sábado, 25 de dezembro de 2010

PRESENTE DE NATAL






Nos países que adotam o cristianismo o Natal é considerado a época do consumo. É onde mais se vende se compra e se cobra. Misto de festa afetiva e de políticas virtuosas no sentido de contemplar sentimentos e emoções sonegadas durante o ano, o Natal tem festejos e aproximações muitas vezes difíceis de acreditar ocorrerem entre certas pessoas. Assim, o “politicamente correto” nessa época é investir em alguma coisa que indique representações inversas daquelas que demonstraram afastamentos, malquerenças, decréscimo da amizade pela falta de contato mais intenso entre as pessoas, criando sinais de reativação da proximidade. O “bom-presente” seria então aquele com capacidade de favorecer o aconchego no relacionamento, reabilitando os caminhos que se supunham fechados após o distanciamento. Torna-se então um meio de manipulação de variáveis da “boa política” para o regresso eficaz ao seio da familiaridade perdida.

Há de se considerar pelo menos dois tipos de manifestação do que se convencionou chamar de “espírito natalino”: um é representado pelo microcosmo que é a reunião familiar, a demonstração de afeto entre parentes e amigos. Outro é o macrocosmo, o que se pode fazer para se “presentear” uma comunidade. E é aí que entra o ator político, seja o imediatamente festejado com um mandato, seja o que procura se manter na posição que ocupa em seu partido e, por conseqüência, no cargo que este o ajudou a ocupar.

Tanto o Natal em família como o Natal em amplo espaço refletem o consumo. O ato de se trocar presentes em data que comemora o nascimento de Jesus deriva das ofertas dos Reis Magos salientada no Novo Testamento. E no correr dos anos os festejos têm repousado nessa qualidade de presentear. O escritor inglês Charles Dickens expôs o arquétipo do anti-Natal, não necessariamente do ímpio, mas do usurário que se negava a presentear os funcionários de sua loja e/ou ao menos tratá-los bem. Em todas essas figurações passa distante a doação exemplar a ser feita ao “dono da festa”.

As manifestações que visam os/as cidadãos/ãs como beneficiários da celabração natalina repousam nas promoções de órgãos religiosos, públicos ou particulares e nas promoções avulsas de lideranças políticas. Neste último caso, o habitual é presentear com um objeto de ocasião, aquele brinde que se leva para casa como lembrança, pela oportunidade da festa. O presente maior, ou coletivo, nem sempre é exigido na época em que todos parecem vestir a imagem da “boa vontade” (aquela da frase que se lê nos quadros da Ressurreição: “Glória de Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade”). Afinal seria esperar como presente um bem exigido no ato do voto.

A utopia natalina passa pela imagem de uma conscientização do trabalho honesto e profícuo. Setorizando esta proposta, reflete-se o sentido de paz no âmbito global. O mais apropriado seria ganhar do governante o que se acha imprescindível para uma vida de trabalho e união, com o devido respeito que se deve exaltar à própria vida, recebendo as benesses propostas nas campanhas eleitorais. Seria não apenas mudar, como se faz quando se troca de governo, mas conscientizar a mudança, fazendo-a não apenas para contentar o jogo político-partidário, mas para colocar pessoas capazes em lugares onde possam exprimir essa capacidade. Seria ouvir reclamos e discernir quais merecem crédito e quais merecem simplesmente conselhos. Seria usar sempre de honestidade, mesmo contrariando pretensos amigos ou correligionários e /ou arriscando perder a máscara de herói.

Scrooge, o personagem de Dickens, percebia os Natais do passado, do presente e do futuro na aferição de seu comportamento avaro. Reconhecendo os seus erros na jornada pelo tempo, muda radicalmente o seu comportamento e se transforma em benfeitor. Penso que assim um detentor de cargo eletivo deve palmilhar a sua caminhada e tentar reconhecer o que fez como construção, destruição ou simplesmente alheamento à coisa pública. Nesse caminho está o tão falado e na verdade pouco reconhecido espírito natalino. É na construção moral de uma vida que se espelha o melhor presente a Jesus Menino. Não só a mirra, o incenso ou o ouro, mas a capacidade de ser digno do que Ele iria pregar mais tarde, quando adulto.


