terça-feira, 9 de agosto de 2016

UMA VIDA ... COMEÇOS E RE-COMEÇOS

Foto de março de 1961 - Um barco, os caminhos, as travessias ...

Nada, nada, são 80 anos. Como é chegar a essa idade? Vivendo, ora. Mas a sentença etária define-se pelas fases da vida e a contagem já apresenta um repertório de caracterizações que as áreas de conhecimento, de um modo geral, criam adequações utilizando-se desses formatos para extrair as representações de cada uma.
Do nascimento à velhice as peças de um quebra-cabeça existencial revelam a estrutura da ambiência vivenciada por uma pessoa considerando-se hoje os marcadores sociais da diferença com evidência nas situações de gênero, geração, classe social, raça, orientação sexual. Que em tempos pretéritos condicionava-se nos aportes da cultura de uma natureza humana em que o mundo material definia a condição originária sem mostras de que as fases de vida dos humanos sofria os impactos desses marcadores.
Hoje (09/08) o Pedro Veriano completa 80 anos. Na verdade, a reflexão que faço quer repercutir no que essa idade exprimia para a nossa geração e para o momento atual. Daí a referência aos marcadores sociais. Sem estes não é possível contar hoje a história de alguém. É a História no tempo presente.
Nascido de pais já maduros, conviveu com as brincadeiras infantis de um garoto de classe social média, estudou em casa com professor particular, só criando maior socialização na pré-adolescência quando foi matriculado em colégio particular. Nesse tempo encontrou amigos e conviveu com as brincadeiras próprias ao seu gênero, mas já se iniciara em gostar de cinema, de literatura, de desenho gráfico, de música, de leitura, de ficção científica, de criar enredos para novelas de rádio, de escrever jornalzinho e roteiros para filmes e tirar fotografias.
É esse o adolescente, depois o jovem e, mais tarde, o adulto que definiu sua vida profissional em outros moldes, nos que a família esperava fazê-lo seguir num estudo superior. E a medicina foi o ramo escolhido, considerando que o irmão mais velho já se fizera médico.
O Pedro que eu conheci, já estava na juventude. Na mesma geração que a minha, e embora ele residisse na zona urbana do estado, representava, ao meu ver, aquele jovem que estava “pronto” pra namorar. E dessa fase em diante conjuga-se outro marcador, a heteroafetividade que àquela altura era vista como a situação natural entre os jovens.
E lá se vão muitos anos. No processo de convivência, se ontem a cultura condicionava um modelo feminino à maternidade, à educação dos filhos, ao espaço privado do lar para desenvolver as qualidades naturalizadas ditas “femininas”, e aos meninos a condição era de se tornar o provedor do lar, conquistando o espaço público e o trabalho, aos poucos foram se sucedendo mudanças nesse processo e o aspecto imposto culturalmente e autoritário pela aliança de casamento foi se desfazendo em parceria. A ideia de sujeitar-se a esses modelos masculino e feminino estava internalizada, sendo necessário uma grande onda de novas práticas para contrapor-se aos costumes esperados.
Vimos o tempo passar. Vimos as mudanças sociais se desenvolvendo na trilha do grande projeto de vida sendo construído, que indicava novas personagens entrando em cena (filhas, genros, netos/as, bisneto) daí tratar de começos e re-começos. E se pensávamos em começos, nessas novas historinhas já criávamos processos de re-começo. E a vida continuou e vai continuar.
Ontem perguntei ao Pedro Veriano: como é chegar a essa idade? Ele me disse:
“Fred Astaire morreu aos 88 e foram comunicar ao Irving Berlin, o compositor, que chegou aos 101. Irving estava na casa dos noventa e passeando com seus cachorros pela rua exclamou: “Mas o Astaire? Tão jovem!”. Assim eu me sinto chegando aos 80. A cabeça vai bem e isto me parece o mais importante. E quando todo mundo fala em idade eu penso ainda em Henry Rider Haggard (1886-1925) no seu livro “Ela” (She, 1887) filmado duas vezes com o nome brasileiro “Ela, A Feiticeira”. Ele escreve que o maior inimigo do homem é o relógio, que gradativamente vai registrando seu envelhecimento e, obviamente, o caminho da morte. Medir o tempo dá nisso. Melhor é festejar o que já se venceu. E melhor ainda é aquilatar a qualidade do que passou, o que foi bom, útil, criativo”.