quinta-feira, 7 de outubro de 2010

FORMAS DE PROTESTO

No século XIX, quando o estatuto do voto foi celebrado pela corrente liberal como o vínculo mais expressivo da democracia representativa moderna na formação da cidadania, esse arranjo não contemplou as mulheres e alguns homens sem a feição exigida pelas regras institucionais. Foram necessários anos de luta para que a conquista desse direito passasse a ser uma instrução fundamental à entrada das mulheres na polis revalidando o sistema democrático. Herdeiras do protesto como mecanismo de pressão social para mostrar que além das “panelas e mingaus” também tinham consciência dos direitos e deveres exigidos aos “bons” cidadãos, as mulheres precisavam demonstrar que seu voto era consciente e não seguiam a idéia da tradição de que seriam eleitoras dos candidatos do marido. Às vezes fizeram greves, foram presas, torturadas e humilhadas, mas defenderam e conquistaram a democratização da política.

Se algumas vezes o protesto foi silencioso, nem por isso deixou de se evidenciar esse fato, no Brasil. Em Mossoró (RN), em 1928, o governador Juvenal Lamartine autorizou o voto das mulheres em eleições. A potiguar Celina Guimarães Viana foi a primeira mulher a conseguir o alistamento eleitoral, agregando-se a um movimento nacional em que suas congêneres de nove estados pertencentes à Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, conseguiram o estatuto, embora institucionalmente somente em 1932 se efetivasse esse direito. Foram anulados os votos que as eleitoras desse período deram aos candidatos.

O voto de protesto tem sido um meio de reclamar sobre não-direitos, mas tem levado muitos eleitores/as a considerar esse mecanismo de pressão de forma crítica contra os que praticam a política. Esse tipo de voto designa situações diferenciadas: ou o/a eleitor/a se abstem, anula ou vota em branco, ou sufraga candidatos considerados excêntricos ou bizarros, manifestando, com isso, a sua indignação à política vigente no país e, principalmente, aos que atuam na política. No primeiro e segundo casos, os percentuais aumentaram no Brasil em relação a 2006, enquanto o voto nulo vem caindo desde 2002 (TSE).

Quanto aos candidatos bizarros, não se pode dizer que apenas os que agregam o humor nacional ganham campo na hora de serem escolhidos como candidatos para um cargo eletivo. No passado, ainda no período das cédulas de papel, o rinoceronte Cacareco (em São Paulo) e o macaco Tião (no Rio de Janeiro) apresentaram expressiva votação suficiente para se elegerem, sendo, contudo, os “votos” considerados nulos.

Já na fase da urna eletrônica, o cardiologista Enéas Carneiro, um nome respeitado no ramo médico, ganhou muitos votos arrastando consigo algumas outras candidaturas à Câmara de Deputados, simplesmente por usar o seu minuto na programação obrigatória da TV dizendo apenas “Meu nome é Eneas”. Nesse caso, além da máscara, a bizarrice se deu em nome da campanha que usou para se projetar e ao seu partido, o PRONA. Em 2006, o estilista e apresentador de TV Clodovil Hernandes também foi eleito deputado federal pelo PTC, com expressiva votação.

Outra especie de protesto é a escolha de votar em candidatos que usam nomes que lhes pareçam pitorescos e que chamam a atenção na campanha. Muitas vezes esses nomes nada têm a ver com o de batismo ou mesmo seja um apelido do postulante. Há certa consciência de que o bizarro é benquisto – ou leva ao ridículo, o que alguns vêem como forma de protesto e simplesmente por achar jocosa a pretensão de certas figuras se infiltrarem no cenário político.

Nessas eleições, o fato mais evidente foi a vitória ao cargo de deputado federal pelo PR, de Francisco Everardo Oliveira Silva, o palhaço profissional Tiririca, incriminado em 2005 como racista ao compor e cantar a música “Veja os Cabelos Dela” (com divulgação da Sony Music). Neste caso, pergunta-se qual a responsabilidade do partido que indicou esse cidadão como candidato? Se o eleitorado protestou sufragando-o, o critério de escolha pela composição da lista foi das lideranças partidárias.

As candidaturas ou vitórias que inspiram galhofas representam uma forma de protesto contra uma série de escândalos praticados pelos que representam a democracia. O eleitor pode achar insatisfatório votar em branco ou simplesmente anular seu voto. Mas se antes, nas velhas cédulas, podia se escrever o protesto, agora o automatismo leva a buscar esse protesto em formas estabelecidas – ou consentidas (TSE). A galhofa é uma forma de demonstrar a desaprovação ao status quo do sistema. Noutras palavras, o humor traduz melhor o que pensa o votante. Contudo, somente a utilização responsável da preciosa arma do voto que serve ao povo confirma a igualdade democrática, contrariando o dito do General Ignácio José Veríssimo, em 1953, de que “O voto de um general é melhor do que o de uma lavadeira”.

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