segunda-feira, 31 de outubro de 2011

XXII CONGRESSO INTERNACIONAL DE CIÊNCIA POLÍTICA - 8 A 12/07/2012


Reshaping Power, Shifting Boundaries

In a globalising world, everywhere power is being reconfigured, creating opportunities for change:

  • New players are emerging on the world stage, reflected in G-20, the ‘BRICs’ and in North-South relations.
  • Climate change and the financial crisis have altered global dynamics.
  • Transnational governance is taking on new forms, such as the reformed EU and Mercosur.
  • Within states, there is increased devolution and the recognition of sub-identities.
  • State functions are increasingly being shared with non-state actors such as corporations and non-governmental organisations and are affected by the dynamics of an international society.
  • Substantial changes are taking place in social life including gender roles and the nature of the family.
  • Religious cleavages refuse to disappear, and may be evolving into a major axis of political and social conflict.
  • The Westphalian model of inter-state relations is not sufficient to cope with the challenges of global governance. This emphasises the importance of the dialogue between political science and international relations.

The nation-state remains the key crucible of power in terms of elections, public policy and in international negotiations, but it faces new challenges. Territory and power no longer align. Boundaries and borders are shifting.

Boundaries can be geographical, social, cultural, religious or economic. We need to understand how they are created and interpreted. Every boundary is an expression and exercise of power and this raises normative issues, particularly those relating to justice and the divisions between public and private and at the global level between North-South and South-South relations. The debate about the centrality of trust in social and political life has been reactivated.

How we frame these issues depends in part on our disciplinary assumptions and methodologies. We need to think again about how to conceptualise power, for example in terms of legitimacy, sovereignty or questions of global governance/locality. Boundaries within our discipline and with other disciplines are shifting. Space and scale are becoming increasingly important in the thinking of political science. What other tools or multi-method approaches do we need to respond to these changes? Political science can play an important role in informing the choices that come with the reshaping of power.

The main congress themes are:

We invite you to share your research on the reshaping of power and shifting boundaries at the World Congress of the International Political Science Association, in Madrid 2012.

http://www.ipsa.org/events/congress/madrid2012/congress-theme

sábado, 29 de outubro de 2011

O ECLIPSE DOS DITADORES



O título de ditador era dado a um magistrado da Roma antiga indicado pelo senado para governar um período emergencial. Na contemporaneidade é o governante que assume poderes absolutos e despóticos de forma tirânica sobre o Estado de direito, faz suas próprias leis sem se importar que haja ou não poder legislativo.

A ditadura foi abandonada em Roma depois do assassinato de Julio César. Com este nome ou não a História revela inumeros ditadores séculos afora. Alguns conseguem se manter no poder por gerarem uma simpatia popular que justifica seus atos e lhes deixa uma aura de “superstar”. Outros, o mais comum, se eternizam submetendo o povo a um regime de opressão, cerceando as liberdades individuais pelo abuso da força. Mas é certo que o tempo geralmente luta contra os ditadores. Os que se mantêm no poder por um periodo muito extenso acabam esvaziando o carisma que lhes assegura o posto e são derrubados pelo proprio povo que os apoiava.

O governo unilateral, prepotente e reconhecido como um chefe de estado que faz da coisa pública um detalhe de seu patrimônio, chegou a ser deificado em algumas regiões onde o sistema de governo é teocrático, ou seja, ligado à religiosidade. Não me refiro aos sistemas tribais, herdados por algumas figuras que adentraram pelas civilizações constituidas. Mas, sem esse halo divino existem exemplos na própria America Latina, o nosso “canto” no mundo, como os casos de Juan Peron, na Argentina, e Getúlio Vargas, no Brasil. Esses ocorrências foram exemplificadas em tom de ironia pelo cineasta francês Claude Lellouch em seu filme “Toda Uma Vida”(Toute une Vie/1974). Em um diálogo de um dos personagens este dizia que “o melhor dos regimes é o de uma ditadura, só que as pessoas inteligentes não querem ser ditadoras”. Dessa forma, Lelouch exemplificava medidas populares atribuidas aos governantes totalitários (criticando a diluição dessas medidas pelo poder legislativo).

