sexta-feira, 26 de julho de 2013

SOBRE CONTROVÉRSIAS

Jodie Foster & filhos 

O papa Francisco disse uma frase que está repercutindo em vários meios e me pareceu emblemática: “Não existe mãe solteira, existe mãe”. Isto me lembra de que a situação levava os “fiscais da fé” a expulsarem das igrejas as jovens que engravidavam e que procuravam reconhecimento para si mesmas em mantras confessionais considerando-se duas vezes “pecadoras”: não haviam casado formalmente e esperavam um filho. Esse aspecto foi posto deliberadamente em desuso na formulação do novo código civil, em vigor a partir de 11 de janeiro de 2003 (“mães solteiras formam familia com seus filhos”) que considerou no termo “bastardo” ou “filho ilegítimo” peças discriminátórias.
Mas ainda existe discriminação para com a mulher sem marido que se torna mãe ou, como se diz, “mãe independente”. Lembro, no plano internacional, o caso da atriz Jodie Foster que assim se considerou quando gerou uma criança. A mulher, afinal, é dona de seu corpo e da vontade ou não de procriar. E os filhos, se ditos indesejados, são exemplificados nos casos de mulheres que sofreram a mais grave violência, o estupro, que de alguma forma acabam alvo de maltratos aplicados por outra forma de  violência, maior ainda, a institucional – deixar de acolhê-la revidando com as portas fechadas da saúde pública(PLC 03/2013).
A fala de Sua Santidade, o Papa, chegou esta semana junto aos reclamos médicos contra a medida do Ministério da Saúde de importar profissionais para lugares sem recursos médicos. O reclamo surgiu em paralelo a outro pela maior atenção à saúde pública básica, com as vozes que ecoaram das ruas pedindo em especial cuidados com saúde e educação. Fica um problema difícil de ser tratado: se há necessidade de uma interiorização da medicina também há de profissionais que não querem atender aos espaços vazios. Se é oferecido um lugar nas pequenas comunidades que chegam a ter postos de atendimento médico mas não possuem profissionais que os movimentem, por que não se oferecer essas vagas a médicos estrangeiros desde que comprovadamente competentes? Seria uma afronta aos profissionais da nação? Mas como então eles resolveriam o problema? Há um plano da categoria para cobrir o vazio médico ou somente amor próprio ferido? A revolta também atinge a medida de estagio obrigatório do formando em medicina em cidades, vilas ou o que exista sem esses profissionais no âmbito estadual/nacional. No caso, o argumento mais em evidencia é a suposta inexperiência de quem vai atuar na área, mesmo com um instrutor ao alcance (e, no caso, se é obrigatório ter um instrutor este profissional veterano está cumprindo a meta de cobrir a falta de médico). Também se menciona o caráter do especialista, de formandos guinados a determinados ramos que não cobrem a universalidade clínica que, em outros tempos, parecia obrigatória (e diriam que o progresso da ciência implica em detalhes que pedem especialistas). Ouvi do pai de uma médica que disse ter se sacrificado pela a filha se graduar mas não para vê-la numa clínica do interior do estado.
O problema da saúde pública é complexo mas o certo é que não se resolve com protestos violentos. A exposição clara do que se está estudando é o caminho. Sempre com argumentos que realmente traduzam o destino do caso e não o que parece melhor a cada um.
Voltando ao que disse o Papa, pode-se fazer uma paráfrase do que se relacionou à mulher-mãe com o formado em medicina. Não existiria médico-diplomado e sim médico na amplitude do termo a seguir Hipócrates. É claro que atualmente há doutores em áreas tão distintas que dificilmente o de uma dessas áreas encontra-se capaz de atuar em outra. E não é só em medicina. Na odontolgia tambem não existe mais um “tiradentes”. Os formados tratar de canais, próteses, até de aspectos plásticos como limpeza de dentadura. Mais adiante cabe o bizarro de que se formam especialistas em apertar um tipo de parafuso; se surgir outro tipo é com outro profissional (cf. Charles Chaplin em “Tempos Modernos”, 1936, sobre o sistema capitalista industrializado).
O quadro generalizante que se pede num espaço sem quadros é dramático. As pessoas humildes adoecem, tentam remédios caseiros, mas até pela midia moderna, especialmente a televisão que hoje chega à brenhas, trocam a fé de um tratamento artesanal pela necessidade sentida de um tratamento cientifico. Quando surge o médico, este paciente ingênuo se apega a ele como a um deus. E a confiança ajuda na cura. Há um processo de reciprocidade entre o que se trata e quem o trata, um ajudando o outro. No caso da mãe solteira, ela sabe que o filho depende unicamente dela. E muitas vezes esta criança estará melhor tratada do que com um pai que não participa de sua educação (ou mesmo de seu desenvolvimento fisico). Se ela tem alguém por que assim o quis tudo fará para manter este alguém.
Quero chegar ao ponto em que a vontade é sempre soberana. Por isso não há espaço para divergências destrutivas. O que se deve fazer é pesquisar fórmulas conciliatorias que visem a um bem comum. São caminhos a seguir nas passeatas que não se apeguem ao vandalismo, ou são orientações que repelem medidas destruidoras.
Não existe, portanto, mãe-solteira ou médico importado ou quem mais se apegue a um esquema que fuja da indivualidade em detrimento à uma realidade dramática. Existe o bom senso, por mais dificil que possa parecer.