(Texto publicado originariamente em "O Liberal", 24 e 25/12/2010)


quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

IRINY LOPES NA SECRETARIA ESPECIAL DE POLÍTICAS PARA AS MULHERES

http://www.mulheresnopoder.com.br/
Portal "Mulheres no Poder"





Com a eleição da primeira presidente do Brasil, o país ganha também outras mulheres no poder. Dentre elas a capixaba Iriny Lopes (PT). A deputada federal reeleita foi aceitou o convite da presidente eleita, Dilma Rousseff, e será a ministra-chefe da Secretaria Especial das Mulheres.
O governador eleito, senador Renato Casagrande (PSB), foi ouvido por governistas e achou ótima a escolha da capixaba, a quem chamou de “amiga pessoal”. Ela chegou a ser sondada para assumir a secretaria de Estado de Direitos Humanos, no governo do socialista. Mas teria declinado do convite.
Aos 54 anos, ela foi reeleita em 2010 para o seu terceiro mandato na Câmara dos Deputados. Seu trabalho como parlamentar inclui a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Casa, em 2005. Iriny também já integrou o Conselho de Ética da Câmara e foi relatora do processo que culminou na cassação do ex-deputado André Luiz, do Rio de Janeiro, flagrado num diálogo em que tentava extorquir R$ 4 milhões do empresário de jogos Carlos Cachoeira.
Em 2009, foi relatora da CPI das Escutas Telefônicas Clandestinas, em que pediu o indiciamento do banqueiro Daniel Dantas, do grupo Opportunity. A deputada está no PT desde 1984. Ela pertence a uma ala mais radical do partido e chegou a integrar a chamada “bancada agrária”, simpática ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST).
Outras mulheres. Além de Iriny Lopes, também farão parte do primeiro escalão do Governo Dilma Lúcia Falcon e Tereza Campelo. Falcon, que é secretária de Planejamento de Sergipe assumirá o Ministério do Desenvolvimento Agrário, enquanto Campelo vai para o Ministério de Desenvolvimento Social. A definição das três eleva o número de mulheres no primeiro escalão do governo federal a partir de janeiro.
Dilma também escolheu Luiza Bairros para a Secretaria de Igualdade Racial. Luiza ocupa posto similar no governo baiano. Dilma já indicou a senadora Ideli Salvatti (PT-SC) para a Pesca, a deputada Maria do Rosário (PT-RS) para Direitos Humanos, a jornalista Helena Chagas para Comunicação Social e Miriam Belchior para o Planejamento.
Dilma Rousseff quer ainda uma mulher no Ministério do Esporte. A mais cotada Luciana Santos, ex-prefeita de Olinda. São cotadas para postos na Cultura, na Secretaria da Juventude.
Embora vários sites confirmem a indicação de Iriny Lopes para o governo Dilma, o gabinete da parlamentar, na Câmara Federal, não confirma o convite. Alega que a deputada capixaba está em Brasília para participar de reunião da Bancada petista, que vai escolher seu candidato à presidência da Câmara.
Dilma Rousseff estará completando 63 anos nesta terça 14. Va i comemorar no Rio Grande do Sul,onde se encontra. É pouco provável que ela se encontre com Iriny em Brasília, ou qualquer das outras convidadas. Para o anúncio oficial a assessoria da presidente eleita tem utilizado a divulgação de notas oficiais, como fez a semana passada. É o que deve ocorrer essa semana.

sábado, 18 de dezembro de 2010

HELEIETH SAFFIOTI





Há certa tradição que define o ramo das Ciências Sociais em três subáreas: a Sociologia, a Antropologia e a Ciência Política. Embora sejam definidas as três esferas como comuns ao cientista social que se qualifica no espaço universitário, as correntes teóricas especificas definem linhas de conhecimento destacadas em cada uma a partir de um processo de definição teórico-metodológica. As Ciências Humanas abrangem outros campos das Ciências Sociais, visto tratarem de estudos dos aspectos sociais do mundo humano como a Comunicação, a Economia, Geografia, História, Psicologia, Direito, Lingüística etc. Mas, o que me toca neste texto, é o que dá base à tríade. Em sua base estão autores clássicos como Comte, Durkheim, Marx e Weber (para ficar só nestes), espraiando-se em muitos temas e com inclusão de teóricos que se tornam exemplares na definição de linhas de pesquisa e de enfoques temáticos.

