumas normas eleitorais e a possibilidade de estas serem eliminadas garantindo a saúde de nossa democracia.

Em um minicurso ministrado para bolsistas do GEPEM/UFPA e alunos/as do curso de Ciências Sociais dessa instituição sobre “Sistemas Eleitorais: Fórmulas eleitorais e suas conseqüências na representação política” pelo Professor Roberto Corrêa (Faculdade de Ciências Sociais/IFCH), há enfase desse cientista político sobre os efeitos nefastos da lista aberta usada pelo sistema político brasileiro para definir os representantes das casas legislativas (câmara de deputados, assembléias legislativas estaduais e municipais). Considera o professor o que uma parte dos estudiosos da área tem apontado como uma provável causa da “doença” do nosso sistema e, se reformulado esse dispositivo, torna-se uma maneira de “enxugar” o número de competidores nas eleições de “personal system”, criando com isso, uma melhor visibilidade da governança que para o Banco Mundial, no documento Governance and Development (1992) é o “o exercício da autoridade, controle, administração, poder de governo”. Ou seja, “é a maneira pela qual o poder é exercido na administração dos recursos sociais e econômicos de um país visando o desenvolvimento”, provocando “a capacidade dos governos de planejar, formular e implementar políticas e cumprir funções”.

Reforma eleitoral e reforma política tratam de questões diferentes, mas não divergentes, visto que a primeira apresenta elementos encravados na segunda. No livro organizado por Avritzer & Anastasia (2008), “Reforma Política no Brasil”, vários experts da ciência política tratam desses dois enfoques, assuntos que o cidadão e a cidadã brasileiros têm colocado na ordem do dia de suas conversas, mas supõem que não se inserem nesse debate. Essa é a grande questão que vejo como prejudicial para a garantia do fortalecimento do sistema democrático de um país, pois, se enquanto cidadãos/ãs acharmos que não entendemos nada de reforma política, mas em conversas domésticas evidenciarmos as desvantagens de um parlamento que pouco discute os problemas cruciais de uma cidade, de um estado ou do país, problemas que a cada dia explodem como intercorrências “naturais”, já estaremos criticando as regras de um sistema político e demandando uma reforma política eficaz e não apenas as desvantagens desta ou daquela regra do sistema eleitoral.

Como dizem Avritzer & Anastasia: “A reforma política pode ser entendida, de forma mais restrita, como reorganização de regras para competições eleitorais periódicas, tal como tem sido o caso no Brasil pós-democratização, ou pode ser entendida, também, como uma reorganização mais ampla do sistema político brasileiro. Neste caso, vale a pena distinguir entre a reforma das instituições políticas, a reforma do comportamento político e a reforma dos padrões de interação política”.

Em 2005, um grupo de organizações, movimentos, articulações, redes e fóruns da sociedade civil se reuniram para discutir e formular propostas sobre a reforma política brasileira. Foi elaborada, então, a Plataforma dos Movimentos Sociais para a Reforma do Sistema Político, entruturada em cinco eixos: “fortalecimento da democracia direta; fortalecimento da democracia participativa; aperfeiçoamento da democracia representativa; democratização da informação e comunicação; e democratização e transparência no Poder Judiciário”. E ratificaram essa posição: “Para nós, a reforma política não se restringe ao sistema eleitoral, mas, sim, aos processos decisórios, portanto, do próprio poder. (...) Uma verdadeira reforma política deve enfrentar problemas como o patriarcado, o patrimonialismo, a oligarquia, o nepotismo, o clientelismo, o personalismo e a corrupção. (...) Está presente na agenda dos congressistas há vários anos, mas sempre orientada pelos interesses eleitorais e partidários. É o chamado casuísmo eleitoral. (...) Por isso a maioria tem a concepção de reforma política como apenas reforma do sistema eleitoral”.

Desde as eleições de 2002, as mulheres também apresentaram aos candidatos/as uma Plataforma Política Feminista onde evidenciaram seu interesse de uma reforma política radical. Em duas Conferências (2004 e 2007) aprovaram o I e o II Plano Nacional de Política para as Mulheres. No capítulo reforma política ratificaram alguns itens da Plataforma dos Movimentos Sociais considerando a cultura sexista patriarcal ainda dominante no sistema politico brasileiro. Muitas conquistas foram incorporadas nessas mobilizações, inclusive, uma minireforma eleitoral no item referente a financiamento de campanha (de 10% de recursos solicitados do fundo partidário só foram aprovados 5%), na redação da Lei de cotas (mudança do verbo "reservar" para "preencher", Lei 12034/2009) e tempo de propaganda partidária no rádio e televisão (10%). Os “sofridos ganhos” nesses eixos normativos eleitorais demonstraram que é preciso insistir na mudança da cultura clientelistica de líderes parlamentares que não pretendem perder a sua prebenda. Inacreditável, mas é verdade: a Pesquisa de Opinião do INESC/DIAP mostrou que 60% dos parlamentares brasileiros são contra a criação de medidas que favoreçam a eleição de candidatas mulheres, de negros e negras (86%) e de indígenas (76%).


