domingo, 29 de maio de 2011

A MILITÂNCIA E O PODER PARA FAZER CALAR




Cansa ser militante ou o assassinato é o limite?

As duas situações – militância e morte anunciada - estão hoje em discussão após o assassinato de dois líderes de movimentos sociais - José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva – assentados no Projeto Agroextrativista Praialta-Piranheira (PAEX), em Nova Ipixuna – PA, e Integrantes do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), ONG fundada por Chico Mendes. Vivendo e produzindo de forma sustentável a extração de óleos, castanhas e frutos de plantas nativas, como andiroba, pupunha, cupuaçu e açaí, num lote de aproximadamente 20 hectares, com 80% de floresta preservada, esse projeto era coletivamente utilizado por cerca de 500 famílias.

O que fizeram Cláudio e Espírito Santo para ter sua militância calada pelos tiros de fuzis? Denunciaram predadores da região que agiam na extração ilegal de madeira e demais produtos que os alimentava e ao coletivo social. Demonstravam que nem as ameaças de morte eram suficientemente eficazes para deixar de questionar os argumentos equivocados sobre desenvolvimento sustentável usados pelos predadores, diferentemente do processo que os/as agricultores/as construiam e reconheciam como o que necessitava a região e seu povo para o crescimento socioeconômico.

A militância dá caminho para muitos trabalhos acadêmicos. Alguns avançam, outros ficam na proposta. Lembro que ao optar pelo mestrado no NAEA/UFPA, em meados dos anos oitenta, a questão da terra no Pará estava muito tensa (e continua, ao que se vê). A prisão e as ameaças de expulsão, pelo governo militar, no início dos anos 80, dos padres franceses Aristides Camio e Francisco Gouriou, além de outros líderes de Conceição do Araguaia, levou a muitas denúncias de grilagem de terra, prisões e a mediação de entidades dos Direitos Humanos e a presença efetiva da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Manifestações em Belém levavam-nos às passeatas e a parceria com os líderes dos STRs para garantir a integridade física dos presos. As mulheres dos denunciados iam para a porta das delegacias, revezando-se durante as 24 horas do dia, para que seus maridos não fossem tirados de lá na calada da noite e levados para lugares desconhecidos de onde possivelmente não sairiam com vida. Meu interesse naquele momento em estudar para a pós-graduação a questão da terra em Conceição do Araguaia baseava-se na identificação dos problemas que estávamos vivendo e, também, da leitura de um clássico livro do prof. Octávio Ianni, “A Luta pela Terra. História social da terra e da luta pela terra numa área da Amazônia” (Vozes, Petrópolis, 1979) em que o autor (com quem travei correspondência sobre isso) evidenciava o grave problema da questão fundiária dessa cidade paraense. Fiz incursões empíricas para me assenhorear do que eu iria tratar, sendo assistida por uma das assessoras da CPT, hoje falecida. E certa noite fui chamada a casa dela para o primeiro contato com dois senhores identificados como intermediários dos “grileiros” do sul do Pará. Numa longa conversa, sem gravador (eles não aceitaram gravar a entrevista), mas somente com anotações, eles desfiaram para nós todo o processo que realizavam: as formas de cruzar os caminhos da grilagem de terra, os desafios que o pessoal “arrebanhado” (termo de Ianni sobre o processo de captação de mão de obra escrava) tinha diante do modo de viver o trabalho de desmatamento, o passadio, a convivência com as ameaças, a fuga e a morte dos que eram apanhados, os locais onde supostamente eram enterrados. Essa foi uma das noites mais tristes que vivi. E realmente não consegui avançar no projeto. Medo de enfrentar, naquele momento, os “atores” responsáveis pela morte anunciada? É possível. O trabalho acadêmico seguiu outras vertentes, também de militância, que está hoje na linha de minhas possibilidades.

No recente “Simpósio Democracia e Participação Política nos Movimentos de Mulheres e Feministas no Pará: Cenários, práticas de empoderamento e espaços de decisão política” promovido pelo GEPEM/UFPA, as associadas dos movimentos de mulheres de 22 duas cidades paraenses, presentes ao evento, não trataram somente das questões dos direitos das mulheres. Demonstraram sua militância local em casos de denúncias à questão da terra, da hidrelétrica de Belo Monte, do tráfico de pessoas, tráfico de drogas, violência de um modo geral, impedimentos de transformar em processos essas deúuncias pelas próprias entidades que tratam da defesa social porque estas se sentem intimidadas com as ameaças. Por esse motivo resolveram criar uma comissão de mulheres - Comissão do Movimento de Mulheres paraenses - Pela Segurança Pública e Cidadania - para tratar diretamente com o Secretário de Segurança Pública sobre esses assuntos e a instalação, em certas cidades, da Base de Polícia de Fronteira- PEFRON. Essas mulheres sentem que podem mudar a base política de sua comunidade vencendo o silêncio. Caminham para quebrar os limites das ameaças que recebem. O exemplo de Irmã Doroty Stang está nas veias de quem não pode calar. O assassinato dela foi o seu limite pessoal, mas suas palavras se ampliaram mundialmente.

