Cine Olympia , no ano de sua inauguração, 1912
A memória histórica de uma cidade tende a se
comunicar também através de seus monumentos. Sabiam disso os egípcios quando
fizeram as pirâmides. Também os gregos, os romanos, muitas civilizações que se desapareceram
com o tempo persistiram no espaço. A nossa Belém, como todo núcleo residencial,
tem suas relíquias históricas edificadas em anos passados. Hoje, ao comemorar
os 103 anos do cinema Olympia, a casa de exibição cinematográfica mais antiga do
país em atividade e sem hiatos significativos, é de olhar para trás e ver o
quanto se perdeu em termos dessas edificações históricas e o quanto ainda
persiste desafiando a passagem dos anos.
Há pouco foi comemorado o aniversário do mercado
Ver o Peso que tem quase a idade do município de Belém. Criado logo depois da
cidade “nascer” é um dos pontos característicos de uma cultura que mescla o
índio e o europeu. Mas quem passar por este mercado, um pouco adiante, vai
encontrar dois templos históricos: a Igreja das Mercês, que na sua fachada tem
o registro de 1640, e a Catedral da Sé (que integra o complexo da Cidade Velha,
o Feliz Lusitânia) cuja construção data de 1748-1771.
Esses templos foram desenhados e/ ou reformados por
Antonio Landi, arquiteto bolonhês que esteve no Pará desde 1753. Como reforma
por esse arquiteto pode-se citar o que fizeram os jesuítas, mas seu toque fez sobreviver,
pelo menos em suas linhas primitivas. São várias igrejas, sendo a mais recente
de sua lavra a de Sant’Ana da Campina, que recentemente recebeu uma reforma
obedecendo ao traço original. Diz Leandro Tocantins, um estudioso da obra de
Landi: “...jamais representou o abandono dos
valores culturais que faziam parte de sua personalidade de homem europeu e,
especialmente, de italiano. Ao contrário, sua presença no Brasil - e no Brasil
mais tropical que é a Amazônia - significou a introdução de formas e concepções
técnicas e artísticas novas para o Brasil daquela época, e a feliz convergência
de estilos em voga na Itália e em Portugal, sem esquecer a íntima correlação
entre a arquitetura e o meio (...).
Além dos templos, Belém guarda prédios de
residências que evocam a época da borracha, a nossa “belle époque”, e alguns
lugares públicos, as praças, parcialmente desfiguradas nas muitas reformas. Cita-se
como exemplo a Praça da República, inicialmente chamado Largo da Pólvora (por
ali estar um deposito desse inflamável). As estatuas que compõem esse
logradouro dizem de suas idades embora algumas tenham desaparecido. Nesse
espaço está o Teatro da Paz, outro monumento que lembra o auge da goma elástica;
perto dele esteve o Grande Hotel, então o mais luxuoso da cidade, primeiro
lugar a usar ar condicionado em pelo menos uma sala; adiante, o Palace Theatre,
transformado em sede de banco; e o citado cinema Olympia.
O Grande Hotel foi transformado em Hilton Hotel com
total mudança nas linhas arquitetônicas, desfigurando o que marcava um espaço
da elite local no período em que essa classe social vivia o idioma francês como
um marco de cultura pessoal, com um “terrasse” evocando bares parisienses. No
Grande Hotel se hospedaram personalidades incluindo artistas de cinema como
Errol Flynn, Lana Turner e Orson Welles. No Palace Theatre exibia-se teatro e
cinema. Os filmes eram silenciosos (ou mudos), como de início os que chegavam
ao Olympia (e o espaço era dos mesmos proprietários, Antônio Martins e Carlos Teixeira).
Nessa história há outros monumentos ao redor da praça pouco tratados, como o Cine
Eden e o Cine Rio Branco. Porque não lembrados? Frequentavam-nos outras classes
sociais.
O período efervescente da borracha veio um pouco
antes do intendente Antônio Lemos urbanizar a cidade com a plantação de
mangueiras. Pode-se dizer que mesmo depois dos ingleses terem conseguido cultivar
a seringueira em suas possessões asiáticas ainda se vivia, em Belém, o clima de
euforia comercial & social dessa fase.
No quadrado cultural estruturado pelo Theatro da
Paz, Grande Hotel, Olympia e Palace Theatre está inscrito o que se lamenta
perder e o que se festeja em preservar. O Teatro ainda ostenta seu aspecto
original externa e interiormente. O cinema restou no nome e área construída. O
que o promove é o fato de persistir na exibição da arte que o fez nascer. Já o
Grande Hotel e o Palace restam na saudade dos mais velhos e nos documentos
escritos (e fotografados).
Outros monumentos da história da cidade estão na
arquitetura das casas, ou palacetes cujos proprietárias eram ricos comerciantes
e políticos da época que imprimiam aos imóveis construídos seus nomes de
família. Um dos mais conhecidos é o Palacete Bolonha, do início do século XX.
Há outros ainda de pé, como o de Montenegro, Virgilio
Sampaio, Bricio da Costa e muitos outros, que pela insensibilidade e
especulação imobiliária demoliram (cf. livro de Euler Bentes et ali, 2007).
A história do município através de edificações não
se restringiu ao centro. Na vila do Mosqueiro, por exemplo, registra-se a
presença dos “chalets”, onde as linhas arquitetônicas obedeciam (ou obedecem
pois felizmente algumas mereceram reforma que segue as linhas originais) o que
chamava atenção no início do século passado, evocando aspecto europeu,
especialmente francês.
O que ainda existe do passado local deve ser
preservado ou se tentar recuperar. Há uma literatura estimável sobre o assunto.
Agora, Belém caminhando para o quarto centenário é oportuno tratar do assunto. E
porque referir sobre esse patrimônio, mesmo considerando a valorização de um
acúmulo de história patrimonial de uma classe social no poder? É que a
identidade urbanística da cidade tem se dado por esses monumentos ainda de pé.
Considero que as referências entre essas obras, o lugar onde foram construídas
e as análises históricas do relacionamento entre o propósito urbanístico da
burguesia tendem a revelar importantes matérias para ser encontrado o “outro”
da cidade, ou como viviam as classes mais pobres. Essa seria uma considerável
revelação histórica para marcar os 400 anos de Belém. Há material, basta
esforço para compilar.
(Texto originalmente publicado em O Liberal de 24/04/2015)