segunda-feira, 25 de abril de 2011

AS MUSAS DO OLÍMPIA





No final dos anos 80, eu pesquisava os jornais paraenses para extrair dados para um trabalho acadêmico sobre a questão da mulher & participação política. A tangência de temas diversos enriquecia a pesquisa e dava suporte para outras incursões no campo da construção da imagem feminina, no âmbito social. E foi por esta razão que me envolvi com os depoimentos sobre a presença do Olímpia na vida cultural paraense e também sobre os freqüentadores do grande cinema da cidade. Em 1997, quando esse cinema completou 85 anos, fiz da minha página “Foro Íntimo”, no caderno dominical Mulher de “O Liberal”, um espaço de lembranças de mulheres de três épocas, sobre o envolvimento delas com aquele cinema. Em seu artigo, a jornalista Regina Pesce lembrou as toilletes usadas pelas mulheres do seu tempo, nas matinês; Clemilde Correa Pinto de Castro considerou as roupas e os hábitos dos freqüentadores, da década de 50, enquanto Neuza Paiva de Castro deu um depoimento sobre os modos e as modas daquela época, ela que nasceu no mesmo ano em que era inaugurado o Olímpia.
Das versões extraídas da imprensa e dos depoimentos dos especatdores de diversas fases do tradicional cinema, escrevi um texto sobre essas imagens e os códigos femininos que permeavam o imaginário dessas pessoas, texto que transcrevo, agora, com algumas alterações.

EM TEMPO DE CRIAÇÃO
O ano de inauguração do Cine Olímpia – 1912 – prenuncia-se de crises, uma delas deflagrada em agosto: os conflitos que levaram à queda da oligarquia lemista. Era o cinema da elite e o lugar em que as mulheres “da alta” exibiam seus vestidos e jóias, enquanto as mais pobres ficavam no “sereno” para ver o desfile. Havia um modelo de mulher construído culturalmente nos estilhaços dos observados no século XIX. As pequeno-burguesas ainda se determinavam por suas heranças culturais de classe. Segundo revelam os depoimentos de algumas mulheres dessa época, a saída para o cinema se dava geralmente em companhia de alguma tia ou pessoa mais velha. Mulher casada não saía sem o marido, salvo quando o acompanhamento era de uma pessoa de muita responsabilidade. Mas certas transgressões aconteciam, como os encontros com o namorado “mal visto” pela família da jovem.

O depoimento do Dr. Adriano Guimarães (já falecido) revela uma parte desses hábitos:
“O cinema era muito freqüentado. Em especial a soiré das sextas-feiras, porque
era o dia das exibições dos vestidos das grandes “cocottes” de Belém. Elas eram
umas quatro ou cinco e disputavam entre si a apresentação do vestido. (...)
Ainda me lembro do nome de algumas: a Panchita, a Raito de Sol, eram espanholas;
a Maria José Pequena, a Margot, esta era francesa. Os “donos” delas mandavam
buscar os vestidos em Paris. Elas eram conhecidas assim: a “Panchita de fulano”,
a “Margot de sicrano”. Elas iam também de chapéu, como iam as senhoras,
ostentando as suas jóias, riquíssimas, que chamavam a atenção das famílias.(...)
À saída [do cinema] é que era interessante: elas chegavam sempre no intervalo do
cine-jornal. Quando este terminava, havia um intervalo de uns três a quatro
minutos. Elas sabiam. Então elas entravam. Era o desfile delas. Depois, quando
terminava a sessão, as famílias saiam e iam pro terraço do Grande Hotel para
tomar sorvete. Enquanto terminava a repetição do cine-jornal, elas saiam uma a
uma. Eram o comentário das famílias. Elas andavam sozinhas, nunca se
apresentavam com homem ao lado.(...) Geralmente esses grande “donos” dessas
“donas” não iam ao cinema. Eram industriais, comerciantes, proprietários... têm
descendentes ainda. (...)”