Regra geral, os ditadores romanos eram indicados por um consul, sendo investidos de total autoridade sobre os cidadãos, embora com mandatos limitados por seis meses (e sem adentrarem nas finanças públicas). Lucius Cornelius e Julio César aboliram isso e governaram sem restrições. Hoje, muitos ditadores ainda conseguem se manter em seus postos, alguns chegados através de votos populares, outros em revoluções ou simples golpes de Estado.

Atualmente vê-se no mundo árabe um cenário em que se propagam mudanças, com a derrubada de mandantes despóticos. O que não se sabe é se essas mudanças, como a recente na Libia, vão conduzir uma nação à democracia, afinal, as esperanças numericamente expressivas em especial no ocidente. A grande pergunta é se um povo familiarizado com um regime pode, de uma hora para outra, adotar e se dar bem com um outro. Há de se considerar aspectos culturais que não são facilmente cambiáveis. Mas há esperança de que os vencedores de rebeliões pró-mudança de governo adotem regras democráticas depois da vitória.

A nossa presidenta Dilma Rousseff disse bem ao ser inquirida sobre a situação de Kadaffi: “deve-se festejar a instituição de uma democracia não a morte de um lider, seja quem for”. De fato, a propensão do ânimo popular historicamente é festejar a morte de um déspota. Mussolini que era como um deus na Itália fascista (não à toa era chamado de “Duce”), foi retirado da posição em que deixaram seu corpo, dependurado de cabeça para baixo, pela multidão que gritava pelo seu trágico fim. O fim dos ditadores historicamente não é ameno. “A tragédia ronda o espetaculo”. E a estatistica sobre o fim de ditaduras no mundo árabe respondeu da seguinte forma: 39% acham que a internet e a nova tecnologia respondem pela mudança com respaldo do povo; 37% afirmam que essas ditaduras não representam, de fato, a vontade popular; 18% acham que o povo árabe não “é tão leviano ou possivel de ser manipulado como se pensava”; e 5% colocam todas essas opções como verdadeiras.

Do amor ao ódio caminha o governo totalitário e de longo tempo. Salva-se, como já referi, o que apela para a religiosidade da maioria, assumindo a postura de um “indicado divino”. No ocidente do passado, um Henrique VIII rompeu com a todo- poderosa Santa Sé dizendo-se o “dono” da igreja cristã na Inglaterra (até hoje existe a Igreja Anglicana), mantendo-se no poder até morrer. Esses casos, resistem aos avanços tecnológicos. Mas não se pode assegurar que para sempre. A ciência deixou de ser um meio de acesso dos intelectuais e ganhou popularidade nos seus resultados imediatos. Com isso, o mundo ficou menor, chegou o que hoje, comumente, é chamado de globalização. Este processo molda culturas de bases ancestrais e pode mudar posturas que se viam como perenes.

As revoltas com base num espirito democrático não devem se manter às custas de cadáveres. Há de se respeitar o vencido. Quando a Alemanha nazista capitulou, os mandantes dos crimes de guerra foram julgados em Nuremberg. E nem todos foram executados. O mundo moderno aprendeu que se deve olhar a História como um exemplo a ser avaliado e não apenas assumido. Portanto, resta a esperança de que, de fato, a Libia e outros países que depuseram os seus ditadores neste novo século, caminhem para governos de essência democrática (“do povo para o povo”). Os corpos dos derrotados ganham o passado nas tumbas que lhe são devidas. Não expostos à carnificina apoiada pelos que se dizem investidos dos príncípios democráticos.


