sexta-feira, 25 de setembro de 2015

EM DEFESA DOS DIREITOS E DA PLURALIDADE


http://taislc.blogspot.com.br/2008/10/tarsila-do-amaral 

Em 16 de outubro de 2013, foi apresentado ao Plenário da 55ª Legislatura da Câmara de Deputados, pelo deputado Anderson Ferreira, do PR/PE, o Projeto de Lei n. 6583/2013, dispondo sobre o “Estatuto da Família e outras providências”. Nesse mesmo dia, o mesmo deputado apresentou o Projeto de Lei n.º 6.584/2013, que instituía a "Semana Nacional de Valorização da Família", com vistas a integrar o Calendário Oficial do País. Em 25/10/2013 esta nova PL foi apensada a primeira passando a circular em todas as instâncias previstas e para a avaliação da Comissão Especial destinada a proferir parecer pela inconstitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa. Esse PL está em vias de ser aprovado este mês o que vem a demonstrar o intenso conservadorismo dos membros da casa legislativa intentando de forma regressiva contra os direitos constituídos por diversos grupos familiares já formados na sociedade brasileira.
O conceito de família, nesse Estatuto corrói e exclui o formato atual e plural das famílias brasileiras ao propor, no Art. 2º: “Para os fins desta Lei, define-se entidade familiar como o núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou união estável, ou ainda por comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.”
Como se vê, a representação do conceito de família gerou uma versão que tende a ser considerada imutável, mesmo que ao longo do tempo houvesse mudanças na estrutura sociocultural e econômica da sociedade transformando a vida dos indivíduos e reorganizando as normas do Direito para alcançar essas mudanças, cujo reconhecimento entre essas doutrinas jurídicas avançaram na interpretação da lei. Sem dúvida para conter esses avanços é que esse parlamentar se apoiou para converter a sua lógica ético-conservadora em protótipo impositivo de um estatuto que segundo ele, é “obrigação do Estado, da sociedade e do Poder Público em todos os níveis assegurar à entidade familiar a efetivação do direito à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania e à convivência comunitária.” (Art. 3º).
Considerando as perdas e exclusões que este Estatuto tende a promover, o mundo acadêmico e grupos de pesquisas estão se movimentando em uma campanha que interroga "Qual Estatuto da Família? Em defesa dos direitos e da pluralidade" procurando sensibilizar sobre as práticas lesivas aos direitos humanos que o parlamento brasileiro atual agregado a setores religiosos e fundamentalistas tem criado contra os grupos que se organizam de forma diferenciada da representação socialmente aceita, como a que foi deflagrada em favor da “cura gay”, da comunidade LGBT, da inclusão de gênero e orientação sexual nos planos de educação estaduais e municipais.
Pertinente a atenção aos comentários da assessora técnica Fernanda Saboia, do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA ), no ano passado (03/06/2014) sobre o Estatuto da Família: “tal definição exclui a pluralidade das famílias brasileiras, já reconhecida por doutrinas de Direito, que avançam na interpretação da lei. Existem pelo menos 11 tipos de família, que são: matrimonial, informal, homoafetiva, paralela ou simultânea, poliafetiva, monoparental, anaparental, pluriparental, extensa ou ampliada, substituta, eudemonista. Os tipos de famílias já apreciadas pelo ordenamento jurídico brasileiro são a matrimonial (CF art. 226 § 1 ), a família informal (união estável, CF art. 226 § 3), e família monoparental (CF art. 226 § 4), e conforme decisão do Supremo Tribunal Federal, tem se reconhecido legalmente e juridicamente a existência das famílias homoafetivas.”
Com isso se torna preocupante gerando insegurança jurídica, diz Saboia, a todas as famílias não enquadradas nesses limites definidos pelo PL. A assessora acentua a inconstitucionalidade diante da Carta de 1988, no Art. 5º (Dos Direitos e Garantias Fundamentais) “conforme o princípio da igualdade de todos perante a lei sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.”
Outras diretrizes que o PL impõe referem-se à criação de políticas públicas para o tipo de família restrito, a criação de Conselhos da família (Art. 14), “orgãos permanentes e autônomos encarregados de tratar das políticas públicas voltadas à família”. E nesse aspecto enfoca a obrigatoriedade da “Educação para a família” nas escolas tendo currículo obrigatório no ensino fundamental e médio. Opera com a outra PL apensa a esta que cria o Dia Nacional de Valorização da Família nas escolas como meio de favorecer as novas metas de ruptura ao que esse grupo conservador chama de “ideologia de gênero” que é acusada de favorecer a diversidade e as mudanças culturais conectadas ao movimento LGBT e ao feminismo.
Um aspecto lembrado por Saboia contido no Estatuto da Família (Art. 6º) refere-se às atribuições e deveres do Estado com o privilegiamento aos “membros da entidade familiar” no Sistema de Único de Saúde (SUS) e no Programa de Saúde da Família, garantindo-lhes o acesso em conjunto articulado e contínuo das ações e serviços, para a prevenção, promoção, proteção e recuperação da saúde, incluindo a atenção especial ao atendimento psicossocial da unidade familiar.” O SUS foi criado pela Constituição Federal de 1988 e regulamentado pelas Leis n.º 8080/90 e nº 8.142/90, Leis Orgânicas da Saúde, “com a finalidade de alterar a situação de desigualdade na assistência à Saúde da população, tornando obrigatório o atendimento público a qualquer cidadão, sendo proibidas cobranças de dinheiro sob qualquer pretexto.” Sendo assim, esse serviço tende à “universalidade, a integralidade e a igualdade no acesso às ações e aos serviços de saúde sem quaisquer tipos de preconceitos” e com essa “nova ordem” como ficam os grupos familiares já formados? Como e onde serão atendidos?
Vejo a família como um grupo de convivência onde o afeto, a diversidade de cada um/a com suas individualidades transformam a organização social institucionalizada, estruturando uma pluralidade que dignifica, inclui, protege e fortalece os direitos humanos.