Às imagens femininas construídas por Adriano Guimarães somam-se às do homem feito para constituir família, apresentando um comportamento de dupla moral sexual: a do chefe de família e a do “dono das cocottes”(prostitutas da época). As mulheres também assumiam essa dupla moral: as feitas para o casamento, mantendo um compromisso ingênuo e as “cocottes”, mais ousadas. A distinção social entre as duas era de classe, embora estas últimas freqüentassem os mesmos espaços públicos das “madames”, usando vestidos de Paris, jóias caríssimas e chapéus, na mesma linha das “mulheres de família”. Esse detalhe, para Adriano, expressava um aspecto da não-discriminação social, embora se observe que as “cocottes” não sentassem no “terrace” do Grande Hotel como as outras.
Outro exemplo dos modelos femininos da época da inauguração do Olímpia vem através do poeta Rocha Moreira, que em 1921 criou o “Olympia Jornal”, veículo de divulgação da Empresa Teixeira, Martins & Cia., proprietária da casa. Em forma de tablóide, o jornalzinho geralmente expunha em crônicas leves, a importância do cinema enquanto lazer e o compromisso da empresa em trazer sempre novos e bons programas da “arte norte americana”. Procurava versejar usando termos elogiosos ao desempenho das atrizes principais dos filmes. Estes versos eram dedicados às freqüentadoras do cinema. Da leitura de um destes, percebe-se o modelo feminino na cabeça do poeta.

CINE JORNAL

Do Olympia, a freqüentadora
Que hoje, formosa se alegra,
Vamos ter a Pola Negri
Conjugando o verbo amar...
Faz-se a fita encantadora,
Há lances que são portentos
Pola Negri por momentos
Faz a gente delirar.

Pode a leitora formosa
Amar, sofrer, ter tristeza,
Empanar sua beleza
Com lágrimas de cristal;
Pode virgem dolorosa
Retratar o sofrimento
Mas, pesar do fingimento,
Pola Negri é sem igual.

De outra não sei que na fita
Seja mais terna e tão boa;
Muitas vezes é leoa,
Tem garras para ferir...
Guapa, soberba, bonita,
Faz-se às vezes delirante
E como soberba amante
Sabe torturar lenir.
Do Olímpia no fim lindo
Hoje, ela excelsa aparece;
Seu olhar lembra uma prece,
Pois é doce e encantador;
Há nele mistério infindo,
Distila a dor que apunhala,
Olhar magoado que fala
Dos sofrimentos do amor.

Amar os outros é fácil;
Não amar, ter amizade,
É acordar a saudade
De que deriva a paixão...
Pode ser a virgem grácil,
Ter encantos tentadores,
Mas por falar de amores
Precisa ter coração.

Leitoras, eu não garanto,
Mas Pola Negri, acredito,
Faz-se amando quase um mito,
Sabe amar como ninguém;
Vê-la banhada de pranto
È sentir que a dor existe,
Pois, ela saber ser triste,
E tristonha encantos tem.

Ora é volúvel e é bela
Nessa volubilidade;
Sabe ter a majestade
Que sempre um “astro” requer;
É sempre excelsa na tela;
Em cenas encantadoras;
Enfim, formosas leitoras,
Pola Negri é uma mulher.


Pola Negri, a atriz que interpretava a personagem central dos filmes em exibição, no Olympia, representa a imagem que Rocha Moreira extrai para sintetizar sua perspectiva sobre o feminino. Nesse perfil, se mesclam a meiguice tradicional e a ferocidade da luta pelos desejos realizados. Misto de beleza e charme, tristeza e alegria, bondade e maldade, amor e ódio, volubilidade e constância, expressam valores integrados nas atitudes da atriz, confirmados como parte integrante da imagem do feminino que o jornalista faz, como se vê na afirmação final: “Pola Negri é uma mulher”.

O salto no tempo – 1912 a 2011 - refaz imagens de mulher, de costumes, de valores da freqüentadora do Olímpia, nos seus 99 anos. Hoje o público feminino que freqüenta aquela casa não se dimensiona pelos limites impostos pela situação de classe, pois o elitismo perdeu força e os costumes tornaram-se democratizados. Não há “sereno” das mulheres pobres para ver as “mulheres da alta” chegarem em seus coches engalanados porque dificilmente as representantes femininas das duas classes principais freqüentam o cinema: as (do “sereno”) primeiras, oprimidas pela falta de tempo e pelo preço do ingresso e as segundas, porque criaram seus próprios “home theatres” e assistem o que bem entendem no tempo residual que acomodam entre outras tarefas sociais e de trabalho. Os dois tipos hoje transitam sem os grandes marcos diferenciais que apontavam para a carência de informações. Têm ao seu favor outras tecnologias que ajudam a dimensionar a falta de conhecimento. Das mulheres palestinas que se vêem afastadas da cultura globalizada, pela burka, às mulheres da floresta que sentem na pele os limites de seu processo de inclusão, pela falta de tempo e pelas condições objetivas em que vivem hoje (que ainda não privilegia a cultura), o imaginário feminino retratado pelo cinema criou variações e multiplicou as informações mostrando práticas que não arrolam o essencialismo de considerar Pola Negri “a mulher”, nem as “cocottes” as permissivas. O Olímpia do século XXI está aberto para receber “todas as mulheres do mundo” e continuar a divulgar a diversidade dos tipos como fazia há 99 anos. Os cegos é que não querem ver.

sábado, 16 de abril de 2011

O QUE COMENTAR?