(Texto originalmente publicado em "O Liberal", Belém-PA, em 28/10/2011)


terça-feira, 25 de outubro de 2011

DEBATES, REFORMAS, MOBILIZAÇÕES





O assunto desta semana em Belém é a realização da IV Conferência Estadual de Políticas para as Mulheres (25 a 27/10). Os debates e preparação para a realização desse evento estadual ocorreram na maioria dos municípios paraenses onde havia a presença de movimentos de mulheres. À frente da mobilização está o Conselho Estadual dos Direitos da Mulher, o Fórum de Mulheres da Amazônia Paraense, a Coordenadoria de Promoção dos Direitos da Mulher(SEJUDH) que organizaram seminários e miniconferências aglutinando as associadas e membros da sociedade civil e da classe política dos municípios, para discutir assuntos atuais da pauta desses movimentos, além de apresentar novas propostas de políticas públicas que estão sendo percebidas como necessárias às mulheres da zona rural e urbana.
No momento em que comunicadores e formadores de opinião assentados nas mídias nacionais estão a achar “natural” usar certos enredos discriminadores em seu anedotário para estimular o humor do público que os assiste, sendo o exemplo mais recente Rafinha Bastos; e/ou achar que é preciso a mulher “apanhar mais” para dar a volta por cima, como dito pela personagem feminina de recente novela, deixando de reconhecer a importância do serviço de atendimento às mulheres acessando o 180 e/ou não avaliando a responsabilidade pessoal em publicizar esses novos meios de combate à violência doméstica. Enquanto isso tudo está ocorrendo, milhares de mulheres brasileiras se preparam em seus estados anotando e expondo suas necessidades básicas, principalmente denunciando a violência doméstica, a falta de tempo para cursarem escolas (porque não há creches públicas), a falta de oportunidade para entrarem na política formal (representação política e partidária) porque precisam de formação política (a qual os partidos não se comprometem) para competirem às cadeiras nas câmaras municipais, estaduais e federais onde os homens fazem política há muitos anos. Um rol de demandas sobre vários eixos de questões propostos para a melhoria de vida das mulheres e, por seqüência, de seus familiares e da própria comunidade onde vivem será reunido em um relatório elaborado pela comissão da IV Conferência, para que as delegadas paraenses apresentem em dezembro, na 3ª Conferência Nacional, em Brasília.
O que isso representa? É uma nova perspectiva de demonstrar que a sociedade formada pela maioria feminina e mais os simpatizantes masculinos da causa dos direitos humanos não se sentem à vontade, ou seja, se constrangem em ouvir, por exemplo, frases do tipo: "Se está com desejo sexual, estupra, mas não mata", dita pelo então deputado federal Paulo Maluf durante a campanha para prefeito de São Paulo, em 1992. Ou o próprio Rafinha ao dizer, em um auditório com cerca de 300 pessoas, na região central de SP:"Toda mulher que eu vejo na rua reclamando que foi estuprada é feia pra c.... Tá reclamando do quê? Deveria dar graças a Deus. Isso pra você não foi um crime, e sim uma oportunidade. Homem que fez isso [estupro] não merece cadeia, merece um abraço." As gargalhadas soam e reforçam a sintonia com uma cultura anti-direitos humanos. Mas esse repertório discriminador, nessa noite, foi mais além, pois a opinião sobre o estupro seqüenciava o que esse comunicador tratara anteriormente sobre como cumprimentar pessoas que não tem os braços. Assim, mulheres vítimas de violência e deficientes físicos zoavam como marca da sua estratégia de fazer rir. E as pessoas riram e ainda hoje consideram muito “natural” fazer piadas nesse tom. Ouvi de um jovem de 18 anos, recentemente: “se ele [Rafinha] for politicamente correto a piada não tem graça”. É isso o que dá a ausência de limite e bom senso no humor que hoje e sempre tem sido feito com essa justificativa. E o triste é, justamente, que nossos jovens não vêem “nada demais” em brincar com esses estereótipos embutidos como preconceito e jamais crêem em discriminação introjetada de quem se diz comediante.
Mobilizadas para discutir vários tópicos entre os quais a reforma política, a participação e o empoderamento partindo do tema “Mulheres e Pobreza na Amazônia - Desafios da Superação das Desigualdades Sociais e de Gênero”, as associadas dos movimentos identificaram um sem número de prioridades de que necessitam, algumas já inscritas no 2º Plano de Políticas para as Mulheres (nacional) e no 1º estadual, mas outras ações elas avaliaram que na sua especificidade regional e de categoria social precisam estar nesses planos.
Em 2007, num evento sobre reforma política na Câmara de Deputados, reunindo parlamentares, mulheres e homens da sociedade civil, acadêmicas e movimentos sociais e étnicos, entre as várias intervenções recortei da publicação algumas passagens ditas pela então Deputada Luiza Erundina: “A exigência da igualdade de gênero é uma exigência da democracia (...) que é do processo civilizatório. Ou avançamos no processo civilizatório ou não estaria sendo atendida essa condição de igualdade do gênero humano, que somos nós, homens e mulheres. (...) ...mulher nos espaços de poder. Qual é a diferença? (...) Se for para reeditar o modelo masculino no exercício do poder, eles fazem melhor que nós porque estão no Brasil há mais de 500 anos exercitando o poder. (...)Temos que nos reeducar para perceber o nosso papel como sujeitos políticos de uma forma nova, diferente (...) romper padrões culturais, comportamentos tradicionais, o conservadorismo das instituições da sociedade (...)”(cf. A Mulher Na Reforma Política. Câmara dos Deputados. Centro de Documentação e Informação. Edições Câmara, Brasília, 2009).