(Texto originalmente publicado em O Liberal, de 26/07/2013) 

sexta-feira, 19 de julho de 2013

REFORMA ELEITORAL E POLÍTICA




Num recente artigo sobre reforma política (publicado no blog http://politicaecronicas.blogspot.com.br/), o prof. Dr. Roberto Corrêa (cientista político/ UFPA) inicia sua discussão ao tema com as indagações: “Quais os mecanismos institucionais que devem vigorar num sistema político, de sorte a aperfeiçoar as relações entre os poderes executivo e legislativo, em proveito da boa política, fortalecendo os partidos, reduzindo os custos de campanha e os custos decisórios de governo?” Ele explica o conceito de reforma política considerando a ampla composição institucional que tem como função principal “estruturar comportamentos interativos nos quatro níveis em que se estabelece a ação dos atores políticos: eleitor, candidato, legislativo e executivo”. Sob esses níveis prepoderam procedimentos eleitorais e partidários explicativos do sistema de governo em vigor no país (presidencialista), baseado no voto proporcional de lista aberta, estruturado em vários tamanhos dos distritos eleitorais agregadores do eleitorado nas esferas municipal, estadual e federal.
A argumentação de Roberto Corrêa, nesse texto de cinco páginas, oferece uma significativa avaliação sobre o que eu classifico como reforma eleitoral no sistema brasileiro que tende a mexer nas fórmulas eleitorais como também no processo procedimental entre partidos, governo e legislativo, tema subjacente nas insistentes manifestações de rua do último mês de junho em flashes sobre a reforma política. Estes também tratam de temas da reforma do Estado, refletindo nas acusações sobre a administração pública brasileira.
A engenharia institucional brasileira na relação entre cidadania e representação politica, segundo Jairo Nicolau (2002), vem sendo estruturada desde o Brasil Colônia em uma história eleitoral vivenciada pela população das vilas e cidades que elegiam seus representantes nos Conselhos Municipais. Muitas mudanças ocorreram neste contexto de mais de 180 anos de eleições e com isso, muitos formatos desse sistema político foram sendo incorporados, outros destituidos de função, ainda outros reformados e utilizados conforme a modernidade dos regimes se estabelecesse no país. Do Império à República atribuiu-se o voto aos segmentos sociais: da responsabilidade dos senhores da elite, homens brancos, com idade específica, instrução e alto poder econômico conforme o estabelecido nas regras do votante e do candidato, para o dever de cidadania de outros sujeitos pleiteantes desse direito como os menos favorecidos (que não apresentavam a renda inclusiva dos cidadãos), os analfabetos (incluidos e excluidos desde a Lei Saraiva, em 1881 – a primeira reforma eleitoral do país – até 1985, em caráter facultativo; eles podem votar, mas não serem votados), e as mulheres (este segmento foi incluido somente a partir de fevereiro de 1932).
Hoje volta à tona o debate sobre outros instrumentos institucionais factíveis de reforma visando o aperfeiçoamento da democracia brasileira. Se na passagem da primeira para a segunda república, entre outras justificativas para a reforma eleitoral (sem alusão aos vários procedimentos já reformados) havia a acusação das fraudes durante o processo de votação (cf. Nicolau, J. Eleições no Brasil, 2012), presentemente, outros dispositivos estão sendo levados ao debate concorrendo na verificação daqueles que poderão trazer ao país uma melhor visibilidade de “eleições limpas”.
Algumas proposições de reforma eleitoral já foram encaminhadas ao Congresso Nacional, como: o voto em lista fechada, o voto distrital, o voto distrital misto, financiamento de campanha, fim das coligações entre os partidos nas eleições proporcionais, voto facultativo, perda de mandato, infidelidade partidária etc. Mas ainda não sairam das pautas de discussão.
Proponho relacionar alguns pontos que têm sido discutidos com mais ênfase. Nosso sistema eleitoral (definido pelas regras de apuração, contagem e agregação de votos convertidos em mandatos) é majoritário (os candidatos mais votados são eleitos) e proporcional (inclusão representativa de todos os competidores, na proporção dos votos obtidos). Neste caso, prevalece no Brasil o sistema proporcional de lista aberta em que a ordem dos candidatos define-se pelo número de votos que os mesmos obtêm por si próprios (regra adotada e empregada desde 1945). Assim, o/a eleitor/a indica sua preferência por um candidato, dos inúmeros apresentados na lista partidária e aprovados em Convenção. Trata-se da votação uninominal que possibilita ao candidato bem votado, além de se eleger, levar consigo outros concorrentes sem expressão politica.
A pressuposição atual é aprovar um sistema de lista fechada, no qual o/a eleitor/a vota no partido e não no candidato, não podendo indicar um de sua preferência. Então ele poderá sufragar e/ou recusar a lista. As mulheres pleiteiam a lista fechada pré-ordenada com alternância de nomes de homens e mulheres, pois temem não serem contempladas pelos líderes partidários.
O financiamento de campanha é outro item que está em debate. Desde 1962, o Brasil convive com o financiamento público para partidos políticos e campanhas eleitorais, sendo que nesse ano, aplicou-se o financiamento indireto, na forma do horário gratuito para propaganda eleitoral no rádio e na TV. O direto, ou seja, a transferência de recursos financeiros do Estado para partidos políticos e/ou candidatos, só foi adotado em 1965. Atualmente o financiamento de campanha é misto, ou seja, compõe-se em uma parte de recursos do fundo partidário e outra de capital privado proveniente de doações. A proposta de reforma é adotar um formato integralmente público, haja vista que para se elegerem, os/as candidatos/as deixariam de depender dos recursos de grandes empresas. Assim, o governo federal criaria um fundo para distribuição aos partidos conforme a proporção de suas representações no Congresso Nacional. Embora alguns refiram que a aprovação desse item numa próxima reforma não vá mexer muito com a vida política do país, creio que esse é tema primordial, pois, em parte, vai dar um “basta” em certos meandros da corrupção & gasto público.