O chamado “calor da hora” motiva, muitas vezes, uma opinião pouco circunstanciada sobre um fato ocorrido. E quando este fato tem uma abrangência nacional em função da mídia que revela, aos poucos, as condições em que este se deu, sempre temos o que dizer sobre ele, mudando de opinião a cada nova descoberta da trama contextualizada. Verbal ou escrita elaboram-se idéias e imagens que, por suposto, achamos ser responsáveis para o desfecho. E quando somos parte do grupo de formadores de opinião, há sempre a cobrança dos leitores sobre o assunto. Este é o meu caso.

Não me sinto a vontade para externar uma opinião sobre o gravissimo episódio da semana passada, no Rio de Janeiro, chamado de “o massacre do Realengo” quando um jovem de 24 anos, armado, adentrou uma escola pública ferindo de morte mais de duas dezenas de estudantes, a maioria mulheres. Um quadro desesperador para os familiares das adolescentes mortas e um choque para a sociedade brasileira que se viu frontalmente diante de um episódio jamais ocorrido numa escola brasileira. Em outros países eventos dessa natureza já havia sido constatados com tamanha amplitude. As de maior repercussão e vítimas foram a de Columbine (em abril de 1999, em Littleton, no Colorado, EUA) e o de Virginia Tech (Blacksburg, Virginia, EUA) em abril de 2007. Esse país apresenta o maior número de casos dessa natureza, mas episódios idênticos também ocorreram em escolas da Alemanha, Finlândia, Canadá, Russia e Japão.

Há dificuldades para analisar o perfil dos assassinos, na faixa etária de jovens (no Brasil, de 18 a 29 anos; para a ONU, de 15 a 24). Contudo, ao tomar ciência de detalhes que levaram ao extremo de uma decisão de praticar violência contra outrem – sejam colegas ou professores – quatro itens saltam aos olhos de qualquer observador: as idéias religiosas, o relacionamento familiar, o contato com a socialização na escola e problemas de ordem psicológica.

Em Columbine, Klebold e Haris, os jovens assassinos de 17 e 18 anos, eram de familia classe média, o pai geofísico e a mãe especialista em crianças deficientes, moravam em casas confortáveis. Pouco populares na escola criaram o grupo “Máfia da Capa Preta”. Nos diários dos jovens, encontrados pela polícia norte-americana, Haris registra o desejo de ser Deus: “Eu me sinto como Deus e gostaria que fosse, para que todos estivessem OFICIALMENTE abaixo de mim”. Na escrita de Klebold ele salienta:"Eu sou um deus, um deus da tristeza”.( Um quer ser, o outro já é, dizem eles).

Seung-Hui Cho, 23 anos, estudante do Virginia Polytechnic Institute and State University, em Blacksburg (EUA) que matou 32 colegas e professores, enviou um pacote com cartas, fotos e 27 vídeos à emissora NBC (NY), chamado de "manifesto multimídia". Entre denúncias de assédio moral sofrido dos colegas (o tão asqueroso “bulliyng), falando diretamente para a câmera ele diz: “Vocês vandalizaram meu coração, rasgaram minha alma e queimaram minha consciência. Vocês achavam que era um garoto patético que vocês estavam extinguindo. Graças a vocês, eu morri. Como Jesus Cristo, para inspirar gerações de pessoas fracas e indefesas.”(Neste caso, quer seu exemplo ao processo salvacionista de Jesus). Sua família era de imigrantes sul-coreanos, pobres no país de origem, mas de classe média no condado de Fairfax, sul da Virginia. Aos oito anos Seung teve diagnóstico de autismo.

