Para
o dicionário da língua portuguesa, dentre tantas significações para boato há o de tratar-se de “notícia de
fonte desconhecida, muitas vezes infundada, que se divulga entre o público”.
Pode ser também “um dito sem fundamento, maledicência divulgada a boca pequena”.
Para o significado de fofoca uma das
evidencias é de ser “afirmação não baseada em fatos
concretos; especulação”. Há cruzamento entre essas duas acepções
reconhecendo-se com exemplos que podem ser extraídos até de fatos históricos do
ontem e do hoje presente.
Sobre Catarina II, a Grande, imperatriz da Rússia, foi
disseminada a história de que ela teria falecido de um acidente sexual que
envolvia um cavalo. Mas os pesquisadores apontam que, na verdade, a imperatriz
faleceu de um AVC constatado por uma necropsia. O mito, entretanto, já se espalhara
construído em função da vida de amantes que levava na corte.
Essa versão sobre Catarina II data de cerca de 200
anos. É um boato mesclado pelas fofocas da corte, se assim é possível dizer. Mas
não é a primeira fofoca ou boato que a história registra. Não há precisão do
momento em que o “homo sapiens” articulou suas primeiras encenações nesse tom para
ganhar ou não alguma coisa com isso. Há quem invente historias pelo simples
prazer de inventar, sem pensar em ganho imediato ou mesmo mediato.
Há boatos que não agregam a fofoca, mas se registram
como jogo político. Por exemplo, os aliados, na fase final da 2ª Guerra Mundial
mantiveram um boato para que os alemães não descobrissem onde se daria a
invasão numa praia francesa (afinal, a Normandia). Espalharam que se daria em
outra praia, e usaram um cadáver como se fosse um espião morto em desastre
aéreo com uma pasta cheia dos planos, obviamente falsos, do esperado e temido
(pelos nazistas) desembarque.
Esta semana um
boato chegou à mídia com a notícia de que o governo iria acabar com o Bolsa
Família. O programa que tem beneficiado centenas de pessoas, hoje mantendo
lares que de outra forma estariam mendigando ou passando fome, não poderia
acabar “sem mais nem menos” como se estivesse pesando na economia (como se
propagou) ao serem justificados os emblemas da controvérsia tratada como
oficial. O resultado do boato foi a multidão que se acercou da fonte pagadora
(Caixa Econômica) e de quem mais pudesse informar sobre o assunto.
A maldade foi bem expressada pela presidente Dilma
como “um ato desumano”. Tratou-se então de uma “afirmação não baseada em fatos
concretos”. Realmente,
esse tipo de boato deslocou-se para a fofoca, trazendo apreensão para os
inscritos no programa tornando-se maldade. Especula-se tratar-se de um jogo
político.
Recentemente
propagou-se o fim do mundo como o resultado da pesquisa em torno do calendário
usado pelos maias, afirmando-se que o encerramento desse calendário em dezembro
de 2012 seria um meio de dizer que nada mais restaria para marcar daí em
diante. O pavor instalado a alcance de pessoas influenciáveis foi expressivo.
Houve casos de suicídios com pessoas resolvendo acabar com suas vidas de um
modo “menos pavoroso”.
E não foi o
primeiro boato de fim de mundo. No ano 1000 da cristandade também houve pânico.
Diziam que Jesus Cristo havia afirmado que o ser humano “de mil não passaria”.
Como passou, a chegada de 2000 foi ainda pior. A frase: “Em mil chegarás de
dois mil não passarás”.
O lucro imediato do boato é o susto. Quem prega
boato incide em fofoca a espera de uma resposta de temor. E o reverso é uma
falsa alegria. Boato de que alguém foi premiado em um jogo como a loteria,
antes que este consulte o seu bilhete é muito encontrado. E o pior é que muitas
vezes a pessoa já perdeu o bilhete, certa de que não tinha sido sorteada.
Há pouco a historiadora
e arqueóloga Valdirene do Carmo Ambiel, em dissertação de mestrado (USP),
conseguiu a exumação dos corpos de D. Pedro I e suas esposas Leopoldina e
Amélia. Num trabalho minucioso rompeu com o boato de que o imperador havia
empurrado da escada D. Leopoldina e ela falecera devido a fraturas provocadas
com a queda. Na exumação constatou-se que não havia ossos quebrados. A
imperatriz teria morrido devido a infecção causada depois de seu nono parto.
A história
que se conta aos escolares de hoje passa por revisões que apostam em maior
realismo considerando que muitos fatos foram moldados nos boatos muitas vezes
impostos com vista a um nacionalismo apregoado pela política de época.
Frases-feitas teriam sido moldadas e figuras famosas não seriam imaculadas como
as informações orais e escritas passaram de pais para filhos.
Um boato
serviu, por exemplo, ao que se propagou no tempo da chamada “guerra fria” através
de norte-americanos (e no caso o embaixador dos EUA no Brasil, Lincoln Gordon),
de que o Brasil estava se transformando em mais um país dominado pela União Soviética
a partir do anúncio das reformas do presidente João Goulart, especialmente a
agrária. Implantada a ditadura e o bi-partidarismo, a Arena chamava o opositor
MDB de boateiro quando este falava em tortura. Hoje a Comissão da Verdade apura
os fatos. Nesse quadro histórico discute-se também a morte do presidente
Goulart, assim como a de seu antecessor Juscelino Kubitschek Seria mesmo um
problema cardíaco do primeiro e um acidente em estrada do segundo?
A indústria
do boato leva a um sistema de descrença. A sociedade atual está cada vez mais
pedindo evidencias do que lhe afirmaram e afirmam ser verdade. Seria um modo de
dizer que esta só pode surgir com a roupagem verdadeira. E os boateiros fazem
questão de fantasiar os fatos seja em beneficio próprio, seja por má
interpretação do que querem repassar.
(Texto originalmente publicado em "O Liberal"/Pa em 24/05/2013)
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirÉ desse jeito mesmo! Trabalhei na empresa General Eletric, e lá eram assim os boatos!
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