sexta-feira, 29 de março de 2013

RELIGIÃO, CULTURA E LAICADO





Apesar de o Brasil ser um estado laico, ou secular, os feriados religiosos são obedecidos atendendo a uma tradição advinda de época remota. Afinal as tradições se impõem com o tempo, com o comportamento que passa por gerações. Em se tratando da Páscoa, poucos sabem que o preceito católico usa o nome de Pessach hebraico que marca a fuga/libertação dos judeus do jugo egípcio. Os hebreus liderados por Moisés saíram do domínio do faraó depois do que o Torá cita como “as sete pragas” que Deus jogou sobre os egípcios escravocratas. A pior das pragas, a morte dos primogênitos, atingiu a família do governante que relaxou a prisão do povo judeu (historicamente foi este povo quem construiu pedra a pedra as grandes pirâmides). Esta passagem é mais conhecida como Êxodo. Na cristandade, Páscoa passou a ser a data da ressurreição de Jesus. Os evangelhos citam que na época em que este foi preso o romano Pilatos chegou a propor uma escolha para liberar um detento na festa pascoal, forma de manter uma certa simpatia para com os dominados pelo seu império (o romano). Foi escolhido Barrabás, um criminoso notório.
A tradição (transmissão de valores de geração em geração) justifica não só os feriados como detalhes das festas religiosas que dão margem a eles – ou derivam deles. Poucos sabem de como se colocou o ovo como um objeto de consumo no período pascal. Isto foi introduzido pela celebração à deusa da primavera, Ostera, simbolizada por uma mulher que segurava um ovo em sua mão e observava um coelho, representante da fertilidade, pulando alegremente ao redor de seus pés. Vai daí a alusão ao coelho, outro detalhe da festa religiosa (e no caso, o coelho simboliza a procriação posto que um animal que se reproduz facilmente).
Não é só o Brasil, como país laico, que abre espaço para feriados religiosos. A Inglaterra, por exemplo, diz-se secular, mas como a rainha é a chefa da igreja anglicana, o seu aniversário é feriado no país.
O que é tradição dificilmente pode ser quebrado por lei. Em 11 de abril de 2012, o Ministro do STF Marco Aurélio Mello reiterou em sessão do STF: "Os dogmas de fé não podem determinar o conteúdo dos atos estatais”. Mas é impossivel mudar sentimentos populares. No governo Sarney, muito apegado à religião católica, passou a idéia de se festejar uma data que caisse no meio da semana em um fim de semana. Não foi a solução para manter ativa a classe trabalhadora – ou a população em geral. Ninguém aceitou passar o dia de Corpus Christi, no calendário católico a data que marca a instituição da eucaristia, de uma quinta-feira, habitualmente respeitada, para uma próxima segunda. No Pará temos um feriado religioso dedicado a N.S. da Conceição(8 de dezembro). Ninguém aceitou comemorar essa efeméride em outra data para convergir para um fim de semana. O que acontece normalmente é um “dia enforcado” ou seja, se um feriado incidir numa quinta-feira, o poder público decreta ponto facultativo na sexta.
A questão do Estado Laico esbarra na maioria católica do país. E mesmo algumas falanges protestantes assumem certas datas. Esta postura popular foi evocada quando em março de 1964 induziu-se a idéia de que o governo Goulart estava caminhando para “o comunismo ateu”. Neste caso, é bom observar a diferença entre Estado Laico e Estado Ateu. No primeiro preza-se a liberdade religiosa de cada um. No segundo proibe-se. Pois a propaganda, guiada pelos norte-americanos que tinham receio de uma nova Cuba no continente, apelavam para a religiosidade do povo colocando os discursos do presidente como formas de simpatia ao governo então vigente em Moscou. A campanha começou a “dar certo” como é exemplo a “Marcha da Familia com Deus e pela Liberdade”, acontecida dias antes do golpe de 31 de março.
Um leque de preceitos tradicionais abre-se à uma população que foi educada pelo colonizador português. Não à toa que uma das primeiras manifestações nacionais depois da chegada de Cabral às terras “de Santa Cruz” foi uma missa. E isso é lembrado nas escolas ao lado de qualquer pesquisa em torno dos descobrimentos ou da interrogação sobre o acaso da descoberta, fato que se discute nas academias em tempos contemporâneos.
Qualquer candidato a cargo eletivo tende a manter uma postura condizente com essa tradição religiosa do povo. Sair da linha é perder voto, dizem eles. E até os ditadores que andaram pelas nossas bandas disseram-se cristãos. Mesmo assim, mesmo mantendo o que é reproduzido de pai para filho/a, comportamentos nada condizentes com a religiosidade crescem na violencia que se observa em toda parte. Certo que hoje a midia divulga o que antes era oculto e às vezes silenciado na pecha do “pecado”. Mas a deseducação pela má absorção de outras culturas ou pela dificuldade de vida gera o que um autor chamou de “ovo da serpente”. Por isso, as festas de cunho religioso são festas. E se antes eram ligadas em outras terras às estações do ano com reflexo na colheita agora são fatos independentes, válidos por eles próprios, de uma cultura a uma suposta fé que se interliga entre as diversas classes sociais.