(Texto publicado originalmente em O Liberal/PA de 19/07/2013)

domingo, 14 de julho de 2013

É A REFORMA POLÍTICA, ESTÚPIDO!

Roberto Ribeiro Corrêa
Economista, Doutor em Ciência Política/UFPA

Quais os mecanismos institucionais que devem vigorar num sistema político de sorte a aperfeiçoar as relações entre os poderes executivo e legislativo, em proveito da boa política, fortalecendo os partidos, reduzindo os custos de campanha e os custos decisórios de governo? A resposta a esta abrangente questão induz a debates dissonantes, sobretudo com políticos aferrados a mandatos conquistados pelas regras atuais. O novo sempre traz apreensão e desconfiança. A expressão “reforma política” refere-se a uma ampla gama de compósitos institucionais cuja principal função é estruturar comportamentos interativos nos quatro níveis em que se estabelece a ação dos atores políticos: eleitor, candidato, legislativo e executivo. Algo que a semelhança do aparelho econômico tem a ver com os mecanismos de insumo (mercado eleitoral), processador (burocracia estatal) e produto (políticas públicas direcionadas a corrigir falhas de mercado). Ou seja, uma engenharia constitucional que tem a ver com a mais antiga questão política: como chegar, como usar e como transferir o poder?
Vivemos atualmente sob a égide da fórmula de voto proporcional de lista aberta combinada a um sistema de governo presidencialista que se estrutura a partir de distritos eleitorais de variados tamanhos quanto ao número de eleitores, em todas as esferas da Federação (União, estados e municípios). Esse é um sistema único no mundo e reconhecido pelo Banco Mundial, em seu Relatório de 1997, como o de mais alto custo em termos de manutenção e operação da máquina estatal. A fórmula eleitoral vigente permite, nos casos das coligações partidárias, a transferência integral do voto do eleitor, a chamadasobraque, aproveitada para totalização dos quocientes partidários, termina distorcendo o resultado das urnas, estimulando, como manda a regra, o surgimento de micros partidos organizados a imagem e semelhança da celebridade do momento, seja esta o moralista, o palhaço ou o justiceiro. Uma antiga e conhecida peroração resume essa patologia institucional: a freirinha vota em José, candidato do Partido Cristão que não se elege. Seu voto, todavia, é aproveitado nas “sobras” para eleger um ateu do Partido Comunista, integrante da mesma coligação da qual faz parte o Partido Cristão. Pode? Outra patologia do mesmo sistema eleitoral anula o princípio de “a cada eleitor um voto”. Por quê? Sim. Independente do tamanho do eleitorado, a legislação vigente estabelece um número mínimo (8) e máximo (70) de deputados federais por estado da federação. Isso leva a que o voto do eleitor do Amapá, por exemplo, valha algumas vezes mais do que o voto do eleitor de São Paulo — discrepância da proporcionalidade da representação legislativa que às vezes pode servir de estímulo à criação de territórios, estados e municípios.
O problema maior desse sistema eleitoral é, no entanto, o que diz respeito à estruturação de comportamentos nas relações candidato–eleitor. Como a ordenação das preferências se dá através da livre manifestação do eleitor pelo voto uninominal, o candidato deve preocupar-se apenas com a sua eleição e, uma vez eleito, com a sua reeleição. Sua campanha eleitoral, por isso mesmo, deve ser apoiada no clientelismo e o eleitor, sentindo a impotência do político frente ao poder constituído, prefere aceitar as migalhas pré-eleitorais a apostar num futuro melhor escolhendo um candidato mais comprometido com as questões de fundo da sociedade brasileira. Uma opção orientada para o presente, para o imediato, como função inversa do nível de renda. Ou seja: quanto menor a renda do eleitor, mais forte o estímulo em trocar voto por benefícios imediatos.
Em decorrência desse sistema eleitoral, portanto, as relações entre o parlamentar (i.e. deputado federal, deputado estadual e vereador) eleito por voto proporcional e o executivo (i.e. presidente da República, governador e prefeito) eleito por voto majoritário (maioria absoluta dos votos, mesmo que em dois turnos), tende a ser conflituosa mesmo que ambos coabitem a mesma legenda partidária. Diz-se, dessa maneira, que as relações entre executivo e legislativo são assimétricas e justapostas. Em outras palavras, a força e o prestígio do executivo é bem maior do que a de um corpo legislativo fragmentado em um grande número de legendas partidárias e, por isso mesmo, pulverizado por interesses paroquiais os quais, no limite do absurdo, faz com que o número de partidos seja igual ao número de parlamentares com assento na Câmara dos Deputados, nas assembléias legislativas e nas câmaras de vereadores. Com efeito, enquanto o executivo se devota à macropolítica; o deputado está preocupado com a micropolítica, em atender a sua paróquia mesmo que para isso adote a chantagem legislativa resumida nas boutades “é dando que se recebe” ou “farinha pouca, meu pirão primeiro”.
