domingo, 28 de agosto de 2011

A BALANÇA DA DEMOCRACIA REPUBLICANA






A cada dia surgem denúncias seja pela imprensa, seja por milícias policiais que organizam operações para deflagrar investigação no setor público e privado, de que uma determinada Secretaria, Ministério ou órgão do executivo ou, mesmo, do legislativo se acham contaminados por pessoal inescrupuloso que usa o setor público como seu próprio patrimônio. Articulados, muitas vezes, pelo tráfico de influência, alguns funcionários de QI alto ou mediano (“quem indica”) se organizam e constroem “fortalezas” de negócios quese tornam verdadeiros edifícios de falcatruas, muitas vezes impossíveis a olho nu de identificação de suas “pernas” e /ou de possuírem uma só “cabeça”.

No regime presidencialista é o chefe do poder executivo quem escolhe os seus ajudantes, quer dizer, os ministros de diversas pastas. Geralmente essa escolha recai sobre membros de partidos que formam a base do governo, ou seja, partidos que ajudaram a eleger o atual presidente. Essas pessoas costumam carregar consigo diversos pedidos de eleitores e/ou de suas bases partidárias. Um jogo de compromissos que é testado na capacidade de cada um em nortear um comportamento ético. Mas o que se vê, e não é de hoje, é que o peso dos compromissos, aliados à ambição e ao orgulho que o cargo devota, muitas vezes extrapola os possíveis bons propósitos. Afinal, a natureza humana de alguns impele a um processo progressivo de “querer”, alimentando a idéia de que não podem perder uma oportunidade de “vencer na vida”.

No exposto, uma série de eventos conceituais elaboram argumentos que apontam para a análise que faz a ciência política em torno da caracterização do padrão de governança brasileiro expresso na relação entre os Poderes Executivo e Legislativo. Esse padrão explora a união do sistema político presidencialista com a existência de coalizões partidárias, ou seja, acordos entre partidos, com vistas a que seus membros sejam indicados para ocuparem os cargos no governo, além de alianças entre forças políticas objetivando o alcance de determinados propósitos para o êxito no desempenho e comando administrativo.

Esse formato do nosso sistema e o modo de seu funcionamento favoreceu a cunhagem, por Sergio Abranches (1988), do conceito de presidencialismo de coalizão que se tornou popular e de uso corrente pelo grande público e pela mídia em geral. Para Abranches: "O Brasilé o único país que, além de combinar a proporcionalidade, o multipartidarismo e o ‘presidencialismo imperial’, organiza o Executivo com base em grandes coalizões. A esse traço peculiar da institucionalidade concreta brasileira chamarei, à falta de melhor nome, ‘presidencialismo de coalizão’.

Em sua tese para as provas do concurso de Professor Titular no DCP/USP, Fernando Limongi (2006), procurando argumentar sobre alguns focos que ele considera ambíguos da exposição de Abranches, mescla a base empírica de dados e revê o conceito demonstrando que não avalia singular o formato brasileiro: “...do ponto de vista da suaestrutura, da forma como efetivamente funciona, há pouco que permita distinguir o sistema político brasileiro de outras democracias ditas avançadas ou consolidadas. A forma como o processo decisório é organizado, mais especificamente, o poder de agenda conferido ao Executivo, garante que o governo brasileiro opere em bases similares às de grande parte das democracias existentes”(p.20). Mas Limongi aponta, com outros recortes pontuais do texto do colega (que escreve seu ensaio antes da constituição de 1988) e justifica esses argumentos com o que era estimado evidenciar num Brasil que estava saindo de um período de exceção e re-fazendo sua governabilidade.

O que me levou a este tema, hoje, foi ajustar certa conceituação da minha área (sem tanto aprofundamento) ao considerar o noticiário sobre a queda de ministros e seus auxiliares da base de governo, com a imprensa tratando como “faxina” o que a Presidente Dilma Rousseff está realizando em seu governo em apenas oito meses de mandato quando quatro ministros e dezenas de funcionários dessas pastas foram exonerados muitos por improbidade, outros por tráfico de influência, outros por evidência de pactuação com políticas de patronagem. Essa atitude da primeira mandatária do país está levando a uma série de críticas sobre “crises de governabilidade”, “ruptura das coalizões partidárias”, desgastes entre o executivo e os partidos, possibilidade de desequilíbrio no apoio da base governista, corrosão na popularidade da presidente, e por ai vão os “ensaios” de quem supõe que o tão falado “presidencialismo de coalizão” está desmoronando ou perdendo a forma.

