quinta-feira, 29 de julho de 2010

CARREIRA POLÍTICA

São significativos os estudos internacionais que analisam o formato dos sistemas de democracia estável imersos em medidas institucionais e informais que deixam de fora a maioria do eleitorado sem representação (minorias étnicas, de gênero etc.). Procuram identificar como se dá esse processo de recrutamento político nesses sistemas ao se constituírem em degraus de uma escada que dá “passagem ao poder”.

Considerando que cidadãos/as ascendem ou descem esta escada em arranjos formais ou informais, explora-se o comoe o porquêuma pessoa se torna “política” (no sentido weberiano), e se para isso há uma escala de valores numa trajetória pessoal que cria um padrão de carreira onde estão centradas as motivações pessoais e partidárias dos aspirantes que desejam concorrer a um cargo parlamentar ou executivo; e quemestabelece o significado que têm esses valores enquanto responsáveis pela seleção partidária.

Na literatura anglo-americana os estudos sobre recrutamento político & padrão de carreira são explorados numa perspectiva comparada, sendo conhecidos os trabalhos de Pippa Norris e Joni Lovenduski (1995).

No Brasil, Fabiano Santos (2000: 89) diz que “a escolha dos representantes [tomadores de decisões nas democracias representativas], assim como a quantidade de vezes em que determinados políticos se reelegem, produzem impactos significativos na organização interna e na produção legislativa parlamentar. [...]... A decisão de recrutar e de manter legisladores nos órgãos representativos constitui um dos atos fundamentais da democracia”. O autor analisa o processo de escolha de parlamentares brasileiros em diferentes períodos históricos e os impactos dos filtros do padrão de carreira que corroboram para a eleição de determinados tipos de candidatos. Observa também a perspectiva de mudança na composição desses quadros em torno de categorias como gênero, geração, classe e profissão e o padrão de reeleição de competidores no que tange à competitividade eleitoral e ao grau de influência da experiência legislativa na definição da agenda decisória. O resultado a que chega centra-se num padrão de carreira legislativa imbricado no desempenho institucional, com perfis diferenciados ao serem comparados em dois períodos políticos (o autoritário e o redemocratizado) e cujo padrão de recrutamento tem sido afetado pelos poderes congressuais e ampliação de prerrogativas do executivo, tomando o rumo de importância a prática para a reeleição, a experiência política.

André Marenco (1997) aponta o ingresso de “outsiders” mais do que “raposas políticas” nos quadros legislativos nacionais, o que reforça o indicativo de que a prática política está perdendo vez para a renovação no padrão de carreira filtrado pelo eleitor enquanto selecionador de candidaturas, o que vem a demonstrar um “recrutamento mais embaralhado”.

David Julian Samuels (1998), ao perguntar qual a estrutura de carreira política no Brasil e quais conseqüências são observáveis sobre a ambição política dos candidatos, no país, explica, numa tese doutoral, em meio à metodologia qualitativa e fórmulas matemáticas, que os brasileiros não constroem carreiras congressionais (ou seja, declinam da reeleição num plano federal) porque estão mais interessados nas carreiras no plano local, diferentemente dos parlamentares norte americanos que apresentam alta taxa de candidaturas para reeleição. Quanto à hipótese motivacional, Samuels mostra que a decisão de candidatar-se, no Brasil, é do próprio aspirante à carreira política. Que os candidatos brasileiros buscam a reeleição, porém não buscam o carreirismo num plano federal porque os benefícios do plano municipal e estadual são maiores em relação aos custos de uma baixa visibilidade congressional num distrito como o Estado e numa representação plurinominal. E que o estudo da estrutura de carreira política não pode se resumir às questões micro, “mas as questões macro do desenvolvimento institucional e político, como mudança de regime e outras questões que interessam os teóricos democráticos”. A maior evidência empírica que o autor apresenta é sobre a ambição política do competidor. Diz ele que esta “...inicia e finda no nível subnacional, com o legislativo nacional servindo meramente como um trampolim para altos cargos tipicamente no ramo executivo do governo municipal e estadual”.

O sistema partidário brasileiro tem baixa institucionalização diz Scott Mainwaring (2001) comparando-o às novas democracias. Para ele “A escolha dos candidatos é um processo decisivo para os políticos porque a possibilidade de fazer progressos numa carreira pública exige disputar e ganhar uma vaga na lista do partido. As regras de seleção definem poderosos incentivos para os candidatos”. A escolha destes é determinante para a vinculação entre “os políticos e os partidos, como eles promovem o desenvolvimento de suas carreiras, os tipos de campanha que fazem, como procurar atrair votos, como atuam depois de eleitos e, por conseguinte, como partidos e políticos tentam representar seus eleitorados”. Para este autor, a compreensão do funcionamento da escolha de candidatos possibilita a apreensão de como funcionam os partidos, mas há pouco conhecimento desse processo na América Latina.

Na minha própria concepção, uma carreira política tende a acumular três níveis da trajetória pessoal de candidatos/as, que é o percurso que uma pessoa faz em várias áreas de sua vida. Na trajetória política, o capital social acumula-se em atividades nas práticas sociais e nos movimentos políticos. A trajetória profissional é a capitalização de valores no âmbito da profissão exercida. E a familiar agrega os valores de extração da base familiar quando estes vêm da elite geracional anterior. Assim, um/a candidato/a tem esse acúmulo como motivação e interesse à competição eleitoral.

