sábado, 27 de novembro de 2010

A IDADE E A MUDANÇA - Lya Luft

Ana Carolina Branco, minha neta, me enviou este texto da Lya Luft e, no email, ela expresssou um "muito legal e verdadeiro, vó".
Repasso às/aos leitoras/es para compartilhar um saber tão incisivo da poeta sobre a questão da mudança. Da idade às várias formas de transformação, o ser humano tem sua afinidade com o que mais lhe custa ao conscientizar-se de suas prioridades existenciais. Por hora estou pensando na idade, nos acúmulos acadêmicos, nos ganhos, nas perdas e no jogo que se entrecruzam na caminhada. Preciso aprender mais ... (LA)




Mês passado participei de um evento sobre o Dia da Mulher.Era um bate-papo com uma platéia composta de umas 250 mulheres de todas as raças, credos e idades.E por falar em idade, lá pelas tantas, fui questionada sobre a minha e, como não me envergonho dela, respondi.Foi um momento inesquecível...A platéia inteira fez um 'oooohh' de descrédito.

Aí fiquei pensando: 'pô, estou neste auditório há quase uma hora exibindo minha inteligência, e a única coisa que provocou uma reação calorosa da mulherada foi o fato de eu não aparentar a idade que tenho? Onde é que nós estamos?'Onde não sei, mas estamos correndo atrás de algo caquético chamado 'juventude eterna'. Estão todos em busca da reversão do tempo.

Acho ótimo, porque decrepitude também não é meu sonho de consumo, mas cirurgias estéticas não dão conta desse assunto sozinhas.Há um outro truque que faz com que continuemos a ser
chamadas de senhoritas mesmo em idade avançada.

A fonte da juventude chama-se "mudança".De fato, quem é escravo da repetição está condenado a virar cadáver antes da hora.

A única maneira de ser idoso sem envelhecer é não se opor a novos comportamentos, é ter disposição para guinadas.

Eu pretendo morrer jovem aos 120 anos.Mudança, o que vem a ser tal coisa?

Minha mãe recentemente mudou do apartamento enorme em que morou a vida toda para um bem menorzinho.Teve que vender e doar mais da metade dos móveis e tranqueiras, que havia guardado e, mesmo tendo feito isso com certa dor, ao conquistar uma vida mais compacta e simplificada, rejuvenesceu.

Uma amiga casada há 38 anos cansou das galinhagens do marido e o mandou passear, sem temer ficar sozinha aos 65 anos.
Rejuvenesceu.

Uma outra cansou da pauleira urbana e trocou um baita emprego por um não tão bom, só que em Florianópolis, onde ela vai à praia sempre que tem sol.
Rejuvenesceu.

Toda mudança cobra um alto preço emocional.Antes de se tomar uma decisão difícil, e durante a tomada, chora-se muito, os questionamentos são inúmeros, a vida se desestabiliza.
Mas então chega o depois, a coisa feita, e aí a recompensa fica escancarada na face.Mudanças fazem milagres por nossos olhos, e é no olhar que se percebe a tal juventude eterna.

Um olhar opaco pode ser puxado e repuxado por um cirurgião a ponto de as rugas sumirem, só que continuará opaco porque não existe plástica que resgate seu brilho.
Quem dá brilho ao olhar é a vida que a gente optou por levar.Olhe-se no espelho...

Lya Luft

http://estradadobem.blogspot.com/2009/10/idade-e-mudanca-texto-de-lia-luft.html

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA













De 25 de novembro até o dia 10 de dezembro, o mundo realiza a Campanha “16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres” coordenado no Brasil pela AGENDE. Trata-se de um movimento internacional com a participação de 130 países, cujo objetivo é chamar atenção sobre as diversas formas de violência praticadas contra as mulheres, procurando envolver a sociedade no combate a esse crime.