No Brasil, as Ciências Sociais têm seus autores clássicos. De Gilberto Freyre a Raymundo Faoro e Florestan Fernandes, passando por Oliveira Vianna, Tavares Bastos, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Jr., Celso Furtado, Josué de Castro, Victor Nunes Leal, José Murilo de Carvalho, Maria do Carmo Campelo de Souza, Alba Zaluar, Darcy Ribeiro, Maria Isaura Pereira de Queiroz, Roberto Cardoso de Oliveira, Otavio Ianni entre outros. Eles são considerados os principais autores nacionais do século XX e têm influenciado os três campos de estudos conforme o interesse e a influência do ministrante das matérias e disciplinas dessas três áreas no meio acadêmico. Nesse caso, a ênfase de uma área reproduz o interesse em fortalecer sua argumentação. Se Freyre e Fernandes tendem à Sociologia, Faoro e Nunes Leal, ao explorarem teorias sobre o patrimonialismo e o coronelismo tendem a ser priorizados pela Ciência Política; e Ribeiro, Zaluar e Cardoso de Oliveira favorecem o ramo da Antropologia.
Vê-se que os nomes registrados definem o sexo dos teóricos nominados. A menção a uma antropóloga e a uma cientista política, não quer representar a inexistência de grandes sociólogas e teóricas da causa social. Nos referenciais aos autores clássicos que povoam a internet e as bibliografias acadêmicas, as fontes só referem os “varões” cientistas, mas isso não quer dizer que seja uma realidade. Para desfazer esses equívocos, outro texto seria necessário. Contudo, minha intenção aqui é garantir uma homenagem a quem muito fez pela Sociologia brasileira, um nome que teve evidência incondicional nesses estudos: a paulista de Ibirá, Heleieth Iara Bongiovani Saffioti. Sua estatura ultrapassou os limites nacionais e adentrou o campo internacional numa área que ela inaugurou no Brasil, nos anos sessenta e a qual se manteve fiel e radical até a morte (ocorrida no último dia 13 de dezembro): suas contribuições às teorias feministas e aos estudos de gênero como novo vértice da Sociologia, tendo como base a teoria marxista e incluindo categorias como classe, sexo e etnia. Uniu a militância política à produção acadêmica, tornando-se referência no movimento feminista mundial. Tanto que, em 2005, foi indicada ao Nobel da Paz, junto a outras 49 brasileiras (entre as quais Zilda Arns e Luiza Erundina) por integrar o Projeto “Mulheres Mil–Educação, Cidadania e Desenvolvimento Sustentável”.
Seu projeto de vida sempre foi o de avaliar e criticar as representações sociais que não visibilizavam a participação das mulheres e tendiam a marginalizar a produção acadêmica feminina, evidenciando o pensamento androcêntrico com padrões sexistas de legitimidade do conhecimento científico. Dessa situação, privilegiou a teoria do patriarcado usando esse conceito para analisar o problema social da violência doméstica e sexual contra as mulheres.
Uma das características marcantes de Saffioti era a de não estar satisfeita com suas experiências teórico-sociológicas no debate analítico das questões que se propunha a pesquisar. Isto pode ser detectado desde seu livro pioneiro com base na tese de livre-docência que defendeu na UNESP, intitulada "A Mulher na Sociedade de Classes: Mito e Realidade"(1967) publicada em 1969 pela Editora Vozes.
Lendo e analisando outros teóricos para a contribuição ao conceito fundante de sua preocupação, em 2004 escreveu um estudo muito interessante sobre patriarcado, deslocando da análise weberiana para outros autores e autoras que haviam contribuído para esclarecimentos sobre esse conceito. No livro “Marcadas a Ferro (Org. Márcia Castillo-Martín e Suely de Oliveira, 2005), o texto “Gênero e Patriarcado: a necessidade da violência” revela-se um estudo exemplar nesse debate.Os/as brasileiros/as precisam melhor conhecer essa grande figura feminina que foi aguerrida na conquista dos direitos das mulheres. Da academia à militância, H.I.B Saffioti sempre se manteve fiel à Sociologia contemporânea, que passou a abrir espaço para as teorias críticas sobre as representações preconceituosas contra as mulheres