(Texto originalmente publicado em "O Liberal" de 29/03/2013)

sábado, 23 de março de 2013

LAMPEJOS DE PRECONCEITO




As redes sociais estão cheias de protestos e petições públicas contrárias à nomeação do deputado federal e pastor Marco Feliciano para presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, um deputado conhecido por opiniões racistas e homofóbicas, que assumiu a liderança da Comissão de Direitos Humanos e Minorias na Câmara dos Deputados. Citam sua posição contrária aos homossexuais e um revelado preconceito étnico. Sobre a primeira acusação, disse o pastor em uma entrevista publicada na revista Veja, de 20 de março: “...A minha formação cristã me ensina que o ato homossexual é errado, que é pecado...” E afirma adiante que “não aceita o ato mas aceita o homossexual”.
Marco Feliciano se diz discriminado por sua posição “diferente”. E conclui que “num estado democrático de direito todo mundo tem direito à liberdade de expressão”.
Tratar de qualquer assunto é realmente aceito num regime livre. Mas se a pessoa que fala ocupa um cargo de mando, esta versão se torna ampla, representando não apenas a pessoa, mas o cargo que ela ocupa.
Esta semana, a ex-secretária de Estado norte-americano Hilary Clinton, possível candidata à sucessão de Barak Obama, defendeu o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Disse: “Homossexuais, bissexuais e transsexuais são nossos colegas, professores, soldados, amigos, parentes e cidadãos plenos”. E acrescentou que oficializar a união de pessoas do mesmo sexo conta com o apoio de outros membros do Partido Democrata.
O Sr. Marco Feliciano também foi acusado de preconceito racial especialmente com relação aos negros. Ele se defendeu: “Eu não disse que africanos são todos amaldiçoados. Até porque o continente africano é grande demais. Minha mãe é negra. Olha o meu cabelo como é. E olha que eu dei uma esticadinha. Faço escova progressiva todo mês.” E cita no twitter: “Africanos descendem de ancestral amaldiçoado por Noé”.
Justificando o que se viu como preconceito, o deputado citou o livro bíblico do Gênesis quando reporta que ao sair da Arca o patriarca Noé embebedou-se e ficou nu. “O filho mais novo dele, Cam, riu do pai e contou o que havia visto aos dois irmãos(...) Noé lançou uma maldição sobre o filho de Cam, Canaã. Disse que seria um escravo.(...) de Canaã vieram aqueles que povoaram parte da Etiópia”.
Chega a ser estarrecedor, no mundo atual, em pleno século XXI, observar atitudes ou mesmo ideias preconceituosas espalhadas de forma a atingir atores que são guinados a representar a opinião pública. Realmente indicar uma pessoa que confessa alguma forma de preconceito a um cargo que deve defender os direitos humanos e as minorias é lembrar Esopo e chegar à ironia da raposa ficar tomando conta do galinheiro.
Recentemente nós assistimos a um filme sobre a luta do então presidente dos EUA, Abraham Lincoln, para que o congresso de sua época aprovasse uma emenda que libertaria os escravos. A atitude do Chefe de Estado era corajosa posto que nesse período guerreavam norte e sul, com o último defendendo a mão de obra negra que achava indispensável para a sua mais evidente força de exportação: a colheita do algodão. Lincoln foi enfático ao tratar do assunto com um militar sulista que pedia a aceleração do processo de paz desde que a emenda nº 13 fosse cancelada. Disse que não retiraria o projeto. Ganhou, morreu pelas mãos de descontente regional e em anos seguintes o acirramento de atitudes contra os negros foi notório com a presença de entidades racistas como a Ku Klux Kan.
As lutas contra as manifestações preconceituosas seguiram por tempos e gerações na história do mundo. Os homossexuais também sofreram, e é só lembrar o que aconteceu a Oscar Wilde, o famoso escritor inglês, quando foi acusado e condenado à prisão por suas atitudes extravagantes e de “atos imorais com rapazes”. Na Inglaterra, por muito tempo, perdurou a lei que considerava crime o envolvimento sexual de pessoas do mesmo sexo. No nosso país, o quadro ficava numa posição social herdada de um tradicionalismo que tinha respaldo em textos sagrados e na educação advinda dos colonizadores que marginalizava os que não seguiam a linha da educação hetero. Quem era visto como “desviado” da suposta “moral cristã” clássica era considerado um animal peçonhento. Os humoristas passaram desde cedo a usar a homofobia como inspiração de anedotas. Afinal seguiam outras culturas e eu lembro as anedotas do norte-americano Lenny Bruce que de tão veementes e explicitas levaram-no a processos judiciais. Foi preciso que muitos homo se projetassem na sociedade, especialmente no mundo das artes, para sufocar uma revolta intima de conterrâneos. Hoje ganharam lei, impuseram uma sinceridade que acabou tirando vários "pacientes" dos divãs de psicanalistas. E têm conseguido políticas públicas para garantir seus direitos que são humanos.
“Somos todos iguais”, disse Lincoln. A homofobia, tal como o racismo, deve ser enterrada com o lixo da História, digo eu. Sabendo disso resta o espanto de se ver um ideólogo de opção ultrapassada assumir um posto que denota, justamente, o contrário. Essa é a causa da revolta nas redes sociais e nas petições públicas que temos assinado. A raposa desse caso não chega a ser sagaz como foi pintado esse animal nas fábulas. É simplesmente retrograda.

(Texto originalmente publicado em "O Liberal" de 22/03/2013)

sábado, 16 de março de 2013

HABEMUS PAPAM!