Historicamente essa campanha iniciou em 1991, pela ação de 23 mulheres de diferentes países do Centro de Liderança Global de Mulheres (Center for Women’s Global Leadership - CWGL) com vistas à exposição pública ao debate e a denuncia das variadas formas de violência que acometiam as mulheres no mundo. Foi reconhecida em 1999 pelas Nações Unidas como o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres como protesto dos movimentos internacionais dos direitos humanos pelo assassinato, em novembro de 1960, das irmãs Patrícia, Minerva e Maria Teresa Mirabal, conhecidas como “Las Mariposas”, por agentes da ditadura de Rafael Trujillo, na República Dominicana.
A abrangência do período envolve datas importantes para cumprir o efeito denunciado visto que se vincula à luta pela não violência em defesa dos direitos humanos das mulheres:

- 1º de dezembro é o dia Mundial de Combate à AIDS – objetivando estimular a prevenção e diminuição do vírus , com crescimento significativo entre as mulheres, daí o lançamento do Plano de Enfrentamento da Feminização da AIDS e outras DSTs;

- 6 de dezembro: massacre de mulheres em Montreal (Canadá)- 14 estudantes da Escola Politécnica de Montreal foram assassinadas inspirando a criação da Campanha do Laço Branco com a mobilização mundial de homens pelo fim da violência contra as mulheres, no Brasil sendo legalizado pela Lei nº 11.489 de 20/06/2007;

- 10 de dezembro - Dia Internacional dos Direitos Humanos , visto que nesse dia, em 1948 foi adotada a Declaração Universal dos Direitos Humanos pela ONU, respondendo à violência da Segunda Guerra Mundial.

No Brasil, mais uma data está incluída nessa agenda: 20 de novembro – Dia Nacional da Consciência Negra. Instituído em 1998, aponta para a inclusão do negro na sociedade brasileira e sua batalha contra a escravidão. Nesse dia, em 1695, foi assassinado Zumbi dos Palmares, ícone da luta pela liberdade e contra o escravismo. Chama-se a atenção para a situação das mulheres negras que além da violência de gênero sofrem também a racial.

A violência é um termo polissêmico e o seu uso aponta para as formas diferenciadas de constrangimentos morais, coativos ou através da força física explícita, aplicada por uma pessoa contra outra, num ambiente que pode ser tanto público - no contexto social e político – como privado, no espaço familiar. Alguns autores consideram o ato violento não apenas em situações episódicas agudas como a violência física, mas incluem também aquelas formas evidentes de distribuição desigual de recursos em todos os seus matizes. Outro aspecto explicativo desse ato é o da violência estrutural do Estado e o das instituições, cujos vetores criam um sistema coordenado de medidas que geram e reproduzem a desigualdade.

Esta percepção levou ao reconhecimento de que certos comportamentos nas relações sociais, embora fossem vistos como “naturais” tramavam contra a dignidade humana. A denúncia dos movimentos de mulheres ao tratamento que suas congêneres recebiam nos locais onde mantinham convivência, ao serem impedidas de participar de determinada atividade, por exemplo, em casa, quando eram agredidas pelo marido, pelos filhos ou pais ao deixarem de fazer determinadas tarefas domésticas, essas atitudes passaram a ser percebidas pela sociedade como atos de violência e, atualmente, recebem o tratamento devido de entidades governamentais e não governamentais que consideram essas condutas destrutivas da condição humana.

Segundo a Sociedade Mundial de Vitimologia (Holanda), em pesquisa junto a 138 mil mulheres de 54 países, o Brasil é o que mais sofre com a violência doméstica,

Dados do Ligue 180 (janeiro a maio 2010), do Observatório de Gênero da Secretaria de Política para as Mulheres, apontam o quadro de violência doméstica entre as brasileiras: o tipo de crime com maior incidência é a ameaça à vida (51,3%), do companheiro/cônjuge (53%), num tempo da relação de 10 anos ou mais (38%), ocorrendo a violência desde o início da relação (39,8%), com risco de espancamento (48,4%) e morte (48,8%). Há dependência financeira com o agressor (40,2%), embora ocorra também sem ela ( 59.8%). Os filhos presenciam a violência contra a mãe (68%), sendo que são as próprias vítimas (86.9%). que ligam ao 180 para denunciar a violência física sofrida (57%).





(Texto publicado em "O Liberal", em 26/11/2010)





sábado, 20 de novembro de 2010

A REPÚBLICA NO PARÁ

Quando se comemora mais um aniversário do governo republicano no país é interessante observar como ele se instalou no Pará e/ou como foi recebido pelas classes sociais, evidenciando-se por imposição histórica o papel de algumas famílias ligadas aos meios de produção, identificando-se os que estavam ou se assentaram no poder social e político local.

A vastidão e complexidade do assunto é alvo de muitos trabalhos de historiadores, mas penso no que me deu base para uma dissertação de mestrado apresentada ao NAEA em 1990 e com publicação prevista para o próximo ano conservando o titulo “Saias, Laços e Ligas: Construindo imagens e lutas” (a sair pela Paka-Tatu).