Para a cientista política Argelina Figueiredo, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da UniversidadeEstadual do Rio de Janeiro, falando ao DIAP, disse: "O PR só reagirá se com isso tiver mais a ganhar, mas ele não tem a ganhar. O governo tem popularidade, tem boa imagem e credibilidade. Quem vai querer ir contra, quem vai votar contra?" Isto foi dito no final de julho, mas houve outras intercorrências e agora esse partido ameaça deixar a base governista.

Para o coordenador do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da USP, José Álvaro Moisés, DilmaRousseff não intenciona submeter-se às exigências de uma coalizão que a credencia a demonstrar uma simples troca de favores entre os dois poderes,"a despeito de provocar insegurança no apoio dos partidos".

O certo é que está em curso um verdadeiro enfrentamento aos planos individuais de servidores que se desviaram das metas éticas de garantir a res-publica (coisa do povo). E a população brasileira, que vê esses novos arranjos políticos se tornarem recorrentes nas atitudes da presidente para sanear a nação da corrupção, simplesmente agradece. Ela frisou em recente pronunciamento aos jornalistas que não está “fazendo faxina”, pois essa não é uma das metas do governo, mas garantindo a governança do país.

(Texto originalmente publicado em "O Liberal" de 26/08/2011)

A LEI MARIA DA PENHA E SUA IMPORTÂNCIA






Nos anos oitenta, em função de uma pesquisa nos jornais paraenses dos anos trinta, me deparei com várias noticias na imprensa da época sobre violência doméstica contra a mulher, resultando em denúncia, pela vítima, aos canais competentes, ou seja, polícia e justica. Isto demonstra que desde esse período, as mulheres reconheciam as imposições do imaginário social de que como casadas deveriam aceitar o tratamento do marido em qualquer circunstância. Esta representação de submissão incondicional levou à criação do dístico: “em briga entre marido emulher não se mete a colher”. Entre os achados da pesquisa, dois deles me surpreenderam ao demonstrarem a ousadia daquelas mulheres que embora devessem corresponder aos modelos estabelecidos socialmente, iam á luta contra o sofrimento que a violência causava. Dona Maria (todos os nomes aqui são ficticios), por exemplo, representou pedido de desquite contra seu marido José Alves Barbosa com quem casara a poucos meses, motivada por não aceitar as condições do casamento, pois José pretendia dela “aquilo que a dignidade de seu sexo causa repulsa e a (...) moral condena". Entretanto, o Juiz de Direito da 1ª Vara de órfãos, julgou improcedente a ação do desquite, fundamentando o seu despacho em que “a autoria alegou ter sido injuriada pelo esposo, mas não explicara qual a espécie da injúria”, deixando de decretar o desquite, e condenando a autora a pagar as custas do processo, que ocorreu “à revelia do réu".

Pelo que se observa, as razões da acusação de D. Maria contra o marido, por não conterem as explicações mais íntimas das exigências sexuais deste, deixaram de ser acatadas pelo juiz, que ainda puniu a autora. Nota-se o sexismo da lei, através do registro que faz o juiz no processo. A punição certamente visava às duas denúncias de D. Maria: ter acusado o marido e ter procurado desquitar-se à revelia deste, além do "efeito-demonstração" que representava às suas companheiras.

Outro caso é o de D. Dulce que foi à polícia queixar-se de ter sido espancada pelo marido, Dr. João José, engenheiro da Pará Thelephone Company. Na ocasião, a vítima apresentava um ferimento no braço esquerdo, produzido com uma acha de lenha, e esquimoses no pescoço. Com 23 anos, casada há seis, tinha quatro filhos. Segundo ela, sua vida era de sofrimentos, sujeitando-se a espacamento por causa das crianças. O marido sempre a colocava fora de casa sob insultos baixos. A queixa foi registrada na Central de Policia. Após receber curativos na Assistência, D. Dulce retornou a sua casa afirmando que defenderia os seus direitos na justiça.

