domingo, 31 de julho de 2011

O CORPO, A POLÍTICA E AS INVENÇÕES


O texto anterior sobre a política do corpo mexeu com muitas pessoas, algumas, inclusive, me escreveram emails para aprofundar o tema. Ou para referendar este ou aquele item explorado. Na verdade, a intenção aqui era (e é) instigar os/as leitores/as a observarem que nem sempre uma área como a política é expressão de um único vértice de conhecimento, pelo menos aquele ao qual me doutorei, com base no comportamento político eleitoral, no partidário e eixos afins. Nesse caso, sem dúvida, a expressão que conflui etapas da vida política do país para um dia de eleição e que define a situação conjuntural da sociedade em meio a um feixe de normas de um sistema democrático tende a ser a única forma que as pessoas reconhecem como “política”. Se Aristóteles afirmou que "o homem é um ser politico por natureza" é eficaz atentarmos ao nosso entorno identificando a dinâmica social que movimenta o mundo e o nosso meio micro em particular, para não perder a História das coisas, como se essa categoria representasse somente um tipo de “comportamento politico”. As evidências de que o “contrato social” não atendia às necessidades das mulheres porque tendia a “contratar” desiguais inscrevendo regras para o espaço“público” e o “privado”, revertia-se de hierarquização, e a balança pesava sempre para um lado só do poder. O grande trunfo das mulheres foi a descoberta de que também o “o pessoal é político” observando que no âmbito restrito familiar também há políticas. Mas esse aspecto pode ser tratado em outro momento. O que realmente me levou à memória de um tempo sobre o corpo foi avaliar o que isso representava no sistema político.

Ao referir sobre a cultura política da eugenia que a minha geração participava como uma dimensão da visão paterna de estimular hábitos saudáveis deixei de mencionar o slogan complementar a isso: Mens sana in corpore sano. Essa expressão é atribuida ao poeta romano Juvenal, derivada do corpus literário que ele criara, a Sátira, fonte de máximas filosóficas como Que - em vez de riqueza, poder, ou crianças - os homens devem orar por uma "mente sã num corpo sadio" (mens sana in corpore sano 10.356)”. O conceito religioso exposto em versos passou nos tempos como um apêndice da eugenia (termo criado por Francis Galton (1822-1911), e definido como o estudo dos agentes, sob o controle social, que podem melhorar ou empobrecer as pessoas na evolução preconizada por Darwin. Em outras palavras, os corpos bem tratados gerariam corpos saudáveis. O nazismo usou isso como elemento de defesa de uma supremacia racial. Mas entre nós a cultura do “corpo são” ganhou espaço nas escolas antes de ganhar espaço nas academias administradas ou não por fisioterapeutas. E nessa perspectiva, converge para outra categoria, a ginástica, que na minha infância e pré-adolescencia eram aulas que cobravam do aluno a freqüência. E incentivavam, não como “trabalho de casa”, mas com a disseminação da idéia de que os movimentos musculares exerciam papel preponderante na preservação da saúde: os exercícios fora do currículo escolar.

Com isso, entra-se em outra categoria conceitual, a ginástica. Técnica que engloba modalidades diversas, competitivas ou não, com práticas de movimentos em série exigindo força, flexibilidade e coordenação motora objetivando aperfeiçoar o corpo e a mente.

Desenvolve-se na Grécia Antiga figurando habilidades para montar e desmontar um cavalo, com os ginastas exercitando-se inteiramente nus. Ligada à religião, a ginástica associou-se à figura do deus Apolo protetor da saúde e do conceito de beleza. Os artistas gregos cultuam o conhecimento do corpo enquanto prática visto que a formação física cedo se inicia, competitivas ou não, mas necessariamente aproveitando os beneficios para a saúde.

Mas se a oficialização e a regulamentação dessas habilidades só nesse período histórico se desenvolvem, o seu surgimento, contudo – como prática esportiva e metodos de exercicios físicos – pode ser encontrado em torno de 2.600 a.C. nas civilizações da China, Índia e Egito, valorizando-se o equilibrio, a resistência, a força, através do uso de materiais do tipo pesos e lanças.