A implantação do regime republicano no Pará, reponta num momento em que o Estado vivia a "belle epoque". É a fase do esplendor da borracha, refletindo-se na rápida urbanização, em que o social e o comercial evidenciam o fortalecimento do poder político de uma classe que já dispunha de mecanismos de dominação, no regime anterior, os proprietários de terras. Esta classe, que se manteve dominante até aproximadamente meados do século XX, era descendente de militares, funcionários e colonos que haviam sido contemplados com sesmarias, no período colonial. Uma crise interna havia fraturado a hegemonia desse bloco no período cabano.

Entre as formas de reprodução social que a classe privilegiada procurou desenvolver para reaver certas perdas advindas com a abolição, estão as alianças matrimoniais realizadas entre familias abastadas, representando um dos papéis mais importantes na retomada do poder.

Com o desenvolvimento do comércio e integração maior à economia mercantil, as alianças matrimoniais do século XIX vão depender menos da propriedade fundiária, como acontecia no Brasil Colônia, entretanto, vão ter papel de grande peso na formação da classe socialmente dominante no período seguinte.

O fortalecimento do setor agro-exportador gomífero a partir da segunda metade do século XIX, fez emergir uma classe com funções específicas dessa economia, com os donos de seringais, os "aviadores", os varejistas, os exportadores, os importadores (na sua maioria, de nacionalidade estrangeira), além dos empresários do tráfego fluvial, ou seja, os armadores. Neste período, a posse da terra passou a ser conflituosa entre os seringalistas latifundiários. Os proprietários de terras permaneceram no domínio da estrutura econômica, que dividem, agora, com os novos agentes sociais, os "aviadores" de prestígio incorporado devido à importância do seu papel no setor terciário, num período (1899 a 1910) em que as cotações da borracha apresentavam-se, na fase de aceleração com o rápido crescimento dos preços do produto, embora sujeitos a fortes flutuações, "as mais pronunciadas de toda a série".

A elite paraense, nesse período mantém as bases na estrutura fundiária, diversificada entre os latifundiários seringalistas e os fazendeiros. A fração de classe que emerge com a economia gomífera é representada pelo comércio, quer dos citados "aviadores" quer dos varejistas. Há ainda outros elementos que se associam aos interesses dessa classe, a burocracia local, ou seja, os funcionários alfandegários - uma categoria que realçou principalmente no período de aceleração da produção gomífera. Há ainda os armadores e os altos representantes dos bancos e de casas seguradoras.

Com esses setores tendo interesses específicos e particulares, pode-se deduzir daí o que representou, nesse período, a criação de partidos políticos que afinassem organicamente com cada grupo. O federalismo possibilitava a autonomia do Estado e o quadro partidário que se organizasse teria base local. Com a dominação econômica nas mãos dos proprietários de terras e dos comerciantes, a hegemonia política do novo sistema seria realizada por estes grupos que se intitulavam "classe conservadora".

Há outro grupo que se alinha aos demais, nesta primeira fase republicana: os militares, responsabilizados pela fratura da hegemonia do bloco monárquico. É de supor que os ligados às Forças Armadas são representantes de uma classe média intelectualizada, alguns bacharéis (Lauro Sodré, Inocêncio Serzedelo Corrêa, Virgílio Henrique Muller). Os militares da Armada (Arthur Índio do Brasil) e da Guarda Nacional seriam originários da elite, alguns exercendo atividades no comércio local no ramo das profissões liberais ou como proprietários de terras.

Como ilustração da importância de uma classe social na mudança de regime (do monárquico ao republicano) cito a família Chermont. O seu poder político é notado desde o império, evidenciando-se as alianças matrimoniais de seus membros desde o século XVIII quando o jovem Theodosio Constantino de Chermont casou-se com a filha de um abastado proprietário, o Capitão Mor das Ordenanças de Belém e depois Mestre de Campo de um dos Terços de Infantaria de S. José de Macapá, José Miguel Ayres, premiado por S. Majestade , em 1741, com a concessão de uma sesmaria na Região do Rio Capim, parte setentrional do Pará. Esse tipo de união, com variações ou adaptações às condições socioeconômicas subseqüentes repetiu-se por três gerações.

A exemplificação da família Chermont demonstra a influência que grupos econômicos exerceram na formação político-partidária do alvorecer republicano, deixando em pendência a trajetória de outros eminentes do período.