O tempo é de um novo Papa. E além de ser a investidura de um novo chefe de uma igreja com grande número de fiéis (cerca 1,2 bilhão) é um Chefe de Estado.
O Vaticano, sede da Igreja Católica, é considerado o menor Estado do mundo e o que restou dos Estados Pontifícios, os muitos espaços dominados pelos cristãos ao longo dos séculos. Hoje é um dos poucos Estados Teocráticos, ou seja, o sistema de governo é de uma autoridade religiosa. Outros, embora esta autoridade maior não seja necessariamente personificada pelo líder da comunidade, são: o Irã, que hoje dá conta da administração nacional através de um presidente civil, passando deste aos Aiatolás, líderes religiosos muçulmanos; e os autodeclarados estados islâmicos.
Sendo um Estado, o Vaticano não apenas rege os princípios religiosos que são norteados desde que fazia parte dos Estados Pontifícios (os muitos espaços administrados pela Igreja Católica Romana ao logo de séculos até 1870, quando declarado o Reino da Itália), como administra seu espaço físico. Quem governa é o Papa, e embora não exista uma (s) casa(s) legislativa(s), há uma escala de administração encabeçada pelo Secretario de Estado que em última análise é quem trata das finanças e do processo burocrático que envolve qualquer estado laico.
No plano atual a mídia revela escândalos financeiros que teriam desafiado o cardeal Tarcisio Bertone, secretário do Estado do Vaticano. Essas denúncias aliadas aos casos de pedofilia divulgados internacionalmente, teriam abalado o último papa, Josef Ratzinger (Bento XVI), afinal renunciante no mês passado, tornando-se vacante o cargo.
Com a chegada de um novo Chefe da Igreja, paralelamente o novo governador do Vaticano, as indagações sobre mudanças drásticas, especialmente na área administrativa, ganham campo nos prognósticos da imprensa mundial. Mas não se pense que outros Estados Teocráticos na Historia foram isentos de irregularidades. Apesar de esses estados implantarem o monoteísmo, derrubando as crenças das grandes potencias de algumas épocas que chegavam a edificar monumentos a muitos deuses, muitos se deixaram contaminar pelo lado humano que se combatia em nome da fé. Chegou-se a paradoxos como as guerras patrocinadas por crentes que tinham entre seus preceitos básicos um dos mandamentos recebidos de Deus por Moisés: “Não matarás”.
O Primeiro Concilio de Nicéia (325 d.C.) foi uma reunião de bispos cristãos que o correu na cidade de Niceia da Bitínia (hoje Izkik, Turquia) a mando do imperador romano Constantino I. Constituiu 20 cânones ou regras que o cristão deveria seguir. O começo foi isolar a chamada “questão ariana”, ou seja, o que disse um presbítero de nome Àrio, em Alexandria, que Jesus é uma "criatura do Pai", não sendo, portanto, eterno. Chegava a provocar que "houve um tempo em que o Filho não existia". Cristo teria