Embora perdendo a importância no medievo resultante da rejeição ao culto do físico e da beleza do homem, a ginástica ressurge no período renascentista com influências marcantes dos valores gregos. Os teatros de rua mostram suas invenções nesse aspecto, motivando os espectadores às práticas em grupo das atividades físicas, a ginástica higiênica, vista no cuidado com a saúde do indivíduo.

Como prática desportiva e militar esta técnica foi retomada no final do século XVIII, na Europa, por ensinamentos de Jean-Jacques Rousseau que através de seu livro “Émile” defendia que “O exercício tanto torna o homem saudável como sábio e justo (...) quanto maior sua atividade física, maior sua aprendizagem”.

Na contemporaneidade, as academias ganharam espaço como auditoras do “corpore sano” como as terapias entraram em cena para reforçar a “mens sana”. Há quem critique algum exagero nos espaços comerciais do gênero. A classe média é a maior “freguesa” das instituições que visam aprimorar o físico, como tendem a criar seus ambientes próprios, em suas casas, com aparelhos os mais variados, capazes de reproduzir os exercícios corporais onde e quando quiserem. Difícil a mãe ou o pai dessa classe que não tenha um filho matriculado numa casa especializada em aprimoramento muscular. Os médicos, por seu turno, recomendam isso. Os menos favorecidos exercitam-se por sua conta, em seus “campinhos” ou em suas associações.

Este quadro social engloba a memória que tenho e tracei no artigo anterior. Voltar a ele não é “ginástica” difícil de ressuscitar (boas) lembranças.

(Texto originalmente publicado em "O Liberal", de 29/07/2011. Imagens extraídas de desenhos orientais)


