Jairo Nicolau
(Coluna publicada no O Estado de São Paulo, quarta-feira, 22/09/2010)
Já recebi quase uma dezena de e-mails com seleções das cenas mais bizarras do horário eleitoral deste ano. O conjunto é quase sempre grotesco e desanimador. Antes tínhamos acesso às campanhas dos candidatos de nosso Estado. O YouTube ampliou enormemente nossas opções. Podemos assistir a performances de candidatos de mais 26 Estados.
Não dá para dimensionar os efeitos negativos destes vídeos sobre uma avaliação geral sobre a política e a atividade parlamentar. Nos resta apenas esperar mais uns dias para observar o perfil dos eleitos, e para sabermos se houve um aumento do números de votos em branco e nulos. Preocupante, por enquanto, somente a informação trazida pela pesquisa do Datafolha, feita em nove Estados, sobre a intenção de voto para deputado. A pouco menos de um mês para as eleições (a pesquisa foi feita nos dias 7 e 8 de setembro), apenas 1/3 dos eleitores já havia escolhido seu candidato.
Na semana passada, perguntei a um grupo de estudantes universitários se eles sabiam quais eram as regras para apuração dos votos para deputado. Quase todos responderam que os mais votados do Estado são os eleitos. Em um Estado como São Paulo, com uma bancada de 70 deputados na Câmara, os 70 mais votados seriam escolhidos. Eles ficaram surpresos quando disse que estavam errados.
Mas por que será que quase todas as pessoas imaginam que seja assim? Minha desconfiança é de que a lógica das eleições majoritárias para os cargos do Executivo acaba contaminando a visão dos eleitores. Se durante a campanha os deputados pedem votos para si como fazem os candidatos para presidente, governos de Estado e senador, e se no momento de votação, diante da urna eletrônica, os eleitores quase sempre votam em nomes e assistem a seus retratos aparecerem na tela, é natural que tenhamos a impressão que o sistema é semelhante: o candidato mais votado para governador fica com a vaga; os mais votados para o Legislativo são eleitos.
O que poucos eleitores sabem é que o sistema eleitoral utilizado nas eleições para Câmara dos Deputados e Assembleia Legislativa é o proporcional. Neste sistema o mais importante é saber quantos votos cada partido (ou coligação) recebeu.
Quando digita os números dos candidatos a deputado estadual e federal, os eleitores não imaginam a quantidade de detalhes que afetam o "destino de seu voto". Vejamos alguns deles.
1. Se você anula ou vota em branco, seu voto não tem nenhuma serventia na distribuição das cadeiras. A urna eletrônica traz um botão verde que permite ao eleitor votar em branco. O botão é uma herança do período (até 1996) que os votos em branco eram considerados para a distribuição das cadeiras. Para anular o voto é preciso digitar um número inexistente (tarefa difícil, com tantos partidos e candidatos). Apesar da diferença, os dois votos têm o mesmo destino: são ignorados para a distribuição das cadeiras.
2. Se você vota em um determinado candidato, este será somado ao de outros candidatos do mesmo partido (ou coligação). O voto para cargos do Executivo e para senador não é transferível. Vai para aquele nome e ponto. Nas eleições para deputado, um voto é agregado aos de outros nomes da lista (que pode ser um partido ou coligação).
Os eleitores, quase nunca, conhecem os detalhes das coligações eleitorais. Por isso o espanto quando foi divulgada a informação de que os votos do candidato Tiririca (o mais bizarro da temporada) será agregado aos votos do PT e do PCdoB. Não tem jeito: o mais doutrinário comunista será ajudado pelos votos do candidato abestado; e vice-versa.
3. Se você vota na legenda, seu voto é somado aos votos dos candidatos que pertencem àquela legenda. Caso o partido esteja coligado, entram na conta os votos dos candidatos e o voto de legenda de outros partidos.
Muitos eleitores acreditam que a melhor maneira de ajudar a um partido é votar na legenda. Se o partido estiver coligado, é a pior. No exemplo acima, pense no destino do voto dado na legenda do PT. Serviu para aumentar a bancada da coligação. Mas não ajudou particularmente ao PT.
4. Se o partido que você votou não atingir um mínimo de voto (o quociente eleitoral), ele não pode receber nenhuma cadeira.
O quociente eleitoral é o resultado da divisão dos votos válidos (dados em candidatos e legenda) dividido pelo número de cadeiras. Pelas minhas contas, o quociente eleitoral para deputado federal em São Paulo este ano deve ser de cerca de 300 mil votos.
Um partido que, por exemplo, obtenha 290 mil votos está fora da distribuição das cadeiras. Esses votos têm o mesmo destino dos anulados e deixados em branco: não servem para nada.
5. Você pode votar em um candidato que recebeu muitos votos e ele pode não se eleger; enquanto outro com muito menos votos é eleito.
O sistema procura distribuir as cadeiras proporcionalmente aos votos dos partidos (e coligações). Não garante que nomes que individualmente obtiveram muitos votos serão eleitos. Nem que nomes com poucos votos não possam entrar. O Prona, partido de Enéas, elegeu o deputado Vanderley Assis em São Paulo (2002) com 275 votos.
Exemplos extremos como o do deputado do Prona acabam confundindo ainda mais os eleitores. Como vimos, grande parte deles pensa que utilizamos um sistema majoritário na disputa para a Câmara dos Deputados.
Todos os anos o TSE apresenta durante a campanha peças publicitárias chamando a atenção para a responsabilidade da escolha nas eleições para deputado. São as campanhas pelo voto consciente. Talvez valesse a pena esclarecer os eleitores sobre o "destino" do voto. Como vimos, um aspecto está associado a outros. A campanha poderia ter a seguinte premissa: vote consciente para deputado, mas saiba para onde está indo o seu voto.
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