(Texto originalmente publicado em "O Liberal" de 21/10/2011. Imagens do Simpósio Democracia e Participação Política nos Movimentos de Mulheres, no Pará, maio 2011).

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

AS MULHERES NO PODER E O NOBEL DA PAZ



Na sexta feira, 7 de outubro, o mundo amanheceu com a indicação de três mulheres agraciadas com o Prêmio Nobel da Paz: a presidente liberiana Ellen Johnson Sirleaf que desde 2006 foi eleita a primeira mulher para a presidência da república africana subssariana (e se acha em pleito eleitoral para a reeleição), tendo como desafio a união de seu país após as guerras; a ativista Leymah Gbowee, também liberiana, que juntamente com a presidente atuou na mobilização das mulheres contra as duas guerras civis (1989-1996 e 1999-2003) que devastaram o país sendo ambas responsáveis pela restauração da confiança em suas instituições. A outra agraciada foi a jornalista iemenita Tawakkul Karman pelo ativismo político em defesa dos direitos humanos no Iêmen, organizando manifestações contra o governo desde 2007 e opondo-se ao regime do presidente Ali Abdullah Saleh que desde janeiro deste ano se acha pressionado a deixar o poder no contexto da chamada Primavera Árabe.

Nas justificativas para a concessão do Nobel da Paz 2011, disse o presidente do comitê, Thorbjöern Jagland: “Não podemos alcançar a democracia e a paz duradoura no mundo a menos que as mulheres alcancem as mesmas oportunidades que os homens para influenciar o desenvolvimento em todos os níveis da sociedade”.