Texto publicado em "O Liberal" (Belém/PA) em 17/12/2010






quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

TRIBUTO DE SAUDADE A SAFFIOTI




Heleieth I.B. Saffioti , a grande pesquisadora, pensadora, professora, feminista faleceu no ultimo dia 13, aos 76 anos, em São Paulo/SP. O mundo intelectual brasileiro perdeu não só uma grande incentivadora dos estudos sobre a questão da mulher, mas e principalmente sobre a violência doméstica, o marxismo, a história das mulheres brasileiras, escrevendo um dos livros mais importantes para estes estudos hoje esgotado: “A Mulher na sociedade de classes- mito e realidade”)1969). Foi importante na formação de toda uma geração e esse testemunho pode ser dados por quantos leram seus livros, artigos ou presenciaram suas conferências, palestras em tantos eventos nacionais e internacionais.
Ao notificar esse infausto entre as colegas do GEPEM/UFPA, recebi inúmeros emails que passo a publicar. (Luzia Álvares)

Disse A Dra. Maria Cristina Maneschy( PPGCS/UFPA):

Heleieth I.B. Saffioti foi uma grande pesquisadora sobre a condição da mulher.
Através do GEPEM (Grupo de Estudos e Pesquisas Eneida de Moraes sobre Mulher e
Relações de Gênero), soube hoje da morte da Professora Heleieth Safiotti, uma
das pesquisadoras que abriu ricos caminhos de investigação
sobre a condição social da mulher no Brasil. Caminhos que se abriram e não mais fecharam ou, melhor dizendo, ampliaram-se e enveredaram por vias muito profícuas, através dos estudos feministas e de gênero.

Não a conheci pessoalmente. Mas, certamente, compartilho com muitos colegas o reconhecimento de que ela foi uma referência na formação dos cientistas sociais brasileiros. Em seu grande livro “A mulher na sociedade de classes, nos anos 1970, sob uma perspectiva marxista, ela levou seus leitores a compreenderem essa "condição", ou seja, essa posição social particular da mulher, seu status diferenciado do status dos homens, na dinâmica social mais ampla. As discriminações que as mulheres sofriam, expressas com especial clareza nas principais características de sua inserção no mercado de trabalho, não eram resultado de uma disfunção, ou de uma visão atrasada, sobretudo em sociedades economicamente menos desenvolvidas. Visão que, portanto, seria superada com a modernização.

