sábado, 4 de maio de 2013

O DIA DA LIBERDADE DE IMPRENSA




 O ser humano nasce preso à placenta pelo cordão umbilical, mas logo é liberado pelo corte que se faz nele. É voz comum, então, dizer que a liberdade é um dom natural, e por isso mesmo a maior riqueza da espécie. E em se tratando de liberdade sabe-se que todos os seres vivos lutam por isso. Animais chegam a morrer quando presos e vegetais que aparentemente são ligados por raízes e não saem do lugar ainda assim sucumbem quando se os prende de forma a diminuir o fluxo de oxigênio que o alimenta. Mais instigante é pensar na liberdade como direito natural e na concepção de JJ Rousseau: "O homem nasce livre, e em toda parte é posto a ferros”.
O Dia Mundial da Liberdade de Imprensa foi estipulado por uma convenção em 3 de maio, como o marco da franquia de livros, jornais, revistas e comunicações audiovisuais (rádio, cinema, TV). Sobre o tema vale lembrar o Artigo XIX da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) que expressa textualmente: "Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras".
Historicamente os regimes de força se caracterizaram pelo cerceamento dessa liberdade de expressão como forma de se manterem no poder. Não há registro de uma só ditadura que tenha liberado todos os meios de comunicação. E há casos em que governos de proposta democrática experimentaram a censura (que é uma forma de cerceamento de ideias) a obras de arte ou relatos sobre certos assuntos que não desejem encaminhados ao espaço público. Lembro que no Brasil pós-ditadura 1964-1985, o presidente da época pediu a proibição do filme “Je Vou Salue Marie”(1985) de Jean Luc Godard como desrespeitoso à religião. E nesse tempo o Brasil republicano era uma nação laica.
Trato da liberdade lembrando a Mensagem de Kofi Anan, então Secretário Geral da ONU: “Neste Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, manifesto, novamente, o meu profundo apoio ao direito universal à liberdade de expressão. Vários membros da imprensa têm sido assassinados, mutilados, detidos ou mesmo tomados como reféns pelo fato de exercerem, em consciência, esse direito. Segundo o Comitê para a Proteção dos Jornalistas, 47 jornalistas foram assassinados, em 2005, e 11 já perderam a vida, neste ano. É trágico e inaceitável que o número de jornalistas mortos no cumprimento do seu dever se tenha tornado o barômetro da liberdade de imprensa. Apelo a todos os governantes para que reafirmem o seu compromisso em relação ao direito de “procurar obter, receber e difundir, sem limitações de fronteiras, informações e idéias através de qualquer meio de expressão”, consagrado no artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos”.
Os/as brasileiros/as vivemos muitos anos de censura. No século passado, o período do Estado Novo (1937-1945) foi um exemplo muito evidente. Havia o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) que norteava o que publicar. Esse departamento auxiliava a divulgação do que era do interesse do governo. Getulio Vargas tornou-se popular não só com as suas medidas de proteção ao trabalhador, mas no modo como fazia veicular os dados dessas medidas. Interessante observar a influência que se fazia sentir na época em que emergia o nazi-fascismo, com Hitler assumindo o governo alemão em 1933 e Mussolini seguindo-o na Itália. Quando essas nações entraram em guerra com o resto do mundo (mais o Japão ao lado delas), os países que formavam o bloco aliado, ou de luta contra essas ditaduras, gabavam-se da liberdade de seus povos. Mesmo assim havia censura. Nos EUA, por exemplo, um grupo radical impedia que filmes divulgassem o que lembrasse sexo e violência. Não eram permitidas imagens de sangue nos ferimentos dos personagens, nem focalizar uma cama de casal ou uma mulher grávida. Esse tom era seguido por algumas nações e entre nós reforçado na propaganda de um governo que a canção popular declarava “pai do povo”.
O fim da 2ª. Guerra Mundial trouxe uma época de anti-censura. Censurar seria lembrar os ditadores depostos. Mas a America Latina recebeu de volta a “rolha”intelectual nos anos 1960. Casos notórios são os do Brasil, Argentina e Chile. No terreno que nos cabe, os militares governantes de 1964 a 1985 instituiriam uma censura tão ou mais voraz do que a do passado. Os censores podiam “interpretar”o que lhes parecia subversivo. E nesse tom entravam não só os preceitos antigos anti-sexo como qualquer fator que um censor achasse de critica ao regime.
Pessoalmente respondi a uma intimação da Policia Federal, nos anos 1970, por uma entrevista que fiz para minha coluna de cinema com o então presidente do Sindicato dos Jornalistas local, João Batista Filgueira Marques. Ele criticava a censura de filmes e eu fui interrogada por dar guarida ao depoimento. Curioso é que o censor dizia entre frases que “não era sádico”. E eu, ingênua, nem pensava em chamar essa autoridade de seguidora do famoso marquês.
A censura dos “anos de chumbo” no Brasil foi a mais cruel que o país enfrentou. Todas as artes sofreram e chegou-se a trâmites cômicos como as bolinhas negras sobre o sexo de personagens na liberação pedida pelos norte-americanos, do filme “A Laranja Mecânica”.
Para os castradores de ideias, os outros devem seguir o que pensam alguns. Pregam uma hegemonia de intelecto que é absurda a partir da própria formação física. Se somos todos iguais não temos a obrigação de ser donos de um só pensamento em todos os quadrantes. E demonstramos nossas peculiaridades expondo-as. As pessoas devem seguir livres desde que abandonaram o útero materno. Só assim podem construir o cenário de seu mundo, dizendo o que pensam, o que apreciam ou não, o que aplaudem ou aturam por força de circunstancias. E se ninguém é obrigado a seguir idéias também não é obrigado a censurar idéias. Com censura reina a hipocrisia e ninguém sabe quem é quem.

(Publicado originalmente em "O Liberal"/PA em 03/05/2013)

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