(Texto originalmente publicado em "O Liberal"/PA em 25/09/2015)

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

VIAJANDO PELA TEORIA DEMOCRÁTICA

http://tribunadainternet.com.br 

Comenta-se tanto sobre democracia que esse conceito “viralizou” socialmente. Muitas leituras de teóricos da ciência política se acercam do modelo clássico e reinventam os paradigmas para a democracia moderna em que a construção incorpora os rearranjos do sistema em vários períodos. Numa fase pessoal de entendimento sobre este conceito, circulei entre muitos autores. Neste texto prefiro iniciar da teoria do elitismo democrático e democracia como método, tendentes a comprovar a presença de uma minoria assumindo a direção política da coisa pública.
O eixo argumentativo de Gaetano Mosca sobre a impossibilidade de a teoria democrática demandar  a condução política da coisa pública, constituindo-se na teoria justificadora do governo da maioria, considera as observações comparativas entre os tipos históricos de organização social, para demonstrar que não procede o fato acusatório sobre a debilidade da classe dirigente ser responsabilizada pelas catástrofes nacionais. Há causas intrínsecas (defeitos ou carências da doutrina) e extrínsecas. Neste caso, a democracia representativa elimina o governo da maioria porque, em parte, está modelada nos princípios de Montesquieu (separação dos três poderes) e em parte está definida pela invenção rousseauniana (a vontade geral como eixo do poder legítimo e o direito ao sufrágio uma condição inata e do qual ninguém pode ser excluído). Critica o estatuto do sufrágio universal por considerá-lo responsável pelo descenso do nível cultural e intelectual médio dos que disputam os cargos, devendo ser atribuído aos que tiverem capacidade para exercê-lo.
Quanto à renovação da classe dirigente, a tendência democrática é utilizar-se de membros da classe dirigida, favorecendo uma renovação rápida e violenta, em períodos de revolução e, algumas vezes, lenta e inclusiva de estratos superiores da sociedade, em tempos normais.
Alguns apontam a obra de Mosca sobre a teoria das elites como a primeira teoria científica no campo da política. Houve uma forte polêmica em torno da tendência antidemocrática e antissocialista da teoria. O argumento de uma classe política dirigente, concebendo de forma negativa e estática a natureza humana criando a antítese Elite-Massa foi, entretanto, perdendo a sua matriz ideológica e transformando-se em valor heurístico. Respeitada por seu valor científico por filósofos conceituados, Mosca refez algumas ideias da juventude sobre os regimes democráticos e realimentou seus escritos de 1896 reconsiderando, em 1923, a argumentação sobre a formação da classe política, distinguindo diversamente a sua organização.
Nos EUA a teoria conquistou formuladores da ciência política contemporânea como H. Lasswell e C. Wright Mills, enquanto outros se agruparam entre os críticos democráticos (liberais e radicais) e os marxistas. Os primeiros questionavam o bloco monolítico da classe governante; para os segundos, a defesa da elite no poder se agregaria entre os que detêm o poder econômico. Os liberais arguiram a renovação de uma teoria que estabelecesse os acertos entre a teoria das elites e a democracia. Os críticos com tendência à compatibilidade argumentavam a impropriedade da teoria da democracia clássica e a sujeição aos ideais abstratos de liberdade, igualdade e vontade geral, procurando redefinir este conceito com a finalidade de acomodar o elitismo, utilizando-se de uma nova propositura: o regime democrático é um método.
