sexta-feira, 10 de maio de 2013

PARA SER MÃE






O título do texto leva a pensar que vou dar “aulas” de como ser mãe. Considero o assunto de hoje uma dimensão política de como entender essa categoria afetiva. Deixo espraiar-se melhor minha formação inicial, meu modo de ser prático na condição materna e nos acúmulos de ensinamentos das áreas de conhecimento entre as quais tenho circulado há mais de 30 anos, sobre a questão de gênero. E deixe estar que aprendi muito a reconhecer os direitos humanos. Desde ter sido criada por uma tia-mãe quando a biológica me deixou no berço para seguir para outro plano de vida, até a real oportunidade de ser a mãe-avó que se aplica a entender a nova geração sem abrir mão do que reflete atualmente dessa condição.
Aprender a ter o carisma materno incondicional foi a motivação do sistema patriarcal para impor uma moral às mulheres condicionando-as, pela situação de gestar filhos, de que elas deveriam seguir um modelo porque aquele devia ser o seu “único destino”. A qualificação da maternidade, afora a condição biológica, foi considerada um instinto feminino. Mas esse vínculo gerou desigualdades (pouco vistas e nem sempre reconhecidas pelos que admitem a ideia clássica): – às mulheres, a quem foi imposto um repertório prático (comportamentos) e moral (bons costumes) deveriam assumi-lo como sentimento de afetividade inerente àquela condição. Desigualdade aos próprios homens afastados quase que sumariamente daquela condição imperiosa da biologia calcada no instinto definido pelo sentimento afetivo porque a este gênero se decidia a chefia lógica da racionalidade da organização do lar, devendo, a partir dai fixar a virilidade (conjunto de atributos físicos e sexuais masculinos). “Fazer filhos” impunha-se na dura vestimenta do afastamento de um gesto de afeto porque este gesto não lhe pertencia, estava no repertório feminino. “Parir filhos” condicionava o comportamento de reprodução das mulheres e se estas saíssem da norma instintiva eram penalizadas, deveriam ser apedrejadas física e moralmente. Qualquer atitude de cansaço nos afazeres no lar (atribuídos como “trabalho de mãe”) era vista como perda das características femininas porque maternas, portanto, atitudes de negação do “papel de mãe”, a chave mestra da tonalidade conjugal que também não admitia a dimensão da natureza em deixar nascerem filhos fora da instituição do casamento. Mulheres e crianças nessa condição “ilegal” tornavam-se espécies de um grupo separado socialmente porque de fora de outras institucionalidades criadas pelo sistema social dominante – o casamento religioso e civil. O exclusivismo se mantinha até nesses laços e ainda havia outros efeitos excludentes como os de parentesco, de classe e de raça. A dicotomia entre “mãe boa” e “mãe má” se ajustava em todas essas condições predeterminadas, onde os códigos já sacralizados definiam as normas para inferir os valores e constituir-se em atitudes para a suposta “manutenção familiar”.
E o sentimento do amor, onde entrava? O afeto era justaposto a essas condições do sexo vistas como naturais devendo assumir como tal as atitudes referenciadas anteriormente para homens e mulheres enquanto “papel” materno e “papel” paterno. Dai saíram os jargões “viris”: “homem não chora”, “homem não leva desaforo para casa”, “homem com fala de mulher nem o diabo quer”, “beijo [nessa condição] é pra mulher”. E os jargões “femininos”: “mãe desnaturada”, “ser mãe é padecer no paraíso”, “do homem a praça, da mulher a casa” e por ai vão sendo renovadas algumas dessas expressões populares quando um dos dois gêneros se afasta do modelo padronizado.
Nas minhas andanças pelos velhos jornais paraenses nos anos 80, para identificar as mulheres na política, encontrei algumas representantes desse gênero no recém-criado movimento sufragista – Departamento Paraense pelo Progresso Feminino - promovendo, em maio de 1932, a primeira manifestação do Dia das Mães que fora criado no II Congresso Internacional Feminino, no RJ. Era uma sessão lítero-musical com o toque das mulheres. Os jornais da época noticiavam os eventos, mas, numa das páginas do caderno nobre de “A Folha do Norte” (O Dia das Mães. Folha do Norte, Belém, 24 abril, 1932, p. 1), o Padre belga Florence Dubois publicou um artigo incitando a opinião pública contra a criação dessas homenagens às mães. Num texto de bom tamanho recorto este parágrafo: “(...) Apesar de reverenciar as êmulas de Cornélia, não acho graça no dia das Mães como, aliás, nos demais dias. Aos domingos, o católico vai à missa e, quando quer, ouve um sermão. (..) As mahatmas do feminismo deveriam aconselhar a todos: honrai pai e mãe.(...)".
Na minha versão sobre a categoria de mãe tenho a análise crítica sobre o formato do modelo instituído a partir do desenho imposto pelo sistema patriarcal devido a uma circunstancia que a meu ver é crucial. A quebra do chamado instinto materno por outro modo de identificar a formação da afetividade pelo instinto de sobrevivência. Despojadas as mulheres de todas as marcas preconceituosas de seu gênero impostas e exigidas pelo padrão tradicional, o sentido do amor materno vai agregar também, nesse valor, os homens, porque o sentimento do amor é construído em cada momento da convivência. Assim, para ser mãe, o primeiro aspecto que deve prevalecer é a simplicidade em reconhecer a amplitude da afetividade criada em torno de um coletivo: o ser humano.
Pelo dia das mães e pela certeza de que o amor é construído!

(Texto originalmente publicado em O Liberal/PA em 10/05/2013) 


Nenhum comentário:

Postar um comentário