O assassino que perpetrou o massacre na escola do Realengo (Br), Wellington Menezes de Oliveira, 24 anos, revela uma aura religiosa:“os prazeres e o reconhecimento deste mundo são coisas passageiras e o que importa é ser reconhecido por Deus pq não será com as pessoas limitadas desse mundo que viverei eternamente e sim com Deus”. Em outro trecho ele diz: (...) “eu estou fora do grupo mas faço todos os dias minha oração do meio dia q é a d reconhecimento a Deus e as outras 5 q são d dedicação a Deus e umas 4 h do dia passo lendo o Alcorão”(..). Suas palavras sobre a sua família e a socialização na escola também são de denúncias contundentes.

O relacionamento familiar de uma pessoa é muito difícil de avaliar, considerando-nos o “outro” na questão. Apesar de incidências de bulliyng em casa, afastamento social e solidão levando à depressão, muitas vezes é impossivel chegar ao reconhecimento de ser essa uma causa extrema para ferir de morte pessoas indefesas.

Quanto ao contato com a socialização na escola há diferentes tipos de normas das próprias unidades de ensino para ampliar a integração entre os estudantes. Da promoção pelo esporte às atividades curriculares, das competições lúdicas às práticas artísticas, essas iniciativas, se por um lado são vistas com um objetivo socializador, geralmente levam às porfias e às rivalidades se a escola não estiver preparada para assumir sua atuação arbitral.

O aspecto psicologico está embutido nos outros itens. A exteriorização da violência não se concretiza sem um desequilibrio emocional.

Minha compreensão dessas observações sobre esse infausto numa escola brasileira ultrapassa o que alguns líderes políticos estão se apressando em tratar em torno de novas leis, de campanha de desarmamento etc. Embora se possa pensar que quatro evidências apontem para um único perfil, outras circunstâncias podem estar concorrendo para o sentimento que escapa das entrelinhas das cartas e depoimentos (como disse o psicólogo norte-americano Peter Langman, em seu livro Why Kids Kíll: Insíde lhe Minds of School Shooters, 2009): a raiva da sociedade (as instituições), das formas de vida ao redor, de si próprios. ~


(Texto publicado originalmente em "O Liberal"(PA) em 15/04/2011. Imagem extraida de carlosneder.com.br )

domingo, 10 de abril de 2011

A CULTURA E A REDE “CEGONHA”



As discussões sobre a reforma política estão em curso nas Comissões instaladas no Senado para analisar, em primeira instância, alguns itens do sistema eleitoral e partidário no Brasil a serem submetidos ao Congresso Nacional. Nos últimos dias, essa comissão aprovou entre outros: o limite de gastos dos partidos para financiamento de campanhas eleitorais, fidelidade partidária e a candidatura avulsa para prefeitos e vereadores nas próximas eleições. São temas importantes que devem ser evidenciados em suas teses, o que farei proximamente. Hoje privilegiei uma questão importante que está circulando em redes sociais e como tenho acompanhado, desde a década de 1970, essa discussão, achei melhor explorar agora.


Trata-se da Rede Cegonha, lançada nos últimos dias de março como programa de governo integrado ao SUS. As medidas previstas esperam garantir a todas as brasileiras: “atendimento adequado, seguro e humanizado desde a confirmação da gravidez, passando pelo pré-natal e o parto, até os dois primeiros anos de vida do bebê. (... ) abrangem a assistência obstétrica às mulheres – com foco na gravidez, no parto e pós-parto como também a assistência infantil (às crianças)”(cf. site do Ministério da Saúde).

A visão que se tem sobre essas medidas são as melhores possíveis, contudo, para alguns grupos da sociedade civil há um retrocesso de 30 anos. Para a Dra. Fátima Oliveira, médica, escritora, do Conselho Diretor da Comissão de Cidadania e Reprodução (CCR) e do Conselho Consultivo da Rede de Saúde das Mulheres Latino-americanas e do Caribe (RSMLAC) a “A Rede Cegonha é no bojo da concepção de mulher-mala [mãe e filho no mesmo cestinho], antiga, antiga”.

A farmacêutica Clair Castilhos, professora do Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) diz: “É profundamente doloroso que tenhamos que criticar a formulação e implantação de um programa do Ministério da Saúde voltado para nós mulheres.”

