O noticiário atual da imprensa tem tratado de assuntos sobre
a ligação ferroviária sul-norte. Evidencia-se o transporte de cargas. Mas, no
passado, muitas cidades brasileiras eram ligadas por trens. A chamada Rede Ferroviária
Brasileira chegou a ter mais de 34 mil quilômetros de extensão, começando
através de uma empresa anglo-brasileira, em 1832, ligando o Rio de Janeiro e
Porto Feliz (Santos/SP). Três anos depois, o regente Feijó promulgou a Lei Imperial
que incentivava a construção de ferrovias no sul, sudeste e nordeste do país, ligando
o Rio a São Paulo, RGS e Bahia. Houve ainda a participação do Barão de Mauá (Irineu
Evangelista de Souza) que construiu uma via férrea de Porto de Mauá, na Baía da
Guanabara, à Raiz da Serra, no caminho de Petrópolis (RJ). Historiadores
consideram esta como a primeira ferrovia brasileira.
O norte, especificamente o Pará, ganhou a sua “estrada de
ferro” em 1883, primeiramente ligando Belém a Benevides e em seguida trechos
para Itaqui, próxima a Castanhal, e, finalmente, Bragança. Chamava-se Estrada
de Ferro de Bragança. Cheguei a viajar nessa linha, em várias ocasiões dirigindo-me
a Santa Izabel (uma das 31 estações do trem) para atividades no Colégio Antonio
Lemos, um espaço educacional administrado pelas Irmãs Filhas de Sant’Ana, que
tinham outras casas em Belém, como o Colégio Santa Rosa (além de administrarem
hospitais locais), em cujo internato estudei durante sete anos. Lembro-me da
locomotiva barulhenta que se dizia “cuspir fogo” em quem viajasse no primeiro
vagão (as fagulhas da máquina a vapor voavam para trás atingindo passageiros).
Mas era um meio de transporte muito apreciado, mormente pela classe menos
favorecida posto que os custos da passagem eram acessíveis. Nossas viagens de
trem eram uma aventura, quanto mais que levavam, também, alunos internos do
Colégio Carmo e outros colégios de freiras, nos eventos do chamado “retiro
espiritual”.
A opção por ferrovias era tão acatada no passado que até
Mosqueiro chegou a ter uma ligação dos bairros da Vila ao Chapéu Virado.
Chamavam o engenho de “Pata Choca” e era muito concorrido, pois não havia um
transporte rodoviário evidente. O apelido da máquina, segundo os que viveram
esse tempo, veio do barulho que ela fazia, algo a ver com o gasnar de um pato.
Por volta de 1957, os trilhos da Estrada de Ferro de
Bragança começaram a ser retirados, ficando um ou outro remanescente. Essa
estrada foi administrada pelo Governo do Estado até 1936 quando passou ao
dominio da Rede Ferroviária Federal. Com a melhoria do transporte por rodovia,
a desculpa dada à população é de que o trem era coisa do passado, usando-se o
desgaste das locomotivas e vagões como exemplo. Apesar da imprensa, na época, não
medir suas críticas, estas eram vistas como um argumento da oposição ao governo
do Partido Social Democrático (PSD).
Com o fim da ferrovia, o transporte no Estado do Pará ficou
limitado ao fluvial, certamente privilegiado e ainda hoje muito explorado, e o
rodoviário, especialmente quando no governo JK surgiu a estrada Belém-Brasilia
e os trilhos deixaram de ser produtivos, correndo-se do centro ao norte por
malha viária que de inicio era um espaço pioneiro, sem recurso do asfalto,
depois ganhando a facilidade que se vê desde alguns anos, apesar de uma constante
luta com as condições climáticas que muitas vezes bloqueia a passagem de
carros.
No noticiário de ontem, de “O Liberal” houve referência de que
um “trecho de ferrovia chegará a Paragominas e Barcarena” ligando-se ainda a
Açailandia, no estado do Maranhão. A expansão da malha ferroviária, desde o sul,
visa, especialmente, o transporte de carga. Muitas dessas ligações por trens
chegam a portos onde os containers ganham navios que levam as mercadorias a
seus detinos.
Mas não percebi nenhuma menção sobre a opção de colocar
vagões para passageiros. No mundo inteiro ainda se usa o trem como um meio de
transporte de pessoas. E estes são cada vez mais sofisticados no emprego de tecnologias
de última geração para agilizar esta forma de viagem, como o trem bala, que tem
sido pensado para o sudeste.
Numa idéia imaginativa, penso: quando será que o paraense
vai poder sair de São Brás, em Belém, para outros estados da federação viajando
confortavelmente em trens que possuam os requintes necessários para uma viagem de
muitos dias? O cinema é pródigo em mostrar, mesmo em filmes antigos, os
passageiros em beliches ou em restaurantes dispostos em vagões específicos. Há
espaços históricos nessa área como a ferrovia Expresso Oriente que deu margem a
um dos bons romances policiais da escritora Agatha Christie. Interessante
observar que no setor de transporte público nós, da planície, sofremos falta de
alternativas até em metrópoles como o caso do metrô subterrâneo ou de
superfície. Para o primeiro carecemos de terreno
para adentrar pelo solo posto que podíamos ter sido uma Veneza se fossem
conservados rios e igarapés aterrados pelos portugueses colonizadores. E o trem
de superfície fica limitado aos BRT(Bus Rapid Transit), sendo agora construindo
a duras penas para atender uma pequena faixa da população. O ato de viajar para
lugares mais distantes permanece na bivalência do carro (particular ou ônibus) e
do navio. A ferrovia sul-norte que chega para cargas esquece passageiros sem
levar em conta que o meio de transporte pode favorecer o turismo. Curioso é que
muito antes no tempo se pensava nesse tom de modernização. Perde-se agora na
nossa memória.
(Texto originalmente publicado em O Liberal/PA, de 13/09/2013)
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