Este rápido diagnóstico explica a importância da Reforma Política paralisada há anos no Congresso Nacional. Desde o encerramento da Constituinte de 1988 e com o plebiscito de 1993 sobre sistema de governo (parlamentarista ou presidencialista), crescem as dúvidas quanto à funcionalidade do sistema político atual (i.e. sistema eleitoral e sistema de governo) em face de um Brasil problemático e escasso de boas políticas públicas que produzam governabilidade (estabilidade decisória) e governança (sensibilidade às demandas dos atores sociais). Em síntese, uma única preocupação assoma a elite política brasileira: a percepção bastante difundida de que o sistema partidário brasileiro não estaria funcionando a contento, pois que entra governo e sai governo e os escândalos continuam, seja qual for o partido no governo (i.e. partido incumbente).  E aqui vale a blague do marqueteiro de Bill Clinton adaptada à realidade política brasileira: não são os políticos, são as instituições, estúpido!
Essa situação levou a que várias Comissões fossem instalada no Congresso Nacional para estudar a fundo a questão “reforma política”, a partir de um único elemento catalisador: o de conceber instituições favoráveis à consolidação de um sistema de partido estável, representativo das clivagens sociais mais importantes; e eficaz na formação de governos. Temas como voto facultativo, reeleição, desincompatibilização e inelegibilidade, elegibilidade de militar, imunidade parlamentar, perda de mandato, infidelidade partidária, financiamento público de campanha, entre outros, não mexem tanto com a vida política do país quanto à reforma do sistema eleitoral. Esta sim, — carro chefe das divergências conciliáveis apenas por meio de um amplo e profundo debate nacional, o que, naturalmente, conta com diversos obstáculos entre os quais o principal, sua complexidade para entendimento do cidadão comum. Daí a importância constituir uma comissão de notáveis, a exemplo da Comissão Afonso Arinos na constituinte de 1987, para elaborar um projeto de engenharia constitucional, tendo por foco a reforma política em sua acepção mais ampla. Desse ponto em diante, em meio à efervescência dos debates, a sociedade estaria preparada para responder um plesbicito ou, quiçá, um referendo. 
Dada a importância do tema, e as circunstâncias imprevisíveis de sua trajetória legislativa, opto por delinear e comentar algumas das proposições encaminhadas ao Congresso Nacional, as quais vão do voto em lista fechada, passando pelo voto distrital e chegando ao distrital misto e, mais recentemente, alguns monstrengos, que prefiro declarar minha total rejeição, como o denominado “distritão”, proposto pelo vice-presidente da República, deputado Michel Temner ─ que se aprovado derrogaria a representação proporcional via extinção do quociente eleitoral e partidário, em benefício dos campeões de voto em cada distrito (i.e. unidade federada, para eleições a Câmara dos Deputados), seja a unidade federada ou o município, oficializando a perenidade do personalismo e do caciquismo hereditário na política brasileira, com suas conhecidas mazelas, entre as quais avulta a corrupção eleitoral.
Vejamos a seguir cada um desses padrões de representação ou, dizendo melhor, de conversão de votos em cadeiras legislativas e seus resultados no que toca aos comportamentos políticos de eleitores, candidatos, representantes legislativos e executivos, estruturados a partir de cada uma dessas variantes institucionais.