O alerta da cientista social Telia Negrão, secretária-executiva da Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos e diretora da RSMLAC, mostra que “A idéia da Rede Cegonha desumaniza o evento reprodutivo, quando retira das mulheres o papel de trazedoras dos filhos ao mundo”. Em conseqüência, elas deixam também de ser detentoras dos direitos reprodutivos. A detentora será a cegonha”. (entrevista exclusiva ao Viomundo - http://www.viomundo.com.br/ )

Secularmente, a lenda que procurava disfarçar a gestação e o parto tomava o imaginário infantil. Em criança, cheguei a olhar para o céu para ver se passava a cegonha com um irmãozinho prometido. Outros familiares correram atrás da fantástica mensageira.

Essa “ingenuidade” era aplaudida pelos adultos. Queriam criar anjos, como seriam os que iam nascer. As descobertas viriam com o tempo e pouco importava se a curiosidade gerasse desencontros físicos e morais. Mas o que menos se pensava era na mulher grávida e necessitando de cuidados. Tudo era facilitado pela cegonha.

Visto como um retrocesso das conquistas dos movimentos sociais e de mulheres, esse Programa é também reducionista, dizem. Pois, a luta por políticas de atenção à saúde das mulheres despojada dos artifícios da ideologia do período militar dos anos sessenta (políticas de planejamento familiar) vem desde 1983, quando foi instituída a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher [chamado PAISM, agora PNAIMS]. Chega-se então ao Plano Nacional de Humanização do Parto (PNHP) regulando-se, através da norma RDC 36 (define o modo como deve ser a atenção às mulheres no período gravídico-puerperal) e ao de Atenção aos Direitos Reprodutivos das Mulheres (englobando o planejamento reprodutivo, a anticoncepção de emergência, as políticas destinadas ao enfrentamento da violência sexual) e, desse conjunto de ações foi criada a Política Nacional dos Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos das Mulheres Brasileiras.

A rede “Cegonha” está sendo criticada por usar o conceito de “mulheres hospedeiras” de fetos, visto que “retira das mulheres a capacidade de arbitrar, de exercer com autonomia as suas decisões (....), como o conceito de mala que só carrega coisas dentro”(Telia Negrão). Criticam-se também as ações desse programa que não evidenciam estratégias na garantia de outros serviços de atendimento previstos no Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal, de 2004 e ainda em vigor, quando este dá ênfase à “Atenção Humanizada ao Abortamento“, que propõe a garantia da qualidade e ampliação de serviços de atenção ao abortamento previsto em lei, assegura a atenção humanizada às mulheres com aborto inseguro, uma vez que este é uma das principais causas de mortalidade materna.

O fato é concreto: a mulher engravida e morre se não tiver um bom pré-natal, atenção ao parto, puerpério, etc. No Norte e no Nordeste do Brasil a morte materna por “causas evitáveis” (aquela que não ocorreria se ela tivesse adequada atenção ao pré-natal, adequada atenção ao parto, etc.) chega a 99%. Mas o título dado ao Programa... Não é bom re-pensá-lo?


(Texto originalmente publicado em "O Liberal" (PA), em 08/04/2011, Imagem extraido do blogdoreginaldo.blogspot.com).

sexta-feira, 1 de abril de 2011

O DEFICIT DA IGUALDADE POLÍTICA



O Relatório do Desenvolvimento Humano de 2010, lançado em novembro pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), apresentou estudo do Fórum Econômico Mundial - Verdadeira Riqueza das Nações: Vias para o Desenvolvimento Humano. Esse relatório considerou três medidas inovadoras complementares: o IDH Ajustado à Desigualdade (IDG), o Índice de Desigualdade de Gênero e o Índice de Pobreza Multidimensional. Minha intenção é avaliar o Índice de Desigualdade de Género (IDG) que destaca as diferenças na distribuição das realizações entre mulheres e homens, com enfase na posição do Brasil na representação feminina nos parlamentos.

Sabe-se que a conquista do direito do voto, pelas mulheres – estatuto que lhes garantiria a cidadania política nos primórdios da democracia eleitoral – foi uma ação incansável em nivel mundial e muitas lideranças sofreram prisões, violências físicas e morais (cf. filme “Anjos Rebeldes”, 2004). Mas essas lutas das sufragistas não aspiravam apenas o direito de votar. Esperavam garantir, também, uma representação feminina nas casas legislativas, instâncias de decisão política. Essa história está cheia de marchas, caminhadas, ações e projetos no plano juridico para desmontar as nuances patriarcais e patrimoniais dos “chefes políticos” que definiam quem estaria apto a assumir esses cargos. Estratégias eleitorais variadas sempre forçaram as mulheres a optar por um “outro mundo” com a renovação de ideologias que exploravam os ditos” mulher não gosta de politica”, “as mulheres seguirão as ideias dos maridos ou dos pais na hora de votar” e por ai vai toda a desmontagem do incentivo às aspirações femininas e o reforço ao afastamento desse gênero da política formal (há exceções, obviamente).