Safiotti evidenciava, por exemplo, através das estatísticas sobre trabalho feminino no Brasil, o quanto elas estavam atrás em carteira de trabalho assinada, salários e acesso ao emprego formal.
A notar que, com sua respeitável bagagem acadêmica, ela elaborou um estudo pioneiro sobre o emprego doméstico - que era então, disparado, o principal absorvedor da força de trabalho feminina no país. Eram trabalhadoras que tinham alcançado há apenas poucos anos, em 1972, uma cobertura mais convincente de direitos trabalhistas. A nova legislação deixava para trás aspectos das relações servis que as profissões domésticas haviam recebido do escravismo e que teimavam em permanecer nas relações entre patrões/patroas e empregados, sobretudo empregadas, pois eram mulheres que prevaleciam numericamente nessas profissões.
Pois bem, Heleieth Safiotti analisou com notável profundidade teórica e empírica, várias teias que ligavam as discriminações, não só de gênero, mas também étnicas, e as rodas da economia capitalista. Também no capitalismo moderno, a divisão sexual do trabalho era um elemento estrutural da ordem social. Neste caso, herdando princípios de classificação subalterna historicamente anteriores, as mulheres apresentavam-se como força de trabalho passível de um grau de exploração mais acentuada, em benefício dos empregadores. Na condição social da mulher trabalhadora conjugavam-se sistemas discriminatórios de gênero e de classe, contribuindo a sua maneira para a reprodução do modo de produção cujo móvel é a acumulação.
Ademais, as mulheres, que haviam sido alvo de pouca atenção entre os clássicos das Ciências Sociais, apareciam também desempenhando papéis de grande relevo na sustentação do sistema econômico. De um lado, concebidas e auto concebendo-se como "ajudantes", trabalhadoras secundárias, de menor importância, elas assumiamcom frequência funções que Marx havia analisado como parte do "exército industrial de reserva", do tipo que podiam ser dispensadas e reabsorvidas conforme os ciclos econômicos. E, ainda, com seu labor gratuito na manutenção cotidiana dos trabalhadores da ativa e das próximas gerações, as mulheres no lar também foram percebidas como estruturalmente ligadas com a reprodução da ordem social de classe. Elas contribuíam para rebaixar o valor da mão de obra no mercado. As ideologias de gênero amenizavam a percepção dessas forma de exploração que se davam dentro e fora dos espaços da produção econômica.
Estas linhas sobre seus estudos de fato não fazem justiça à obra da autora e ao impacto que suscitou no meio acadêmico. Faço estas reflexões no sentido de reafirmar a importância de um estudo que pioneiramente no Brasil analisou as vivências das mulheres trabalhadoras e sua importância sociológica. Suas pesquisas contribuíram para uma compreensão mais política dos trabalhos no lar, para a politização da categoria cuidado, que a pesquisa feminista impulsionou e
que o movimento feminista conseguiu muitas vezes traduzir em políticas.

A Dra. Luanna Tomaz (PPPD/UFPA) disse:

(....) expresso meu pesar pela morte desta grande mulher, que conheci quando a mesma veio em Belém, e que tanto contribui para os estudos sobre mulher e feminismo em nosso país.


A Dra. Ana Cleide Moreira (PPGP/UFPA)

Colegas,

Minha homenagem a Heleith Safioti:

Hoje, São Paulo chuvosa, assiste a
partida de uma feminista que mudou nossos rumos de mulheres brasileiras.
Ela
se vai, sabe-se lá para onde, mas aqui deixará saudades.
Sua generosidade em
analisar a si mesma, enquanto pensava em todas, foi talvez sua maior grandeza.

Outras colegas do GEPEM/UFPA estão enviando comentários sobre a nossa grande Heleieth Saffioti falecida no dia 13/12.

Disse a Dra. Maria Angelica Maués (PPGCS/UFPA)

Luzia querida e Colegas

Quero comungar com o sentimento expresso por todas de imenso pesar pelo falecimento de Heleieth Safiotti, pioneira e sempre dedicada ao estudo e participação política, nos embates nacionais e internacionais, voltados para aquilo que se pode chamar de "causa feminina".
Conheci Heleieth (a distância) como participante assídua, acho que até os anos noventa, das reuniões da ANPOCS, e tive a grata oportunidade de assistir a uma linda e merecida homenagem, sob a forma de uma mesa-redonda, onde várias de suas ex-alunas, hoje profissionais reconhecidas na área das ciências sociais falaram da professora e pesquisadora com muito carinho e a exposição pública de seus méritos como incentivadora e mentora de gerações de outras mulheres es tudiosas e dedicadas ao tema&causa que ela, corajosamente, abraçara.
Lembro de vê-la sempre cercada de muitas pessoas, muito ativa e animada nos corredores e áreas de bate-papo, do Grande Hotel Glória de Caxambú, entre as atividades acadêmicas da reunião, nas quais também tinha presença constante e destacada.
Com este pequeno registro da professora Heleieth envio a todas meu abraço.

