Nas
recentes manifestações de rua no país uma grita sistemática se mantém
insistentemente, em relação a um sentimento antipartido. O descrédito
partidário passa pela informação emblemática sobre o não partidarismo dos ativistas
e as palavras de ordem solicitando a reestruturação das organizações partidárias
e/ou a extinção das mesmas. Sobre este último item não pretendo tratar, haja
vista que sou adepta de um sistema democrático republicano e este necessita de
um eixo de expressão da sociedade através da representação de um grupo
organizado com participação voluntária.
Mas
em relação aos dois primeiros itens considero procedentes e me animo a
argumentar trazendo para exposição uma entrevista do cientista político Jairo Nicolau
(UFRJ, orientador de minha tese de doutorado/IUPERJ), matéria de Flavio Tabak, publicado
no Jornal “O Globo”, de 19/06 do corrente. No final, há, também, partes de um texto da
filósofa Marilena Chauí que em sua análise revela o histórico de outras lutas
sociais que não se acham na memória atual dos manifestantes. Me ative a questão deste debate.
Ao
ser indagado sobre o que tem contribuído
para o afastamento partidário da juventude, diz Nicolau: “Não conheço pesquisas sistemáticas, mas observo já há algum tempo que os
partidos brasileiros envelheceram. Não estou falando só pelo fato de os
dirigentes terem ficado mais velhos. Algumas legendas até fizeram renovação.
Não é isso. Falo do envelhecimento no sentido de cooptar jovens para a
militância partidária”.
Jairo enfatiza que o surgimento de novos movimentos sociais, nos anos
1980, quer fossem ambientalistas, de gênero, pacifistas, além de outros
mecanismos de interação política em nível mundial e nacional trouxe uma
reorganização no estilo de vida politica haja vista que até então eram somente
os sindicatos e os partidos que se integravam nessas ações. Nesse caso, a
natureza dos partidos foi intentando adequações como quando a reorganização da sua
exposição pública se tornou necessária pela queda de um dos bastiões dessa evidência
que eram os comícios. Não pela ausência de jovens, mas porque não só os custos
eram altos, perderam a valorização e as pessoas deixaram de ir, pois, no caso
das campanhas eleitorais, novas formas de exposição centraram-se na TV. Jairo
diz que nesse período no Brasil, a juventude explode em participação nas hostes
petistas, com “essa energia para a vida partidária brasileira de forma muito
potente, com estética diferente, jovens de classe média, artistas”.
Para Nicolau, a
nova lei dos partidos (9.096, de 19/09/1995) trouxe mudanças internas para
essas organizações, com o sistema partidário brasileiro tornando-se muito
dependente do Estado, em todas as dimensões. Uma delas, se não a principal, é
referente à constituição do Fundo Partidário (Cap.II, art. 38). “Os partidos
brasileiros ficaram acomodados, estatizados com quadros pagos com recursos da
patronagem, dos militantes no poder, ministros, secretários, assessores. Em
geral, os partidos estão dominados por profissionais.”
Quanto ao
apartidarismo da juventude, não quer dizer que eles não se interessem pela
política. Na versão de Jairo houve um deslocamento do interesse dessa geração
pela política que não inclui “acompanhar a vida partidária”. A desvalorização
do partido político pelo formato apresentado no processo de corrupção das
lideranças no poder constrói outras agendas de demandas que reforçam itens de
indignação importantíssimos abrangendo, por exemplo, recursos gastos nas obras
da Copa, serviços públicos sucateados, custo de vida, além de “sentimento
difuso contra a elite política”. Esse ativismo juvenil explora “um sentimento
antipolítica tradicional que estava no ar”, diz.
O resultado de uma
enquete com aplicação de formulários que Nicolau realizou entre seus alunos do
quinto período de Ciências Sociais da UFRJ, mostrou que “apenas um tinha
simpatia pelo PSOL. Os outros não declararam simpatia por partido algum e 30%
se classificaram como de direita. Claro que ainda há muita militância, mas não
com partidos, que não têm uma grande atratividade para esses jovens.”
As observações de
Jairo Nicolau levam a um nível de reflexão em especial aos líderes partidários
tanto os que comandam os partidos considerados tradicionais quanto aqueles que
estão esperando vez para serem criados. O que está sendo posto pelas manifestações
de rua deve ser considerado como um aspecto a mais da insatisfação de tantos.
Há, também, uma
análise interessantíssima de Marilena Chauí (no blog http//midiafazmal.wordpress.com)
sobre alguns pontos das manifestações de rua. Considera um histórico dessa
forma de ativismo no Brasil (que hoje a mídia injeta desconhecimento sobre
essas ações) e ao tratar do “pensamento mágico” evidencia as características da
convocação feita pelas redes sociais e alguns problemas apontados pelo uso
dessas redes. Nesse demonstrativo posta a crítica que os ativistas estão
fazendo às instituições políticas que para ela possui base concreta Como o de o
“inferno urbano” ser de “responsabilidade dos partidos políticos governantes”, no plano
conjuntural. No plano estrutural acrescenta: “no Brasil, sociedade autoritária
e excludente, os partidos políticos tendem a ser clubes privados de oligarquias
locais, que usam o público para seus interesses privados; a qualidade dos
legislativos nos três níveis é a mais baixa possível e a corrupção é
estrutural; como consequência, a relação de representação não se concretiza
porque vigoram relações de favor, clientela, tutela e cooptação”. Argumenta que
uma parte dos manifestantes nega legitimidade ao partido político como
instituição republicana e democrática e deixa de lutar por uma reforma
política.
É o momento de rever posições no
percurso das manifestações e não “ir na onda” de que “os partidos são corruptos
por essência”.
(Texto originalmente publicado em "O Liberal"/PA, de 05/07/2013)
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