terça-feira, 26 de julho de 2011

POLÍTICAS DO CORPO




Sem definir o que na linguistica ou outras tantas “ísticas” interpõem sobre o que escrevo neste espaço, tenho redigido, obviamente, muito mais textos referentes à minha área específica que conflue as teorias da ciência política aos achados dos fatos empíricos. Não sou formada em literatura, mas há quase quarenta anos escrevo sobre cinema & outros assuntos, primeiro levada pelo meu interesse em preencher uma vaga de colunista de cinema neste jornal, sendo acolhida por quem acreditou em mim, Rômulo Maiorana. Depois, instigada pelos memoráveis amigos Eladio Malato e Claudio Sá Leal, que me incentivaram a incluir em outro caderno do jornal crônicas do cotidiano, geralmente às segundas feiras (isso me induzia a “trabalhar” no domingo a tarde, na minha Letera, aprendendo a datilografar sem curso especifico). E me foi útil porque abriu fresta nas portas para elaboração de artigos científicos, alguns aceitos para publicação em revistas internacionais.
Mas o prólogo quer tratar ou justificar sobre a que vem este título, para muitos com uma definição clara, tanto na academia (Antropologia, Ciências da Saúde, etc.) quanto nas abordagens dos noticiários ou na opinião dos que supõem estar atentos ao que a midia explora sobre o assunto. Meu percurso no texto de agora espera viajar pela memória e as evidências do que seria uma “política do corpo” ontem e hoje, a meu ver, sem peias teóricas (um salvo-conduto justificador).
Ainda criança, numa cidade do interior (Abaetetuba), lembro que o estímulo na minha família ao esporte (a cultura política da eugenia tão cara à minha geração) era uma maneira de os pais participarem da aprendizagem dos filhos, incentivando-os a hábitos saudáveis incrementando a disposição de ir à escola. Correr pelas ruas principais na madrugada, com uma turma de amigos, organizava a competitividade para quem fizesse mais voltas em torno de tal percurso e chegasse primeiro no ponto final da corrida. Tempo (sem relógio), contagem dos trajetos e a chegada triunfal finalizava aquela brincadeira e nos levava a outras atividades: banho, café, vestir-nos e a sala de aula (externato), no horário matutino, era a norma. As tardes também eram para o estudo formal, agora na escola pública. E ai o esporte era formalizado em múltiplos tipos. Futebol, voleibol, corridas com obstáculos, mini-maratonas e outras atividades físicas regulares incluidas no sistema curricular, mas que sempre interessavam como recreação. O desporto era, assim, a preocupação com a manutenção do condicionamento corporal mexendo com a saúde física e mental. Possivelmente reconhecendo que o corpo humano se constituia de uma estrutura biológica, mas não deixava de ser uma construção socio-cultural. Nas corridas na madrugada sentiamo-nos menos presos a regras porque criávamos as que nos levassem ao ponto de chegada. Supostamente cansados, corriamos para a água fria dos camburões e o choque nos fortalecia. Em tempo de chuva a “cola” da roupa no corpo nos deixava mais pesados, mas o banho restabelecia o aquecimento. Na escola, chegávamos vitalizados. Não havia políticas sociais para determinar aquelas maratonas, mas a versão sábia dos pais em estimular nosso corpo para o próximo passo matutino. Também não havia competição belicista entre nós, mas, às vezes, eu ficava cansada no meio do caminho e meu “companheiro” nessa “moleza” (?) na maratona era o colega Aldo Maués. Mas sempre chegávamos. Certas vezes nós surpreendiamos os demais. Joao Roberto (meu irmão), Alfredinho, Tonair, meu primo Léo eram sempre os vencedores (só eu de mulher!). A estrutura corporal – magro/gordo – não definia aquela energia a gastarmos nesses momentos, embora o mais franzino fosse o meu irmão.
Se é possivel avaliar o diferencial nesse tipo de política desportiva – o incentivado pela familia para incrementar outras práticas e o que gerenciava uma norma curricular – vê-se que é em torno do corpo constituido da criança, do adolescente, do jovem que serão estravazados os interesses em atingir certos valores, tanto na competitividade quanto num modelo de beleza, ou por ai vai, nos dias de hoje.
Os governos criaram, de um certo tempo a esta parte, ações de políticas públicas para os esportes. Até um Ministério e, em plano estadual, Secretarias, tendem a apresentar programas e metas para atingir a qualidade dessas políticas cujos objetivos, dizendo os gestores, é o estado de equilibrio entre a estrutura orgânica do/a cidadão/ã, o ambiente e o bem-estar, com especiificidades nos marcadores sociais (raça/etnia, gênero, geração). Chega-se, então, a um “corpo político” que vai estabelecer regras para o desporto. Destarte, o “corpo da política” é a estrutura de poder que tende a gerenciar os valores da “politica do corpo” transversalizando para outros valores a aspirar, a exemplo, a beleza, a moda, a saúde. Determina também os modelos que definem a “virtú” – tanto na perspetiva do governante usando habilidades para manipular as variáveis políticas em seu favor, quanto ao controle dos cidadãos à sua competência e, usando o termo maquiaveliano – a maneira de o “principe” atingir a glória da história, habil e racionalmente agindo com “suas próprias armas”, no tempo certo, para a preservação do Estado.
Magros, gordos, cardiácos, sedentários, jovens, velhos, além de outras categorias identitárias, inscrevem-se na nova moda, usando a criatividade do Dr. Cooper. Enquanto nós, crianças ainda, não sabiamos que estávamos inscritas nessas “políticas”. O prazer, acima de tudo, gerenciava o gosto pela maratona e à nossa proximidade com os amigos na madrugada abaetetubense.

(Texto originariamente publicado em "O Liberal" em 22/07/2011)

terça-feira, 19 de julho de 2011

ÍNDIO RETIRANTE



Autor: Max Reis

(Poesia vencedora do II PRÊMIO PROEX DE LITERATURA (Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal do Pará- Troféu Inglês de Souza - 27.05.2011)