A Dra. Maria Antonia Nascimento (PPGSS/UFPA) disse:

Heleieth Saffioti foi minha co-orientadora no doutorado e tínhamos uma relação afetiva muito boa. Toda vez que ia
à São Paulo, ligava pra ela e ela fazia questão que fosse em sua casa. Lá batíamos altos papos, pois além de ser vanguarda nos estudos feministas, estava sempre antenada no que acontecia no mundo e na produção do conhecimento. Sempre vi Saffioti como uma grande inspiração!
Forte abraço,

A Dra. Adelma Pimentel (PPGP/UFPA) comentou:

Amigas,

A morte e a vida formam uma dialética.
Não morremos apenas fisicamente.
Há varias formas existenciais de presença e de ausência. A morte em vida pode ser derivada da opressão e da violencia.
Para nosso grupo, a psicologica e a simbolica vorazes que matam a auto-estima, a coragem, a iniciativa, o senso de auto-confiança.
No VIII Encontro Internacional de Genero Saffioti falou para o publico mais de uma hora, e no lema de Nelson Gonçalves foi homenageada enquanto presença viva,
agora que segue etérea, continuará contribuindo para promover rupturas existenciais e fomentar vida que a renovação se instale em nossos atos.
Saudações e carinho ao nosso grupo

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

PRIVACIDADE & TECNOLOGIA


Em 1949, o escritor inglês Eric Arthur Blair, que se assinava George Orwell, publicou um livro em que vislumbrava um regime totalitário que praticamente invadia a privacidade dos cidadãos em nome de um esforço coletivo. Chamado de “Grande Irmão”, o ditador desse país fictício seria o vilão da história, narrada por um dos funcionários, Winston Smith, responsável pela falsificação de documentos públicos como serviço de propaganda, mas, desiludido, se rebelava contra a invasão de sua rotina de vida que modulava, até mesmo, o seu relacionamento amoroso.

À época da edição e publicação de “1984”, título do livro de Orwell, a informática engatinhava. Os computadores consultados pelos militares durante a 2ª. Guerra Mundial (1939-1945) ocupavam largos espaços e retardavam bastante a análise dos dados. Nos 4 anos subseqüentes houve um progresso, mas a imaginação do escritor inglês ia além, seguindo colegas como Herbert George Wells que via o futuro – e nem sempre de forma alvissareira.

Hoje se diz que os computadores, ligados em uma rede internacional (a internet), modulam a vida do cidadão comum. Não se trata mais de um aparelho de exclusividade da estratégia militar, mas um “bem comum”, com a tecnologia, a partir da designação de seus dados, alcançando grande parte das pessoas no mundo inteiro. Há um acúmulo de termos específicos a ponto de não se explicar em textos diversos destinados a consumo popular o que seja “e-mail”, “site”, “blog” “fotoblog”, “byte”, “download”; as fontes de informação como “Google”, “Yahoo”, “Altavista”; e redes de relacionamento como Facebook, Twitter, Myspace, MSN, QuePasa e Orkut; além de redes profissionais como o Linkedln, Friendster, entre outros.

Pelo modo como a informática penetrou na sociedade contemporânea há quem diga que “acabou com a privacidade”. Seria uma evocação do que Orwell imaginou em tom de fantasia. E a penetração de informes pelas vias cada vez mais sofisticadas está revelando segredos guardados por governos em espaços considerados sigilosos.

É o caso de dizer que o que antes fazia parte da ficção-cientifica, alimentando as aventuras de agentes secretos como o James Bond de Ian Fleming (herói predileto de John Kennedy), hoje é um meio um tanto banal de fomentar uma aventura.

Recentemente o governo norte-americano e outros governos sofreram o abalo de verem revelados documentos secretos no site WikiLeaks, criado pelo australiano Julian Assange, em 2006. O mundo soube como os EUA manipulavam situações e terrenos em diversas partes do mundo visando a sua segurança. Pelo menos denominando assim o seu propósito invasivo. As políticas internacionais sentem-se vulneráveis às revelações de documentos, seja por uma elite de “hackers” seja pela rebeldia de alguém ligado a governos com uma tendência oposicionista semelhante ao do personagem de “1984”.

