segunda-feira, 25 de julho de 2016

SEM AMARRAS...


  



Às vezes, me deparo com algumas cobranças pessoais ao supor que não tenho feito o “dever de casa” da antiga função de opinar sobre os filmes e/ou temáticas sociais. E sinto que as horas do dia são as mesmas, os programas de assistir aos filmes são ainda mais intensos, as ideias sobre o formato narrativo das produções são cumulativos de contribuições e novos arranjos nos assuntos, e as comparações com os tempos idos em que tudo “dava tempo” se tornam momentos de angústia pessoal. Paro para pensar. Por que me cobro tanta coisa? Já não produzi tanto? Já não apresentei as lições de acordo com o estabelecido?
Mas é o tempo das amarras que impõem a culpa. Quando a idade chega e define quais prioridades devem ser assumidas vemos que algumas funções que acumulávamos podem ser menos tensas e, ao ariscarmos as mudanças, estas não sintonizam de imediato com a disposição que queremos dar-lhes. E nesse confronto, um olhar mais distanciado nos remete aos nossos ganhos e perdas, sendo um momento que devemos manter os lucros porque já enfrentamos muitas travessias para avançar e garantir o êxito. Se naquele momento não reconhecemos valores como a coragem, a ousadia, hoje olhamos pra trás e pensamos: “como foi possível enfrentar essas dificuldades? Fui eu, mesmo?”
Por que forçar o espírito das coisas quando a realidade nos oferece tantos bens que podem reacender as motivações da vida? São tempos diferentes vividos, assumindo as práticas da idade. Ontem a infância nos lançou em várias frentes: na família, na sociedade, na escola, na religião, e tudo o que circulasse fora dessas instituições era motivo de controle. Que na adolescência tomava percurso diferente porque as ideias do “eu sou o quê?” chamuscavam certezas recebidas dos orientadores e nos faziam criar estratégias para fugir à submissão que nem sempre era saudável. E na juventude e idade adulta as decisões se incluíam num jogo de coragem firmando a capacidade de resolver sem hesitação os processos de nossas próprias escolhas. Na ancianidade, a soma de todas as vivências atinge o seu clímax e nos oferece a oportunidade de olhar ao redor e sentir que o empoderamento foi construído nos vários percursos que foram dados, muitos deles por caminhos desconhecidos. Muitas dúvidas, ainda. Mas na crença que podemos avançar sempre procurando desatrelar os nós construídos em certos (des)valores herdados de determinados estatutos sociais antiquados.
Se na época da nossa formação de infância e juventude se desconhecia o preconceito social, sexual, étnico, de gênero e tantos mais impingidos como “naturais” pelas instituições que haviam tomado a frente da pedagogia humana submetida ao sistema patriarcal dominante, a experiência que vem com a velhice deve transgredir essas regras e criar meios de fugir de certa cultura tradicional que oferece a estabilidade do status quo e violenta os direitos humanos. Há tantas posições hoje aquecidas com o ranço do ódio dizendo-se religiosas ou procurando extrair de livros bíblicos a definição de comportamento humano que não é possível enxerga-las como benéficas. E o aprendizado prossegue intentando subverter o que é possível para não cair nas amarras que só fazem mal.
No blog do Geledés (http://www.geledes.org.br/ ) um texto interessantíssimo (“Por uma pedagogia antirracista desde a creche: descolonizando as armadilhas da educação básica”) remete ao “que fazer” quebrando vínculos com os preconceitos. Recorto um trecho para finalizar este texto:
“(...) É necessário que descolonizemos os “nossos ouvidos” do adultocentrismo permitindo olhar os meninos pequenininhos e as meninas pequenininhas como sujeitos que criam e recriam as relações sociais, bem como resistem a inúmeros enquadramentos normativos estabelecidos para a manutenção das desigualdades sociais.” (...)