I

É difícil dizer em cada rima

O que já foi falado pela vida

Desse homem que desce na subida

E de costas dá passos para cima

Quando tudo está triste logo anima

Do gogó tira um som de melodia

E a tristeza sorri na cantoria

Quem se chega assovia e vai cantando

E quem parte se vai cantarolando

Com o peito repleto de alegria

II

Era o galo cantar de manhãzinha

Assanhando as galinhas no poleiro

Que esse homem-menino era o primeiro

A saudar a alvorada da cozinha

E depois do café, rosca e farinha

Já se via no seio da floresta

A pastinha caindo pela testa

E uma faca enfiada no calção

Índio preto, Bai-bai, raio e trovão

Um nativo espreitando pela fresta

III

Nesse tempo se andava devagar

Passos curtos, medidos, quase lentos

Como se bafejados pelos ventos

Co’a certeza que dava pra esperar

Fala mansa, pausada e sem gritar

Nas conversas alegres da varanda

Lá crescia o moreno em vida branda

Entre folhas, raízes e igapó

Imitando o cantar do curió

Onde a hora do tempo não desanda

IV

Mas ninguém sabe ao certo o seu destino

Onde e quando chegar sem nem ter ido

E por ser um valente e destemido

Foi seguir as pegadas de um felino

Bem mais certo dizer - um leonino

Na esperança de uma vida feliz

Lá nas brenhas assim é que se diz

Como se na grandeza da cidade

Estivesse uma tal felicidade

Invisível e a um palmo do nariz

V

Pôs o saco de roupa no cangote

E a faquinha na meia do sapato

Nem olhou para trás pra ver o mato

Transformar a tristeza num chicote

Quando o barco acendeu seu holofote

A saudade brilhou em sua pupila

Gota a gota uma dor fazia fila

E no canto dos olhos virou pranto

Noite escura de puro desencanto

Em que o medo não mata, mas mutila

VI

Aportou feito um pobre retirante

Entre as pedras do Beco do Cardoso

O pisar era um tanto temeroso

Nem lembrava a figura de um xavante

Cabisbaixo e com rugas no semblante

Adentrou pela casa meio triste

Da janela que a vida tudo assiste

Vislumbrou casarões e a velha igreja

Como em fim de oração disse “assim seja”

Passarinho não vive sem alpiste.

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Max Reis é natural da Cidade de Abaetetuba, Professor do Instituto de Ciências Biológicas/UFPA. E em sua referência à criação desse poema, me informou: "Fiz a poesia “Índio Retirante” em junho de 2010. Retrata a vida de criança de meu irmão Eugênio Reis (que se mistura com a minha) em nossa casa na cidade de Abaetetuba até a vinda de barco para Belém, com desembarque no famoso “Beco do Cardoso” e morada na praça do Carmo em frente à igreja de mesmo nome. A poesia segue em anexo. Espero que goste.Um grande abraço prima".

Obs. A imagem é de ademirhelenorocha.blogspot.com

domingo, 17 de julho de 2011

REFORMA POLÍTICA, TEMPO E MULHERES


Convidada pela Senadora Marinor Brito (PSOL) como palestrante na Audiência Pública da CCJ-Senado Federal para debater o tema “O Papel da Mulher Brasileira na Reforma Política: Desafios e Perspectivas” (OAB-PA, 20/06), contribuí com uma idéia enquadrada no longo percurso desse gênero, instigando o debate e conquistando arduamente a sua inclusão na condição de cidadã. Com isso, re-fazendo a cultura injetada pela educação patriarcal desde a antiguidade clássica. Em “A reforma política, ao longo do tempo, na vida das mulheres” procurei cumprir os objetivos da proposta, avaliando os obstáculos à ascenção desse gênero aos cargos de representação política entre os quais, “a recusa de seus nomes pelos partidos para ocupar postos tanto aos cargos de direção como para concorrer aos pleitos eleitorais”. É fato que o Brasil se acha numa das últimas posições do ranking mundial da representação feminina, sendo 8.77% de mulheres na Câmara dos Deputados, 14.81% no Senado e entre 11% e 12% nas Assembléias Legislativas e nas Câmaras Municipais. Esse quadro deve-se “à idéia preconceituosa, ainda propagada, de que às mulheres cabem os espaços domésticos ou privados e não os da política, historicamente ocupados por homens”.