Pergunta-se no momento se o cada vez mais ativo programa de informática é mesmo responsável pelo fim da privacidade e se isso representa o perigo que se alertou nas historias fictícias de tantos autores. O professor Daniel Miller, antropólogo da Universidade de Londres e autor do livro “Tales from Facebook” a ser publicado em 2011, não acha que haja um “mal” na profundidade cada vez maior da investigação pela tecnologia: “A sociedade que é mais privática também é geralmente mais individualista e mais solitária. A maioria das pessoas parece sentir que essa perda de comunidade tem tido conseqüências negativas. Pessoas que vivem em comunidades (...) são freqüentemente muito menos privadas e mais satisfeitas. Se você quer que as pessoas sejam menos individualistas e vivam mais em comunidade então elas também terão menos privacidade”. Outro professor, Eben Moglen, da Universidade de Columbia, fundador do Software Freedom Law Center, diz o seguinte: “O problema dos serviços atuais (da comunicação humana) é que esses serviços são terrivelmente mal implementados ,arruinando a nossa liberdade ao unirem comunicação e interesses econômicos”.

O debate entre cientistas reflete a realidade de que a informática é hoje a válvula de escape de idéias e/ou segredos. No âmbito político, o Caso Watergate, por exemplo, seria detectado por computadores (sem ser preciso invadir a sede do Partido Democrata norte-americano). Isto é o que dizem intelectuais que estudaram o assunto. E já se pode argüir que a pouca ou nenhuma privacidade vai levar partidos & candidatos & estratégias de coalisões & eleitos a um maior cuidado com a coisa pública e a sua própria vida privada. Em tese, a corrupção sucumbiria à invasão digital, mas ainda assim abre-se um parêntese para o caso de existir meios de corrupção na própria área tecnológica. Não é “sci-fi”, mas pode-se imaginar “hackers oficiais” ou publicação de dados falsos na rede, alimentando um cenário a gosto dos autores dessas manobras.

A complexidade da natureza humana relativiza a classificação entre o mocinho e o vilão no cenário internautico contemporâneo. Orwell era claro na sua visão maniqueísta. O que conceberia para um “2084” com toda essa tecnologia de última geração?

( Texto publicado em "O Liberal"/PA em 10/12/2010)

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

UMA NOVA FACE DAS EMPRESAS


O mundo do trabalho para homens e mulheres tem sido um espaço que incide em múltiplas situações quando não se consideram as relações de gênero que estruturam as práticas laborais desses atores sociais. Embora ainda hoje se evidencie a dicotomia entre tarefa domestica e trabalho para assinalar as atividades no espaço privado e público, desqualificando as ocupações realizadas no espaço do lar há, contudo, uma nova mentalidade que ultrapassa esse simplismo e procura anotar o que é possível fazer para mudar a concepção da sociedade sobre esses modelos. Esses temas há muito tempo têm mantido agenda na discussão entre os movimentos de mulheres que sempre procuraram denunciar a desqualificação social em que incorria o gênero feminino como reprodutor de uma “ciência doméstica” visto como menos importante socialmente. Eles também apontavam para a dupla jornada que as mulheres vivenciavam por se constituírem em força de trabalho fora do lar para beneficiar o rendimento familiar. No espaço da fábrica ou das empresas ainda eram submetidas a um mundo essencialmente masculino que as obrigava a conviver nas condições subumanas e adversas e, também, recebiam (como ainda hoje) salários menores aos de seus parceiros. Utensílios de trabalho, formas de vestir, sanitários, vestiários, hierarquias de gestão administrativa além de outros emblemas do mundo laboral tinham uma única evidência referenciadas para o cidadão universal, nada constando do processo de reconhecimento das relações de gênero estabelecidas socialmente.


