Roberto Ribeiro Corrêa
Economista, Doutor em Ciência Política/UFPA
Economista, Doutor em Ciência Política/UFPA
Quais os mecanismos institucionais
que devem vigorar
num sistema político
de sorte a aperfeiçoar as relações entre
os poderes executivo
e legislativo , em
proveito da boa política, fortalecendo
os partidos, reduzindo os custos de campanha e os custos decisórios de governo?
A resposta a esta abrangente questão induz a debates dissonantes, sobretudo
com políticos aferrados a mandatos conquistados pelas regras
atuais . O novo
sempre traz apreensão e desconfiança. A expressão “reforma política ”
refere-se a uma ampla gama de compósitos institucionais cuja
principal função
é estruturar comportamentos
interativos nos quatro
níveis em que
se estabelece a ação dos atores
políticos : eleitor ,
candidato , legislativo
e executivo . Algo que a semelhança do
aparelho econômico tem a ver com os mecanismos de insumo (mercado eleitoral),
processador (burocracia estatal) e produto (políticas públicas direcionadas a
corrigir falhas de mercado). Ou seja, uma engenharia constitucional que tem a
ver com a mais antiga questão política: como chegar, como usar e como
transferir o poder?
Vivemos atualmente sob a égide da fórmula de voto
proporcional de lista aberta
combinada a um sistema
de governo presidencialista que se estrutura
a partir de distritos
eleitorais de variados tamanhos quanto
ao número de eleitores, em todas as
esferas da Federação (União, estados e municípios). Esse
é um sistema
único no mundo
e reconhecido pelo Banco
Mundial, em seu Relatório de 1997, como o de mais
alto custo
em termos de manutenção e operação da máquina estatal. A fórmula
eleitoral vigente permite, nos casos das coligações partidárias, a transferência
integral do voto
do eleitor , a chamada
“sobra ” que ,
aproveitada para totalização
dos quocientes partidários, termina distorcendo o resultado
das urnas, estimulando, como manda a regra, o surgimento de micros partidos
organizados a imagem e semelhança da celebridade do momento, seja esta o moralista,
o palhaço ou o justiceiro. Uma antiga e conhecida peroração resume essa
patologia institucional: a freirinha vota
em José, candidato
do Partido Cristão
que não se elege. Seu
voto , todavia, é aproveitado nas “sobras”
para eleger um ateu do Partido Comunista, integrante
da mesma coligação
da qual faz parte
o Partido Cristão. Pode? Outra patologia
do mesmo sistema eleitoral anula o princípio
de “a cada
eleitor um
voto”. Por quê? Sim . Independente
do tamanho do eleitorado, a legislação vigente estabelece um
número mínimo
(8) e máximo (70) de deputados federais
por estado
da federação . Isso
leva a que
o voto do eleitor
do Amapá, por exemplo ,
valha algumas vezes mais
do que o voto
do eleitor de São
Paulo — discrepância da proporcionalidade da representação legislativa que às
vezes pode servir de estímulo à criação de territórios, estados e municípios.
O problema maior
desse sistema eleitoral
é, no entanto , o que
diz respeito à estruturação de comportamentos nas relações
candidato–eleitor. Como a ordenação
das preferências se dá através da livre
manifestação do eleitor
pelo voto uninominal,
o candidato deve preocupar-se apenas com a sua eleição e,
uma vez eleito, com
a sua reeleição .
Sua campanha
eleitoral , por
isso mesmo ,
deve ser apoiada no clientelismo e o eleitor , sentindo a impotência
do político frente
ao poder constituído, prefere aceitar
as migalhas pré-eleitorais
a apostar num futuro
melhor escolhendo um
candidato mais
comprometido com as questões
de fundo da sociedade
brasileira . Uma opção orientada para o
presente, para o imediato, como função inversa do nível de renda. Ou seja:
quanto menor a renda do eleitor, mais forte o estímulo em trocar voto por
benefícios imediatos.
Essa situação levou a que várias Comissões
fossem instalada no Congresso Nacional para estudar a fundo a questão “reforma política ”,
a partir de um
único elemento
catalisador : o de conceber
instituições favoráveis
à consolidação de um
sistema de partido
estável , representativo das clivagens sociais mais importantes ; e eficaz
na formação de governos .
Temas como
voto facultativo ,
reeleição , desincompatibilização e
inelegibilidade, elegibilidade de militar , imunidade parlamentar , perda de mandato ,
infidelidade partidária ,
financiamento público de campanha, entre
outros , não
mexem tanto com
a vida política
do país quanto
à reforma do sistema eleitoral . Esta sim ,
— carro chefe
das divergências conciliáveis apenas por meio de um amplo e profundo
debate nacional ,
o que , naturalmente ,
conta com diversos obstáculos
entre os quais
o principal , sua
complexidade para entendimento
do cidadão comum .
Daí a importância constituir uma comissão de notáveis, a exemplo da Comissão
Afonso Arinos na constituinte de 1987, para elaborar um projeto de engenharia
constitucional, tendo por foco a reforma política em sua acepção mais ampla.
Desse ponto em diante, em meio à efervescência dos debates, a sociedade estaria
preparada para responder um plesbicito ou, quiçá, um referendo.
Vejamos a seguir cada um desses padrões
de representação ou ,
dizendo melhor , de conversão
de votos em
cadeiras legislativas e seus resultados
no que toca aos comportamentos políticos de eleitores, candidatos,
representantes legislativos e executivos, estruturados a partir de cada uma
dessas variantes institucionais.