É fato que desde as evidências da construção da política nós, mulheres, fomos as primeiras a lutar por uma reforma. Circulando pela Antiguidade, período Medieval, Estado Moderno, os autores clássicos apontam o protagonismo masculino nesse campo e o “lugar” doméstico feminino. Aristóteles, por exemplo, cita em seu “Tratado da Política”, apesar dos atributos concedidos aos cidadãos de isonomia, isegoria e isocracia, que só participavam os homens atenienses livres, maiores de 20 anos, únicos a possuirem a cidadania ativa. Estavam excluídos, portanto, os estrangeiros, os escravos, as mulheres e as crianças.

Na interseção entre o final do estado Moderno e inicio do Contemporâneo, ao avaliar a Revolução Francesa, é fato que esse gênero não tem direito a voz nem a voto nas assembléias que pregam a queda da monarquia e a ascensão da burguesia nascente, mas nem por isso deixa de participar pleiteando cidadania e voto, estatutos de inclusão no processo político da corrente liberal da democracia representativa. Quer dizer, o voto as inclui na cidadania que está sendo distribuida. A outra corrente, a socialista, discute as reformas nas relações de trabalho, determinantes das mudanças estruturais, mas, quem resolvia a questão era a cidadania política.

É desse período que se evidencia a 1ª onda feminista como luta sufragista ou necessidade de reforma política – processo de inclusão pela igualdade de direitos políticos e sociais. Esse movimento que surge no século XIX e início do XX está preocupado, principalmente, com o direito do voto feminino.

A 2ª onda, a partir dos anos 60, com o slogan "o pessoal é político", inaugura a defesa das mulheres em torno de sua inteligência, negando serem vistas somente através do sexo. Coexistiu com a chamada terceira onda.

A 3ª onda feminista originou-se no meio da década de 1980; e na década de 1990 recompôs supostas falhas da segunda. Neste momento, as feministas negras questionaram o movimento considerando ausentes as subjetividades que se relacionavam à raça.

As mulheres brasileiras incluem-se nessas ondas de mudança. Avaliando-se os códigos eleitorais que subsidiaram as reformas vemos que o 1º Código - Decreto nº 21.076, de 24/02/1932 adotou o voto direto, obrigatório, secreto e o sufrágio universal às mulheres. O 2º Código - Lei nº 48, de 4/05/1935, incluiu o alistamento e o voto feminino obrigatórios para as mulheres que exercessem atividade remunerada. O 3º Código - Decreto-Lei nº 7.586, de 28/05/1945, antecedeu a Constituição de 1946. Recriou a Justiça Eleitoral, no Brasil, regulando em todo o país o alistamento eleitoral e as eleições, exigência do registro de partidos políticos organizados em bases nacionais. Não há uma especificidade de reforma às mulheres, mas se torna um meio mais evidente de categorizar os simpatizantes aos partidos. O 4º Código - Lei nº 1.164, de 24/07/1950 inovou no capítulo sobre a propaganda partidária, garantindo seu livre exercício. E o 5º Código - Lei nº 4.737, de 15/07/1965, concebido durante o regime militar, ainda vigora em alguns de seus institutos. Ao tratar da obrigatoriedade do alistamento (qualificação e inscrição voluntária) e do direito do voto dos brasileiros de ambos os sexos, apresenta uma novidade: pela primeira vez, deixa de constar a cláusula de exclusão da cidadania política às mulheres “que não exercem profissão lucrativa” (Art. 5º e 6º). Sofreu, todavia, várias modificações e, hoje, difere bastante de sua forma inicial.

A exposição feita sobre a reforma política pelas mulheres brasileiras foi muito mais abrangente, classificando o pleito atual dos movimentos. Vejo este momento como uma 4ª onda feminista, com os processos de reforma política em duas perspectivas: a reforma institucional – mudanças nos sistema eleitoral com a “cara das mulheres”= as cotas partidárias, preenchimento das listas eleitorais e não mais a reserva de vagas para as mulheres etc. E a reforma informal: a)revisão das formas de empoderamento com ênfase focada para as discussões específicas das mulheres; b) sensibilização dos partidos políticos à presença das filiadas e criação de uma agenda de formação para estas, independente do tempo eleitoral; c) fortalecimento de candidaturas femininas sem que represente obrigação das cotas ou serviço partidário, integrando as suas demandas, sem esquecer as básicas pelas quais elas tanto lutam; d) mecanismos de responsabilização para avaliar a relação partido & mulheres & poder e enfrentar os resultados sem medo de perdas eleitorais.

