A corda do Círio de Nazaré: mãos em prece em outubro Pará - 2013
O dicionário Houaiss trata o termo passeata como realizaçaõ de “protesto,
reivindicação, manifestação de solidariedade etc., ou para expressar regozijo
por alguma coisa; caminhada”. O título, portanto, quer ser essa expressão ao
tratar do Cirio
como a maior procissão que se realiza no Brasil e uma das maiores do mundo, com
a lembrança da gênese da devoção à Virgem elegendo Belém do Pará a cidade em que esta devoção se tornou
grandiosa.
Os/as paraenses sabem (ou devem saber) da lenda de
Plácido, o caçador que achou no igarapé
Murutucu uma pequena imagem da santa e ao levá-la para casa viu, surpreso, que
ela voltava para o mesmo lugar onde estivera. Isto aconteceu por mais de duas
vezes e terminou com a construção de uma capela no exato espaço do encontro
(hoje o Santuário de Nazaré).
Reza a tradição que a imagem de Maria, mãe de Jesus, que
morava com o esposo, São José, em Nazaré (daí Senhora de Nazaré), foi esculpida
por ele, São José, e pintada por São Lucas. No século VI foi levada para o
Espanha, permanecendo no Mosteiro de Cauliniana até o ano de 711, seguindo para
Portugal depois da Batalha de Guadalete. Lá ficou escondida até ao ano de 1182, quando o
cavaleiro D. Fuas Roupinho foi salvo milagrosamente de cair num abismo, afirmando
que o fato se deu por intercessão da santa (em Belém, o fato ganhou uma
alegoria com o Carro Dos Milagres).
O Cirio de Nazaré soma mais de 200 anos e acontece no
segundo domingo de outubro. Realizou-se, inicialmente, na parte da tarde e como
atravessava terreno alagadiço necessitou de um carro atrelado a um boi, que
transportava a imagem da santa. Esta operação era feita com cordas. E surgiu a
noção de que puxar esta corda daria beneficio a quem o fizesse. Várias
promessas começaram a ser feitas para quem segurasse a corda. Com o tempo, a
procissão passou a ser matutina, o trajeto percorrendo ruas do centro tratadas
por paralelepípedo e, depois, asfalto, mas a corda, agora atrelada à berlinda condutora
da imagem, permanece como forma de pagar promessa. Até o boi desapareceu e uma
das causas foi um acidente acontecido em um ano do século passado quando o
animal provocou uma movimentação dos romeiros a derrubar um muro onde algumas
pessoas assistiam a passagem da procissão.
Em tantos anos, o Cirio (termo originário de
“cereus”/vela grande) foi motivo de atração de diversas classes sociais de
diversos lugares do país e mesmo do exterior. Obviamente os politicos estiveram
presente, desde o governador da capitania à época, Francisco da Silva Coutinho.
Tornou-se então lugar comum o desfile, adiante da berlinda, do governador do
Estado, do prefeito do municipio, alguns membros das casas legislativas,
autoridades de outros pontos da federação como convidados, e os que se lançavam
às eleições ou esperavam resultados de pleitos (muitos pleitos efetuados pouco
antes do dia do Cirio) até como pagamento de promessa.
Mas o que salta aos olhos são os promesseiros e os que
aproveitam o mar humano para reivindicar seus argumentos. Promesseiro é uma parte
indissociável do Cirio. Há tipos de promessas que se repetem anos a fio como miniaturas
de casas, rostos, membros (pernas ou braços), objetos de cera que traduzem os
problemas vividos por quem os carrega e que foram sanados segundo cada
“pagador/a de promessa” por intercessão à Virgem de Nazaré. Há lojas em Belém
especializadas em venda de objetos de cera para este fim como há (ou havia) um
depósito de objetos dos promesseiros no santuário (antes Basílica). Os
reivindicadores vestem os fatos que acontecem no periodo. Algumas faixas
traduzem reclamações ou reivindicações (embora haja uma proibição quanto a
isso), mas há pessoas que se vestem de forma a exibir o que acham necessário e
o fazem em grupos, apesar de não deixarem fluir qualquer desrespeito ao fundo
cristão do cenário.
Caracteristica também é o acompanhamento de bandas de música,
geralmente de origem militar. Nos tempos modernos, o aspecto turistico foi
reforçado com caixas de som espalhadas pelo trajeto da procissão tocando hinos sacros
e comentaristas do evento histórico.
O escritor paraense Dalcidio Jurandyr chamou o Cirio de
“Carnaval Devoto”. O sociólogo Isidoro Alves usou esse titulo para a sua tese
de mestrado, um dos livros mais procurados por conter uma análise decisiva
sobre a questão sóciocultural e política do evento. Sem ser um desrespeito, na
verdade, a alusão é a interpretação de que se trata de uma festa popular. E
como tal ultrapassa uma feição puramente religiosa. O Cirio é do povo e foi
instituido pela devoção que esse povo presta à Virgem de Nazaré que muitos nem
vêem como a mesma Senhora Aparecida (a padroeira do Brasil) e outras imagens
que refletem Maria, mãe de Jesus. Essa devoção traduzida na expressão mais
simples de diversas classes sociais, especialmente a menos favorecida, ganha
contornos especificos que traduzem a fé devotada. Cirio, portanto, é a vela
grande que traduz a fé.
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