(Texto originalmente publicado em "O Liberal", em 11/02/2011. Imagem extraida de macaenews.com.br)

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

A BATALHA PELO SALÁRIO MINIMO




Todo o ano, nos primeiros meses, inicia-se o debate sobre o quanto o governo deve reajustar o salário mínimo. De um lado ficam os sindicatos da classe trabalhadora que pleiteiam um patamar de aumento corrigindo os valores recebidos em um ano. De outro os governantes que sempre advogam por uma taxa menor. Os primeiros baseiam-se na defasagem do poder aquisitivo do/a trabalhador/a e os segundos se arvoram em uma planilha de dificuldades que um indice maior de aumento pode acarretar na previdência social, nas pequenas prefeituras, na indústria e no comércio (que supostamente demitirão funcionários para estabilizar custos ).
Diz-se que a luta pelo salário minimo, que abrange o mundo num sistema capitalista, é uma batalha em uma guerra pelo direito a um meio condigno de vida. Como em toda guerra, as maiores vitimas são sempre os que estão na frente da batalha, ou os soldados. Observando como aconteceu recentemente em nosso congresso nacional, quando deputados e senadores propuseram, votaram e aprovaram seus aumentos (e dos ministros, vice-presidente e presidente da República) é fácil a analogia com os comandantes, figuras que nas batalhas se postam na retaguarda e são alardeadas como vencedoras.
Getúlio Vargas foi, no Brasil, o responsável pela instituição do salário mínimo no país, regulamentado pela lei nº 185 de janeiro de 1936 e pelo decreto-lei nº 399 de abril de 1938, este já na época do Estado Novo (o período da ditadura). O Decreto-Lei nº 2162 de 1º de maio de 1940 fixou os valores da remuneração mínima e foi nesse ano que passou a vigorar. O salário mínimo da época tinha 14 valores diferentes cuja variação entre o menor e o maior era de 2,67 por cento. A atribuição desses valores foi dividida por 22 regiões (os 20 estados da época mais o Distrito Federal e o território do Acre), que por sua vez foram dividas em 50 sub-regiões. Essa tabela tinha vigência mínima de três anos, sendo o primeiro reajuste em julho de 1943. O salário mínimo teve outro aumento em dezembro do mesmo ano. Os dois aumentos serviriam para diminuír a diferença entre o menor e o maior salário para 2,24 por cento. Depois disso seguiram-se oito anos sem reajuste. Há uma história de avanços, recuos e negociações nesse processo até os dias atuais que não será aqui registrada. O importante é entendê-lo como uma política, como diz a Dra. Maria Cristina Cacciamali (2005): “A efetivação de uma política de salário mínimo, em quaisquer de suas formas - por setor, região ou unificado nacionalmente – visa atingir pelo menos uma de quatro finalidades, que não são mutuamente exclusivas, a saber: estabelecer um piso para a determinação de salários de menor remuneração; proteger categorias de trabalhadores mais vulneráveis; estabelecer normas para que trabalhos iguais tenham a mesma remuneração; tornar-se instrumento de política macroeconômica”.
Geralmente a aferição de um novo salário mínimo é feita levando-se em conta a variação da inflação do ano anterior e a oscilação do Produto Interno Bruto (PIB), daí porque o governo acena, no momento, com um mínimo de R$ 545, visto que o PIB do Brasil variou para baixo em 2009.
Mas o descontentamento dos assalariados segue uma curva ascendente desde época passada. Quem mal paga seus custos com o seu “mínimo” dificilmente vai conseguir pagar em outro ano com um acréscimo na base do percentual inflacionário. Na outra margem dessa questão os empregadores reclamam que se estão obrigados a pagar mais pelo serviço de seus funcionários devem pagar o mesmo ou mais de impostos. E se esta carga tributária, onde incluem o aumento dos prestadores de serviço, repassa ao consumidor acelerando o circulo vicioso: quanto mais se ganha mais se paga. Isto sem falar no desemprego. No patamar mais baixo desse argumento, a empregada doméstica é levada a optar pelo emprego sem carteira assinada ou pela dispensa. Cresce o mercado informal, diminui a entrada de dinheiro dos impostos, os serviços públicos lutam para serem mantidos.
A batalha pode seguir uma utopia, mas o salário mínimo foi criado como a forma do sistema capitalista eximir-se de culpa pela exploração da mão de obra dos trabalhadores. Em teoria ele representa o “ mais baixo valor de salário que os empregadores podem legalmente pagar a seus funcionários pelo tempo e esforço gastos na produção de bens e serviços”. Ou “o menor valor pelo qual uma pessoa pode vender sua força de trabalho”. Mas esperar que esse salário seja a realidade da valorização do tempo de trabalho realmente gasto para a produção de bens do mercado é esquecer que embutida está a mais valia, base do lucro capitalista.

(Texto publicado originalmente em "O Liberal" em 28/01/2011. A figura é do portalmidia.net)