quinta-feira, 30 de março de 2017

UMA CARTA : SEXO CASUAL SEM ESPAÇO DE ILUSÃO




Recebi esta carta para publicar no blog. Achei importante o tema. Para este período de celebração do Dia da Mulher. 
Maria Maria

Você é minha namorada, minha mulher
minha amante e, principalmente,
minha amiga!

Essas palavras me falaram de um jeito que eu não me achava capaz de atrair. Elas tocaram fundo no coração de uma mulher que se achava tímida e insegura, há poucos anos saída de um casamento do qual a sexualidade já se havia retirado bem antes. Profissional bem-sucedida, muito bem com seu corpo, porém mal resolvida nas questões do afeto, do amor romântico e do sexo. Eu me permito curtir novidades da vida, procurando manter na medida do possível as rédeas da situação. Sei bem que nada está sob controle. A prova, o “romance” que vivi.
Compareceu na minha vida uma presença nova. Uma voz se tornou habitual durante quase três semanas. Era a voz de um homem de mais de sessenta anos, dizendo-se viúvo, microempresário, que conheci em uma rede de relacionamentos. Afinal, na minha idade, encontros são raríssimos, acho até que não existem, pois, os homens nessa faixa preferem mulheres mais jovens. Insistindo, contudo, nesse desejo, procurei a rede. Quem sabe, iria encontrar um chéri, como diz um amigo francês. Mesmo se breve, mesmo se sem qualquer compromisso, queria uma troca de amor, uma comunicação de corpo e, quem sabe, de alma.
Resolvi compartilhar essa história, porque talvez haja outras - ou outros -como eu, tateando nessa busca. No meu caso, desafiei o padrão de espera e recato. Mas, também, acabei por conhecer outro padrão social. Experimentei o sexo casual. No português sem rodeios, fui para a cama e, no após, virei coisa a se desvencilhar. Sexo casual é terra incógnita para uma mulher com uma história comum como a minha. Entrei sem manual de instruções, tipo adolescente mesmo.
As palavras quase mágicas – “amante, amiga, mulher” - ficaram gravadas no áudio do whatsapp. Pareciam prometer uma relação profunda, mesmo se breve, entre duas almas encontradas dias antes, no acaso de uma rede de relacionamentos. Hoje em dia, para mim, o tempo não conta muito, mas sim a intensidade dos momentos. Momentos podem ter suas eternidades. E, diante das conversas trocadas com aquele homem, permeadas de admiração, bom humor, carinhos, as últimas amarras que o medo do desconhecido me impunha, se soltaram de vez. Controles já meio frouxos... cederam.
Ao ouvir a mensagem no zap, logo digitei minha gratidão, especialmente pela jura da amizade, mas, também, por um amor que se desenhava sem cobranças, no qual não entrava posse, muito menos interesse nos haveres do outro. Sim, a promessa da liberdade mútua. E entre amigos amantes! Que auge!
As palavras certeiras me encantaram; entendi a famosa imagem do cupido e sua flecha. E, portanto, não percebi sinais contrários que ele me dava, tal como o pouco interesse em saber de mim. E, também, não estranhei o convite para “fazer amor” já no segundo encontro. Ele mesmo uma vez me corrigiu, quando usei a palavra transar, pois era amor que ele queria, não transa!
        Fui para o encontro combinado sem disfarces. Vestido colorido, brincos, pouca maquiagem. Decidida, me ofereci por inteiro, sem reprimir a vontade dele e a minha, mesmo consciente de que eu jamais estaria à vontade no primeiro encontro de amor. Eu estava disposta a passar a experiência da primeira vez com alguém que eu praticamente não conhecia. Para mim, o mais importante não seria o primeiro encontro, tenso, mas sim os próximos... Naquela noite eu estava alegremente exorcizando fantasmas da minha história de mulher que se achava sem atrativo, sem desejo e sem ser desejada... inábil no sexo. Jamais “gostosa”! Não precisei de bebida e disso estava orgulhosa. Queria mostrar meu corpo! Na verdade, eu não estava entregando nada. Eu achava estar compartilhando.
        Num certo momento eu percebi – que estranho! - que a preocupação dele era ser “eficiente”, queria me provocar prazer a todo custo. Como se precisasse me mostrar, ou mostrar para si mesmo, que era bom de cama! Para mim não era esse o maior atrativo! Eu até preferiria uma primeira noite só de carinhos, abraços e beijos. Sei que o meu prazer pleno viria com o tempo. Mas eu joguei bem o jogo da cama, fiz e consenti, sem vergonha ou culpa, pensando ser essa a regra a seguir. Eu pensava que no sexo estava expressando o sublime do amor maduro, ainda que ao preço de eu não relaxar de cara. Mas cumpria o que eu achava que devia. E suportei aquele homem que procurava eficiência nos gestos e movimentos. Hoje sei que era ato, não afeto. Era instrumentalidade, não encontro. Talvez ele mereça receber seu troféu nessa seara.
Após o sexo esperei ouvir sobre próximos encontros, um cinema, um jantar... Eles não vieram. Logo ele tinha de voltar ao trabalho. Vamos lá então! Era eu a motorista e o conduzi de volta. Ainda tão cedo de noite. Ele me procuraria, sem fixar quando. E não me conscientizei logo do fato de que a “nossa noite” foi brevíssima, no intervalo do trabalho dele, em um quarto de motel sem adereços. Tudo foi rude. A começar pelo quarto limpo, mas frio, apenas funcional.