Na Conferência de Beijing (1995) foram identificadas 12 áreas críticas como obstáculos a serem eliminados para o avanço social e político das mulheres. E entre as áreas indicadas, incluiu-se à desigualdade de gênero no exercício do poder e na tomada de decisão política nos cargos legislativos e executivos. Ações de enfrentamento aos baixos percentuais de mulheres nos parlamentos nacionais e locais foram implementadas pelos movimentos articulados de mulheres. Seminários procuraram estimular os partidos na escolha de candidaturas femininas e/ou capacitar as cidadãs interessadas na competição eleitoral. Essas estratégias, visando discutir questões e problemas ligados ao poder nas relações de gênero, presentes nas versões culturais que tratavam como desgraça pessoal ou injustiça social as desigualdades sofridas pelas mulheres, incluíram ações de empoderamento. As Ações Afirmativas possibilitaram a criação da política de cotas de participação por sexo em instâncias do poder. Tal estratégia das feministas liberais objetivou garantir a reserva de vagas para as candidaturas de mulheres aos parlamentos, avaliando que dessa forma seria ampliada a representação feminina. As cotas partidárias foram pensadas como recurso político para uma sensibilização em duas direções: motivar as mulheres a se candidatarem; e interferir na lei eleitoral e obrigar os partidos manterem uma cota mínima de mulheres nas suas listas partidárias. Mas ao que consta isso não ocorreu. Os partidos não foram penalizados quando descumpriam nas normas.

Outras ações procuraram desobstaculizar o avanço das mulheres brasileiras para os espaços na política formal. Mas a representação feminina ainda permanece insegura e baixa. A mini-reforma eleitoral a Lei º 12.034/2009 aprovada pelo Congresso Nacional estabeleceu novas regras para as eleições de 2010 e subsequentes, entre as quais a obrigação de os partidos políticos destinarem 5% do Fundo Partidário às mulheres, reserva de ao menos 10% do tempo de propaganda eleitoral nas mídias e alteração do termo “reserva de vagas” de candidaturas para “preenchimento” de no mínimo 30% e no máximo 70% de cada sexo na chapa registrada.

Mas essas medidas ainda não foram suficientes para a reversão do quadro da sub-representação das mulheres neste espaço e o Relatório de Desenvolvimento Humano ao considerar as medidas do Índice de Desigualdade de Gênero aponta o Brasil, que em 2006 ocupava a 67ª posição perdendo quatro posições e agora ocupa a 85ª colocação entre as 134 nações analisadas. Há um agravo na situação ao longo dos últimos anos. Para esse estudo, o indicativo da queda no ranking de igualdade explica-se, entre outros fatores, pela baixa representação política das mulheres brasileiras que ocupam menos de 10% das cadeiras do Legislativo.

A meu ver, além de uma necessária reforma no sistema de lista aberta para a lista fechada com alternância de nomes – homens e mulheres – (conforme o sistema argentino) não vai ser a solução, mas vai ajudar. Entretanto, alguns determinantes ainda forçam a ausência das mulheres desse processo competitivo: o distanciamento dos partidos políticos de uma formação integrada junto às mulheres e não sómente a procura delas para serviço partidário (alguns partidos têm secretaria de mulheres, mas não é a isso a que me reporto); clareza das mulheres de que o empoderamento através da emancipação econômica é um caminho propício para chegar ao empoderamento político; distribuição equitativa do financiamento de campanha entre candidatos/as pelos dirigentes partidários. Para Tereza Sachet(USP): “As mulheres gastam, em média, 40% a menos do que os homens nas eleições. É mais difícil para elas conseguiram financiamento da iniciativa privada. Se não tiver financiamento de pessoa jurídica, sua chance é muito reduzida”.

A esse mesmo resultado chegou o bolsista GEPEM/UFPA Murilo Figueira ao cruzar os recursos partidários e os particulares das candidatas paraenses nas eleições de 2008. As que foram eleitas conseguiram recolher mais no âmbito privado do que receberam dos partidos.


(Texto originalmente publicado em "O Liberal", PA, em 01/04/2011. A imagem foi extraída de mulheresemmarcha.blogspot.com)