Longe de entrar no debate sobre os parâmetros jurídicos da reforma eleitoral, tema que tem sido tratado, pelo menos nos últimos dez anos e, no momento, segue o curso dos assuntos atuais propostos para uma definição neste governo que inicia e nas casas legislativas, meu interesse no assunto é evidenciar algumas abordagens que já foram feitas e continuam na ordem do dia, citando a corrupção como efeito perverso incrustada na efetivação de algumas normas eleitorais e a possibilidade de estas serem eliminadas garantindo a saúde de nossa democracia.
Em um minicurso ministrado para bolsistas do GEPEM/UFPA e alunos/as do curso de Ciências Sociais dessa instituição sobre “Sistemas Eleitorais: Fórmulas eleitorais e suas conseqüências na representação política” pelo Professor Roberto Corrêa (Faculdade de Ciências Sociais/IFCH), há enfase desse cientista político sobre os efeitos nefastos da lista aberta usada pelo sistema político brasileiro para definir os representantes das casas legislativas (câmara de deputados, assembléias legislativas estaduais e municipais). Considera o professor o que uma parte dos estudiosos da área tem apontado como uma provável causa da “doença” do nosso sistema e, se reformulado esse dispositivo, torna-se uma maneira de “enxugar” o número de competidores nas eleições de “personal system”, criando com isso, uma melhor visibilidade da governança que para o Banco Mundial, no documento Governance and Development (1992) é o “o exercício da autoridade, controle, administração, poder de governo”. Ou seja, “é a maneira pela qual o poder é exercido na administração dos recursos sociais e econômicos de um país visando o desenvolvimento”, provocando “a capacidade dos governos de planejar, formular e implementar políticas e cumprir funções”.
Reforma eleitoral e reforma política tratam de questões diferentes, mas não divergentes, visto que a primeira apresenta elementos encravados na segunda. No livro organizado por Avritzer & Anastasia (2008), “Reforma Política no Brasil”, vários experts da ciência política tratam desses dois enfoques, assuntos que o cidadão e a cidadã brasileiros têm colocado na ordem do dia de suas conversas, mas supõem que não se inserem nesse debate. Essa é a grande questão que vejo como prejudicial para a garantia do fortalecimento do sistema democrático de um país, pois, se enquanto cidadãos/ãs acharmos que não entendemos nada de reforma política, mas em conversas domésticas evidenciarmos as desvantagens de um parlamento que pouco discute os problemas cruciais de uma cidade, de um estado ou do país, problemas que a cada dia explodem como intercorrências “naturais”, já estaremos criticando as regras de um sistema político e demandando uma reforma política eficaz e não apenas as desvantagens desta ou daquela regra do sistema eleitoral.
Como dizem Avritzer & Anastasia: “A reforma política pode ser entendida, de forma mais restrita, como reorganização de regras para competições eleitorais periódicas, tal como tem sido o caso no Brasil pós-democratização, ou pode ser entendida, também, como uma reorganização mais ampla do sistema político brasileiro. Neste caso, vale a pena distinguir entre a reforma das instituições políticas, a reforma do comportamento político e a reforma dos padrões de interação política”.
Em 2005, um grupo de organizações, movimentos, articulações, redes e fóruns da sociedade civil se reuniram para discutir e formular propostas sobre a reforma política brasileira. Foi elaborada, então, a Plataforma dos Movimentos Sociais para a Reforma do Sistema Político, entruturada em cinco eixos: “fortalecimento da democracia direta; fortalecimento da democracia participativa; aperfeiçoamento da democracia representativa; democratização da informação e comunicação; e democratização e transparência no Poder Judiciário”. E ratificaram essa posição: “Para nós, a reforma política não se restringe ao sistema eleitoral, mas, sim, aos processos decisórios, portanto, do próprio poder. (...) Uma verdadeira reforma política deve enfrentar problemas como o patriarcado, o patrimonialismo, a oligarquia, o nepotismo, o clientelismo, o personalismo e a corrupção. (...) Está presente na agenda dos congressistas há vários anos, mas sempre orientada pelos interesses eleitorais e partidários. É o chamado casuísmo eleitoral. (...) Por isso a maioria tem a concepção de reforma política como apenas reforma do sistema eleitoral”.
Desde as eleições de 2002, as mulheres também apresentaram aos candidatos/as uma Plataforma Política Feminista onde evidenciaram seu interesse de uma reforma política radical. Em duas Conferências (2004 e 2007) aprovaram o I e o II Plano Nacional de Política para as Mulheres. No capítulo reforma política ratificaram alguns itens da Plataforma dos Movimentos Sociais considerando a cultura sexista patriarcal ainda dominante no sistema politico brasileiro. Muitas conquistas foram incorporadas nessas mobilizações, inclusive, uma minireforma eleitoral no item referente a financiamento de campanha (de 10% de recursos solicitados do fundo partidário só foram aprovados 5%), na redação da Lei de cotas (mudança do verbo "reservar" para "preencher", Lei 12034/2009) e tempo de propaganda partidária no rádio e televisão (10%). Os “sofridos ganhos” nesses eixos normativos eleitorais demonstraram que é preciso insistir na mudança da cultura clientelistica de líderes parlamentares que não pretendem perder a sua prebenda. Inacreditável, mas é verdade: a Pesquisa de Opinião do INESC/DIAP mostrou que 60% dos parlamentares brasileiros são contra a criação de medidas que favoreçam a eleição de candidatas mulheres, de negros e negras (86%) e de indígenas (76%).
(Texto originalmente publicado em "O Liberal", em 11/02/2011. Imagem extraida de macaenews.com.br)
Nenhum comentário:
Postar um comentário