Esse reconhecimento não se dá por acaso. Nem é uma declaração que tenha argumentos infundados ou para nutrir jargões. Secularmente as mulheres enfrentam os modelos e representações sociais que as discriminam, intentam mudar os parâmetros da desigualdade a que são submetidas mostrando que suas possibilidades de melhorar o mundo e alcançar a paz caminham na mesma intensidade com que se entregam às atividades do lar e da maternidade em duplas, triplas ou mais jornadas de trabalho. As tarefas do espaço privado são tomadas como o seu “lugar permanente”. Nesse aspecto, a explicação a essa situação é dada pela condição biológica e não pelas relações de gênero culturalmente construidas em hierarquias de poder. Geram-se as máscaras sociais que determinam os papéis sempre explorados como sendo sua destinação histórica e a sociedade reforça-os apontando esse detalhe como causa de sua inferioridade. Ao lutarem para emancipar-se são vistas como perigosas e a velha moral se mantém e define quem é quem na cadeia da moralidade, constituindo rótulos para as supostas “boazinhas” e/ou as “vadias”. Mas o mundo está mudando de tanto as mulheres insistirem em mostrar a sua cara, enfrentando as raízes da desigualdade e conquistando espaços que pareciam fugir para outros, embora já apelassem secularmente pelo fim das guerras que devastam as nações e levam os seus filhos (agora as filhas) para a boca do canhão e as minas explosivas.

Tratando sobre o prêmio Nobel, este foi instituído a partir da herança milionária de Alfred Nobel (1833-1896), engenheiro, filho de família abastada que estudou em S. Petersburgo e, juntamente com o italiano Ascanio Sobrero, descobriu a nitroglicerina, mais tarde transformada em uma pasta pelo próprio Alfred, o que significou a dinamite. Com este explosivo o cientista aumentou sua fortuna, ao mesmo tempo em que se entristeceu ao ver que seu invento contribuía para destruição em massa. Por isso mesmo deixou em testamento que uma instituição criada com seu nome distribuísse anualmente prêmios a pessoas que contribuíssem para o bem da humanidade nas áreas de Química, Física, Medicina, Literatura, Economia e Paz.

Desde que o premio foi instituído, em 1901, a maioria dos agraciados foi masculina. A polonesa Marie Curie ( nascida Skłodowska) foi a primeira mulher a ganhar duas vezes este prêmio em área científica, no caso, referente às áreas da Física e Química (divididos com seu marido Pierre Curie). Nos mais de cem anos de premiações, as mulheres apareceram muito mais no campo de Literatura. Mas o Nobel da Paz, dado a partir de pesquisa do Parlamento Norueguês, já somam 15 contempladas. Foram: Bertha Suttner em 1905, Jane Addams em 1931, Emily Greene Balch em 1946, Betty Williams em 1976, Mairead Corrigan também em 1976, Madre Tereza de Calcutá em 1979, Alva Myrdal em 1982, Aung San Suu Kyi em 1991, Rigoberta Menchú Tum em 1993, Jody Williams em 1997, Shirin Ebadi em 2003,Wangari Willliams em 2007 e agora as duas africanas Leymah Gbowee e a iemenita Tamakkul Karman.

É interessante observar que essas mulheres conseguiram espaço em um cenário preponderantemente masculino. Os homens são maioria entre os votantes e a maioria histórica entre os premiados. Note-se também que é crescente o número de mulheres ganhadoras do Nobel. Não só na área do prêmio consagrado à Paz como em outros que antes diziam respeito apenas a pesquisadores homens, como a área da Medicina, da Economia, por exemplo. Chega a ser emblemático o recorde de Marie Curie, e ainda mais pelo fato de a sua filha mais velha, Iréne, ter ganhado o prêmio de Química em 1935, ano seguinte ao da morte de sua mãe.

A ascendência feminina no terreno que de alguma forma dizia preconceito de gênero é flagrante. E quando se trata da Paz ela atende a uma amplitude do que pensou Alfred Nobel. Se a idéia de premiar quem contribuía para o bem da humanidade vinha para dissipar a imagem de quem criou um explosivo, o reconhecimento da capacidade da mulher ganha foro de uma hegemonia na luta pela sobrevivência da espécie. Ou um mundo realmente melhor.