No primeiro caso, lista fechada, o mecanismo deve ser definido a partir da fórmula de voto proporcional, o que implicará decidir qual a maneira de delimitar os distritos. Se por estado, com é hoje, com suas inevitáveis distorções, ou de proporcionalidade quase absoluta — implicando definir distritos com base em colégios eleitorais do mesmo tamanho (i.e. mesmo número de eleitores), o que anularia, para efeito puramente eleitoral, caso mantida a proporcionalidade da representação na Câmara dos Deputados, os limites geográficos das unidades federadas para efeito de escolha de representantes a Câmara Federal. O sistema de lista fechada tem como vantagem a estruturação de campanhas eleitorais centradas em programas e partidos, e por isso mesmo menos dispendiosas, uma vez que, ao invés de clientelismo, próprio do sistema de lista aberta, os partidos teriam que se apresentar tal quais marcas de empresas políticas devotadas à produção de bens públicos diferenciados por interesses e/ou clivagens sociais. Ou seja, os partidos apresentariam a lista de nomes e o eleitor votaria na sigla do partido de sua preferência (ignorando aqui as combinações outras que permitem maior flexibilidade, como o ordenamento da lista a partir da vontade do eleitor) que, dependendo do percentual de votos, capturaria um determinado número de cadeiras a serem distribuídas de acordo com a ordem dos candidatos eleitos na convenção partidária ou por meio de eleições primárias. Assim, por exemplo, o partido A obteve 10% dos votos, preencherá então 10 cadeiras legislativas, na hipótese de uma câmara formada por 100 representantes. Nesse caso, não haveria espaços para as celebridades e para os puxadores de voto a la Tiririca e tampouco a possibilidade de votar no mocinho e eleger o bandido. Na estruturação endógena do sistema de lista pré-ordenada, o comportamento seria de estímulos à vida e a disciplina partidárias em detrimento do que hoje ocorre em todos os partidos, com facções, em permanente conflito, estruturadas não em torno de programas ou de ideologias, mas em torno de candidaturas.
O voto distrital ─ também chamado de voto distrital puro ─ corresponde a um tipo de eleição majoritária em oposição à eleição proporcional. Ou seja, cada partido lança apenas um candidato por distrito, obrigando o eleitor a votar em um dos candidatos ofertados em seu distrito. A natureza pluralista dessa eleição é do tipo: o vencedor (mesmo que por um voto) leva tudo. Esse é um sistema cuja patologia é a desproporcionalidade. Ou seja, um partido pode obter 40% dos votos e preencher menos de 10% das cadeiras legislativas, bastando para isso que tenha perdido por diferenças mínimas em 90% dos distritos; tendo por contrapartida, outro partido, o vencedor, elegendo mais de 90% das cadeiras com apenas 60% dos votos. Este é um sistema de viés geográfico, que favorece as disputas personalizadas em nível local, onde o poder econômico conta para definir, na repetição do jogo, os partidos sobreviventes no longo prazo. Por outro lado, devido a esse mesmo viés, as minorias são excluídas da representação, pois que teriam que estimular a migração de eleitores para um único distrito.  Emblemáticos nesse tipo de sistema eleitoral são: Inglaterra (sistema de três partidos parlamentares) e dos Estados Unidos (dois partidos parlamentares), em que pese a ampla liberdade de organização partidária existente nessas democracias.
O terceiro padrão, voto distrital misto, ou sistema de dois votos, vigente na Alemanha, funciona da seguinte maneira. Metade da câmara (ou assembléia) é preenchida via fórmula eleitoral distrital e, a outra metade, via fórmula eleitoral proporcional de lista fechada e pré-ordenada. Trata-se de uma combinação que favorece a escolha de representação geográfica (distrital) e de interesse (proporcional), tendo por vantagem a maior proporcionalidade entre o número de cadeiras recebidas por um partido e o número de votos recebidos, uma vez que a proporcionalidade é declarada no primeiro voto, havendo necessidade de cadeiras adicionais para compensar os eventos distritais dos pequenos partidos. O número de cadeiras atribuídas a cada estado (ou distrito) depende do número de votos válidos como proporção dos votos totais da União. Ou seja, a proporcionalidade é garantida como princípio filosófico de, a cada cidadão, politicamente ativo, um voto. Em outras palavras, por estímulo e punição, quanto maior a abstenção no estado ou distrito, menor o número de cadeiras destinado aquele território, e vice-versa.
De todas as fórmulas apresentadas a que mais tem a ver com governabilidade e governança — estabilidade institucional, dar conta das demandas das clivagens sociais e relações convergentes com o executivo federal, estadual e municipal, é, a meu ver, o sistema de voto distrital misto ou de dois votos. Por quê? Porque o cidadão-eleitor pode, por exemplo, nas questões da macro-política escolher em primeiro voto (i.e. voto em lista fechada) um partido progressista de sua preferência, e no segundo voto, no distrito, um candidato de outro partido, por ser este último uma pessoa competente para representar e lutar pelos interesses do seu distrito — numa palavra, a micro-política.