(Texto originalmente publicado em "O Liberal" de 27/05/2011)

sexta-feira, 27 de maio de 2011

CONVITE - OAB

ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SEÇÃO DO PARÁ

Ofício Circular no 27/2011-Sec. Belém(PA), 23 de maio de 2011.


Exmo(s). Sr(s).


A Ordem dos Advogados do Brasil – Secção Pará, por sua Comissão de Ética na Política vem pelo presente, convocá-lo a participar no próximo dia 28 de maio de 2011, a partir das 09:00h, da CAMINHADA CÍVICA CONTRA A CORRUPÇÃO, PELA VIDA, PELA PAZ.

O evento iniciará com concentração popular na Praça da Trindade, em frente à sede da OAB/PA, de onde sairá em passeata até a sede da Assembléia Legislativa do Estado do Pará, na Praça Dom Pedro II, onde haverá ato público e leitura de manifesto em defesa da moralidade, da transparência e da ética na gestão pública.

Estão sendo convidado(a)s a participar associações de classe, centrais sindicais, sindicatos, associações, conselhos de profissionais liberais, centros acadêmicos, universidades, faculdades, entidades religiosas e movimentos da sociedade civil organizada, além da população em geral. A idéia é alcançar a maior representatividade possível, tornando uníssono o clamor da cidadania paraense. O panorama atual da gestão pública no Estado do Pará certamente não se coaduna com os ideais de civismo, moralidade e transparência que todos defendemos, e por isso mesmo precisamos nos fazer ouvir!

Contamos com o apoio de V. Exa., na divulgação do evento e na efetiva participação deste ato civil e marcante na história deste Estado do Pará e do Brasil.Encaminhamos anexa, a arte da camisa para que os interessados providenciem as suas e de seus convidados e colaboradores, podendo incluir suas logomarcas ou frases de apoio.


Jarbas Vasconcelos
Presidente da OAB/PA


Albano Henriques Martins
Comissão da OAB/PA pela Ética na Política


Ana Kelly Jansen Amorim Barata
Comissão da OAB/PA pela Ética na Política

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Café Central – o tempo submerso nos espelhos















Do blog http://paesloureiro.wordpress.com/






Paes Loureiro inaugura sua fase de prosa ficcional com uma narrativa sobre a alegoria dos espelhos que recobrem as paredes do Café Central
Na quinta-feira 26 de maio, às 19 horas, no Polo Joalheiro São José Liberto, acontecerá o lançamento do primeiro romance do poeta e professor João de Jesus Paes Loureiro: “Café Central – o tempo submerso nos espelhos”.
O Café Central é um espaço simbólico deflagrador de alegorias na realidade narrativa. Sendo lugar de poetas, escritores, pintores, teatrólogos, professores, estudantes, jornalistas, boêmios e visitantes, tornou-se um espaço de livre circulação das ideias antes e depois da deflagração da ditadura militar, a partir do que sua resistência foi sendo enfraquecida.
A obra consiste em uma narrativa da impossibilidade do homem, do ser, ficar fora do tempo e suas circunstâncias. Mesmo que tente se refugiar em alguma forma de exílio, ou no mito, ou no passado, o presente produz suas armadilhas e as circunstâncias suas situações de realidade. Nem sempre se pode fugir aos efeitos do real com que o destino tenta contrapor-se ao imaginário.
Não é, portanto, a história do Café Central, mas a alegoria dos espelhos que recobriam as paredes com seu imaginário cristalizado que justifica o subtítulo: “O tempo submerso nos espelhos”. É um ponto de partida e chegada, pois o romance apresenta vários outros espaços dramáticos ficcionalizados além do Café Central: a Pensão da Naty na zona da prostituição, a região das Ilhas em Abaetetuba, a prisão do Cenimar da Marinha no Rio de Janeiro, e, finalmente, o retorno ao Café Central.
“É a concretização de um sonho antigo. E este não será único. É minha fase de prosa ficcional que a poesia espia debruçada em minha alma” afirma Paes Loureiro ao traduzir o significado deste romance para sua carreira.
Sobre o autor
João de Jesus Paes Loureiro é poeta, prosador e ensaísta. Professor de Estética e Arte, doutorou-se em Sociologia da Cultura na Sorbonne, em Paris, com a tese Cultura amazônica: uma poética do imaginário. Sua obra poética tem sua universalidade construída a partir de signos do mundo amazônico – cultura, história, imaginário – propiciando uma cosmovisão e particular leitura do mundo contemporâneo. Dialogando com as principais fontes e correntes literárias da atualidade, Paes Loureiro realiza uma obra original, quase uma suma poética de compreensão sensível do mundo por meio das fontes amazônicas, em que o mito se revela como metáfora do real.
Sua obra Altar em chamas, publicada pela Civilização Brasileira, obteve, em 1984, o prêmio nacional de poesia da APCA. Com o livro de poemas Romance das três flautas, edição bilíngue português/alemão, da Roswitha Kempf Editora, em 1987, foi um dos finalistas do Prêmio Jabuti deste ano. Tem obras traduzidas na França, Alemanha, Itália, Japão e publicação, também, em Portugal. Suas obras mais recentes são: Pássaros da terra (teatro), 1999; Obras reunidas (4 volumes), 2000; Do coração e suas amarras (2001); Fragmento/Movimento, 2003 e Água da Fonte, 2006, todos pela Escrituras Editora; e Au-delà du méandre de ce fleuve, 2002, Acte-Sud, França.
A parte ensaística da obra de Paes Loureiro está constituída pela preferência relativa aos temas e reflexões de caráter transversal, seja no âmbito da cultura, mas, também, da estética, semiótica, do imaginário, da poética. Seu ponto de partida, de um modo geral, é a realidade cultural da Amazônia. Porém, assim como sua poesia, o local é o ponto vélico da convergência de reflexões que impulsionam as velas de sua reflexão no rumo do universal. Sua leitura da Amazônia é considerada original e significativa para a compreensão desse mundo e do mundo em que vivemos. “Café Central – o tempo submerso nos espelhos” é seu primeiro romance.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