Os críticos do elitismo monolítico decantaram sua argumentação no “elitismo democrático” considerando que a multiplicidade de elites compatibiliza com a democracia, os “pluralistas” circulando entre filósofos políticos como William Kornhauser  ou entre pesquisadores como Polsby e Robert A. Dahl. O primeiro criou a figura de “grupos intermediários”, que protegem as elites contra a pressão do povo. Quanto a Dahl, sua questão baseou-se na suposição da existência desses grupos intermédios considerando a necessária verificação para efeito explicativo do papel e da função (poder e influência) que estes realizam nas comunidades em estudo. Houve os defensores da “democracia radical” (Kariel, Bachrach e Bottomore), pressupondo a reforma da estrutura da sociedade para a participação efetiva do cidadão considerando viáveis os ideais políticos clássicos (igualdade, liberdade e participação) lutando por “maior igualdade de oportunidade para as pessoas dividirem a tomada de decisões que afeta suas vidas”.
A teoria da elite opondo-se à teoria das massas, embora fosse usada de maneira conservadora num intento “declaradamente antidemocrático”, instigou, contudo, uma crítica realista do “poder nas mãos do povo”, ao argumentar que o poder político está sempre nas mãos de uma minoria. A diferença se dá através da competição que estes grupos realizam entre si, entre um regime e outro.
Joseph Schumpeter encontra uma possibilidade de conciliação entre a teoria das elites e a teoria democrática. Ele define democracia como um método, afastando-se da “camisa de força” da doutrina clássica da democracia que elabora uma versão sobre “bem comum” e “vontade do povo”, indispostos um contra o outro, devido a que se existe o primeiro nos moldes da expressão clássica, dissipa-se o conceito de vontade geral. O bem comum significa diferentes coisas para diferentes pessoas e, portanto, intransitivas no movimento que faz do individual para o coletivo. Schumpeter desenha um conceito positivo de democracia: “A democracia é um método político, ou seja, certo tipo de arranjo institucional para se alcançarem decisões políticas – legislativas e administrativas –, e, portanto não pode ser um fim em si mesma, não importando as decisões que produza sob condições históricas dadas. E esse deve ser o ponto de partida para qualquer tentativa de defini-la” (...). O método democrático é aquele acordo institucional para se chegar a decisões políticas em que os indivíduos adquirem o poder de decisão através de uma luta competitiva pelos votos da população”.
A ênfase de Schumpeter à conciliação com a teoria das elites é a recusa aos principais mitos da democracia liberal. Para ele não há governo do povo, mas governo da maioria visto que o primeiro passa a ser “governo pelo povo”, substituído pela “Vontade Manufaturada”. A competição pela liderança torna-se a livre competição no mercado do voto. Subsiste a relação democracia vs liberdade individual, numa esfera de autogestão individual que concorre para evidenciar a questão de grau do processo. E embora o eleitorado possa produzir como função básica um governo, esse mesmo eleitorado poderá desapossa-lo.