sido apenas um instrumento de Deus, mas sem natureza divina. No Concilio constituiu-se o dogma da Santíssima Trindade, ou seja, Pai, Filho e Espirito Santo uma só pessoa. Muito do que ficou na Igreja Católica até os dias de hoje veio desse período. Por isso é que muitos dos “papáveis” atuais trataram de uma “atualização” da Igreja. Nesse processo de atualização está a estrutura estatal do Vaticano. Não sei se hoje o cardeal inglês Peter Turkson (era um dos candidatos a papa), teria influencia a ponto de regularizar a sua ideia de ser criada uma autoridade financeira global para fiscalizar países e bancos. Segundo este cardeal, a última encíclica de Bento XVI enuncia “uma verdadeira autoridade politica mundial”, ou seja, uma transparência nos negócios estatais. No caso do Vaticano, seria uma resposta ao que foi alardeado como superfaturamento de obras e outras formas de corrupção encontradas nos estados laicos. A luta pela transparência dos negócios do Banco do Vaticano foi chamada pela imprensa internacional de “Vatileaks”. E afinal a questão financeira é uma das mais preocupantes desta fase de transição de chefe da Igreja. Mas se sabe que não é a única no plano ético-admistrativo. Acompanhar o tempo deve gerar muitas reformas e o que é demandado é que o bom senso da cúpula que governa anule possíveis novas cisões no Trono de Pedro.
A preocupação mundial com a chegada de um novo papa confirma a importância do catolicismo nos tempos atuais, mesmo com a pluralidade de igrejas que de alguma forma se apegam ao protestantismo pós-Lutero (um dos ramos principais do cristianismo junto com a Igreja Ortodoxa). Sabe-se que a palavra do Sumo Pontífice pode ajudar na paz de um planeta que se torna vulnerável a cada novo arsenal nuclear e ambições desmedidas. Enfim, é o pedido para que a divindade ajude as criaturas, todos em suspense a cada notícia de alguma nação que exibe bombas atômicas e ameace a quem a contrarie – ou o que impeça seu sonho de grandeza.
Essas e outras expectativas entre católicos ou não cercam o Papa anunciado na última quarta feira, Jorge Mario Bergoglio ou Georgius Marius Bergoglio, o Francisco I ou Franciscum, a nominação escolhida pelo cardeal argentino eleito para assumir o trono vago pelo Cardeal Ratzinger. Bergoglio tem muitos enfrentamentos: a sucessão de escândalos nestes últimos anos com o envolvimento de padres em abuso sexual de menores e a “larga costa” dos sacerdotes da Igreja em não punir incisivamente estes comportamentos contra os denunciados levou o desconforto aos fiéis, ao menos aqueles que conseguem enxergar a representação política e a moralidade pública dos defensores dos direitos humanos integrados a uma conduta ética em toda a sua essência na fé. Não está mais em jogo somente a corrupção financeira, mas a moral sobre a qual o mundo pede clemência.