HOMOFOBIA








A decisão do STF em reconhecer, por unanimidade, a união estável de pessoas do mesmo sexo gerou, como se esperava, intensa polêmica. A questão envolve história, religião, psicologia, Direito, além de ramos da ciência médica. Mas, acima dessas áreas há o fator cultural que subjaz na permanência das normas sociais dominantes da heterossexualidade.

No campo religioso há certas interpretações dadas a textos bíblicos. Os que defendem a isenção de uma condenação veemente ao homossexualismo buscam bases em traduções incorretas do Velho Testamento. Partem do fato de o mais antigo texto em grego arcaico, não apresentar vogais. Muitas frases teriam sido complementadas pelos tradutores sem observar uma exploração ipsis-litteris. Chegam aos versículos do Novo Testamento onde procuram impor os valores advindos da única forma tolerada do sexo, ou seja, a do modo de procriação.

Na concepção espírita cabe a explicação no processo de reencarnação, com almas arraigadas a um sexo que encarnam em outro e por isso constroem uma tendência de comportamento gonadal. Mas não deixam de situar que “(...) são criaturas em expurgo de faltas passadas, merecedoras de compreensão e, sobretudo esclarecimento”.

Nos bastidores da ciência médica cabem estudos recentes do comportamento dos hormônios no ser humano, especialmente da testosterona, conforme a neurologista Anne Moir da Universidade de Oxford publicado na revista “Época”:
“O sexo do cérebro é determinado pela quantidade de testosterona [hormônio masculino] a que o feto fica exposto no útero. Em geral, homens recebem doses maiores do que as mulheres. Mas isso varia e nós ainda não sabemos exatamente por quê”.

Moir continua: “durante o desenvolvimento dos seres humanos, como o homem era o caçador, desenvolveu um cérebro com habilidades manuais, visuais e coordenação para construir ferramentas. Por isso, um cérebro masculino tem mais habilidades funcionais. Já as mulheres preparavam os alimentos e cuidavam dos mais novos. Elas tinham que entender os bebês, ler sua linguagem corporal e ajudá-los a sobreviver. Elas também tinham que se relacionar com as outras mulheres do grupo e dependiam disso para sobreviver na comunidade e, por isso, desenvolveram um cérebro mais social”.

Quem defende a genética como causa do homossexualismo aponta desvios na formação do embrião, e aqui lembro a alegoria colocada no filme “Minha Vida em Cor de Rosa”(Ma Vie em Rose/França,1997) de Alain Berliner. Numa seqüência, os cromossomas do menino que adora se vestir de mulher voam em direção ao útero materno com o “y” caindo para fora sendo substituído por outro “x” (o sexo, legado pelo pai tem dois “x” para o masculino e um “x” e um “y” para o feminino). É a forma de explicar o comportamento do garoto Ludovic, no caso, uma criança em busca de uma identidade sexual porque estava em dúvida do pertencimento à imposta.

Sob o ponto de vista legal, “Desde setembro de 1997, no Brasil, com a resolução do Conselho Federal de Medicina CFM 1482/97, as cirurgias de redesignação de sexo foram autorizadas a título experimental e quando realizadas em hospitais universitários ou públicos com a infra-estrutura própria à pesquisa, passando a ser tal procedimento considerado como ético diante da ética médica” (Silvério da Costa Oliveira, psicólogo, mestre em psicologia UFRJ).

O mesmo autor prossegue: ““Em anos recentes o homossexualismo deixou de ser considerado pela medicina e pela psicologia como uma patologia e passou a ser entendido como um comportamento sexual natural e um estilo de conduta”. E em seguida: “A Associação Médica Americana e outras entidades prestigiosas não mais consideram a homossexualidade como manifestação de qualquer doença. Desde o DSM III - Manual de Diagnóstico e Estatística - a homossexualidade masculina ou feminina deixou de ser considerada como perversão e passou a ser vista como estilo de comportamento. Além disto, cabe destacar que desde as publicações de Kinsey, em 1948 e 1953, sobre o comportamento sexual do humano macho e fêmea, não é adequado por parte dos profissionais de saúde que trabalham especificamente com a sexualidade, empregar os termos heterossexual e homossexual para designar pessoas, tais termos devem ficar restritos a comportamentos, entendendo que um mesmo indivíduo pode apresentar comportamentos heterossexuais e homossexuais no decorrer de sua história de vida”.