Minha maior asneira, comigo mesma, foi aceitar sexo sem prevenção. Estúpida! Assumir comportamento de risco nessa idade! Eu achava que devia agradar para ser aceita. E aí abri uma brecha por causa de meus próprios carecimentos. Permiti, para ser aceita! Talvez até esse comportamento me tenha desvalorizado perante ele. Que fácil! Minhas fantasias de amor não eram as suas. Hoje eu tenho um conselho, se alguém precisar: se estiver carente, não entre em rede de relacionamentos! E, sobretudo, não acredite no interlocutor até mil provas em contrário.
        Após o encontro “quente”, mas seco, voltei para casa. Sensações bizarras. O vazio tomou o lugar da alegria. Que encontro foi aquele? Os telefonemas sumiriam em menos de dois dias. Participei de sexo casual, só carnal. Todos os ditos, imagens, risos, eram apenas preliminares para o sexo pelo sexo. Talvez a paga que ele não queria fazer para uma profissional.
Para onde vão as palavras? Especialmente as ditas com maestria quase poética? Eu nunca consigo dizer com tanta habilidade para um outro, o que não sinto. É como se diminuísse uma parte de mim... Tanto que não cheguei a chama-lo de “amor” como ele fez quase de imediato... É, essa história parece texto repisado, enredo pré-fabricado. Encontrei um expert nesse roteiro de atrair, “comer” e largar.
Consciente do que ocorrera, três dias depois liguei para o ex-amante, ex-namorado e ex-amigo. Eu queria conversar sobre seus exames de saúde, que ele me dissera ter feito. Buscava aplacar o medo que tomou o lugar do encanto. Mas, quando ele finalmente se dignou a atender, não me ouviu, foi grosseiro, dizendo-se ocupado no trabalho. Que entonação estranha! Quase violento quem tinha entrado no meu coração sem pedir licença e me elevado: você é tudo de bom... dito quase à exaustão.
Enquanto o ouvia ao telefone, vi num relance minha história, conquistas, meus anos de estudo, minha independência financeira... Me perguntei, por que estou ouvindo isso? Engoli a fala. Ele estava me arrogando um papel: o de mulher pegando no pé, cobrando amor, cobrando sei lá o que... Descartada. Acabou-se aí qualquer nova tentativa de contato. Tudo que eu faria depois para digerir esse desencontro, seria por mim mesma, com meus próprios recursos.
        Este é só um velho exemplo do cair no conto do amor? É um exemplo, sim. Mas acho que tem um aspecto a mais. Casos assim dizem sobre nossa contínua capacidade para o mal. Mal, por transformamos um dos encontros mais intensos de que somos capazes como seres humanos, a expressão sexual do amor, em ato só material, entre sujeito e objeto.
Chocou-me não ouvir uma gratidão por momentos que, de algum modo, tiveram belezas. Por que não um café para conversar como adultos civilizados? E, então, agradecer? E, depois, cada um seguir seu caminho? Acho que não fazem parte do script no qual toda a cena se inscreve. O script deve terminar com a vitória do macho que abateu a caça. Pensando bem, é pseudo-vitória. Relações desse tipo nos empobrecem a todos. São instrumentais. Parceiros sexuais não são coisas. Eu não estava buscando compromisso nem conto de fadas. Achei uma relação pessoal em que a pessoa não precisa estar.  
A ausência de empatia me leva a pensar que meu parceiro tem um quê de psicopatia. Ele tem seus tormentos e traumas, pois se permite prazer em contatos truncados e emoções distorcidas. Faz de sua inteligência de sedutor uma embalagem vazia. Não lhe guardo rancor. É uma pessoa enredada nas teias de relações mais indigentes de nosso meio. Vive o velho presente.
Este caso reflete um machismo que consagra o sexo como necessidade do homem e desvalor da mulher. Padrão antiquíssimo. As formas do machismo podem ter se abrandado, mas os sentidos permanecem. Sei que tenho um privilégio de poder viver essa história sem a mesma sujeição de mulheres de gerações passadas. Graças, em parte, à crítica feminista da nossa ordem social.  
Não entrei na história como vítima. Ter chegado lá, por certo, decorre das minhas próprias dificuldades, inseguranças, meus fantasmas. Queria ter a autoconfiança e o amor próprio de algumas de minhas melhores amigas. Bravas e independentes. E, por isso, me coloquei nessa posição de encontrar pessoas frágeis também, atormentadas que precisam de sexo para aplacar não sei quantas necessidades.
De um lado, errei feio. Relaxei controles. Mas, de outro lado, acho que é preciso falar sobre as muitas manifestações do machismo e como resistir. Especialmente, o que se dá nos contatos mais íntimos, entre quatro paredes, de onde se pode “quase tocar o céu”. Querendo encontrar um outro em plenitude, topei com a degradação humana. Naquele momento eu dei a ele o que achava lindo de mim. Mas, no texto, eu figurava como objeto.
Mais que nunca, é preciso exercitar a frase batida: gostar de si em primeiro lugar. É condição para bem gostar do outro. Um gostar não egoístico, solidário. Meu ex não gosta de si, não pode gostar do outro. O outro é peça. Nessa perspectiva, é possível pensar que o machismo é, no plano da cultura, a consolidação desse desamor pessoal. As relações de gênero que abrigam dominação e sujeição se estabelecem com base no desamor original.
Sexo casual, não importa a idade, é empresa arriscada.  E, quanto mais idade temos, menos tempo de aprender a se virar nesse meio sem empenhar a autonomia. Por isso eu quis escrever essa minha história. Sei que a trama é conhecida. Mas tenho certeza de que ainda não tiramos todas as suas lições.  E continuamos em busca de amor, em qualquer idade.


Obs. Imagem extraída de https://mejorconsalud.com/sexo-casual