(Texto originalmente publicado em "O Liberal" de 14/10/2011)

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

CIRIO, DEVOÇÃO E POLÍTICA




 O pesquisador e sócio-geógrafo Eidorfe Moreira criou uma metáfora para o Círio, considerando-o uma verdadeira “pororoca humana”. Sua comparação com esse fenômeno amazônico derivava das ondas sucessivas de devotos no rio-humano de acompanhantes da procissão que se avoluma a medida que caminha progressivamente no percurso entre ruas e travessas. A elevação sucessiva das ondas de devotos aumenta o nível da maré humana ao longo da procissão qual o fenômeno das águas dos rios, furos e igarapés que se derramam sobre as várzeas e a ribanceira.
O escritor conterrâneo Dalcídio Jurandir definiu o Círio como “carnaval devoto” - a síntese de que a grande manifestação paraense é religiosa, profana, popular – conceito que foi referendado pelo antropólogo paraense Isidoro Alves (1980) em seu importante e imprescindível estudo sobre a nossa romaria, emprestando a Dalcidio para título de seu livro.
Ao tratar da corda, o poeta João de Jesus Paes Loureiro diz que o Círio também pode ser lido, mantendo-se a imagem de rio-humano, como uma preamar de signos” pela “... efervescência de símbolos, sinais, ícones, imagens, alegorias, assim como retóricas de marketing, da tradição, da modernidade, de pluralidade mística, pluri-ritualidades, grandezas hiperbólicas, cruzamento de crenças, crendices, fanatismos, devoções, enfim, uma verdadeira constelação semiótica”.
No Brasil consideram-se como as duas maiores manifestações festivas & religiosas: a de Aparecida, em S. Paulo, e a do Círio de Nazaré em Belém do Pará. A multidão que acorre a essas festas é um fator que a política nacional não deixa passar em branco. No caso do Círio, diversos Presidentes da República, e membros representativos das casas legislativas acompanharam a romaria no correr dos anos (e já somam 218). Há quem faça a peregrinação consciente de que é a fé quem move a multidão adiante ou depois da imagem da santinha. Mas há quem veja apenas o quanto a presença soma em status, ou como o povo passa a ver a figura de mando que se humilha seguindo os romeiros pelos mais de 6 quilômetros de caminhada da Catedral de Belém ao Santuário de Nazaré.
A presença política marcou tanto a história do Círio que influiu em determinados setores da romaria. A corda, por exemplo, que  surgiu no Círio de Nazaré em 1868(enchentes no Ver-o-Peso dificultando a condução da berlinda), somente, em 1885 foi introduzida oficialmente na romaria. Em 1926, o bispo dom Irineu Jofilly proibiu-a, mas em 1931, o interventor Magalhães Barata, concorde com dom Antônio de Almeida Lustosa, fez o retorno desse símbolo à tradicional procissão, permanecendo hoje embora com alterações que foram se incorporando às modernidades.
Mas é certo que os “políticos” acorreram (e acorrem) à capital paraense no segundo domingo de outubro sabendo que nesse tempo é dada a chance de aumentar prestigio, seja através de votos seja em admiração pela comunhão de crença como aconteceu em períodos de ditadura. Afinal, o povo aprecia quem lhe acena com a fraternidade. Mesmo que as figuras proeminentes fiquem isoladas da multidão no espaço ladeado pela corda, à frente ou imediatamente atrás da berlinda que conduz a imagem da padroeira do Estado.
Por vários anos eu testemunhei “políticos” acenando para quem os descobrissem em meio às autoridades eclesiásticas, diretores da festa e convidados desses diretores, todos isolados dos promesseiros que disputavam espaço para cumprir suas dividas com a santa. Podia-se até pensar que, em alguns casos, candidatos vencedores em determinados pleitos estariam “pagando promessa”. Ou quem conseguisse resolver problemas administrativos ou pessoais pesando na intercessão divina. Mas a lógica reproduzida no olhar dos outros acompanhantes ou meros espectadores era a mesma dos nobres que seguiam cortejos nos tempos imperiais. A religiosidade dificilmente escaparia de uma análise critica, especialmente quando o ilustre acompanhante fosse uma figura antipatizada pelo eleitor que o visse. 
Manifestações populares como o Círio têm sido, no correr do tempo e espaço, vitrines para quadros sociais. Se o “fulano” aparece contrito, rezando o terço e descalço, quem o vê divide-se pela simpatia que legou no passado como um cristão devoto ou como um hipócrita vendendo uma falsa imagem. No caso dos “políticos”, as impressões variam no mesmo tom. Mas assim como um astro de cinema ou TV ganha atenção seguindo a procissão dentro ou fora da corda, um nome que ocupa espaço na mídia é sempre observado. E ele/a sabe disso. As festas religiosas servem de trampolim em muitas campanhas eleitorais. Dificilmente quem não se diz cristão consegue votos num país que mesmo em certa época, quando a oposição aos valores do padrão político era assumir-se como “de esquerda”, a religiosidade era característica dominante. O povo é religioso e quem está ou ambiciona o poder sabe disso.
Assisto ao cortejo do Círio desde que adotei Belém como minha cidade vinda na pré-adolescência para um internato. Em princípio, na época da grande festa, rumava “contra a maré”, ou seja, ia para a minha Abaetetuba, com meus pais. Mais tarde é que passei a observar a romaria. E em algumas vezes cheguei a acompanhá-la ao lado das freiras do colégio.  Já na área das ciências sociais, revi muito do que se dizia e muito do que presenciei sobre os “notáveis” nas ruas, bem à vontade ladeados pelos promesseiros. Hoje, vejo que a opção pelo turismo ganha proeminência. Ela não atinge a religiosidade dos fiéis, mas impõe uma feição que retira a simplicidade que cativava nos primeiros tempos. Fiquei com a impressão de que a festa ficou mais “burocrática”, embora, e felizmente, para os crentes permaneça uma comunhão com o poder divino através da figura da santinha Maria de Nazaré.