A homofobia parte não só da não aceitação do casamento (não apenas o institucional, mas da vida em comum) de pessoas do mesmo sexo como da alimentação de uma forma de preconceito. Seria a exacerbação de uma natureza que resiste em acatar pessoas de etnias diversas e/ou de comportamento social diferente.
Coretta Scott King definiu esse modo de ser: "A homofobia é como o racismo, o anti-semitismo e outras formas de intolerância, na medida em que procura desumanizar um grande grupo de pessoas, negar a sua humanidade, dignidade e personalidade”.

Hoje, o Brasil testa a aceitação da união homoafetiva. Os contestadores aparecem, mas este novo modo de avaliar o processo de orientação sexual nas relações humanas tomou um novo nível, quebrou normas sociais inquisitoriais, embora a decisão do STF não tenha força de lei. Sendo uma decisão do poder judiciário deverá seguir, obrigatoriamente, as instâncias decisórias sobre a questão. Contudo, a brecha está aberta a partir desta decisão, visto que deverá ser aplicada nos processos com trâmite nessa instância de poder.

Das brechas surgem as evidências de marcadores sociais preconceituosos que formaram a nossa democracia e, esta, se alimenta da discriminação étnica e/ou quem mais seja diverso de um determinado parâmetro, o que leva a acreditar na perenidade de comportamentos bestiais que deixaram na história capítulos lamentáveis como o nazismo.


(Texto originalmente publicado em "O Liberal" em 20/05/2011. A figura foi extraída de http://www.culturamix.com/)


domingo, 15 de maio de 2011

A POLÍTICA SEPARATISTA










Os que insistem na divisão territorial do Pará estão fomentando uma polêmica que merece ser observada por todos os brasileiros, especialmente os nascidos na região. Pensa-se, de entrada, nas benesses que advirão com as novas políticas estaduais. Os que analisam os fatos sabem que o grande perdedor numa divisão será, sim, o Estado do Pará reconhecidamente o segundo maior do país em extensão. E ele já foi maior, considerando-se que perdeu a área pertencente hoje ao Estado do Amapá.

No século XVII a região, integrada à capitania do Maranhão prosperou graças à lavoura e a pecuária. Em 1751 criou-se o Estado do Grão-Pará que abrigaria também a capitania de S. João do Rio Negro, hoje o Estado do Amazonas. A perda do Amapá se deu em 1943 quando foi transformado em Território Federal começando-se a pensar na exploração do manganês já que o fausto periodo da borracha havia passado.


Historicamente, o atual Amapá pertencia aos espanhois pelo Tratado de Tordesilhas. Durante a União Ibérica a região foi doada ao português Bento Maciel Parente e chamou-se Capitania da Costa do Cabo Norte. Pelo Tratado de Madri, em 1750, passou a interessar Portugal com vistas à exploração e defesa regional. Com os acontecimentos da independencia do Brasil das Cortes Portuguesas (1822), o Amapá passou a pertencer ao Pará, mas havia cobiça de franceses. O problema foi resolvido pela intermediação do presidente suiço Walter Hauser, em 1900, sendo a área concedida definitivamente ao Brasil. Nos anos 1970 aconteceu o programa de exploração de madeira, arroz e celulose denonimado Projeto Jari, ativado pelo norte-americano Daniel Ludwig. Em 1988 o Amapá passou a ser Estado.

Para o doutor em Ciências Socioambientais e também jornalista Manoel Dutra, autor do livro “O Pará dividido: discurso e construção do Estado do Tapajós”(EDUFPA, 1999), o separatismo paraense apresenta motivações históricas e distintas: “No caso do estado do Carajás, a demanda vem do início dos anos de 1990, quando aquela região começou a ter novo sentido econômico, a partir do significado da Serra dos Carajás e do desenvolvimento da agricultura e pecuária. Empreendimentos que ensejaram a formação de uma ainda nascente elite regional, liderada fortemente por grupos não-paraenses, sem maiores ligações históricas e culturais com Belém, esta grande cabeça física, inchada pelas migrações, de uma unidade federativa cujas elites desconhecem profundamente o que se passa no interior do Pará”.

A discussão no Oeste do estado vem desde 1850, quando D. Pedro II assinou o decreto que criava a Província do Rio Negro, tornando-se posteriormente, a Província e Estado do Amazonas, cuja ação de separação já havia sido intentada pelas elites daquela unidade desde 1832, sem serem exitosas. Nesse momento, as elites paraenses ficaram inconformadas com essa perda motivando-se certa tensão entre as duas unidades. A idéia de criação de uma terceira província tenderia a abrandar os ânimos e, em 1869, os debates no Parlamento Imperial para a transformação do Baixo Amazonas paraense (chamado Oeste do Pará) em uma província independente foram intensos (Dutra apud Ferreira Reis).