Se o padrão era esse, então nada a mudar para fábricas, empresas, sociedades de economia privada que seguiam um rumo menos provável de diminuir lucros se olhassem para uma divisão social do trabalho produtivo entre os sexos.


Aos poucos essas condições, às vezes subumanas da produção de bens e serviços foram sendo criticadas, primeiramente, no ambiente de trabalho para os/as trabalhadores/as. As manifestações e deliberações públicas dos movimentos sociais foram garantindo mudanças no olhar dos patrões. As mulheres, por sua vez, passaram a colocar seus problemas nas grandes Convenções mundiais apoiadas por órgãos internacionais como a ONU, a Organização Social do Trabalho – OIT que se detiveram na revisão dos protocolos e a exigir dos Estados nacionais a assinatura de Tratados que viessem a beneficiar os/as trabalhadores/as.


A “questão de polícia” como era tratada a situação do trabalhador tornou-se uma questão social e, neste aspecto, quero evidenciar uma das mais recentes e importantes políticas públicas que desde 2005 está sendo desenvolvida entre a Secretaria de Política para as Mulheres –SPM-PR, vários ministérios, sendo parceiros algumas empresas públicas e privadas brasileiras.


É o Programa Pró-Equidade de Gênero que foi fruto da I Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres (CNPM), plano democraticamente construído, estruturando-se em torno de quatro eixos estratégicos de atuação: autonomia, igualdade no mundo do trabalho e cidadania; educação inclusiva e não sexista; saúde das mulheres, direitos sexuais e direitos reprodutivos; e, enfrentamento à violência contra as mulheres” (BRASIL - SPM, 2004).


Enquadrado na primeira área estratégica do PNPM, o Programa Pró-Eqüidade de Gênero tem o perfil de mediador ao se caracterizar como “ação governamental de incentivo à eqüidade de gênero nas empresas”.


Trata-se de uma ação afirmativa objetivando mudanças qualitativas da vida das trabalhadoras procurando “estimular a adoção de novas práticas no âmbito da gestão de pessoas e da cultura organizacional de empresas, contribuindo para a eliminação de todas as formas de discriminação no ingresso, remuneração, ascensão e permanência no emprego” (Rel.Pró-Equidade). O Programa embasa-se no entendimento de que “as assimetrias de gênero não serão enfrentadas considerando apenas a aprovação de leis, mas, sobretudo, pela adoção de em espaços onde a desigualdade de gênero encontra-se cristalizada”.


Envolvendo etapas desde a preparação, divulgação e implementação da concepção a assumir, o interesse dos responsáveis por essa política era que as próprias empresas aderissem voluntariamente ao programa, criando um plano anual de metas, parcerias e expectativas de alcance dessas metas nas áreas de gestão de pessoas e cultura organizacional para viger em um ano. Para isso seria necessária a elaboração de uma ficha perfil que desse a perspectiva de um quadro funcional com os marcadores sociais de gênero, raça, escolaridade, geração, com a proposta de um plano de ação que fosse inicialmente a sensibilização interna da empresa ampliando-se para o âmbito externo, a pactuação, monitoramento e concessão do Selo Pró-Eqüidade de Gênero.


No terceiro ano consecutivo de vigência desse Programa, iniciando-se a 1ª edição (2006-2007) com cerca de 11 empresas, passando para 26 e neste terceiro ano com 81, serão beneficiadas com o Selo Pró-Equidade cerca de 60 empresas que demonstraram estar conscientes de que as metas a que se prepuseram não seriam apenas uma “questão feminista” mas uma mudança nas relações sociais dentro da própria empresa, onde o assédio moral e sexual é denunciado, os concursos públicos se adéquam para que mais mulheres se candidatem, onde a gestão hierarquizada perde espaço numa grande escalada para algumas mulheres que tem capacidade meritocrática e jamais ascenderam a um cargo de direção.


Parabéns a todos/as nós por essa mudança que está germinando no mundo do trabalho. E que muitos desconhecem.
(Texto publicado em "O Liberal" (PA) em 30/11/2010)