(Texto publicado em "O Liberal" em 19/11/2010)

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

EXPECTATIVAS & FRUSTRAÇÕES

Depois das eleições chega-se à “hora da verdade”. O/a eleitor/a que avaliou as promessas de campanha dos diversos candidatos/as (aos cargos majoritários e proporcionais) passa a ser o cobrador dessas benesses prometidas. E chega o tempo em que os próprios candidatos/as, hoje vitoriosos, devem considerar o que foi cogitado, muitas vezes a conselho de marqueteiros que vislumbraram formas de incentivo à campanha para vencer o pleito.

É comum imbuir na pretensão ao cargo eletivo resolução rápida de problemas que dificilmente seriam solucionados com brevidade ou explorar a construção de uma Utopia a desafiar, até por corrigir alguns preconceitos emitidos na idéia histórica, na sociedade concebida por Sir Thomas More.

Hoje, o triângulo das promessas, ou o que mais se evidencia na expectativa popular, é composto de saúde, segurança e educação. As três vertentes estão ligadas, no sistema político em que vivemos, à economia. Mas como na história das mil e uma noites, o eleitorado não pensa em gastos financeiros. Pensa, sim, no ganho de seu salário, acomodando este fator aos itens sugeridos. Então seria como pedir ao Gênio da Lâmpada que o livre dos assaltos nas ruas, que lhe dê socorro médico a tempo e a hora e que lhe facilite a educação de filhos/as (e a si próprio).

As pessoas dificilmente mostram-se satisfeitas com o que conseguiram ganhar ou com a continuidade de um bem. Geralmente querem a melhoria do que alcançaram e esperam obter outros serviços aos quais não tiveram acesso. E não se diga que a ambição de tempos melhores é uma forma de evitar o conformismo. É simplesmente a idéia de que outras benfeitorias podem trazer a satisfação de suas necessidades básicas.

Na democracia, a síntese de governo como “do povo para o povo” requer uma responsabilidade que manipula variáveis muitas vezes conflitantes. Nem sempre o que é bom para uns é bom para outros. No caso, espera-se que se contente a maioria. E para isso é cobrado dos poderes constituídos uma resolução abrangente. Mas é difícil para os membros desse poderes conseguirem casar as suas idéias com as possibilidades reais do Estado. Entra em cena o fator econômico que muitas vezes é escamoteado do eleitorado como um “ponto” do teatro. Surge, então, outro item importante na troca de governo: a continuação ou não do que foi ou do que está sendo feito. Por exemplo: se o país conseguiu driblar uma grande crise econômica de caráter internacional pela habilidade com que foi trabalhada a economia nacional, pergunta-se: uma nova orientação é extremamente necessária apenas por ser nova? Ou é importante a adequação de algumas arestas dessas políticas para enfrentar as supostas “bolhas” que estão sendo denunciadas por alguns jornalistas políticos e economistas? Se um Ministério ou uma Secretária de Estado está cumprindo com eficiência a sua missão este órgão deve ser mexido para que assuma uma assinatura diferente?

Há de se considerar que os caminhos da utopia precisam ser palmilhados mesmo que não se encontre um fim. Os pólos do citado triângulo (saúde, segurança, educação) sempre estão precisando de formas (nem se diga “reformas”, mas simplesmente métodos mais objetivos). Como são ângulos extremamente heterogêneos, a dificuldade de se tratar de tudo e de todos em um período de governo é mesmo um processo fantasioso a voltar aos contos árabes. De qualquer forma, há meios de demonstrar como serão tratados os problemas. Por exemplo: mais postos de atendimento para saúde, mais hospitais (e, principalmente, mais médicos); mais efetivos políciais nas ruas e meios de rápido atendimento à população; e mais escolas com professores. Tudo isso requer mais financiamento porque é necesssário o provimento digno de salários a esses profissionais. E não se pede uma solução “mágica” como o retorno do CPMF, uma válvula que se fecha por um lado e abre por outro (sabe-se do quanto o mercado sofre com um imposto a mais – e, no caso, inclemente). Precisa-se, isto sim, de um bom planejamento. E nada se faz do dia para a noite desde que não se jogue um problema para frente - ou, como diz o povo, “empurrar com a barriga”.