Diz Dutra: “Em 1832, o Grão-Pará tinha três Comarcas: Belém, Santarém e Manaus. Santarém adquiria, assim, status jurídico e administrativo semelhante ao das outras duas cidades, alimentando o sonho da autonomia que jamais veio a se realizar”.
Hoje, a divisão do Pará em estados do Tapajós (27 municipios) e Carajás (39 municipios) causa natural polêmica. O Pará ficaria reduzido ao tamanho de estados menores do país. E os motivos para a divisão, já aprovada na Câmara, mas ainda objeto de discussão, na verdade, exibem justificativas de várias ordens, além da ordem pessoal, com políticos interessados graças ao lobby de agricultores, madeireiros, e obviamente de colegas (ou os próprios) que lucrarão com novos redutos eleitorais.

O economista Rogério Boueri do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) disse: “Caso cheguem a ser criados, os estados de Carajás e Tapajós serão economicamente inviáveis e dependerão de ajuda federal para arcar com as novas estruturas de administração pública que precisarão ser instaladas.”

Outro econonista e doutor em Ciência Política Carlos Augusto Souza e suas colegas Maria Lúcia Lopes e Elizabeth Bentes trataram de alguns aspectos importantes da discussão sobre o processo separatista no Pará no artigo “A Secessão Nortista: Aspectos Socioeconômicos da Redivisão Territorial no Estado do Pará” (2009). O que demonstram nesse estudo tende a subsidiar a discussão que deve ser instada neste momento pelas elites intelectuais paraenses. Sem um respaldo argumentativo forte as ideologias tensionarão os corações e mentes e deixarão sequelas consideráveis.

A idéia de um plebiscito está sendo prejudicada pela setorização do projeto, limitando os votos aos espaços prometidos à separação. Na verdade, há muitos interessados na divisão territorial do Estado do Pará. O Grão Pará deixa definitivamente de ser Grão. Perderá minérios, floresta, recantos turísticos, enfim, uma expressiva fonte de renda e, conseqüentemente, o que vem fazendo a área progredir ganhando reconhecimento internacional.

O cuidado nessa aventura que está sendo engendrada pelas casas legislativas deve alertar para o possível incremento da corrupção. Manobras escusas ganharão combustível com os novos governadores, deputados estaduais e federais e novos senadores. Uma troca de favores pode ser cobrada e facilidades advindas podem desviar muito mais riquezas coletivas para poucos bolsos.
Quando se fala em contenção de despesas em todas as áreas de governo é muito estranho que se pense num projeto tão caro como o que se está articulando.



(Texto originalmente publicado em "O Liberal" em 13/05/2011)





quinta-feira, 12 de maio de 2011

NAS BARRAS DA MUDANÇA: QUEM SÃO ELAS?







Duas Conferências Nacionais de Políticas para as Mulheres - 2004 e 2007 – avaliaram os niveis de empoderamento das brasileiras com base nas recomendações dos órgãos internacionais sobre os acordos de Beijing (1995 e 2000) e as atuais Metas para o Desenvolvimento do Milênio (MDGs- 2004) - ONU. Essas conferências privilegiaram as preocupações da comunidade internacional que desde a Carta das Nações Unidas firmada em 1945, ao lado da Declaração Universal dos Diretos Humanos, aprovada em 1948, compõem os primeiros instrumentos jurídicos que vislumbraram, de forma clara, a igualdade entre os seres humanos sem que o sexo se torne motivo de discriminação. O seguimento dessas discussões fortaleceu-se através de outros instrumentos como: a Convenção Interamericana sobre a Concessão dos Direitos Civis à Mulher (1951); Convenção sobre os Direitos Políticos da Mulher (1953); e as Conferências Internacionais - México (1975), Copenhague (1980) e Nairobi (1981) - todas preparatórias para elaborar a Declaração sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher (proclamada pela ONU em 1967, 1979 e 1993); caudal da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher (a Convenção de Belém do Pará, 1994); e a Declaração de Beijing (1995), firmada por 189 países.


Em seu Capítulo III, a Plataforma de Beijing (1995) identificou 12 áreas críticas como obstáculos a serem eliminados para o avanço social e político das mulheres. Entre as áreas indicadas, incluiu-se a desigualdade de gênero no exercício do poder e na tomada de decisão política nos cargos legislativos e executivos.
Considerando os caminhos dos debates sobre esses eixos críticos da sub-representação política feminina no âmbito dos movimentos de mulheres e feministas no Pará, o GEPEM/UFPA desenvolveu dois projetos para avaliar as ações de intenções na eliminação dessa defasagem. Em “Gênero, Política e Representações Sociais” (CNPq/SPM, 2005) os resultados mostraram os níveis do empoderamento das associações, sem evidenciar ações para garantir a presença das mulheres nos espaços de poder.