(Publicado em "O Liberal" em 29/07/2010)

quinta-feira, 15 de julho de 2010

FICHA SUJA E FICHA LIMPA

A Lei da Ficha Limpa resultou de um projeto de iniciativa popular, recebendo quase dois milhões de assinaturas. Foi apoiado por instituições como a Igreja, ONGS, OAB, movimentos sociais e demais entidades civis. Inicialmente houve silêncio em torno dessa petição do povo brasileiro que solicitava o expurgo, dos quadros de demanda de representação política, de pessoas que tivessem débito com a justiça que de alguma forma configurasse em dolo. Mas a opinião pública sacudiu da gaveta dos parlamentares o manifesto assinado e fez a diferença, conseguindo que o mesmo fosse transformado em Lei e sancionado pelo Presidente da República, mesmo que a peso de empurrão dos políticos receosos de que o eleitorado negasse seu voto a eles.
Entretanto, ao ser encaminhado à Câmara de Deputados, o projeto original sofreu o primeiro “abalo” com a alteração de que somente estará valendo para os políticos condenados “por um colégio de juízes”. É de supor, então, segundo os comentadores dessa alteração que os cidadãos que forem sentenciados por um juiz singular por estelionato ou falsidade ideológica não serão penalizados, pois a sentença é considerada nula, mesmo que haja provas materiais.

Houve polêmicas, também, em torno da aprovação da emenda do senador Francisco Dornelles (PP-RJ), ao trocar em pelo menos cinco dispositivos da lei a expressão "tenham sido" por "os que forem". A perspectiva de algumas pessoas é de que os políticos já condenados e que tenham cumprido suas penas não serão punidos pelas novas regras de inelegibilidade. Para o deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP) houve alteração do teor da lei, visto que se abriu uma brecha aos políticos cujos processos estão em andamento, possibilitando que os mesmos se candidatem, mesmo condenados por órgão colegiado. Alexandre Garcia, conhecido tele-jornalista, foi mais enfático: “O que era passado foi para o futuro e – bingo! – Maluf se viu livre da inelegibilidade. Mais do que ele, todos os que já foram condenados ganham certidão negativa da lei, porque, afinal, o passado não vale. A lei da ficha limpa anistiou os fichas sujas”.

A Lei Complementar nº 135, de 4 de junho de 2010, altera a Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, estabelecendo, “de acordo com o § 9o do art. 14 da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação”, incluindo “hipóteses de inelegibilidade que visam a proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato”. Em cinco páginas, o texto original da lei “Ficha Limpa” explora a que veio e quais os crimes que serão responsáveis pela exclusão do/a pretendente a um cargo eleitoral, valendo para estas eleições de 2010.

Já passadas as convenções partidárias, estando os juízes dos Tribunais Regionais Eleitorais do país na recepção das listas e documentação dos candidatos/as com os nomes aprovados nessa primeira instância, debruçam-se para a verificação de documentação dos cidadãos aspirantes a um cargo eletivo a fim de avaliar se os mesmos estarão aptos para participar da competição eleitoral.

Num primeiro balanço da Justiça Eleitoral, de 6 de julho, em relação aos pedidos de registro de candidaturas no país há 20.839 aspirantes e re-candidatos/as aos cargos eletivos, sendo 9 para a presidência da república; 182 para governador; 288 para senador; 5.869 para deputado federal; 13.688 para deputado estadual e 803 para deputado distrital. Mas essa relação se encontra na expectativa do Ministério Público Eleitoral, da lista repassada numa triagem agora com mais um emblema jurídico, principalmente moral, exigido pela sociedade: o nome do cidadão/ã acima de qualquer suspeita de dolo, tornado apto para receber os votos de eleitores/as em outubro próximo. Até o dia 5 de agosto o TRE deverá julgar todas as impugnações, registrar as candidaturas que poderão vir a ser canceladas e as que serão confirmadas. A partir do dia 6 de agosto, a manifestação será do TSE para os casos que foram a si encaminhados.

O noticiário na imprensa registra que até terça feira, 13,último dia para os pedidos de impugnação de candidatos, o estado de Minas Gerais liderava o número de pedidos de impugnação com 614 registros pela Procuradoria Regional Eleitoral. Em Alagoas, há 380 pedidos de impugnação, ou seja, 86% do total de 438 candidatos. Em Goiás, 180 candidatos sofreram impugnação, no Amazonas, 117 pedidos, no Mato Grosso do Sul, 104 impugnados, e por ai vai. Ao todo, até essa data, 1.614 contestações de candidaturas tinham sido protocoladas em Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) de 15 Estados. A maioria tem como evidência políticos condenados pelos tribunais e que renunciaram aos seus mandatos com o objetivo de escapar às cassações.

No Pará, o Ministério Público Eleitoral totalizou 18 ações, sendo que 16 basearam-se na Lei 135/2010, ou Lei da Ficha Limpa – inscrevendo-se os nomes dos dois candidatos ao senado, Jader Barbalho (PMDB) e Paulo Rocha (PT) – enquanto duas se deveram ao descumprimento de obrigações em relação à filiação partidária. O TRE recebeu mais 27 ações de impugnação ajuizadas por coligações.

Uma parte do eleitorado brasileiro está apreensiva se as liminares que estão sendo interpostas pelos candidatos “ficha suja” não irão empanar a representatividade do manifesto popular em prol da moralização da política. A ficha limpa eleitoral seria uma maneira de entronizar um novo procedimento democrático. Resta a aceitação do eleitor em potencial. Será que o candidato preferido ganharia de qualquer forma o voto, mesmo reconhecido como um potencial “ficha suja”? Ou a moralidade está sendo entronizada no país encerrando um capitulo da história, na verdade, muito mais do que um capitulo, uma parte volumosa do período republicano.