Certa vez participei de uma mesa redonda cujo tema principal era o poder e a baixa representação política feminina. Dividiam comigo a cena duas parlamentares e representantes do movimento de mulheres. Na intervenção inicial uma das parlamentares argumentou que não tinha poder e explorou as condições de subalternidade que subjugam as mulheres. Na minha vez, solicitei que todas as pessoas presentes se levantassem e estas o fizeram. Pouco depois pedi que sentassem.
E estas obedeceram. Demonstrei com este gesto o nível de poder de cada pessoa bastando estar em uma determinada posição.
O sentido especificamente social do poder, no relacionamento com a vida humana em sociedade, torna-o mais preciso, e o lugar de sua conceituação tende a determinar-se desde a mais geral capacidade de ação humana até a alteração do comportamento de outra pessoa.
As mulheres em suas experiências de vida desde tempos pretéritos descobriram que os que exerceram/exercem o poder danificaram as relações humanas criando a submissão, a exploração, o autoritarismo e violando os direitos humanos. Têm sido elas as maiores vítimas do autoritarismo, fenômeno político que as exclui sumariamente do poder substantivo.
O sentido político do poder incide na conceituação do que seja política, garantida pela força, com fundamentos nas leis do direito na “segurança externa e na concórdia interna de uma unidade política particular” (Lebrun, 1981:11). A noção de força tende a garantir a engrenagem do poder. Por exemplo: ao partido mais votado numa eleição democrática diz-se que este tem força política para a mobilização de seus eleitores. Isto não significa necessariamente o uso de meios violentos para a garantia do comportamento do eleitorado (embora em alguns casos isso ocorra, quando há ameaça de rupturas). A força é exercida como “atitude de sedução” numa relação amorosa quando está em jogo o processo de decisão sobre algo. À vista, a atitude recente de um ex-marido gaúcho sobre a mulher da qual se separara.
Max Weber (1994:33) explica o poder como “toda a probabilidade de impor a própria vontade numa relação social, mesmo contra resistências, seja qual for o fundamento dessa probabilidade”. Assim, existe poder quando certa força se efetiva através de uma ordem que supostamente deve ser cumprida. Duas teses dele: a) a coerção é essencial para a obediência política exercida ou pelo temor ou pela perspectiva de uma possível coação. Há exemplo diário: o dia de pagar as contas de luz, água, ou outro imposto qualquer. Embora não haja pressão alguma para que minhas contas, sejam pagas, caso haja “esquecimento” de fazê-lo no dia marcado, isso vai incidir em multa. E se eu não pagar mesmo, a minha água ou luz ou telefone será cortado; b) a posse do poder só se dá à custa do não-poder de outra pessoa. A sociologia norte-americana explica isso pela teoria do poder soma-zero. Um exemplo pode ser tomado da relação entre um professor e seus alunos. Embora altamente democrático, ao aplicar-lhes notas, o professor demonstra um tipo de domínio que resulta em evidenciar o não-poder destes. Intersubjetivamente as relações de poder serão percebidas caso haja identificação da posição inferior/superior numa dada situação.
Para Nicos Poulantzas (1977) o poder é uma das capacidades das classes sociais conquistarem seus interesses específicos, com domínio delimitado pelo lugar que outras classes ocupam, não sendo uma qualidade ligada a uma classe em si, dependendo das relações que cada agente ocupe nos lugares materiais. O Estado não seria nem o objeto depositário da essência instrumental de posse da classe dominante nem o sujeito responsável pela tomada de poder das classes, num confronto entre eles. É o lugar onde a classe dominante organiza suas estratégias de luta em relação às classes dominadas. É um espaço onde se realiza o exercício de poder, visto que o Estado não possui poder próprio.
Michel Foucault (1979) desmonta o enfoque da Ciência Política. Trata do poder molecular e periférico mostrando que há poderes que não se localizam em nenhum ponto particular do sistema social, funcionando como uma rede de mecanismos que a todos atinge. Não é propriedade de ninguém e, a rigor, não existe. Há práticas ou relações de poder, algo que se exerce, que se realiza. É uma maquinaria sem lugar exclusivo difundido por todo o sistema social e o seu exercício leva às lutas particulares contra suas práticas que podem ser canalizadas de fora, visto que não há isenção de poder. “Qualquer luta é sempre resistência dentro da própria rede de poder, teia que se alastra por toda a sociedade e a que ninguém pode escapar: ele está sempre presente e se exerce como uma multiplicidade de relações de força. E como onde há poder, há resistência, não existe propriamente o lugar de resistências, mas pontos móveis e transitórios que também distribuem por toda a estrutura social”.
O enfoque de Foucault está mais no vetor da política atual em que os sistemas de poder evidenciados nos bastidores partidários através das assertivas dos micro-blogueiros se assentam na base da competição eleitoral dimensionando os arranjos e alianças entre a elite política.
(Publicado em "O Liberal", em abril 2010)
Nenhum comentário:
Postar um comentário