Texto originalmente publicado em O Liberal, de 18/09/2015 

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

AS MUITAS FACES DO TERRORISMO




O dicionário Merrian-Webster diz que terror é o “uso da violência física ou psicológica através de ataques localizados a elementos ou instalações de um governo ou da população governada”, cujo efeito é incutir esse medo obtendo-se efeitos psicológicos que vão além do círculo das vítimas abarcando a população do território.
Segundo Walter Laqueur, 94, historiador e comentarista politico polonês “nenhuma definição pode abarcar todas as variedades de terrorismo que existiram ao longo da historia”. Cabe a definição hoje, 11 de setembro, quando se completam 14 anos do atentado ao World Trade Center em Nova York, tido como um dos mais dramáticos atos terroristas efetuados na era moderna.
No plano internacional, a luta surda contra instituições, sejam ou não de governo, faz a vez das guerras não declaradas. A diferença repousa justamente na falta de um respaldo legal para efetuar o ato de violência. E por mais paradoxal que pareça, nas guerras há esse liame legal onde se destrói amparado por uma legitimidade expressa em documentos (escritos ou orais).
No mundo moderno a tecnologia exibe forças que substanciam os atos de terror. E terror é sinônimo de medo. Nos anos 1960/70 EUA e URSS mantiveram uma relação de temor, uma nação da outra, cientes de que cada uma delas possuía armas nucleares e em um confronto poderiam ser destruídas – e levar consigo boa parte do mundo.
Mas será que terrorismo é só ameaça de bombas ou de destruição material? Na própria definição, segundo o Departamento de Defesa dos EUA, “terrorismo é um tipo muito específico de violência, bastante sutil, apesar de o termo ser usado para definir outros tipos de violência considerados inaceitáveis”. Dessa forma, um assalto a mão armada como tantos que a crônica policial registra diariamente em quase todas as cidades do planeta, é um ato de terrorismo. E a violencia doméstica, ora enfatizada em debates interessantes, é terrorismo. Tambem tipos de propaganda de ação subliminar, incitando pessoas a tomarem medidas que não se pode chamar de “civilizadas”, enquadra-se nesse termo.
Através dos tempos encontram-se episódios de violência contra a pessoa, desfigurando o sentido de humanismo, uma “filosofia moral que coloca os humanos como principais, numa escala de importância”. O ato de tratar mal alguém já é uma forma de processo desumano, ou, pelo medo que isso causa, a terrorismo.
No úlltimo dia 7 de agosto completou-se 9 anos de promulgada a Lei Maria da Penha, ou a Lei nº 11.340 “que objetiva maior rigor nas punições sobre crimes domésticos,  normalmente aos homens que agridem fisicamente ou psicologicamente a uma mulher ou à esposa.” Sem dúvida uma forma de combater o terrorismo caseiro. E nesse caso observa-se a validade do conceito através do medo que o ato de violência implica nos alvos das medidas dramáticas. Viver no terror é, portanto, um ato que se mede plural e particularmente.
A grande pergunta que se faz é por que o ser humano passa a odiar seu próximo de forma extrema. Os casos em que os terroristas ofereceram suas próprias vidas pelo objetivo de destruição, como os que pilotaram os aviões de encontro aos edificios no caso do Worl Trade Center (ou dos “kamikases”, pilotos japoneses que se atiravam sobre os alvos inimigos durante a 2ª Guerra Mundial), a resposta paira nos supostos terrenos da religião e do ardor patriotico. Mas não se deve deixar de pensar nos esquemas de mercado em que as nações subliminarmente subscrevem um tipo de terrorismo. Os crentes de que estão sendo alvos de uma defesa ao seu deus ou a seu credo são incontaveis no tempo. E os que se deixam morrer numa guerra é mais do que a simples obediencia a superiores que dizem comandar uma luta pela preservação de um ideal patriótico. Curiosamente, numa linha espiritual nada disso tem valor posto que o espirito não deve obediencia aos fatos terrenos mas à situação que o espera depois da morte.
Um conceito de humanismo que no sentido amplo tende a valorização do ser humano relacionando-se com a generosidade e compaixão como atributos das realizações humanas vem com o Renascimento, no século XIV, um movimento intelectual italiano objetivando romper com a Igreja e o pensamento religioso da Idade Média. No filme “Ted 2” (2015) a síntese do advogado de defesa de um brinquedo de pelúcia que aspira ser um ser humano é de que o conceito de humano passa pela dedicação que este deseja a seu proximo. No dizer do cristão, seguindo o mais evidente mandamento exposto por Jesus: “amar o proximo como a si mesmo”. Desse modo, se todos seguissem esse mandamento não haveria terrorismo.
Pode-se achar uma fantasia a relação hegemônica dos chamados “homo sapien”. Para se amar o proximo é preciso perdoar esse proximo. Sim, pois tambem é de todas as crenças o fato de que “errar é humano”. E se não se tratar de um erro é de uma interpretação. “Quem somos nós para julgar”? O livre-arbitrio traz embutido as paixões que se pode considerar naturais, ou, nos termos médicos, fisiológicas. Um conjunto de fatores orgânicos, como os hormonios, geram atitudes dispares que nem sempre se coadunam com uma postura benéfica a todos. E o que causa medo é que nem sempre se pode definir o certo e o errado e da mesma forma perdoar alguém que em um momento tenha agido errado pensando que está certo.
Há muitos estudos sobre o terror que embasam certos principios apontando a violência inerente ao ser humano. Nesse caso, este aspecto já resvala para outros planos secundando perfis referentes à agressividade humana comprometendo o processo civilizatório como regulador dos impulsos agressivos (Freud). Mas não entro nessa questão.Dom Orani Tempesta definiu a reação a um assalto que sofreu no Rio de Janeiro como um caso a merecer educação aos jovens assaltantes. Não só o b-a-ba, mas uma educação polimorfa que começa no lar e segue na escola, modulando as manifestações de ira social. E as Marias da Penha onde entram?