Nessesdois casos verifica-se que a violência doméstica perpassa também entre mulheres das várias classes sociais.

Essa questão no Brasil se tornou um problema social a partir da pesquisa-ação de feministas e acadêmicas no final da década de 1970. Fortaleceu-se quando a ONU adotou parâmetros estratégicos contra os abusos discriminatórios apoiando os reclamos desses movimentos, fazendo vigorar medidas protetivas em favor das mulheres vitimas.

A mini-série da TV-Globo “Quem ama não mata”(1982) reproduziu este slogan, com os movimentos feministas indo às ruas para protestar contra os assassinatos de mulheres pelos seus companheiros, namorados, amantes, sendo a primeira manifestação pública contra a impunidade nesses casos. Uma das evidências nesse instante foi contra o play-boy Doca Street julgado em out/1979 pelo assassinato de sua companheira Ângela Diniz. Os argumentos utilizados pela defesa contra a vítima foi a de ser culpada por “denegrir os bons costumes”, ter vida“desregrada”, ser “mulher de vida fácil”. O acusado, condenado a 15 anos de cadeia, cumpriu um terço da pena em penitenciárias no Rio de Janeiro, ganhou liberdade condicional e desde 1997 nada deve à Justiça.

Deslocando o problema para os dias atuais depois de uma série de leis e outras medidas conquistadas pelos movimentos de mulheres com a criação de políticas públicas para coibir esses delitos, em 7 de agosto de 2006, o enfrentamento à violência domestica no Brasil contabilizou a Lei nº 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha, nome de uma das vítimas de violência doméstica que levou seu processo até a ONU e conseguiu aval para a prisão do marido agressor. E processou o Estado brasileiro por negligência.

Além do impacto nestes primeiros anos de vigência, essa lei representa uma das mais importantes conquistas dos movimentos feministas brasileiros. Contudo, não é possível dizer que haja consenso na sua aplicação, ao reformular medidas legais e procedimentos da área jurídica de forma mais efetiva. O fenômeno hoje é tipificado como crime e as reações são vistas de vários aspectos. Há críticas dos que atendem à promoção dos direitos humanos, dos estudiosos das questões sociais e dos representantes do sistema judiciário.

Com a aplicação da LMP houve mudanças do tratamento legal da situação de violência doméstica devido a uma série de exigências procedimentais na sua instauração com uma re-novação do papel do Judiciário afim de este adequar-se à criação dos Juizados Especializados, de Núcleos de Defensoria Pública, de serviços de atendimento de uma equipe multidisciplinar implantadas nas Varas de Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Foram revistos os procedimentos dos Centros de Referência já existentes, das Casas-Abrigo e das DEAMS.

Apesar dos avanços, alguns operadores da lei demonstram a ainda baixa receptividade de todo o corpo jurídico para manter com presteza os serviços de atendimento às vitimas da violência domestica causando impacto em muitas situações que deveriam ser resolvidas de imediato.

Nos sete anos de aplicação da Lei Maria da Penha, há muitos avanços, mas precisa muito discernimento dos aplicadores da lei ainda subservientes às representações da velha tradição, teimando em não admitir como crime os casos de violència doméstica contra as mulheres.

(Texto originalmente publicado em "O Liberal" em 19/08)

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

A CRISE AMERICANA E O EFEITO POLÍTICO



O sistema capitalista se alimenta de crises, dizem alguns analistas da economia política que estudam as relações entre a economia e o poder no interior das nações. Em 1929 os Estados Unidos conheceram o que é vista ainda como a sua maior crise econômica, a chamada Grande Depressão. Culpou-se, entre outras situações, a euforia da vitória na Primeira Guerra Mundial. Produzia-se mais, como o caso do trigo que gerou uma super-safra a sobrar no consumo, consumia-se menos (o poder aquisitivo da população não acompanhava o aumento da produção), e quem pensava em ganhar mais na Bolsa de Valores passou a comprar ações de firmas que não se sustentaram no mercado. Veio a conhecida Quinta Feira Negra (24 de outubro de 1929) quando a Bolsa sofreu a maior queda da história e patrocinou suicídios de empresários.