A segunda pesquisa – “Os movimentos de mulheres e sua atuação no avanço das carreiras femininas nos espaços de poder político” (CNPq, 2008)- continuou os objetivos do projeto anterior e examinou a relação desses movimentos no estímulo ao recrutamento de candidaturas femininas às eleições.
Em dois anos de atividades, a equipe de pesquisa percorreu 70 cidades paraenses e teve acesso a mais de cem associadas e coordenadoras dos movimentos de mulheres. Nas visitas às bases desses movimentos constatou-se a ampliação das demandas pela emancipação pessoal das associadas nas comunidades onde ainda há resistência ao mando do marido e às lutas políticas e partidárias de gestores municipais nem sempre interessados em apoiá-las. Mas apesar de filiadas aos partidos(58%), a maioria (71%) não se candidata e nem toma parte no processo.


Se as preocupações da equipe de pesquisa, em dois anos de atividades, estavam centradas no “que fazer” das associadas dos movimentos para cativar um lugar na esfera parlamentar ou executiva do poder político levando-se em conta sua real liderança nas localidades de moradia, a visita às bases de vivência dessas organizações revelou outros significados para a luta coletiva. Demonstrou interesses e ações bastante objetivas que antecipam e/ou fortalecem a formação da cultura do empoderamento para uma dada fase do processo e avança para outras demandas que repercutem numa maneira de avaliar a participação política integrada a outras ações percebidas como “mais necessárias”: a inserção na ação por políticas públicas de geração de emprego e renda, por saúde, pela intervenção contra os predadores da violência doméstica, pelo bem-estar da família. A identificação desta face de ação das organizações de mulheres se foi uma perspectiva não avaliada antes da elaboração do projeto de pesquisa, levou a um olhar mais coerente sobre a realidade social do meio ambiente das depoentes e a perspectiva ideal externa.


Entre as falas das associadas algumas assertivas são significativas. Por exemplo: “Minha profissão é ficar um pouco na minha casa e ir atrás do conhecimento do movimento das mulheres. Eu fui a muitas reuniões, teve uma que teve esse mês que foi excelente”.


Sobre o ponto de vista da ação partidária diz outra associada: “...pra gente não se dá a coisa.. eles tem um companheiro em comum que é o bairro, mas aí quando alguém começa a puxar partidáriamente, o pessoal diz “iih! Num vem que num tem!”. Pra num virar bagunça. E essa filosofia a gente tá trazendo pros outros grupos. Falou em política [dizem]: ‘não, partido, não, não vamos discutir siglas partidárias porque senão aí cada uma vai defender sua bandeira. ....As conversas que saem é assim: a gente começa falando de prato, a gente fala de um bocado de coisas, nós não sistematizamos assim, “sabe, nós vamos esgotar essa reunião”, não, a gente começa a falar de estupro e vai e termina no shopping”.


No último dia 06/05 , no campus da UFPA, cerca de 22 associadas dos movimentos de mulheres de vários municípios paraenses expuzeram suas vivências. Ouví-las se tornou uma maneira eficaz de contribuir para criar uma cultura de empoderamento que “desequilibre ” a versão de nossos “políticos” de que, ao trocar de sigla partidária, estão mudando a cultura política do eleitor e da eleitora.

(Texto originalmente publicado em "O Liberal, em 06/05/2011)

domingo, 1 de maio de 2011

SIMPÓSIO:Democracia e Participação Política nos Movimentos de Mulheres e Feministas no Pará







Duas Conferências Nacionais de Políticas para as Mulheres - 2004 e 2007 – avaliaram os niveis de empoderamento das brasileiras com base nas recomendações dos órgãos internacionais sobre os acordos de Beijing (1995 e 2000) e as atuais Metas para o Desenvolvimento do Milênio (MDGs- 2004) - ONU.
Considerando os caminhos dos debates dos movimentos de mulheres e feministas no Pará, o GEPEM/UFPA desenvolveu dois projetos. Em “Gênero, Política e Representações Sociais” (403224/2005-5 – APq – CNPq/SPM) os resultados mostraram os níveis do empoderamento das associações, sem evidenciar ações para garantir a presença das mulheres nos espaços de poder.
A segunda pesquisa – “Os movimentos de mulheres e sua atuação no avanço das carreiras femininas nos espaços de poder político” – Processo CNPq n.º 402969/2008-1 - continuou os objetivos do projeto anterior e examinou a relação desses movimentos no estímulo ao recrutamento de candidaturas femininas às eleições.
Em dois anos de atividades, a equipe de pesquisa percorreu 70 cidades paraenses e teve acesso a mais de cem associadas e coordenadoras dos movimentos de mulheres. Nas visitas às bases desses movimentos constatou-se a ampliação das demandas pela emancipação pessoal das associadas nas comunidades onde ainda resistem às lutas políticas e partidárias de gestores municipais nem sempre interessados em apoiá-las. O Simpósio “Democracia e Participação nos Movimentos de Mulheres e Feministas no Pará: Cenários, práticas de empoderamento e espaços de decisão política” promovido pela Linha de Pesquisa Mulher e Participação Política – GEPEM/UFPA – celebra o Dia Internacional da Mulher e apresenta resultados da pesquisa desenvolvida entre 2008-2011, com novos achados sobre a atuação dos movimentos de mulheres no processo de empoderamento e a emanciapação econômica como fator da reforma política.



