domingo, 15 de agosto de 2010

A CIÊNCIA POLÍTICA E SEUS CÂNONES

Tradicionalmente a Ciência Política desenvolve, em sentido amplo, estudos no campo dos fenômenos e das estruturas políticas, utilizando análises baseadas em rigoroso exame dos fatos, afastando-se das linhas da opinião. Em sentido estrito, esta área se acha delimitada sobre estudos especializados e institucionalizados, com aplicação da análise ao fenômeno político, utilizando a metodologia das ciências empíricas. Tem se destacado da filosofia política, embora desta tenha aproveitado as noções clássicas das projeções utópicas ou idealizações (caracterizadas através das obras dos clássicos do pensamento político moderno), para tecer sua própria aplicabilidade destas noções.

Contemporaneamente, acumula características próprias ao campo dos fenômenos políticos com fundamentos históricos e, como as demais Ciências Sociais, apóia-se na análise dos fatos e no uso de certas técnicas de pesquisa. Tem se diferenciado comparativamente dos estudos políticos do passado, pela disponibilidade de dados, além da mudança do approach e da introdução de novas técnicas de invenção, indutoras da distinção entre as várias disciplinas afins desses estudos. Tem sido fortalecida pelos estudos comparados de sistemas políticos com análises não só convergentes para a distinção entre os vários sistemas e subsistemas mundiais como ao nível intra-sistêmico, classificando-os, formulando generalizações e, consequentemente, formando conceitos gerais a partir de leis de tendência (de regularidade ou uniformidade), propondo teorias. Com isto, a Ciência Política afastou-se do aspecto descritivo do objeto de seu interesse, criando um status explicativo (finalidade teórica) aos fenômenos políticos, o que a aproxima da finalidade prática, através de hipóteses e axiomas, haja vista que ao tratar com os comportamentos humanos, onde se acham as reações emotivas e racionais, se torna muito difícil pensar em previsão dos fatos.

Considerando as espécies dos dados desenvolvidos pelos cientistas políticos nos últimos anos, Karl Deutsch enumerou nove tipos: "elites, opinião de massa, comportamento de voto dos eleitores e dos membros do Parlamento, os chamados dados agregados colhidos nas estatísticas e relevantes para o estudo dos fenômenos políticos, dados históricos, dados fornecidos por outras ciências sociais sobre os efeitos da comunicação, dados secundários, derivados de novos processos analíticos, matemáticos e estatísticos e de programa de computer ".

O campo da Ciência Política atual tem propiciado definir especialidades e aplicar recursos de pesquisa para identificar o nível de desenvolvimento, os tipos e os graus de diferenciação das várias instituições que operam no campo político e que tendem a intervir no comportamento humano, estando entre estas agências os sistemas de governo, os regimes políticos, os partidos e as normas e os processos decorrentes dos mesmos.

Mas nesse campo é indiscutível referenciar a questão da democracia contemporânea, avaliando as várias linhas conceituais que obedeceram a estudos exaustivos de teóricos da CP ao tratarem comparativamente os níveis de estabilidade democráticos em países europeus e latino-americanos, explorando a análise do desempenho delas, procurando extrair um novo padrão ao desenhar um novo mapa conceitual desse sistema de governo, respondendo aos problemas contemporâneos evidenciados há décadas pela crise da democracia representativa nos moldes da doutrina liberal.

Entre as linhas interpretativas das várias correntes derivadas de fundamentos teóricos modernos há aqueles que alegam a importância empírica descritiva e explicativa do funcionamento das democracias, adeptos da democracia representativa liberal que consideram o "melhor arranjo institucional possível" enquanto outros a criticam. No centro da discussão está a "democracia como meio e como fim, nas atribuições e responsabilidades do Estado, na natureza do Estado e da própria sociedade e nas relações entre Estado e sociedade", no dizer de Olavo Brasil. As discussões criam polarização: a) os que vêem a democracia apenas como método para fazer governos "mais adequados à sociedade contemporânea e superior a qualquer outro ( ) a finalidade da democracia é permitir a reprodução e a mudança com base nas forças sociais: é o primado do mercado”. No outro lado, há os que reconhecem o mérito superior desse sistema diante de outras formas de dominação na perspectiva do que Mill, Rousseau e Marx evidenciaram, reconhecendo a “transformação do próprio Estado e da sociedade, a partir da e com a democracia real".

As formulações normativas recentes sobre o modelo democrático requerem aprofundamento para chegar às indagações da realidade contemporânea sobre democracia de massas cujo pressuposto, em essência, é o sufrágio universal.

Assim, é importante também comparar o exame profundo destas questões com as pesquisas sobre a mudança política global no século XX feitas pela Freedom House que apontam o crescimento do número de governos democráticos eleitos por sufrágio universal proporcionado pela ação democrática num período de 1900 a 2000, constituindo-se, por isso, o chamado "século da democracia".

Neste cenário, onde convivem diferentes padrões, este sistema político deve ser observado comparativamente, através dos critérios desenvolvidos em torno de eixos responsáveis pela democratização da sociedade, pois refinam a participação política do demos e criam formas de inclusão na polis.

(Texto publicado em "O Liberal" em março 2010)

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