Neste século os norte-americanos estão diante (pois ainda não foi extinta) de uma nova crise. Culpa-se o “boom” imobiliário, com pessoas comprando casas, financiando hipotecas por conta dos juros baixos e acabando por não ter como pagar, “estourando” bancos (que o governo obrigava-se a cobrir dívidas para não fechar casas de crédito tradicionais). Isto e a chegada das negociações pela internet a ponto de criar o NASDAQ, um índice especial de valorização apontado pela Bolsa de Valores de Nova York.

Na verdade, o processo de vai-e-vem da economia, alastrando-se para o plano mundial alavancado pela liderança que os EUA alcançaram depois de 1918 (quando venceram a Primeira Guerra), é muito complicado para ser demonstrado em detalhes percebíveis por quem não é economista nem expert em política de relações internacionais. Uma frase de Henry Ford é sugestiva: “É bom que o povo não entenda nosso sistema bancário e monetário, porque se entendesse, acho que haveria uma revolução antes de amanhã”.

O que me parece curioso agora é ver a receptividade de um problema de outra nação poder afetar a tantas, inclusive a nossa. Semana passada, o governo norte-americano lutou para que o Congresso aprovasse uma dilatação de seu crédito para evitar a moratória. Ganhou a luta e a margem de se endividar aumentou. Aquela assertiva: “devo não nego, pago quando puder”. E enquanto a grande nação do norte se coloca diante da batalha pelo equilíbrio financeiro, cortando gastos como se viu agora com a NASA onde literalmente foram “para o espaço” programas importantes como a volta à lua e a viagem a Marte (com os rescaldos técnicos que chegariam a todos, posto que esse programa espacial criou a chance da TV transmitida para todo mundo e no mesmo instante e/ ou a telecomunicação de longa distância), há uma queda de braço para manter o dólar como a moeda de referência mundial. Hoje, por exemplo, acontece o fato inédito de a moeda brasileira lutar para que o dolar americano passe na dianteira, dando alivio às nossas exportações.

O mundo ficou menor depois de guerras amplas ou/e setorizadas. É verdade que o aumento da produção bélica, gerando empregos no governo de Franklin Roosevelt, amenizou a crise gigante da virada das décadas de 1920 para 1930. E o governo de George W. Bush apostava na guerra pelo petróleo (mais do que a suposta vingança por um ato terrorista, segundo o documentário “Fahrenheit 11/9”de Michael Moore) por seu potencial econômico. Seu assessor do ramo econômico, Alan Greenspan (que vinha desde Reagan, Bush senior e Clinton), do Federal Reserve - FED foi considerado “o guru da globalização financeira”. Juros baixos contrariavam a expectativa de um futuro “boom”. Um documentário sobre o FED e as implicações que levaram ao problema repercutindo agora no governo Obama ganhou o Oscar da categoria em 2009: “Trabalho Interno” (Inside Job), do diretor Charles Fergunson. O filme inicia traçando a arquitetura da crise desde o governo Reagan, quando uma euforia propagandista exibia uma economia acima de qualquer ataque. E acusava pessoas. São vários os nomes citados que sobreviveram governos ganhando até mesmo respaldo de oposição (quem estava num governo republicano prosseguia no democrata).

Das lições dessas coisas, que se refletiram em países emergentes como o nossos (o presidente Lula chegou a chamar de “marolinha”), aprendeu-se que os ricos, no regime capitalista, não podem se considerar eternamente ricos. E os pobres cada vez mais pobres. Embora os EUA tenham fama de ser “a terra da oportunidade” nem sempre os menos aquinhoados (da sorte ou do dinheiro) conseguem subir na escala social.

A ironia ganha corpo agora quando, os cinemas ocidentais, exibem “Capitão America, O Primeiro Vingador”, ícone da xenofobia norte-americana, super-herói que nasceu na 2ª Guerra e hoje é “ressuscitado” até mesmo como porta-estandarte de valores alardeados por otimistas. Digo ironia, pois o herói que se veste com a bandeira americana não deve ser tão valente em economia. Os homens do dólar podiam colocar no lugar dele, agora, o Tio Patinhas. Este sim, sempre foi rico. E “pão duro”. Qualidade que os norte-americanos de hoje devem aprender para sair de uma perigosa lombada.

(Texto originalmente publicado em "O LIberal" de 5/08/2011. Imagem extraída de aveiro-aveiro.olx.pt)