(Texto originalmente publicado em "O Liberal" de 15/03/2013)

segunda-feira, 11 de março de 2013

MULHER & POLÍTICA NUM CONTEXTO DEMOCRÁTICO





Historicamente, a hierarquia sexual na sociedade se responsabilizou pela cidadania seletiva privando as mulheres dos direitos civis e políticos. O nascimento das democracias ocidentais com a defesa dos direitos naturais dos indivíduos inscritos nos princípios de igualdade e de liberdade mensurou o novo estatuto da cidadania. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada em 26 de agosto de 1789, síntese da Revolução Francesa, tornou-se o documento-síntese do modelo de cidadania, fundador dos direitos de liberdade e de igualdade modernos.
Este modelo liberal atravessou o Ocidente, tornou-se fator revolucionário na luta pela cidadania, mas deixou de fora as mulheres. A francesa Olympe de Gouges, em 1791, denuncia as teias do discurso, reformula a Carta redigindo uma Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, em 17 artigos, reivindicando o mesmo nível de tratamento para os dois sexos. Em 1792, a inglesa Mary Wollstonecraft lança as suas Vindications of the Rights of Woman. Ambas pleiteiam co-presença no terreno político, exigem complementaridade como possibilidade de uma relação igualitária mesmo que não necessariamente simétrica baseada no fato de que a diferença de sexo não pode justificar a exclusão das mulheres do poder político e da cidadania social (Groppi, 1995).
O domínio da política marcado pelos limites impostos à participação feminina gera significativos problemas de desigualdade. Olympe de Gouges, analfabeta até a idade adulta, liderou as mulheres francesas no processo de revolução, reclamando o direito de voto às mulheres e o direito destas de exercerem um ofício, influindo nos debates e nas lutas de outras causas sociais. Por ter cometido o "delito” de haver esquecido as virtudes de seu sexo intrometendo-se nos assuntos da República foi denunciada pelo Procurador Chaummete, sendo presa e guilhotinada em 07 de novembro de 1791.
Olympe de Gouges e Mary Wollstonecraft, no século XVIII, foram as primeiras mulheres a defenderem o direito do voto, seguindo-se outros focos insurgentes nos EUA, Inglaterra e nos demais países democráticos do ocidente. No Brasil, os estudos de Hahner (1981) revelam que mulheres cultas já na década de 1880 demonstravam, nos jornais que editavam (“O Sexo feminino”, de Francisca Senhorinha da Motta Diniz) e nas peças e revistas que criavam (Josefina Álvares de Azevedo, em 1891), posições favoráveis à concessão do voto feminino. Alguns constituintes de 1891 debateram o assunto, evidenciando-se posições contrárias de membros do Parlamento, como Lauro Sodré, para quem o sufrágio feminino constituía-se uma “idéia anárquica, fatal, desastrada”, embora fosse favorável à educação da mulher. O médico Tito Lívio de Castro argumentava por sua vez sobre “os cérebros infantis das mulheres, sua inferioridade mental e retardação evolutiva” (Hahner, 1981).
Houve ainda uma gradual mudança das normas legais brasileiras vigentes nas Cartas Constitucionais, desde as Ordenações Filipinas (código portugues de 1603, embasando os códigos no país até 1917) à Constituição de 1988, cuja alteração na legislação civil incorporou um número considerável de propostas específicas, resultante dos debates dos grupos autônomos e ONGs de mulheres.
O artigo 70 da Constituição republicana de 1891 declara: “São eleitores todos os cidadãos maiores de 21 anos que se alistarem na forma da lei.” O termo cidadão referenciava o representante do sexo masculino não contemplando os dois sexos. Através dos debates sabia-se, contudo, que os legisladores haviam excluído a mulher, sem que isso estivesse explícito na Constituição, como ocorria em relação aos mendigos, religiosos, analfabetos e soldados.
A polêmica em torno da cidadania política feminina intensificou-se na década de 1920, a partir da atuação de um grupo de mulheres liderados por Bertha Lutz, mais conhecidas como sufragistas. A Federação Brasileira pelo Progresso Feminino-FBPF fortaleceu os debates no interior da sociedade em “lobby” nacional até a promulgação, em 1932, pelo então Presidente da República, Getúlio Vargas, do novo Código Eleitoral incorporado (até 1934) à Constituição de 1891. Essa nova lei determinava o voto secreto e facultava às mulheres, caso o desejassem, o exercício do voto, direito obrigatório para os homens. Ratificado pela Constituição de 1934, esse direito tornou-se dever de cidadania apenas para aquelas que exercessem uma função pública remunerada.
