sexta-feira, 1 de outubro de 2010

ELEIÇÕES NA HISTÓRIA

A três dias das eleições gerais, a população brasileira se prepara para mais uma vez sufragar candidatos/as aos cargos majoritários e proporcionais.
A experiência brasileira de democracia representativa está classificada entre os países democráticos da “terceira onda” pela forma da evolução do seu sistema político, centrado no sistema partidário e eleitoral, em decorrência do processo institucional progressivamente estabelecido ao longo da história. Pesa nessa classificação o lugar ocupado no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) em relação às demais nações (70º lugar em 2007-PNUD).
Eleições fizeram a história do Brasil diversa de muitas outras experiências democráticas. No período colonial, os representantes dos Conselhos Municipais eram eleitos pela população das vilas e cidades (1532).
O que se pode chamar de o primeiro “código eleitoral” iniciando a organização política e administrativa do Brasil, tem base no Código Filipino ou Ordenações Manuelinas (1603) cujos livros registravam tanto os cargos ocupados na Colônia quanto as demais ações do reino sobre os territórios conquistados. Ele trouxe modificações à organização das câmaras municipais acentuando o seu caráter administrativo e reduzindo as funções judiciárias.
Como a vila era “a base da pirâmide do poder, na ordem vertical que parte do rei (...)” ela será administrada pela Câmara ou Senado da Câmara. Salvo alguns cargos nomeados pelo rei, como o de presidente da província, há prevalência das eleições para os juizes ordinários, os vereadores (em número de três, mas em algumas vilas eram quatro), o procurador, o tesoureiro e o escrivão, tendo cada um deles suas atribuições constantes nas Ordenações.
Quem compõe o colégio eleitoral responsável por este arranjo são os “homens bons e povo chamado ao Conselho”, segundo o registro do Código Filipino no Livro I, Título LXVII. Estes “homens-bons” são “indivíduos não nobres que possuem hereditariamente a propriedade livre”. Podem votar e presidir eleições: os corregedores e juizes, qualificados através da identificação de quem sejam conforme exigências das leis forais e costumes. Os não qualificados eram “os mecânicos operários, degredados, judeus e outros que pertenciam à classe dos peões” (Costa Porto, 2002).
Numa fase em que há eleições locais, não há referências às mulheres, como parte dessa estrutura de poder. As Ordenações Filipinas, no Livro 5, reduzem a menção a esse gênero aos costumes e proibições de comportamento e punições às transgressoras. Walter Costa Porto (2002) considera que o eleitorado restrito excluía as mulheres. Oliveira Viana (1955), ao elaborar um substancioso estudo sobre a importância dos clãs parentais e o “complexo da família senhorial”, para explicar os fundamentos sociais do Estado brasileiro, evidencia quem faz parte desse grupo responsável pela influência política eleitoral e na administração pública; anota os nomes das grandes famílias, mas ignora o papel das mulheres nessa dinâmica, salvo ao considerar a presença de um tipo delas: as “mulheres públicas” entre os que povoam as cidades nos dias de semana.
Embora o imaginário social reforçasse a submissão aos costumes e normas emitidas pelas Ordenações Filipinas, em vigor, as mulheres eram parte ativa, tanto no trabalho de chefia das propriedades (mesmo sem serem viúvas), quanto entre os grupos políticos insurretos ao regime que marca o período. Algumas, por suposto, sabiam ler; outras eram analfabetas, como muitos proprietários de terras e comerciantes que eram eleitores.
No império, em 1821, ocorrem as primeiras eleições gerais para a escolha de representantes à Corte de Lisboa. A primeira lei eleitoral foi promulgada em 1822 para regular as eleições dos representanes da Constituinte de 1823. Ao todo, desde a primeira eleição pós-independência (1824), são 53 legislaturas na Câmara de Deputados, tendo sido suspensas somente entre 1937-45, durante o Estado Novo (Nicolau, 2002).
Essa “trajetória do voto” no Brasil construiu a história do processo de participação política (ativa e passiva) do individuo, que antes emergia de um estado imperial e criava o arcabouço da legitimidade aos governantes, constando de conselheiros que administravam as cidades.
Hoje, o Estado republicano está representado através de eleições aos cargos principais do poder executivo e legislativo. Das fraudes mais vulgares à verificação de poderes, como o coronelismo exacerbado do “voto de cabresto”, o acesso ao poder foi parcialmente saneado, criando-se legitimidade competitiva também para as minorias afastadas e gradualmente incluídas pela proporcionalidade representativa e o sufrágio universal. Da eliminação gradual dos impedimentos ao voto, e ampliação desse direito nas democracias contemporâneas (renda, gênero, geração e etnia) às medidas de controle do equilíbrio do poder entre nações de clivagens exacerbadas, mudou-se o rumo na participação eleitoral com a entrada de novos atores e a consolidação democrática.
Ao longo das mudanças das leis e códigos eleitorais, a democracia brasileira mostra-se como um sistema estável, inclusivo e bem mais responsivo. Nas atuais eleições, duas mulheres dividem os votos do eleitorado ao maior cargo da Nação riscando, das configurações pejorativas e esteriotipadas, o jargão de “mulheres públicas”. Enfrentando discursos marcados por ideologias partidárias exploram o acúmulo de conhecimentos que amealharam por se tornarem ousadas em aceitarem as regras de um jogo que antes tinha sexo definido.

(Texto publicado em "O Liberal" em 30/09/2010)

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