No primeiro caso ,
lista fechada, o mecanismo
deve ser definido
a partir da fórmula
de voto proporcional, o que implicará decidir qual a maneira
de delimitar os distritos .
Se por estado ,
com é hoje ,
com suas
inevitáveis distorções ,
ou de proporcionalidade quase absoluta — implicando definir
distritos com
base em
colégios eleitorais
do mesmo tamanho (i.e. mesmo número de
eleitores), o que anularia, para efeito puramente eleitoral ,
caso mantida a proporcionalidade da representação na Câmara dos Deputados, os limites geográficos
das unidades federadas para efeito de
escolha de representantes a Câmara Federal. O sistema
de lista fechada tem como
vantagem a estruturação de campanhas eleitorais
centradas em programas e partidos, e por
isso mesmo menos dispendiosas, uma vez que, ao invés
de clientelismo , próprio
do sistema de lista
aberta, os partidos teriam que se apresentar tal quais marcas de empresas
políticas devotadas à produção de bens públicos diferenciados por interesses
e/ou clivagens sociais. Ou seja, os partidos apresentariam a lista
de nomes e o eleitor
votaria na sigla do partido
de sua preferência
(ignorando aqui as combinações
outras que permitem maior
flexibilidade, como o ordenamento da lista a partir da vontade do eleitor )
que , dependendo do percentual
de votos , capturaria um determinado número de cadeiras
a serem distribuídas de acordo com a ordem dos candidatos
eleitos na convenção partidária ou por
meio de eleições primárias. Assim , por
exemplo, o partido A obteve 10% dos votos , preencherá então
10 cadeiras legislativas, na hipótese de uma câmara
formada por 100 representantes. Nesse
caso, não haveria espaços para as celebridades e para os puxadores de voto a la Tiririca e tampouco a possibilidade
de votar no mocinho e eleger o bandido. Na estruturação endógena do sistema de
lista pré-ordenada, o comportamento seria de estímulos à vida e a disciplina
partidárias em detrimento do que hoje ocorre em todos os partidos, com facções,
em permanente conflito, estruturadas não em torno de programas ou de
ideologias, mas em torno de candidaturas.
O voto distrital ─ também chamado
de voto distrital puro ─ corresponde a um tipo de eleição majoritária
em oposição
à eleição proporcional. Ou seja, cada partido lança apenas um candidato por distrito , obrigando o eleitor
a votar em um dos candidatos
ofertados em seu
distrito . A natureza
pluralista dessa eleição é do tipo : o vencedor (mesmo
que por
um voto )
leva tudo .
Esse é um
sistema cuja
patologia é a desproporcionalidade. Ou
seja, um partido pode obter
40% dos votos e preencher
menos de 10% das cadeiras legislativas,
bastando para isso
que tenha perdido por
diferenças mínimas
em 90% dos distritos; tendo por
contrapartida, outro partido, o vencedor, elegendo mais de 90% das cadeiras com
apenas 60% dos votos. Este é um sistema de viés geográfico, que favorece as
disputas personalizadas em nível local, onde o poder econômico conta para
definir, na repetição do jogo, os partidos sobreviventes no longo prazo. Por
outro lado, devido a esse mesmo viés, as minorias são excluídas da
representação, pois que teriam que estimular a migração de eleitores para um
único distrito. Emblemáticos nesse tipo
de sistema eleitoral são: Inglaterra (sistema de três partidos parlamentares) e
dos Estados Unidos (dois partidos parlamentares), em que pese a ampla liberdade
de organização partidária existente nessas democracias.
O terceiro padrão ,
voto distrital misto ,
ou sistema
de dois votos, vigente na Alemanha, funciona da seguinte maneira .
Metade da câmara
(ou assembléia )
é preenchida via fórmula
eleitoral distrital e, a outra metade, via fórmula eleitoral proporcional de lista
fechada e pré-ordenada. Trata-se de uma combinação que favorece a escolha de
representação geográfica (distrital) e de interesse (proporcional), tendo por
vantagem a maior proporcionalidade entre o número de cadeiras recebidas por um
partido e o número de votos recebidos, uma vez que a proporcionalidade é
declarada no primeiro voto, havendo necessidade de cadeiras adicionais para
compensar os eventos distritais dos pequenos partidos. O número de cadeiras
atribuídas a cada estado (ou distrito) depende do número de votos válidos como
proporção dos votos totais da União. Ou seja, a proporcionalidade é garantida
como princípio filosófico de, a cada cidadão, politicamente ativo, um voto. Em
outras palavras, por estímulo e punição, quanto maior a abstenção no estado ou
distrito, menor o número de cadeiras destinado aquele território, e vice-versa.
De todas as fórmulas apresentadas
a que mais
tem a ver com
governabilidade e governança — estabilidade
institucional, dar conta
das demandas das clivagens sociais e relações
convergentes com o executivo
federal , estadual e municipal, é, a meu ver , o sistema de voto
distrital misto ou
de dois votos .
Por quê? Porque o cidadão-eleitor pode, por exemplo, nas questões
da macro-política escolher em primeiro voto (i.e.
voto em lista fechada) um partido progressista de sua preferência, e no segundo
voto, no distrito, um candidato de outro
partido, por ser
este último uma pessoa competente para
representar e lutar pelos interesses
do seu distrito
— numa palavra , a micro-política.
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