PROGRAMAÇÃO



Dia 05/05/2011
Manhã

9:00 - Abertura
Profa. Andréa Chaves – Diretora da Faculdade de Ciências Sociais – IFCH/UFPA
9h30: Apresentação do Projeto “Os movimentos de mulheres e feministas e sua atuação no avanço das carreiras femininas nos espaços de poder político - CNPq n.º 402969/2008-1.
Profa. Luzia Álvares – Coordenadora do Projeto
10h às 11h30 – Movimentos de Mulheres & Feminismos: Teorias de empoderamento e Participação Política

Expositoras/es:
· Carla Moreira – bolsista GEPEM/PROAD
· Murilo Cristo Figueira – bolsista/PIPES
· Thiago Paiva – bolsista/PIPES
· Luiz Eduardo Nascimento – bolsista/PIPES

Coordenadora e Debatedora: Profa. Luzia Miranda Álvares/FCS/IFCH/GEPEM-UFPA
Debate
11h50 – Coffee break

Tarde
14h30 às 17h: Mesa Redonda: Os movimentos de Mulheres e suas práticas de empoderamento: atores, cenas, cenários e atuação das associadas paraenses. Relatos e imagens de pesquisa.

Expositoras/es:
· Samara Dias – Discente PPGCS/GEPEM
· Glaucy Learte – Discente PPGSC/GEPEM
· Keyla Araujo – bolsista GEPEM
· Murilo Cristo Figueira - bolsista PIPES/UFPA
· Deyse Teixeira – Bolsista GEPEM
· Adson Pinheiro – discente Geologia/bolsista voluntário
· Sandra Palheta - Bacharel em Ciências Sociais

Coordenadora e Debatedora – Profa. Maria Angélica Motta-Maués PPGCS/GEPEM
· Debate 17h50 - Coffee break



Dia 06/05/2011
Manhã
9h00 às 11h00: Mesa Redonda: Democracia, Cidadania e Participação Política – Relatos de experiências & desafios para o acesso ao empoderamento, das associadas dos movimentos de mulheres do Pará - 1

ExpositorasRepresentantes dos Movimentos de Mulheres
· Associação de Mulheres de Jacundá;
· Associação da Mulher de Marabá;
· Associação de Mulheres carentes de Curionópolis;
· Associação de Artesãos e Artesãs Solidárias de Canaã dos Carajás;
· Associação de Mulheres de Dom Eliseu;
· Associação Philadelphia (Rondon do Pará);
· Movimento de Mulheres campo e cidade Tucuruí e região;
· Espaço Mira Gabriel (Paragominas);
· Grupo de Mulheres de ação na agricultura familiar (São Miguel do Guamá);
· Associação de Mulheres Produtoras de Nova esperança (Concórdia do Pará)
· Movimento de Mulheres do Campo e da Cidade - MMCC;
· Associação de Mulheres de Negócios de Ananindeua - BPW;
Coordenadora/ debatedora: Profa. Edila Arnaud Moura – PPGCS/GEPEM
· Debate
11h50 h – Coffee break

Tarde
14h00 – às 17h30: Mesa Redonda: Democracia, Cidadania e Participação Política – Relatos de experiências & desafios para o acesso ao empoderamento, das associadas dos movimentos de mulheres do Pará – 2
Expositoras – Representantes dos Movimentos de Mulheres
· Movimento de Mulheres do Nordeste Paraense. (SEDE);
· Movimento de Mulheres das Ilhas de Belém – MMIB;
· Associação de Mulheres da Pesca da Baía do Sol (Mosqueiro);
· Associação Maria Luiza Lopes - AMALU (São Domingos do Capim);
· Clube de Mães do Povoado de Areal / Assoc. Comunitária do Povoado de Área l(Terra Alta);
· Grupo de Mulheres Marisqueiras de Curuça;
· Grupo de Mulheres de Tamatateua (Bragança);
· Associação de Mulheres de Soure;
· Associação das Mulheres do Campo e Cidade de Barcarena;
· Associação de Mulheres Empreendedoras de Capanema;
· Cooperativa de Confecções de Igarapé-Açu - COOCIG;
· União de Mulheres de Belém (UMB);

Coordenadora/ Debatedora: Profa. Denise Machado Cardoso – PPGCS/GEPEM
· Debate 17h50 h – Coffee break




HELIO GUEIROS E A POLÍTICA LOCAL









Em agosto de 2004 defendi minha tese de doutorado no IUPERJ, sobre as mulheres na competição eleitoral e o processo de seleção de candidaturas no Brasil, com base em um modelo anglo-americano (Norris, 1995 e Hazan, 2001) que mostrava a importância de se avaliar as normas informais de composição da lista partidária, devido à identificação do jogo político que circunscreve o processo eletivo.