É somente com a Constituição de 1946, revitalizada pelo processo de redemocratização após quase dez anos de ditadura Vargas que as brasileiras alcançaram o direito do voto enquanto dever de cidadania. Nas Constituições de 1967 (período da ditadura militar) e na de 1988 (período que marca uma nova fase de redemocratização depois de 29 anos de ditadura), as mulheres continuaram formalmente reconhecidas nos seus plenos direitos constitucionais e políticos. Nesta Carta de 1988, aliás, a igualdade política entre os dois gêneros tornou-se melhor explicitada, como se pode observar no inciso I do art. 5º: “Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.” Foi uma estratégia do movimento de mulheres presente nos debates para elaboração do documento, que procurou esclarecer prováveis interpretações dúbias que porventura ocorressem nos termos da lei.
A luta pela igualdade de direitos, definindo-se na plena cidadania política da mulher, materializou-se no ato de votar e ser votada, contudo, não criou práticas de participação com direito à representação política, no mesmo nível da participação masculina. As razões explicativas dessa desigualdade: a versão recorrente de argumentos sobre a domesticidade feminina e a presença massiva das mulheres nas tarefas domésticas, nos espaços privados do lar. Estes são fundamentos centrais da formação de estereótipos ligados à definição dos papéis sexuais dos modelos tradicionais de comportamento, reforçado pelo condicionamento cultural do processo clássico de socialização política das mulheres, onde se inscrevem idéias, valores, conceitos e explicações científicas que norteiam o comportamento feminino aspirado. O sistema educacional precário nem sempre contemplando as mulheres, também concorreu, reforçou e definiu as “carreiras” tradicionais para estas, a exemplo, a sua ausência em certas profissões enquanto em outras era quase exclusiva a presença masculina. A difusão de mitos, tabus, estereótipos na sociedade e veiculados pela mídia, tem contribuído para o reforço a esses modelos de comportamento.
Embora ainda hoje persistam esses estereótipos houve grandes conquistas através de lutas pelos direitos políticos femininos. A exemplo, em 1994, as discussões da IV Conferência de Beijing exploraram o tema das ações afirmativas para as cotas partidárias através de lei nacional. A apresentação, debates, articulação e aprovação pelo legislativo de uma emenda de Lei Eleitoral, em 1995, apresentada pela então Deputada Martha Suplicy, garantiram um percentual de 20% das vagas de cada partido ou coligação para preenchimento de candidaturas de mulheres, nas eleições municipais de 1996. Nesse ano, houve aumento do número de candidaturas e de eleitas nos quadros legislativos municipais, embora não fosse alcançada pelos partidos a cota mínima exigida naquele momento. Uma nova redação da emenda a ser aprovada e proposta à Comissão de Constituição e Justiça (CCJR), foi discutida pelos parlamentares que votaram e aprovaram em definitivo, em 1997, o texto final assegurando a adoção de uma cota partidária mínima de 30% e máxima de 70 % para qualquer um dos sexos.
Em 2007 inicia-se a discussão de uma minirreforma eleitoral. Pela Lei 12.034/2009, altera-se o artigo que regulamenta as cotas, obrigando os partidos ao preenchimento das vagas, e não mais uma reserva. Outros itens: a obrigatoriedade de no mínimo 5% dos recursos do Fundo Partidário para a promoção da participação das mulheres; reserva de pelo menos 10% do tempo do HEG dos partidos para este gênero. Outras propostas: lista fechada com alternância de nomes na relação nominal partidária; e financiamento de campanha recentes eixos para a promoção da presença das mulheres em mais cargos de decisão política.
A eleição da primeira presidente da república no Brasil mostra a evolução da representação política feminina exemplificando a presença de mais mulheres no poder.


