O
título do texto leva a pensar que vou dar “aulas” de como ser mãe. Considero o assunto
de hoje uma dimensão política de como entender essa categoria afetiva. Deixo
espraiar-se melhor minha formação inicial, meu modo de ser prático na condição
materna e nos acúmulos de ensinamentos das áreas de conhecimento entre as quais
tenho circulado há mais de 30 anos, sobre a questão de gênero. E deixe estar
que aprendi muito a reconhecer os direitos humanos. Desde ter sido criada por
uma tia-mãe quando a biológica me deixou no berço para seguir para outro plano de
vida, até a real oportunidade de ser a mãe-avó que se aplica a entender a nova
geração sem abrir mão do que reflete atualmente dessa condição.
Aprender
a ter o carisma materno incondicional foi a motivação do sistema patriarcal
para impor uma moral às mulheres condicionando-as, pela situação de gestar
filhos, de que elas deveriam seguir um modelo porque aquele devia ser o seu
“único destino”. A qualificação da maternidade, afora a condição biológica, foi
considerada um instinto feminino. Mas esse vínculo gerou desigualdades (pouco
vistas e nem sempre reconhecidas pelos que admitem a ideia clássica): – às
mulheres, a quem foi imposto um repertório prático (comportamentos) e moral (bons
costumes) deveriam assumi-lo como sentimento de afetividade inerente àquela
condição. Desigualdade aos próprios homens afastados quase que sumariamente
daquela condição imperiosa da biologia calcada no instinto definido pelo
sentimento afetivo porque a este gênero se decidia a chefia lógica da racionalidade
da organização do lar, devendo, a partir dai fixar a virilidade (conjunto de
atributos físicos e sexuais masculinos). “Fazer filhos” impunha-se na dura
vestimenta do afastamento de um gesto de afeto porque este gesto não lhe
pertencia, estava no repertório feminino. “Parir filhos” condicionava o comportamento
de reprodução das mulheres e se estas saíssem da norma instintiva eram
penalizadas, deveriam ser apedrejadas física e moralmente. Qualquer atitude de
cansaço nos afazeres no lar (atribuídos como “trabalho de mãe”) era vista como
perda das características femininas porque maternas, portanto, atitudes de
negação do “papel de mãe”, a chave mestra da tonalidade conjugal que também não
admitia a dimensão da natureza em deixar nascerem filhos fora da instituição do
casamento. Mulheres e crianças nessa condição “ilegal” tornavam-se espécies de
um grupo separado socialmente porque de fora de outras institucionalidades
criadas pelo sistema social dominante – o casamento religioso e civil. O
exclusivismo se mantinha até nesses laços e ainda havia outros efeitos
excludentes como os de parentesco, de classe e de raça. A dicotomia entre “mãe
boa” e “mãe má” se ajustava em todas essas condições predeterminadas, onde os
códigos já sacralizados definiam as normas para inferir os valores e
constituir-se em atitudes para a suposta “manutenção familiar”.
E
o sentimento do amor, onde entrava? O afeto era justaposto a essas condições do
sexo vistas como naturais devendo assumir como tal as atitudes referenciadas
anteriormente para homens e mulheres enquanto “papel” materno e “papel”
paterno. Dai saíram os jargões “viris”: “homem não chora”, “homem não leva
desaforo para casa”, “homem com fala de mulher nem o diabo quer”, “beijo [nessa
condição] é pra mulher”. E os jargões “femininos”: “mãe desnaturada”, “ser mãe
é padecer no paraíso”, “do homem a praça, da mulher a casa” e por ai vão sendo
renovadas algumas dessas expressões populares quando um dos dois gêneros se
afasta do modelo padronizado.
Nas
minhas andanças pelos velhos jornais paraenses nos anos 80, para identificar as
mulheres na política, encontrei algumas representantes desse gênero no
recém-criado movimento sufragista – Departamento Paraense pelo Progresso
Feminino - promovendo, em maio de 1932, a primeira manifestação do Dia das Mães
que fora criado no II Congresso Internacional Feminino, no RJ. Era uma sessão
lítero-musical com o toque das mulheres. Os jornais da época noticiavam os
eventos, mas, numa das páginas do caderno nobre de “A Folha do Norte” (O Dia
das Mães. Folha do Norte, Belém, 24 abril, 1932, p. 1), o Padre belga Florence Dubois
publicou um artigo incitando a opinião pública contra a criação dessas
homenagens às mães. Num texto de bom tamanho recorto este parágrafo: “(...)
Apesar de reverenciar as êmulas de Cornélia, não acho graça no dia das Mães
como, aliás, nos demais dias. Aos domingos, o católico vai à missa e, quando
quer, ouve um sermão. (..) As mahatmas do feminismo deveriam aconselhar a
todos: honrai pai e mãe.(...)".
Na
minha versão sobre a categoria de mãe tenho a análise crítica sobre o formato
do modelo instituído a partir do desenho imposto pelo sistema patriarcal devido
a uma circunstancia que a meu ver é crucial. A quebra do chamado instinto
materno por outro modo de identificar a formação da afetividade pelo instinto
de sobrevivência. Despojadas as mulheres de todas as marcas preconceituosas de
seu gênero impostas e exigidas pelo padrão tradicional, o sentido do amor
materno vai agregar também, nesse valor, os homens, porque o sentimento do amor
é construído em cada momento da convivência. Assim, para ser mãe, o primeiro
aspecto que deve prevalecer é a simplicidade em reconhecer a amplitude da
afetividade criada em torno de um coletivo: o ser humano.
Pelo
dia das mães e pela certeza de que o amor é construído!
(Texto originalmente publicado em O Liberal/PA em 10/05/2013)
Nenhum comentário:
Postar um comentário