quinta-feira, 19 de agosto de 2010

A POLÍTICA DA REPRESENTAÇÃO

O pesquisador, doutor em Demografia e professor titular da Escola Nacional de Ciências Estatísticas - ENCE/IBGE, José Eustáquio Diniz Alves, meu colega de estudos sobre gênero e política registrou em um texto recente: “O ano de 2010 vai entrar para a história da luta das mulheres pela conquista de mais espaços de poder na política, com as eleições de maior participação feminina no eleitorado e nas candidaturas”(ago. 2010).

Na verdade, nunca se viu ou ouviu tanto sobre a posição política das mulheres brasileiras na midia. Além de ser maioria entre o eleitorado no país, num crescendo desde 2000, o numero de candidaturas femininas e de eleitas vem avançando em cada eleição, principalmente no ambito municipal. E hoje duas mulheres são candidatas à presidencia da república – Dilma Rousseff e Marina Silva – com ampla representatividade nacional.

Independentemente, mas significativo desse novo tempo, vê-se, em cada debate público dentre expertises & jornalistas políticos, emergir o assunto sobre as várias faces dessa presença nas pesquisas de opinião. Ora sobre a repercussão no indice de decisão mais demorada do voto feminino, ora sobre a tendência dessa decisão seguir a candidatura masculina do que para a das mulheres, ou a mudança de opção do voto desse eleitorado quando novas pesquisas entram em cena. O velho dito de que “mulher não vota em mulher” está nas discussões mais recentes demonstrando que o voto da mulher importa. A cientista política Celi Jardim Pinto (UFRGS) em um artigo escrito para o Jornal Zero Hora (RS) considerou que “Após 30 anos de feminismo e de importantes vitórias das mulheres, feministas ou não, tanto no campo dos direitos quanto no campo de comportamento, chega às raias do incompreensível o fato de as mulheres que se propõem a prefeitas, governadoras e presidente não falarem para as mulheres e para os homens como mulheres”. Avalia que a luta dos movimentos de mulheres pelo direito à cidadania de qualidade tem sido demonstrado nesse novo formato de importancia da representação feminina na sociedade. E conclui: “Quando as candidatas tiverem consciência de que chegaram até onde chegaram não só pelos méritos individuais, que todas, evidentemente, têm, mas como resultado de luta de mais de 30 anos do movimento das mulheres pelo direito de existir plenamente como cidadã, certamente se apresentarão como candidatas mulheres. Neste momento, as mulheres começarão a votar nas mulheres”.

A pergunta que fica no ar é a seguinte: o que significa “apresentar-se como mulher no campo político”? O que seria “falar “para homens e para mulheres como mulheres” numa sociedade que foi contaminada pelas representações sociais dicotômicas sobre os “papéis” femininos e masculinos? A meu ver, é trazer à baila, na perspectiva de genero, a “política da representação” que circulou e tem circulado secularmente como maneira de garantir o poder de uns sobre os outros. Se hoje as mulheres estão na vanguarda de um processo notabilizado como necessario à constituição do sistema democrático pleno e, para isso, procuram mostrar que o “fazer política” no sentido de serem incluidas no estatuto de cidadania (direito do voto) era uma condição que levaria á melhorar sua vida na educação, no trabalho, na respeitabilidade de ser uma pessoa humana, deve-se às reformas que instituiram no reconhecimento da sua representação social qualificada. Quebraram tabus profissionais, remexeram nas falas e nos conceitos que as definiam como incapazes e assim foram deixando um rastro de conquistas para a melhoria de sua vida e dos seus parceiros. Assim, acho que “falar de política como mulher” é tratar, também, dos programas partidários, do denvolvimento social, da situação de segurança pública como meio propedêutico e não repressivo, e não somente ser aceita no pódio ascendente dos cargos como “cuidadora”, como “mãe”, a representação que as desqualificou sempre para outras áreas públicas, glorificando-a para o espaço privado.

A “divinização” da maternidade sempre foi o fio da navalha para abortar as pretensões femininas em voos mais altos que as dispuzessem em lugares que eram definidos como “proprios dos homens”. À conta dessa titulação, entretanto, os homens têm sido excluidos de processos afetivos (são frios, calculistas, dizem deles) sem as qualidades femininas para cuidar de filhos/as. Sua vinculação familiar tem provocado outro nivel de atitude tendente à agressividade. Ao demonstrarem fraqueza são chamados pejorativamente de “mulherzinha”. E esse termo é desviado para referenciar representações ainda mais preconceituosas que “depoem contra os homens”. E, ainda, são responsaveis pelo assassinato crescente de mulheres no ambito doméstico.

“Mulher não sabe de política” e “homem não sabe cuidar de filho/as” – são as duas frases que no momento em que se discutem as dimensões da diversidade humana devem ser banidas do vocabulário codificado das representações sociais marcadas pela discriminação e o preconceito.

Assim, o que Celi Pinto quis tratar sobre o“falar para homens e para mulheres como mulheres” foi dessa emblemática configuração que remete sempre às relações de poder com prejuizos, principalmente, para as mulheres.

(Publicao em "O Liberal" em 19/08/2010)

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