(Texto originalmente publicado em "O Liberal" de 08/03/2013) 

sexta-feira, 8 de março de 2013




ÀS LEITORAS E AOS LEITORES DESTE BLOG!

Mensagem Dia Internacional da Mulher – 8 de março

“O que vale na vida não é o ponto de partida e sim a caminhada. Caminhando e semeando, no fim terás o que colher”.(Cora Coralina)

Nesta frase sábia da nossa poeta e contista brasileira parabenizo a todas nós neste Dia Internacional da Mulher, lembrando que a nossa história tem sido presente neste caminhar e nesta semeadura, daí nossa colheita ser sempre esperada. 
Mas lembro, em outra frasa dessa mestra que: “ Nada do que vivemos tem sentido, se não tocarmos o coração das pessoas”. Minha mensagem é de fé nas nossas lutas, nas nossas conquistas e no acolhimento a todos e todas que passarem pelo nosso caminho. 

Parabéns para todas nós! E para os companheiros que nos acompanham.


sexta-feira, 1 de março de 2013

POLITICA PREMIADA


Michelle Obama e a "emoção" na entrega, de Melhor Filme a "Argo" /Oscar 2013


         O impacto da presença de Michelle Obama através das câmeras diante de um público que lotava o auditório de Los Angeles na 85ª premiação dos Oscar, pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos EEUU, no último domingo, foi tomado como uma prova do atual prestígio da indústria cinematográfica pelo governo norte-americano. No primeiro momento dessa aparição sentia-se que a Primeira Dama vinha em uma missão cultural. Três filmes diziam muito sobre a política norte-americana. Mas seu “grito” ao abrir o envelope que tinha em mãos com o nome do vencedor abrigou suspeita sobre a euforia de quem supostamente estava motivada pela dimensão cultural. Não era possível deixar de demonstrar o vigor do imperialismo norte-americano assegurando uma forte perspectiva naquele momento em que “zilhões” de pessoas no mundo todo estavam em frente aos aparelhos de TV vibrando pelos seus filmes preferidos em concorrência.

         E por que “Argo” teria sido o escolhido para a “mis-en-scene”?Não teria sido melhor deixar a apoteose para a premiação de “Lincoln”?
Tenho algumas deduções que me forçam a explorar levantando a dúvida sobre a figuração de Michelle e a confirmação de que esse momento teria que ser um indicativo mais político do que histórico e bem mais político-ideológico.
       
        “Lincoln”, baseado no livro de Doris Kearn Goodwin, explora as articulações do presidente Abraham Lincoln (1809-1865) com os congressistas de sua época para conseguir a aprovação da emenda n° 13 que proibia a escravidão. Republicano reeleito, numa época de guerra entre norte e sul do país, o presidente precisava de votos da oposição (Democratas) e mesmo de alguns membros de seu próprio partido (Republicanos) para que a emenda fosse aprovada. Pessoalmente circula nos espaços vulneráveis, ou seja, entre os congressistas que poderiam mudar de ideia desde que seduzidos a isso.
         