Reforma com a “cara das mulheres”: a mudança de regras seria alterar a cultura política, não reforma simplificadora do “jogo político".

(Texto originalmente publicado em "O Liberal", em 15/07/2011)

sábado, 9 de julho de 2011

MULHERES BRASILEIRAS EM DADOS






Com o objetivo de subsidiar novos estudos e “orientar a aplicação das políticas de erradicação das desigualdades de gênero” no Brasil, a Secretaria de Política para as Mulheres(SPM-PR), em parceria com o DIEESE elaboraram o Anuário das Mulheres Brasileiras (Brasilia, 2011), lançado em São Paulo na última segunda feira (4/07). Os dados disponibilizados para tratar sobre a vivência deste gênero nos diferentes espaços sociais e suas atividades foram extraídos do PNAD, PED, RAIS, estatísticas compiladas pelo TSE, DATASUS, e abrageram recortes geográficos das grandes regiões ou regiões metropolitanas brasileiras, considerando-se, também, os aspectos e atributos populacionais por sexo e o recorte por cor/raça.

Quanto aos capítulos evidenciados nessa publicação, há informações sobre o mercado de trabalho formal e não formal, o interior das famílias, os afazeres domésticos, o campo educacional, saúde, e os espaços de poder, áreas de circulação das mulheres e que nem sempre são agrupadas em uma só publicação. É que as/os pesquisadoras/es brasileiras/os que tratam desses temas reunem seus dados nos recortes específicos de seus estudos, obviamente porque essa abrangência carece de uma maior gama de dados e amplitude de conhecimentos. Por exemplo, a minha contribuição nos estudos sobre as mulheres e a questão de gênero tende a privilegiar as paraenses e sua presença na representação político-partidária, detendo-me sobre o assunto desde os anos oitenta. Mas isso não me deixa de fora de outros temas, como a cultura da violência doméstica, as relações de trabalho, a educação como meio de reproduzir estereótipos quando recorrente aos padrões do status quo sem re/ver as críticas às teorias sociais através dos paradigmas da teoria feminista.

Na verdade, este Anuário será de grande serventia a todas as áreas profisssionais que hoje tem em suas mãos certas medidas de julgamento e consideram um tratamento social equânime às mulheres quando, na verdade, os dados diferem das opiniões do senso comum. Esta publicação está organizada em oito capítulos: Demografia e Família; Trabalho e Autonomia da Mulher; Trabalho Doméstico; Infraestrutura e Equipamento Social; Educação; Saúde; Espaços de Poder; e Violência.

Um quadro resumido de algumas dessas matérias pode explanar as dicotomias entre a realidade em dados e as opiniões sem consistência de certa base empírica e analítica. Daí a importância desses registros. Veja-se: a estimativa da população residente por sexo, cor/raça e faixa etária, de 2009 (1000 pessoas) demonstra que dos cerca de 192 milhões de pessoas do total dessa população, 51,3% são mulheres com evidências para a distribuição destas pela cor/raça, em que 49,9% se declararam negras (pardas e pretas), proporcionalmente semelhante à parcela que se declarou não-negra (49,8%).

Para os arranjos familiares, observa-se que 49,2% eram famílias do tipo “mãe com filhos”, ou seja, os chefiados por mulheres; 26,3% eram famílias nucleares (casal) com ou sem filhos, enquanto outros tipos de família (por exemplo, mulher sozinha) corresponderam a 24,6%. Esta evidência é interessante porque vem demonstrar que não existe mais, no Brasil, um único arranjo familiar que obrigava normas e valores dependerem do padrão tradicional exigindo o quadro pai-mãe-filhos/as. Hoje a realidade é outra e embora não constante no Anuário, há outros arranjos para os que mantêm uma união homoafetiva.