(Texto originalmente publicado em "O Liberal" em 07/10/2011)

terça-feira, 4 de outubro de 2011

O IDOSO E A SOCIEDADE MODERNA


No meu tempo de criança, em Abaetetuba, o idoso era respeitado como uma pessoa delicada, pela ação do tempo, que carecia de um tratamento especial seja na comunicação seja na aceitação de sua postura.

Contudo, era voz corrente que o idoso era “caduco”. Oque queria dizer? Esquecimento de fatos recentes contrastando com lembranças de fatos há muito tempo passados era uma característica que se englobava numa só forma de caracterizar a velhice.

No passado não havia qualquer regalia oficial para com a pessoa com mais de 60 anos. Mesmo porque a expectativa de vida era inferior a isso. Quando se atingia a segunda metade de um século o respeito vinha com a educação familiar. Mas quem não conseguia manter ao longo dos anos uma família era um sujeito a lutar com a concorrência dos mais novos para continuar vivendo.

Na escola, aprendi que as pessoas idosas poderiam padecer de doenças degenerativas como o Mal de Alzheimmer. E ainda tinha (e tem) a arteriosclerose, com os danos que a insuficiência de circulação cerebral acarreta com o envelhecimento ou endurecimento (pelos depósitos de gordura) das artérias. Naturalmente um organismo cansado sofre os danos naturais de um desgaste orgânico. E por isso não se pode ver o idoso da mesma forma que se vê uma pessoa mais jovem. Isto foi levado em conta em 1997 (as discussões vêm desde 1983), quando o deputado Paulo Paim (PT/RS) atendeu às reivindicações de aposentados, pensionistas e idosos de um modo geral vinculados à Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas (COBAP), como Projeto de lei n° 3.561. Sete anos depois, exatamente em 1º de outubro de 2003(Dia Internacional do Idoso), o projeto foi sancionado pelo Presidente da República agrupando-se à lei nº 8.842 de1994, que dava garantias à chamada Terceira Idade.