         Opositores políticos e outros oponentes à guerra civil criticaram Lincoln por se recusar a chegar a um denominador comum no que se refere à escravidão. Também Republicanos radicais, uma facção abolicionista do partido, o criticou pelo avanço lento desse processo. Contra essas opiniões foi capital o seu discurso em Gattysburgh, palco de etapas finais da guerra.

         A tarefa do presidente norte-americano em 1863 mostra as estratégias existentes na relação entre executivo e legislativo e as formas de barganha que são lançadas na mesa das negociações para a garantia do voto favorável a certos projetos do governo considerando-se essa medida de coalizão como troca de favor e/ou privilégios antiéticos, negócio orquestrado por meios escusos e aviltantes.O filme de Steven Spielberg, portanto, colocou à mostra e certamente reviveu comentários sobre “compras de votos” ou estratégias mil para que se aprovem ideias e leis nas casas legislativas.

        Muito se pensou que “Lincoln” fosse o vencedor do Oscar. Mas, ao que parece, não era o tempo de lembrar um Chefe de Estado em atitudes jamais evidentes enquanto mandatário do país, em circunstâncias tratadas como espúrias diante do mito que ele sempre foi, lembrado em outros filmes e na própria história. Levantar o véu da “política de bastidores” segundo a versão do livro e na visão de Spielberg deixou à mostra um Lincoln real e, ignorado, o filme.

      Num primeiro momento, na minha visão, Michelle Obama ao rasgar o envelope contendo o nome do melhor filme seria para demonstrar a figura de um lutador contra a escravidão no seu país. Mas a racionalidade foi outra, dizia mais sobre os fatos e as estratégias que um governo promove contra os inimigos pela salvaguarda de seus governados. Interessava mostrar a estes, em particular, e ao mundo, no geral, que os EUA têm de sobra a criatividade e os benefícios de suas “invenções” para derrubar qualquer pressão política. E o grito foi para.... “Argo”.

      O filme de Ben Affleck narra um episódio real quando diplomatas dos EUA atuantes no Irã se refugiaram na embaixada do Canadá, evitando a reação popular contra seu país quando este abrigou o governo deposto, o Xá Rezha Pahlavi, doente e em busca de tratamento no exterior. O prólogo do filme de Afflleck mostra o governo cruel do Xá e sua milícia ditatorial, prendendo, torturando e matando pessoas. A mudança para uma forma de governo ligada à religião (assumira o aiatolá Komehini) foi uma revolução. E a hora da vingança havia chegado.

      “Argo” seria o nome de um filme de ficção cientifica imaginado por um agente da CIA como forma de tirar seus compatriotas de Teerã. Figurando como técnicos de cinema, poderiam sair pelas ruas com câmeras, no faz-de-conta de filmagens em locação, registrada oficialmente por Hollywood mediante a um contato prévio com as novas forças.
   
         O caso real foi registrado em livro do ex-agente da CIA Tony Mendez. No cinema imprimiu-se o suspense e, com isso, mostra a eficiência da “inteligentzia” institucional norte-americana, conveniente para o“happy-end” das autoridades.   

        No final, o agente criador da estratégia chega em casa vitorioso, compondo-se um plano onde a bandeira nacional tremula nessa emblemática chegada.

           Como se vê, a política imperialista norte-america tem sempre a sua vazão na propaganda cinematográfica, firmando-se como grande fonte de divisas. É o mundo que assiste à dicotomia bons e maus, nas imagens comparativas entre povos que são vistos como democratas e os anti, ou aqueles que precisam “virar” de qualquer forma um sistema propício à formação de divisas comerciais. E a disseminação dessas ideologias favorece insistentemente a plataforma de reformador desse sistema político.