Num dos capítulos, analisei o desempenho (e varáveis) de três partidos – PT, PP e PMDB – pela história, ideologia e crescimento das três legendas. Desloquei o estudo para o âmbito local analisando o depoimento de 105 candidatos/as sobre o processo seletivo a que se submeteram no momento anterior à aprovação da lista na Convenção. Sobre o PMDB, a análise considerou que o mesmo usa um processo de seleção com modelo de indicação, votação e homologação, cujo primeiro estágio centra-se em apoiadores sem identificação (cf. os itens estatutários); e que o segundo e o terceiro são estabelecidos pelos filiados delegados da Convenção.

Para ilustrar essa abordagem sobre a questão do selecionador de candidaturas, o depoimento de Hélio da Motta Gueiros (em 2003, com 77 anos) era imprescindível por ser um veterano político remanescente das antigas forças de Magalhães Barata, no PSD, cassado durante o golpe de 1964, fundador do MDB e PMDB, candidato à CD e derrotado nas eleições de 2002. Sua versão sobre o modo como as velhas lideranças armavam suas bases partidárias através da indicação de candidatos é muito importante e confirma o que os autores anglo-americanos tratam sobre essas relações.

Ao considerar os anos do período de 1945-59, em que Magalhães Barata era o líder do PSD, disse Hélio Gueiros:" - O Barata , nos cargos proporcionais, fazia uma chapa (...) não era de garantir a eleição do cidadão. Quando ele me escolheu para Deputado Estadual, ele me chamou e disse: - 'Olhe Dr. Hélio, o senhor está na chapa, mas isso é só uma homenagem ao seu trabalho, o senhor não vai se eleger". Mas mesmo assim ele me deu três municípios da Região das Ilhas, ele não me deixou a zero, ele me deixou com quase mil votos, mas eu já sabia que não era para ser eleito. Aos outros todos ele dizia o mesmo: 'seu fulano de tal, você está na chapa para deputado federal, mas não é para se eleger' e as pessoas já iam para a campanha sabendo que não estavam para ser eleitos, estavam apenas para compor a chapa. E outra coisa, no tempo do Barata não se gastava nada, dava uma contribuição que ele estabelecia em 5 mil cruzeiros para candidato a deputado estadual, mas todas as despesas eram feitas pelo partido".

A versão de Gueiros sobre o modo de escolha de candidatos no Pará, no inicio da nacionalização dos partidos no Brasil, evidencia elementos afins com o modelo teórico exposto por Norris & Lovenduski (1995), tratando-se de um sistema centralizado informal que, embora possa apresentar mecanismos democráticos constitucionais, tem o predomínio da patronagem da liderança, com suas regras formais e papel simbólico. Além disto, os filiados partidários têm um papel instável dentro da organização partidária – e esta por sua vez apresenta fraca densidade democrática.

Em outra passagem do seu depoimento, Helio Gueiros revelou como se dava a avaliação do chefe político aos candidatos prospectivos: "O Barata, ele observava durante certo tempo os seus correligionários e avaliava as possibilidades de cada um. Via também o merecimento partidário e então formava a chapa com a intenção de premiar os correligionários que ele achava que estavam se destacando e também, entre eles, colocar nomes que tivessem condições intelectuais e culturais de defender o Estado do Pará e sua gente. (...) O merecimento partidário era ele saber que a pessoa estava se esforçando pelo partido, procurando arranjar correligionários, procurando trazer outras pessoas para o partido.(...) A decisão de escolha era do Barata, mas ele ouvia especialmente o Senador Álvaro Adolfo, que era o segundo homem nesse comitê de seleção de candidatos.(...)

Há dois aspectos para analisar nesta versão: a avaliação, pelo líder, do potencial eleitoral do pretendente a um cargo eletivo a partir de suas potencialidades de merecimento partidário; e as formas de recrutamento político dentro desta conduta. Se a lógica de Magalhães Barata em escolher, por antecipação, os ganhadores e os perdedores nas eleições pode ser analisada pela perspectiva downsiana de custos e benefícios, também essa questão dos méritos está na mesma base analítica, pois leva a avaliar a escolha de candidato que beneficiava o partido, tanto perdesse ou ganhasse. Vale dizer que, ao mesmo tempo em que o líder garantia o nome do concorrente na chapa, estava mostrando deferência ao indicado e ganhando os benefícios de mais um adepto, além de testar o mercado político. Concorrer era também uma forma de recrutar adeptos para o partido; e a lógica da patronagem uma via de mão dupla: ao mesmo tempo em que garantia ao líder ser visto como o "dono do partido" testava a arena eleitoral com os indicados candidatos potenciais e mantinha a base do recrutamento com a motivação de escolhas por merecimento. Helio Gueiros também tratou do momento atual, mas devido ao espaço deixo para reportar em outra oportunidade.

Neste registro homenageio o “velho político”, recentemente falecido que me deu subsídio para analisar, com as bases locais, as teses defendidas por autores estrangeiros sobre um tema que, se não está sendo estudado na Ciência Política no Pará é pesquisado em outras universidades brasileiras. Obrigada, Helio Gueiros!