sexta-feira, 12 de julho de 2013

REFORMA POLÍTICA, TEMA EMERGENTE





Neste espaço, já tratei duas vezes sobre o tema da reforma política. A primeira, reproduzindo o que abordei na Audiência Pública da CCJ-Senado Federal para debater o tema “O Papel da Mulher Brasileira na Reforma Política: Desafios e Perspectivas” (OAB-PA, 20/06), a convite da então Senadora Marinor Brito (PSOL); e a outra, no mês de abril do corrente, quando em pauta a criação de novos partidos, evidenciando as discussões no plenário da Câmara dos Deputados com a apresentação da PL 4470/12, de autoria do deputado Edinho Araújo (PMDB-SP). Duas publicações foram referidas neste último em torno do tema: “Reforma Política no Brasil: Realizações e Perspectivas” (Fundação Conrad Adenauer, 2003, 108 pag.) e a revista “Plenarium: Reforma Política” (http://www2.camara.gov.br , 2007, 273 pag.), da Câmara de Deputados, ambas disponíveis para download, explorando as várias faces de uma reforma política com pontos históricos sobre esse assunto circulando nessas edições e mostrando uma preocupação com o aperfeiçoamento do nosso sistema.
Presentemente, o tema está nas vozes e cartazes dos manifestantes de rua que pleiteiam urgentemente a reforma do sistema político brasileiro. Em vários depoimentos observo, entretanto, sugestões para a reforma eleitoral centrando em mudanças pontuais na legislação, onde as regras determinam alguns eixos de corrupção, como o de financiamento de campanhas. Mas, se na idéia de alguns esses parâmetros de reforma beneficiarão a mudança do vértice das demandas dos direitos sociais, para outros, os quesitos são bem mais abrangentes do que essas propostas.  
Diz Jorge Henrique Cartaxo na apresentação da Revista Plenarium – Reforma Política (2007, p. 5): Quais merecem maior ponderação e por quê? Avaliar em função de apenas um critério, qualquer que ele seja – governabilidade, participação e incorporação políticas, clareza das opções em jogo nas eleições, liberdade de o eleitor escolher o candidato, e não apenas o partido, solidez das agremiações partidárias, lisura dos pleitos, inteligibilidade dos resultados para o eleitor, entre outros – é sem dúvida insuficiente, mas é o que quase sempre se faz. Pode-se talvez alegar que muito do que se vê como “problema” em nossa política seja na verdade peculiar ao funcionamento democrático. Não se pode, na democracia, liminarmente excluir interesses da mesa de negociações, como fazem as ditaduras. As decisões democráticas tendem a ser mais demoradas, a governação se torna bem mais árdua e é sempre vulnerável a críticas”.
Nos anos de 2004 e 2005, os movimentos sociais organizaram seminários onde debateram os pontos que ao ver dos representantes da entidade necessitavam de acertos, apresentando sua proposta: “Construindo a Plataforma dos Movimentos Sociais para a Reforma do Sistema Político no Brasil” (cf. http://www.reformapolitica.org.br/) prevendo contribuições dos/as cidadãos/ãs. Nesse sentido, em 2006, realizou-se uma ampla consulta nacional, emergindo diversas sugestões e, com base nessas recomendações, foi elaborada uma minuta da nova versão dessa Plataforma. Em outubro de 2007, organizações, movimentos, articulações, redes e fóruns da sociedade civil que integravam a Plataforma reuniram-se em Brasilia reafirmando os principios norteadores da mobilização, procurando aprofundar o conjunto das estratégias que haviam sido traçadas, definindo novas. Nesse complexo de sugestões identificarm uma série de desafios (Plataforma dos movimentos... p. 5).