Os/as eleitos/as comemoram a aprovação nas urnas, mas devem saber que sua carreira política requer estratégias que desafiam capacidades. E o tempo, no caso, sempre é um inimigo, posto que as pessoas que os elegeram não esperam na hora da cobrança.
O desejo do cidadão e da cidadã é que uma consciência política atue entre os/as eleitos/as acima de suas ambições particulares ou partidárias.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

A “INVENÇÃO” DA MULHER NA POLÍTICA


O Brasil está ainda impactado com a eleição de Dilma Rousseff, a primeira mulher a ocupar o cargo de Presidente da República. Não é para menos. Se há 78 anos o olhar espantado era para as “eleitoras”, ou seja, para as mulheres que haviam conquistado o direito de votar nos seus representantes políticos, havendo clara alusão de intelectuais e da mídia da época às “mulheres públicas”, combinando com a menção às prostitutas, o que dizer hoje da que ousou aceitar sua candidatura, lutou pela vitória e foi eleita para o mais alto cargo político do país?

Fundamentado num sistema vertebrado pelo patriarcalismo cuja retórica assume regras determinantes de condutas no relacionamento entre os gêneros, ao definir a constituição da esfera pública para a participação de “cidadãos” na “política”, diferentemente da esfera privada porque “naturalmente” assumida pelas mulheres, o sistema político estabeleceu regras diferenciadas de inclusão e de exclusão dos membros do demos na polis moderna. Mas se essas regras mantinham apoios institucionais (Constituições, Códigos Eleitorais) estes não menos se expressavam em “leis sociais” forjando e reproduzindo idéias de uma imagem feminina ética, fragil, instável e sem força para garantir as permanentes batalhas políticas que se interpunham nos conflitos partidários e eleitorias desde tempos pretéritos. E às que ousavam quebrar os ritos estabelecidos, sem dúvida recaía a censura da sociedade.

Há 25 anos tenho me debruçado nos estudos e pesquisas sobre a questão da desigualdade nas relações de gênero com ênfase na política. Uma ampla literatura nacional e internacional tem sido minha companheira em avaliar os porquês de as mulheres inventarem fórmulas para pressionar a sociedade e os governos por suas demandas próprias e, dessa forma, conquistar recursos vitais para a sua sobrevivência. Salários iguais, condições de trabalho, participação política, rompimento com a violência doméstica e sexual, foram problemas debatidos e se transformaram em políticas públicas que têm sido aprovadas e implementadas. Nada têm “caindo do ceu” para contemplá-las nessa longa caminhada de questionamentos sobre como manter a dimensão democrática equilibrada no ponto-chave desses princípios. É desse acúmulo de abordagens que tenho presenciado a grande revolução construída pelas mulheres ao mostrarem não só o seu protagonismo, mas a responsabilidade na transformação social.

Quem acompanhou os embates nestes meses de campanha entre os candidatos à presidência da república observou que a midia, as redes sociais e o próprio candidato opositor, além de outras lideranças partidárias, ensaiaram inúmeros apelos discriminatórios contra Dilma Rousseff. Um dos primeiros foi o descredenciá-la pela ausência de uma carreira política (falta de exposição do nome nas urnas) versus demanda por um cargo para a presidência da república. A expectativa era creditar a incompetência feminina para a gestão política. Seguiram-se a de “tutelada” de Lula, a “terrorista”, a “abortista”, a “sem Fé religiosa” e tantos outros epítetos que foram somados aos discursos que procuraram desqualificá-la para o cargo. Sem querer entrar no enfoque sobre as ações massivas objetivando a disseminação da “falsa informação”, e de prognósticos de decepção e dúvida sobre seu governo, no caso de uma possível vitória da candidata – argumentos que julgo mais no âmbito da luta político-partidária do que de discriminações das relações de gênero – o que pode ser configurado com o discurso sexista nessa campanha foi considerá-la tutelada e, portanto, não possuir nenhuma base de conhecimento de políticas de governo para o país. Por que ela era a “sombra”, o “arremedo”, a caricatura e, assim, quem governaria seria Lula e não ela.

Por outro lado, o fato de ser considerada adepta de políticas favoráveis ao aborto e de não possuir nenhum credo religioso, se pensado somente no ângulo partidário, destoa do aspecto discutido sobre a discriminação de gênero. Porque são “temas de mulher” relacionados à “missão materna” desfavorecida pelo ato considerado criminoso que se relaciona com a devoção religiosa muito marcada pela presença feminina.

