terça-feira, 1 de outubro de 2013

OS TRILHOS DO PROGRESSO




O noticiário atual da imprensa tem tratado de assuntos sobre a ligação ferroviária sul-norte. Evidencia-se o transporte de cargas. Mas, no passado, muitas cidades brasileiras eram ligadas por trens. A chamada Rede Ferroviária Brasileira chegou a ter mais de 34 mil quilômetros de extensão, começando através de uma empresa anglo-brasileira, em 1832, ligando o Rio de Janeiro e Porto Feliz (Santos/SP). Três anos depois, o regente Feijó promulgou a Lei Imperial que incentivava a construção de ferrovias no sul, sudeste e nordeste do país, ligando o Rio a São Paulo, RGS e Bahia. Houve ainda a participação do Barão de Mauá (Irineu Evangelista de Souza) que construiu uma via férrea de Porto de Mauá, na Baía da Guanabara, à Raiz da Serra, no caminho de Petrópolis (RJ). Historiadores consideram esta como a primeira ferrovia brasileira.
O norte, especificamente o Pará, ganhou a sua “estrada de ferro” em 1883, primeiramente ligando Belém a Benevides e em seguida trechos para Itaqui, próxima a Castanhal, e, finalmente, Bragança. Chamava-se Estrada de Ferro de Bragança. Cheguei a viajar nessa linha, em várias ocasiões dirigindo-me a Santa Izabel (uma das 31 estações do trem) para atividades no Colégio Antonio Lemos, um espaço educacional administrado pelas Irmãs Filhas de Sant’Ana, que tinham outras casas em Belém, como o Colégio Santa Rosa (além de administrarem hospitais locais), em cujo internato estudei durante sete anos. Lembro-me da locomotiva barulhenta que se dizia “cuspir fogo” em quem viajasse no primeiro vagão (as fagulhas da máquina a vapor voavam para trás atingindo passageiros). Mas era um meio de transporte muito apreciado, mormente pela classe menos favorecida posto que os custos da passagem eram acessíveis. Nossas viagens de trem eram uma aventura, quanto mais que levavam, também, alunos internos do Colégio Carmo e outros colégios de freiras, nos eventos do chamado “retiro espiritual”.
A opção por ferrovias era tão acatada no passado que até Mosqueiro chegou a ter uma ligação dos bairros da Vila ao Chapéu Virado. Chamavam o engenho de “Pata Choca” e era muito concorrido, pois não havia um transporte rodoviário evidente. O apelido da máquina, segundo os que viveram esse tempo, veio do barulho que ela fazia, algo a ver com o gasnar de um pato.
Por volta de 1957, os trilhos da Estrada de Ferro de Bragança começaram a ser retirados, ficando um ou outro remanescente. Essa estrada foi administrada pelo Governo do Estado até 1936 quando passou ao dominio da Rede Ferroviária Federal. Com a melhoria do transporte por rodovia, a desculpa dada à população é de que o trem era coisa do passado, usando-se o desgaste das locomotivas e vagões como exemplo. Apesar da imprensa, na época, não medir suas críticas, estas eram vistas como um argumento da oposição ao governo do Partido Social Democrático (PSD).
Com o fim da ferrovia, o transporte no Estado do Pará ficou limitado ao fluvial, certamente privilegiado e ainda hoje muito explorado, e o rodoviário, especialmente quando no governo JK surgiu a estrada Belém-Brasilia e os trilhos deixaram de ser produtivos, correndo-se do centro ao norte por malha viária que de inicio era um espaço pioneiro, sem recurso do asfalto, depois ganhando a facilidade que se vê desde alguns anos, apesar de uma constante luta com as condições climáticas que muitas vezes bloqueia a passagem de carros.
No noticiário de ontem, de “O Liberal” houve referência de que um “trecho de ferrovia chegará a Paragominas e Barcarena” ligando-se ainda a Açailandia, no estado do Maranhão. A expansão da malha ferroviária, desde o sul, visa, especialmente, o transporte de carga. Muitas dessas ligações por trens chegam a portos onde os containers ganham navios que levam as mercadorias a seus detinos.
Mas não percebi nenhuma menção sobre a opção de colocar vagões para passageiros. No mundo inteiro ainda se usa o trem como um meio de transporte de pessoas. E estes são cada vez mais sofisticados no emprego de tecnologias de última geração para agilizar esta forma de viagem, como o trem bala, que tem sido pensado para o sudeste.
Numa idéia imaginativa, penso: quando será que o paraense vai poder sair de São Brás, em Belém, para outros estados da federação viajando confortavelmente em trens que possuam os requintes necessários para uma viagem de muitos dias? O cinema é pródigo em mostrar, mesmo em filmes antigos, os passageiros em beliches ou em restaurantes dispostos em vagões específicos. Há espaços históricos nessa área como a ferrovia Expresso Oriente que deu margem a um dos bons romances policiais da escritora Agatha Christie. Interessante observar que no setor de transporte público nós, da planície, sofremos falta de alternativas até em metrópoles como o caso do metrô subterrâneo ou de superfície. Para o primeiro carecemos de terreno para adentrar pelo solo posto que podíamos ter sido uma Veneza se fossem conservados rios e igarapés aterrados pelos portugueses colonizadores. E o trem de superfície fica limitado aos BRT(Bus Rapid Transit), sendo agora construindo a duras penas para atender uma pequena faixa da população. O ato de viajar para lugares mais distantes permanece na bivalência do carro (particular ou ônibus) e do navio. A ferrovia sul-norte que chega para cargas esquece passageiros sem levar em conta que o meio de transporte pode favorecer o turismo. Curioso é que muito antes no tempo se pensava nesse tom de modernização. Perde-se agora na nossa memória.
(Texto originalmente publicado em O Liberal/PA, de 13/09/2013) 


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