Recorrente é o aspecto dos rendimentos médios das mulheres mostrando-se sempre inferiores aos dos homens no mercado de trabalho. E “as famílias que são chefiadas por mulheres com filhos pequenos e sem a presença de um cônjuge tendem a ter uma situação econômica bem mais precária”. Isto se traduz devido à falta de um rendimento familiar, haja vista que, nesse caso, só há o rendimento pessoal da mulher trabalhadora para o sustento dos filhos.

Mercado de trabalho (espaço público) e trabalho doméstico (espaço privado) expressam um olhar sobre a dupla jornada de trabalho das mulheres quando estas são parte da PEA (população econômicamente ativa) e se mantém no mercado. Cumprindo funções historicamente desenhadas na sua vida como “próprias ao seu gênero” elas, apesar de ampliarem sua participação nesse mercado e mesmo sentindo as dificuldades de inserção em setores com maior remuneração e menos precarizados, investem na sua qualificação e vão à luta para desfazer a imagem de que suas funções privadas não as credenciam para esses setores valorizados. Mas mesmo assim, com uma escolarização efetiva, os dados de 2009 expuseram que as mulheres ocupadas estão em maioria “nos setores relacionados aos serviços de cuidados, como educação, saúde e serviços sociais, alojamento e alimentação, além dos serviços domésticos, setor em que a proporção de mulheres ocupadas (17,0%) superou a de homens (7,8%).

Uma observação interessante das tabelas sobre o trabalho das mulheres é que a representação social aponta-as no cuidado com a casa, com a familia, denotando a desigualdade na divisão sexual do trabalho. O recorte é útil para avaliar que elas estando ou não trabalhando fora de casa ou mesmo procurando emprego, o tempo médio semanal que dedicam aos afazeres domésticos é de 22,4 horas, sendo bem superior à média do tempo dos homens (9,8 horas). Se avaliada essa média entre as mulheres inativas, amplia-se o tempo que dedicam aos afazeres domésticos, em média de 27,7 horas/semana, enquanto os homens gastaram somente 11,2 horas nessas tarefas.

Os demais aspectos desse perfil das mulheres avaliados numa perspectiva de gênero são interessantissimos, sendo tratados neste espaço em outro texto. Aos leitores inquietos pela leitura de todos os dados, o site da SPM-PR está disponibilizando um resumo que contempla boa parte da pesquisa nacional.


(Texto publicado originalmente em "O Liberal", em 08/07/2011. Figura extraida de elisabetecunha2008.wordpress.com )

sábado, 2 de julho de 2011

FESTAS JUNINAS: POR TRÁS DA TRADIÇÃO









As festividades dedicadas, no mês que terminou a Santo Antônio, São João e São Pedro (sem esquecer S. Marçal), derivam das comemorações do solstício de verão celebrado na Idade Média em 24 de junho, segundo o calendário Juliano (ou pré-gregoriano). Muitas manifestações culturais ligadas a essa festa foram trazidas pelos portugueses ao Brasil e adaptadas ao nosso meio. As quadrilhas, por exemplo, derivam da dança francesa “quadrille”, executada nos salões desse país, por sua vez desenvolvidas da “contradanse”, outra manifestação da classe, esta de origem inglesa datada do século XVIII. Outra manifestação, a fogueira, seria imaginada a partir da lenda que diz ter Isabel anunciado a chegada de seu filho João para a prima Maria, futura mãe de Jesus. E os balões também faziam parte dessa manifestação de júbilo, assim como os fogos, que de principio seriam para São João observar depois (no Brasil) ousando “acordá-lo”(e com isso podendo gerar o fim do mundo posto que João não gostaria de se ver despertado do sono).

De todas as manifestações festivas do mês a do “casamento na roça” é a que sobressai por demonstrar costumes arraigados ao conservadorismo que se herdou dos povos de além-mar. A idéia está ligada à fama de “casamenteiro”, dada a Sto Antonio por este ter ajudado uma “dama virtuosa”, mas sem dinheiro do pai para pagar o dote, ajudada pelo religioso. Esta teatralização cômica, assim como o “bumba meu boi” estão mais ligadas ao modo brasileiro de tratar as festas que antes se chamavam joaninas (por conta de São João), mais tarde juninas por se adapatrem ao mês onde se festejam outros santos.