Hoje as manifestações discriminatórias são outras. Aceita incontinente a condição de eleita, a nova presidente do Brasil está sendo suspeita de não conseguir desenvolver os programas de governo, duvidando-se sobre a sua capacidade de articulação política, de enfrentamento de questões que precisam ser combatidas desde o primeiro momento de sua posse. Como disse a Profa. Cristina Maneschy: “O problema é que já se constrói uma representação de dúvida e de incerteza, como que preparando os corações para uma tragédia anunciada”.

Na frase de Dilma, vê-se a esperança de que as mulheres brasileiras “inventem” o futuro democrático: “A igualdade de oportunidades para homens e mulheres é um principio essencial da democracia. Gostaria muito que os pais e mães de meninas olhassem hoje nos olhos delas, e lhes dissessem: SIM, a mulher pode!”


(Texto publicado em "O Liberal"(PA) em 04/11/2010)

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

PRONUNCIAMENTO DA PRESIDENTA ELEITA DILMA




Minhas amigas e meus amigos de todo o Brasil,

É imensa a minha alegria de estar aqui. Recebi hoje de milhões de brasileiras e brasileiros a missão mais importante de minha vida. Este fato, para além de minha pessoa, é uma demonstração do avanço democrático do nosso país: pela primeira vez uma mulher presidirá o Brasil. Já registro, portanto aqui meu primeiro compromisso após a eleição: honrar as mulheres brasileiras, para que este fato, até hoje inédito, se transforme num evento natural. E que ele possa se repetir e se ampliar nas empresas, nas instituições civis, nas entidades representativas de toda nossa sociedade.

A igualdade de oportunidades para homens e mulheres é um principio essencial da democracia. Gostaria muito que os pais e mães de meninas olhassem hoje nos olhos delas, e lhes dissessem: SIM, a mulher pode!

Minha alegria é ainda maior pelo fato de que a presença de uma mulher na presidência da República se dá pelo caminho sagrado do voto, da decisão democrática do eleitor, do exercício mais elevado da cidadania. Por isso, registro aqui outro compromisso com meu país:

• Valorizar a democracia em toda sua dimensão, desde o direito de opinião e expressão até os direitos essenciais da alimentação, do emprego e da renda, da moradia digna e da paz social.
• Zelarei pela mais ampla e irrestrita liberdade de imprensa.
• Zelarei pela mais ampla liberdade religiosa e de culto.
• Zelarei pela observação criteriosa e permanente dos direitos humanos tão claramente consagrados em nossa constituição.
• Zelarei, enfim, pela nossa Constituição, dever maior da presidência da República.

Nesta longa jornada que me trouxe aqui pude falar e visitar todas as nossas regiões.
O que mais me deu esperanças foi a capacidade imensa do nosso povo, de agarrar uma oportunidade, por mais singela que seja, e com ela construir um mundo melhor para sua família. É simplesmente incrível a capacidade de criar e empreender do nosso povo. Por isso, reforço aqui meu compromisso fundamental: a erradicação da miséria e a criação de oportunidades para todos os brasileiros e brasileiras.
Ressalto, entretanto, que esta ambiciosa meta não será realizada pela vontade do governo. Ela é um chamado à nação, aos empresários, às igrejas, às entidades civis, às universidades, à imprensa, aos governadores, aos prefeitos e a todas as pessoas de bem.

Não podemos descansar enquanto houver brasileiros com fome, enquanto houver famílias morando nas ruas, enquanto crianças pobres estiverem abandonadas à própria sorte. A erradicação da miséria nos próximos anos é, assim, uma meta que assumo, mas para a qual peço humildemente o apoio de todos que possam ajudar o país no trabalho de superar esse abismo que ainda nos separa de ser uma nação desenvolvida.

O Brasil é uma terra generosa e sempre devolverá em dobro cada semente que for plantada com mão amorosa e olhar para o futuro. Minha convicção de assumir a meta de erradicar a miséria vem, não de uma certeza teórica, mas da experiência viva do nosso governo, no qual uma imensa mobilidade social se realizou, tornando hoje possível um sonho que sempre pareceu impossível.

Reconheço que teremos um duro trabalho para qualificar o nosso desenvolvimento econômico. Essa nova era de prosperidade criada pela genialidade do presidente Lula e pela força do povo e de nossos empreendedores encontra seu momento de maior potencial numa época em que a economia das grandes nações se encontra abalada.