Esse documento, de certa forma, tem diferencial dos aspectos pontuais enfocados nas outras demandas por reforma, com os itens da proposta distribuindo-se em cinco eixos: 1-Fortalecimento da democracia direta; 2- Fortalecimento da democracia participativa; 3-Aprimorando a democracia representativa: sistema eleitoral e partidos políticos; 4-Democratização da informação e da comunicação; 5- Democratização e transparência no poder judiciário. Esses eixos apontam mecanismos de participação e controle social na política econômica integrados às demais políticas e à reforma, rompendo com a  estreiteza da discussão em pontos específicos, pois, para os movimentos sociais interessa o desvendamento de todo o “adoecimento” do sistema político e não somente os aspectos pontuais eleitorais e partidários.
Dessa forma, a problemática discutida pelos movimentos sociais nessa Plataforma se evidencia pela preocupação em ampliar a democratização dos mecanismos de representação política; favorecer o aprofundamento dos meios de participação popular; criar meios de controle social sobre o judiciário, sobre os conglomerados empresariais da mídia comercial, sobre a política econômica, pondo-a a serviço da igualdade e da justiça. Outros aspectos do documento favorecem apoiar o caráter laico do Estado brasileiro; o aprofundamento e radicalização da democracia participativa com vistas a construir um sistema propício à articulação e a potencialização nos debates sobre o orçamento; conferir legitimidade e poder de decisão às conferências e conselhos de políticas públicas.
Como se vê, as demandas dos movimentos populares por uma reforma do sistema político já se cruzavam na preocupação em revitalizar esse sistema, integrando o interesse da sociedade civil com a dos/as cidadãos/ãs comuns, no fortalecimento da democracia direta, pois, segundo os formuladores do documento, a reforma política defendida tende à radicalização da democracia. Democracia é muito mais que o direito de votar e ser votado. É preciso democratizar a vida social, as relações entre homens e mulheres, crianças e adultos, jovens e idosos, na vida privada e na esfera pública, as relações de poder no âmbito da sociedade civil. Portanto, democracia é muito mais que apenas um sistema político formal e a relação entre Estado e sociedade, é também a forma como as pessoas se relacionam e se organizam” (Plataforma... p. 5)

(Texto originalmente publicado em "O Liberal", em 12/07/2013)

domingo, 7 de julho de 2013

PARTIDOS ENVELHECIDOS



Nas recentes manifestações de rua no país uma grita sistemática se mantém insistentemente, em relação a um sentimento antipartido. O descrédito partidário passa pela informação emblemática sobre o não partidarismo dos ativistas e as palavras de ordem solicitando a reestruturação das organizações partidárias e/ou a extinção das mesmas. Sobre este último item não pretendo tratar, haja vista que sou adepta de um sistema democrático republicano e este necessita de um eixo de expressão da sociedade através da representação de um grupo organizado com participação voluntária.
         Mas em relação aos dois primeiros itens considero procedentes e me animo a argumentar trazendo para exposição uma entrevista do cientista político Jairo Nicolau (UFRJ, orientador de minha tese de doutorado/IUPERJ), matéria de Flavio Tabak, publicado no Jornal “O Globo”, de 19/06 do corrente. No final, há, também, partes de um texto da filósofa Marilena Chauí que em sua análise revela o histórico de outras lutas sociais que não se acham na memória atual dos manifestantes. Me ative a questão deste debate.