A lei n° 10.741 de 1° de outubro de 2003compôs-se de 4 Títulos: Disposições preliminares; Dos Direitos Fundamentais; Das Medidas de Proteção e Da Política de Atendimento ao Idoso. Como Direitos Fundamentais estão: Direito à Vida, á Liberdade, Respeito e Dignidade; Dos Alimentos; Do Direito à Saúde; Da Educação, Cultura, Esporte e Lazer; Da Profissionalização e Trabalho; Da Previdência Social; Da Assistência Social: Da Habitação e Do Transporte. Em outros itens enfatiza-se o atendimento e fiscalização das entidades de atendimento.

Hoje o idoso não paga transporte coletivo, nem ingresso em casas de diversões públicas, não entra em fila e deve reclamar os maus atendimentos em qualquer lugar.

Obviamente as conquistas legais nem sempre são obedecidas numa visão global, ou melhor, na cidade e no campo. Há idosos ainda muito desrespeitados. Mas até porque a categoria cresce com o aumento da expectativade vida, os direitos desse grupo passam a ser observados.

O que difere o idoso do “coitadinho”? Será que a pessoa depois dos 60 anos é incapaz? Ou, como disse recentemente em uma entrevista o ex-governador Almir Gabriel, será que a idade avançada é “uma doença contagiosa”?

Não sou das que acham apropriado chamar “melhoridade” para quem passou da faixa dos 50 anos. Mas é certo que a experiência modula a razão. A vida ensina na prática o que é bom e o que é nocivo. E a bagagem intelectual que alimenta o “disco rígido” da mente é muito importante para um trabalho profícuo, apoiado em experiências pessoais e teorias adquiridas com a leitura e vivência ao longo dos anos.

O poeta romano Juvenal, na Sátira X, deixou a frase celebrada com o passar do tempo: “mens sana in corpore sano”(mente sã em corpo são). Quem conseguiu tratar a mente de forma a que ela permaneça ativa com a idade, não deixando que resíduos orgânicos a deteriorem, o lucro virá com a faculdade de sentir-se apto com o passar do tempo.

São muitos os exemplos de intelectuais maduros que projetaram a sua capacidade ainda com mais veemência ao atingirem uma idade considerada avançada. Por isso, hoje se revê o caso das aposentadorias compulsórias. Há aposentados por idade que podem produzir tanto ou mais do que candidatos mais jovens. É um motivo de se manterem no mercado de trabalho. Se esta medida pode parecer problemática quando se sabe que os quadros deempregados deixam de ser preenchidos posto que os antigos não largam os cargos, a solução não me parece esperar que os mais velhos abandonem seus postos. O produtivo é criar novas fontes desses ou de outros empregos.

O idoso não deve ser improdutivo. Médicos das especialidades básicas nesse setor como geriatria, neurologia e psiquiatria acham que a mente deve sempre estar ocupada. Naturalmente que deve diminuir ou desaparecer a obrigação burocrática que propicie o estresse. A expectativa é ponto negativo na saúde do idoso. Se a ele é dado condições de trabalho que o deixem criar, com certeza a resposta será alvissareira.

Grandes vultos da história universal são formados de pessoas idosas. O que elas fizeram antes de se tornarem anosos é muitas vezes oculto nas biografias. O que resta é um trabalho organizado na maturidade, nos últimos anos sobre a terra. E se deve aproveitar sempre que possível a capacidade intelectual de quem conseguiu atravessar os anos conservando a capacidade de produzir.

No mês de setembro foi comemorado o Dia do Idoso e dessa forma nada melhordo que lembrar que os vovôs e vovós têm muito a dar aos netos e netas de um mundo que se aperfeiçoa em técnica, mas para isso precisa de quem analise essa conquista.

(Texto originalmente publicado em "O Liberal" de 30/09/2011. Foto extraida do blog idadecerta.com.br )