No curto prazo, não contaremos com a pujança das economias desenvolvidas para impulsionar nosso crescimento. Por isso, se tornam ainda mais importantes nossas próprias políticas, nosso próprio mercado, nossa própria poupança e nossas próprias decisões econômicas.

Longe de dizer, com isso, que pretendamos fechar o país ao mundo. Muito ao contrário, continuaremos propugnando pela ampla abertura das relações comerciais e pelo fim do protecionismo dos países ricos, que impede as nações pobres de realizar plenamente suas vocações.

Mas é preciso reconhecer que teremos grandes responsabilidades num mundo que enfrenta ainda os efeitos de uma crise financeira de grandes proporções e que se socorre de mecanismos nem sempre adequados, nem sempre equilibrados, para a retomada do crescimento.

É preciso, no plano multilateral, estabelecer regras mais claras e mais cuidadosas para a retomada dos mercados de financiamento, limitando a alavancagem e a especulação desmedida, que aumentam a volatilidade dos capitais e das moedas.

Atuaremos firmemente nos fóruns internacionais com este objetivo.

Cuidaremos de nossa economia com toda responsabilidade. O povo brasileiro não aceita mais a inflação como solução irresponsável para eventuais desequilíbrios. O povo brasileiro não aceita que governos gastem acima do que seja sustentável.

Por isso, faremos todos os esforços pela melhoria da qualidade do gasto público, pela simplificação e atenuação da tributação e pela qualificação dos serviços públicos. Mas recusamos as visões de ajustes que recaem sobre os programas sociais, os serviços essenciais à população e os necessários investimentos.

Sim, buscaremos o desenvolvimento de longo prazo, a taxas elevadas, social e ambientalmente sustentáveis. Para isso zelaremos pela poupança pública.

Zelaremos pela meritocracia no funcionalismo e pela excelência do serviço público.

Zelarei pelo aperfeiçoamento de todos os mecanismos que liberem a capacidade empreendedora de nosso empresariado e de nosso povo. Valorizarei o Micro Empreendedor Individual, para formalizar milhões de negócios individuais ou familiares, ampliarei os limites do Supersimples e construirei modernos mecanismos de aperfeiçoamento econômico, como fez nosso governo na construção civil, no setor elétrico, na lei de recuperação de empresas, entre outros.

As agências reguladoras terão todo respaldo para atuar com determinação e autonomia, voltadas para a promoção da inovação, da saudável concorrência e da efetividade dos setores regulados.

Apresentaremos sempre com clareza nossos planos de ação governamental. Levaremos ao debate público as grandes questões nacionais. Trataremos sempre com transparência nossas metas, nossos resultados, nossas dificuldades.

Mas acima de tudo quero reafirmar nosso compromisso com a estabilidade da economia e das regras econômicas, dos contratos firmados e das conquistas estabelecidas.
Trataremos os recursos provenientes de nossas riquezas sempre com pensamento de longo prazo. Por isso trabalharei no Congresso pela aprovação do Fundo Social do Pré-Sal. Por meio dele queremos realizar muitos de nossos objetivos sociais.
Recusaremos o gasto efêmero que deixa para as futuras gerações apenas as dívidas e a desesperança.

O Fundo Social é mecanismo de poupança de longo prazo, para apoiar as atuais e futuras gerações. Ele é o mais importante fruto do novo modelo que propusemos para a exploração do pré-sal, que reserva à Nação e ao povo a parcela mais importante dessas riquezas.

Definitivamente, não alienaremos nossas riquezas para deixar ao povo só migalhas. Me comprometi nesta campanha com a qualificação da Educação e dos Serviços de Saúde. Me comprometi também com a melhoria da segurança pública. Com o combate às drogas que infelicitam nossas famílias.

Reafirmo aqui estes compromissos. Nomearei ministros e equipes de primeira qualidade para realizar esses objetivos. Mas acompanharei pessoalmente estas áreas capitais para o desenvolvimento de nosso povo.

A visão moderna do desenvolvimento econômico é aquela que valoriza o trabalhador e sua família, o cidadão e sua comunidade, oferecendo acesso a educação e saúde de qualidade. É aquela que convive com o meio ambiente sem agredí-lo e sem criar passivos maiores que as conquistas do próprio desenvolvimento.