Ao ser indagado sobre o que tem contribuído para o afastamento partidário da juventude, diz Nicolau: “Não conheço pesquisas sistemáticas, mas observo já há algum tempo que os partidos brasileiros envelheceram. Não estou falando só pelo fato de os dirigentes terem ficado mais velhos. Algumas legendas até fizeram renovação. Não é isso. Falo do envelhecimento no sentido de cooptar jovens para a militância partidária”.

Jairo enfatiza que o surgimento de novos movimentos sociais, nos anos 1980, quer fossem ambientalistas, de gênero, pacifistas, além de outros mecanismos de interação política em nível mundial e nacional trouxe uma reorganização no estilo de vida politica haja vista que até então eram somente os sindicatos e os partidos que se integravam nessas ações. Nesse caso, a natureza dos partidos foi intentando adequações como quando a reorganização da sua exposição pública se tornou necessária pela queda de um dos bastiões dessa evidência que eram os comícios. Não pela ausência de jovens, mas porque não só os custos eram altos, perderam a valorização e as pessoas deixaram de ir, pois, no caso das campanhas eleitorais, novas formas de exposição centraram-se na TV. Jairo diz que nesse período no Brasil, a juventude explode em participação nas hostes petistas, com “essa energia para a vida partidária brasileira de forma muito potente, com estética diferente, jovens de classe média, artistas”.

Para Nicolau, a nova lei dos partidos (9.096, de 19/09/1995) trouxe mudanças internas para essas organizações, com o sistema partidário brasileiro tornando-se muito dependente do Estado, em todas as dimensões. Uma delas, se não a principal, é referente à constituição do Fundo Partidário (Cap.II, art. 38). “Os partidos brasileiros ficaram acomodados, estatizados com quadros pagos com recursos da patronagem, dos militantes no poder, ministros, secretários, assessores. Em geral, os partidos estão dominados por profissionais.”

Quanto ao apartidarismo da juventude, não quer dizer que eles não se interessem pela política. Na versão de Jairo houve um deslocamento do interesse dessa geração pela política que não inclui “acompanhar a vida partidária”. A desvalorização do partido político pelo formato apresentado no processo de corrupção das lideranças no poder constrói outras agendas de demandas que reforçam itens de indignação importantíssimos abrangendo, por exemplo, recursos gastos nas obras da Copa, serviços públicos sucateados, custo de vida, além de “sentimento difuso contra a elite política”. Esse ativismo juvenil explora “um sentimento antipolítica tradicional que estava no ar”, diz.

O resultado de uma enquete com aplicação de formulários que Nicolau realizou entre seus alunos do quinto período de Ciências Sociais da UFRJ, mostrou que “apenas um tinha simpatia pelo PSOL. Os outros não declararam simpatia por partido algum e 30% se classificaram como de direita. Claro que ainda há muita militância, mas não com partidos, que não têm uma grande atratividade para esses jovens.”

As observações de Jairo Nicolau levam a um nível de reflexão em especial aos líderes partidários tanto os que comandam os partidos considerados tradicionais quanto aqueles que estão esperando vez para serem criados. O que está sendo posto pelas manifestações de rua deve ser considerado como um aspecto a mais da insatisfação de tantos.

Há, também, uma análise interessantíssima de Marilena Chauí (no blog http//midiafazmal.wordpress.com) sobre alguns pontos das manifestações de rua. Considera um histórico dessa forma de ativismo no Brasil (que hoje a mídia injeta desconhecimento sobre essas ações) e ao tratar do “pensamento mágico” evidencia as características da convocação feita pelas redes sociais e alguns problemas apontados pelo uso dessas redes. Nesse demonstrativo posta a crítica que os ativistas estão fazendo às instituições políticas que para ela possui base concreta Como o de o “inferno urbano” ser de “responsabilidade dos partidos políticos governantes”, no plano conjuntural. No plano estrutural acrescenta: “no Brasil, sociedade autoritária e excludente, os partidos políticos tendem a ser clubes privados de oligarquias locais, que usam o público para seus interesses privados; a qualidade dos legislativos nos três níveis é a mais baixa possível e a corrupção é estrutural; como consequência, a relação de representação não se concretiza porque vigoram relações de favor, clientela, tutela e cooptação”. Argumenta que uma parte dos manifestantes nega legitimidade ao partido político como instituição republicana e democrática e deixa de lutar por uma reforma política.

É o momento de rever posições no percurso das manifestações e não “ir na onda” de que “os partidos são corruptos por essência”.

(Texto originalmente publicado em "O Liberal"/PA, de 05/07/2013)