sábado, 21 de agosto de 2010

POLÍTICA & PODER: O GÊNERO EM QUESTÃO

Houve tempo em que a frase “mulher e política são excludentes” representava o recorrente imaginário sobre a alegação de que as mulheres não só se agregavam em espaços privados não-políticos (o lugar da casa e da família), como referiam a política como uma ação masculina que só dizia respeito aos homens. Desse “calcanhar de Aquiles” eram tiradas as várias inferências sobre o processo de participação política feminina.

A re-significação do conceito de cidadania proposto pelo movimento feminista mudou o quadro e fez diferença ao explorar a dicotomia da democracia, conceito inventado pela ciência política. A partir de outro olhar, defendeu a presença das mulheres nas diferentes formas de participação política, procurando evidenciar o lugar das relações de gênero enquanto relações hierarquizadas de poder, depurando as formas democráticas vividas no ideal e no real ao longo das fases da História, da Antiga à constituição do Estado Moderno, e passou a apresentar distinção com a sociedade civil (século XV e XVI).

Do conceito de democracia surgiram as ações práticas e históricas que mostraram, desde a antiguidade clássica, a forma de governo aplicada pelos gregos atenienses na democracia direta, ou seja, os cidadãos livres (os moradores da cidade, civitas) reunidos numa assembléia (ágora) decidiam os destinos da polis (civitas). Pergunta-se: quem eram esses cidadãos que participavam, tinham direito a voz e ao voto nessas assembléias elegendo seus governantes e podendo ser eleitos? Eram os homens que possuíam o saber, o limite da idade, a classe social e a disponibilidade de tempo para discutir semanalmente na praça principal da cidade grega por longas horas, decidindo quais leis deveriam ou não ser aplicadas aos concidadãos. A democracia ateniense definida pelas constituições excluía da participação ativa na polis as mulheres, os escravos e estrangeiros.

O governo democrático teve um eclipse por mais de 2000 anos e só reapareceu com a Revolução Americana (1776) e a Revolução Francesa (1789). No século XVIII dentro de uma concepção de Estado Liberal será elaborado um novo modo de pensar a democracia e exercê-la, rompendo com a ordem hierárquica medieval das corporações, dos laços hereditários e dos privilégios, estruturando-se o poder dos Estados nacionais. Surge a democracia moderna.

A concepção liberal de Estado cria a representação política que se torna o estatuto da delegação de poderes de um cidadão a outros cidadãos.

A declaração de direitos da pessoa humana é uma segunda grande diferença em relação à democracia dos antigos, surgindo com as repúblicas representativas (Estados Unidos e França). Assim, se havia a forma de governo representativo a partir de eleições, foi incluída uma relação de direitos humanos variados. Os primeiros desses direitos (século XVII e o XVIII) foram os direitos civis, associados à condição do ser cidadão que era também ser proprietário, ter o direito de ir e vir, o de manter a sua propriedade, pagar os impostos votados, assinar contratos e decidir por um governo que lhes garantisse ter todos esses direitos sem se submeter a um governo arbitrário.

Entre os séculos XVIII e XIX surgem os direitos políticos (as pessoas deixam de ser súditos de um rei e passam a ser cidadãos, ou seja, são essas pessoas que deverão decidir o que a cidade - o Estado=governo - vai realizar. Incluem-se: o direito do voto, o direito de as pessoas expressarem o seu pensamento livremente, o direito de organização política.

No século XIX emergem os direitos sociais: há liberdade de organização sindical e leis trabalhistas que garantem as melhores condições de trabalho.

Quanto às mulheres, elas viram essas mudanças serem aplicadas, mas em parte não se sentiram incluídas. Na democracia direta as gregas não tinham direito a voz nem ao voto. Na democracia representativa não estavam cidadãs. Conquistar a inclusão através do direito do voto foi uma luta árdua das sufragistas ao avaliarem que o novo estatuto de cidadania possibilitava-lhes outros direitos civis, políticos e sociais.

Eleger-se para os cargos majoritários e parlamentares foi outra luta empreendida pelas mulheres. Nos dias atuais continuam sub-representadas, mesmo sendo, no caso brasileiro, 51% dos 130 milhões de eleitores. Têm recorrido a uma série de medidas (política de cotas partidárias, reforma política como a demanda pela instituição da lista fechada, concessão de maiores recursos para o financiamento de campanha etc.) e mantém posições avançadas em outras esferas profissionais. O caso é não perder a ternura, mas manter a resistência para que não haja regressão nos avanços conseguidos.

(Texto publicado em "O Liberal" em outubro 2009)

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