Não pretendo me estender aqui, neste primeiro pronunciamento ao país, mas quero registrar que todos os compromissos que assumi, perseguirei de forma dedicada e carinhosa. Disse na campanha que os mais necessitados, as crianças, os jovens, as pessoas com deficiência, o trabalhador desempregado, o idoso teriam toda minha atenção. Reafirmo aqui este compromisso.

Fui eleita com uma coligação de dez partidos e com apoio de lideranças de vários outros partidos. Vou com eles construir um governo onde a capacidade profissional, a liderança e a disposição de servir ao país será o critério fundamental.
Vou valorizar os quadros profissionais da administração pública, independente de filiação partidária.

Dirijo-me também aos partidos de oposição e aos setores da sociedade que não estiveram conosco nesta caminhada. Estendo minha mão a eles. De minha parte não haverá discriminação, privilégios ou compadrio.

A partir de minha posse serei presidenta de todos os brasileiros e brasileiras, respeitando as diferenças de opinião, de crença e de orientação política.

Nosso país precisa ainda melhorar a conduta e a qualidade da política. Quero empenhar-me, junto com todos os partidos, numa reforma política que eleve os valores republicanos, avançando em nossa jovem democracia.

Ao mesmo tempo, afirmo com clareza que valorizarei a transparência na administração pública. Não haverá compromisso com o erro, o desvio e o malfeito. Serei rígida na defesa do interesse público em todos os níveis de meu governo. Os órgãos de controle e de fiscalização trabalharão com meu respaldo, sem jamais perseguir adversários ou proteger amigos.

Deixei para o final os meus agradecimentos, pois quero destacá-los. Primeiro, ao povo que me dedicou seu apoio. Serei eternamente grata pela oportunidade única de servir ao meu país no seu mais alto posto. Prometo devolver em dobro todo o carinho recebido, em todos os lugares que passei.

Mas agradeço respeitosamente também aqueles que votaram no primeiro e no segundo turno em outros candidatos ou candidatas. Eles também fizeram valer a festa da democracia.

Agradeço as lideranças partidárias que me apoiaram e comandaram esta jornada, meus assessores, minhas equipes de trabalho e todos os que dedicaram meses inteiros a esse árduo trabalho. Agradeço a imprensa brasileira e estrangeira que aqui atua e cada um de seus profissionais pela cobertura do processo eleitoral.

Não nego a vocês que, por vezes, algumas das coisas difundidas me deixaram triste. Mas quem, como eu, lutou pela democracia e pelo direito de livre opinião arriscando a vida; quem, como eu e tantos outros que não estão mais entre nós, dedicamos toda nossa juventude ao direito de expressão, nós somos naturalmente amantes da liberdade. Por isso, não carregarei nenhum ressentimento.

Disse e repito que prefiro o barulho da imprensa livre ao silencio das ditaduras. As criticas do jornalismo livre ajudam ao pais e são essenciais aos governos democráticos, apontando erros e trazendo o necessário contraditório.

Agradeço muito especialmente ao presidente Lula. Ter a honra de seu apoio, ter o privilégio de sua convivência, ter aprendido com sua imensa sabedoria, são coisas que se guarda para a vida toda. Conviver durante todos estes anos com ele me deu a exata dimensão do governante justo e do líder apaixonado por seu pais e por sua gente. A alegria que sinto pela minha vitória se mistura com a emoção da sua despedida.

Sei que um líder como Lula nunca estará longe de seu povo e de cada um de nós. Baterei muito a sua porta e, tenho certeza, que a encontrarei sempre aberta. Sei que a distância de um cargo nada significa para um homem de tamanha grandeza e generosidade. A tarefa de sucedê-lo é difícil e desafiadora. Mas saberei honrar seu legado. Saberei consolidar e avançar sua obra.

Aprendi com ele que quando se governa pensando no interesse público e nos mais necessitados uma imensa força brota do nosso povo. Uma força que leva o país para frente e ajuda a vencer os maiores desafios.

Passada a eleição agora é hora de trabalho. Passado o debate de projetos agora é hora de união. União pela educação, união pelo desenvolvimento, união pelo país.

Junto comigo foram eleitos novos governadores, deputados, senadores. Ao parabenizá-los, convido a todos, independente de cor partidária, para uma ação determinada pelo futuro de nosso país.

Sempre com a convicção de que a Nação Brasileira será exatamente do tamanho daquilo que, juntos, fizermos por ela.
Muito obrigada.

(Em 31.10.2010 às 22h, em Brasília)