No casamento de supostos “caipirias” estão: a noiva grávida, o noivo ameaçado pelo futuro sogro com uma espingarda, o delegado que ajuda na “decisão” desse noivo, o padre e o juiz. Esses personagens cercados por amigos da família se tornam as representações do que antes era uma maneira de encarar a formação da família numa situação dessas: à força.
O quadro feito para rir evoca o preconceito regente no comportamento sexual da mulher, o papel da família na educação especificamente sexista (dai nunca se ver a mãe da noiva reclamando qualquer coisa); o da religião (a gravidez é expressão do casamento hetero e a presença no altar justifica a procriação); e a lei (que se submete ao mando dos “capatazes”, dos códigos sociais e civis desde o côdigo manuelino de 1603).


Nas versões mais sofisticadas do “casamento na roça” exibe-se também o “coronel”, líder político local que é amigo do pai de noiva e trata o futuro marido desta como um vilão. Neste caso, o papel do mandatário difere radicalmente da postura do mesmo quando de outra manifestação folclórica: a malhação do Judas. Ali é sempre o ladrão, o bandido que se deve eliminar pelo bem da sociedade.

No cordel do “Bumba Meu Boi” também aparece uma mulher, que na nossa região é geralmente a Catirina (que deseja comer a língua do boi mais querido do patrão do seu marido). Obviamente que esse detalhe da festa vem da matança do gado para abastecimento de um determinado núcleo populacional. O enfoque se deve ao papel do fazendeiro na zona rural (de onde deriva a brincadeira). E há muitos figurantes fantásticos com variante para cada região. Por aqui há uma mescla dos cordeis com outros animais, como o Quati, e pássaros diversos, todos representando o mesmo papel do animal disputado e com poderes miraculosos.

A memoria abatetubense da minha geração lembra com detalhes a importancia que era assistir a essas festas, não só criadas no espaço urbano da cidade, onde pontuam nomes como a Nina Abreu (uma das pessoas mais envolvidas com essa cultura). Mas, principalmente, produzidas na zona rural, como na Colônia Dr. João Miranda, Beja e outras comunidades próximas que estimulavam a população para participarem, de alguma forma, nesses folguedos, dando a “sua cara” para as figuras importantes das várias áreas sociais e institucionais dessas localidades. Havia muitas formas de montar os chamados “cordões juninos”. Eram traduzidos nos “bois-bumbá, nos pássaros da região mesclados pelas fogueiras, pelas comidas típicas etc. Geralmente um “cordão” reunia as várias facetas das lendas e mitos tradicionais onde pontuavam as quadrilhas, o casamento na roça, a fuga, caça, morte e o ressucitar do boi, a luta entre os “poderosos” e os mais pobres, o juiz, o padre, o caçador, o mágico, a familia, a filha casadoira, o filho do fazendeiro, o vaqueiro etc.


Interessante, nessa época, a interrelação entre a população rural e urbana, visto que, a ênfase a esses cordões era mais de criação do pessoal das comunidades da zona rural. E algumas famílias abaetetubenses através dos “agentes” desses cordéis, contratavam os brincantes para uma noite de junho percorrer diversas casas. A reunião familiar, nesse momento, era uma prática envolvendo todos os responsáveis pelo auto junino. Confraternizava-se, posteriormente, ao sermos convidadas/os para “madrinha” ou padrinho do “boi”ou da ave, com previsão de presentearmos os nossos “afilhados”, no dia em que havia a festa final pelo re-encontro do animal.

As significações, hoje, desses cordéis são ainda uma tradição, mas podem estar reproduzindo e revigorando os mitos que discriminam e preconceitualizam como tantos outros processos sociais que estão passando por revisão.
Nada contra eles, mesmo porque fazem parte da minha memória histórica, mas a re-visão do que representava cada encenação dos tipos merece ser um ponto focal de análise dos produtores culturais.



(Texto orinalmente publicado em "O Liberal" em 01°/07/2011. Imagem reproduzida do site news.delees.com)