sábado, 19 de fevereiro de 2011

REFORMA ELEITORAL E A LEI SARAIVA





Em cada inicio de legislatura, os congressistas brasileiros declaram prioridade numa agenda de discussões sobre a reforma política. Na segunda feira (14) o vice-presidente da República, Michel Temer, ao proferir a aula inaugural do curso de graduação do IDP (Insituto Brasiliense de Direito Público, DF) defendeu uma reforma imediata, criticou o atual sistema eleitoral e apontou o voto majoritário nas eleições para deputado federal e estadual, cujo mérito seria evitar a eleição de candidatos com poucos votos sendo puxada por um candidato bem votado do mesmo partido ou coligação, derrotando aqueles que não alcançaram o quociente eleitoral exigido para serem eleitos, mesmo com votação expressiva. Isso, disse ele, mostra os equivocos sobre a escolha da maioria do eleitorado que assim não consegue eleger seus representantes.

A Presidente Dilma Rousseff, no seu pronunciamento na primeira sessão legislativa do ano, também colocou na lista das prioridades a reforma política ao lado da tributária, considerando a necessidade de "consensos" (congressual) para atingir ao menos uma rediscussão desses temas: "Trabalharemos em conjunto com esta Casa para a retomada da agenda da reforma política", afirmou Dilma.

Segundo estudos da Câmara dos Deputados, desde 1991 já foram apresentadas 283 propostas com a finalidade de alterar o sistema político e eleitoral do Brasil, desde emenda à constituição a projetos de lei. Todos se acham parados no Legislativo.No texto da sexta feira pp, argumentei sobre a diferença entre a reforma política (muito mais abrangente ) e reforma eleitoral (mais específica) segundo as discussões e plataforma dos movimentos organizados da sociedade civil brasileira. Nesta exposição de hoje quero lembrar a reforma eleitoral estabelecida pela Lei Saraiva, de 1881, que instituiu as eleições diretas no país para todos os cargos, salvo a de regente que se achava amparado pelo Ato Adicional.

A Lei Saraiva (ou Lei do Censo) apresentada em 1880 pelo deputado Rui Barbosa, a pedido do presidente do Conselho de Ministros, José Antonio Saraiva, trouxe arranjos e novos procedimentos para a participação dos eleitores e eleitos, rompendo uma prática que vinha de há muito tempo: a eleição em dois graus substituída pela eleição direta (Art. 1º), ou seja, o votante (agora chamado de eleitor) elegia os deputados (gerais e provinciais), os senadores (através de uma lista tríplice) e quaisquer autoridades eletivas.

Na relação Estado-Igreja foram dispensadas as cerimônias religiosas das atividades eleitorais; a comarca assumiu a importância que antes era da paróquia, passando esta a ser apenas a referência do votante para inclusão na lista, e o não-católico podia ser candidato.

O voto do analfabeto ainda se manteve (foi prevista uma transição para as restrições, a partir de 1882), sendo requerido por escrito “com assinatura sua ou de especial procurador, provando seu direito com documentos exigidos nesta lei” (Walter Porto, 2000).

O sistema de alistamento ascendeu de importância em virtude da eleição direta e da responsabilidade do votante que passou a ser reconhecido para sufragar senadores, deputados gerais, os membros das Assembléias Provinciais e autoridades eletivas municipais. Esse processo, que deu importância ao juiz de direito, era realizado em duas fases: uma preparatória, com o juiz municipal (em cada termo); e a outra definitiva, organizada pelos juizes das comarcas. Era anual e voluntário, solicitado por escrito pelo eleitor, deixando de ser ex-officio. A ficha identitária deste passou a ser o título, recebido após a qualificação e assinado na margem e, também, num livro especial. E, caso não soubesse ler, outra pessoa poderia assinar por ele. Quanto aos elegíveis, achavam-se entre “os cidadãos naturalizados e com 6 anos de residência no Brasil ao cargo de deputado à assembléia Geral, o nível de renda eleva-se para 800 mil réis, desaparecem as restrições relativas à condição social (o liberto pode ser deputado) e à crença religiosa (o não católico pode aspirar a um cargo).

A Lei Saraiva relacionava 30 funções que geravam inelegibilidades para quem concorresse, sendo distribuídas em três espaços geopolíticos: na Corte, nas províncias e nos distritos. Embora haja referência à representação relativa à população, no Império, não há Lei complementar cuidando da fixação do número de representantes eleitos. A lei entendia que “a igualdade de população a atingir se inscreve ao plano inter-distritos de cada Província e não a uma proporcionalidade de população entre as Províncias” (Decreto nº 3029/81). Este critério de proporcionalidade não foi cumprido, porque os censos deixaram de ser realizados, exceto o de 1872.

O tempo de mandato era de quatro anos, salvo se houvesse a dissolução da Câmara pelo Imperador, com os deputados perdendo sua representação e os eleitores seu voto. O sistema era de maioria absoluta (o candidato precisaria de mais de 50% dos votos para eleger-se) e num empate de votos, o candidato de mais idade ganhava o assento.

As mudanças no sistema eleitoral brasileiro desse período foram sempre marcadas por amplos debates parlamentares. Os modelos de democracias em processo de desenvolvimento em outros países eram parte da argumentação comparada feita pelo legislativo, com vistas ao aperfeiçoamento do sistema eleitoral brasileiro (Jairo Nicolau, 2002).

O alargamento da polis, com a inclusão das minorias não representadas e a alternância de poder, e a quebra da unanimidade partidária, com a nomeação de Ministros e a renovação dos membros da Câmara, constituem a garantia do princípio de equilibro das forças políticas representadas pelas facções partidárias.


(Texto originariamente publicado em "O Liberal", em 18/02/2011)

Nenhum comentário:

Postar um comentário