Chaplin, numa cena de "Tempos Modernos".
Uma das
primeiras lições que aprendemos ao estudar a análise da economia política em
Marx (constante nos volumes de “O Capital”) consiste na diferença entre
trabalho e relações de trabalho que parecem não diferenciadas ao conhecimento
do senso comum. Diz o filósofo alemão que o trabalho dos humanos surpreendeu a
natureza cujas forças tendem a submeter os animais a se comportarem de
determinada maneira sendo que o homem foi o primeiro Ser a conseguir movimentos
de liberdade em relação a esse dominio. Diz: "Como criador de valores
de uso, como trabalho útil, é o trabalho, por isso, uma condição de existência
do homem, independente de todas as formas de sociedade, eterna necessidade
natural de mediação do metabolismo entre homem e natureza e, portanto, da vida
humana."
Dessa forma, forja-se o diferencial entre o trabalho humano
e a condição dos animais visto que o homem tende a modificar as forças da
natureza conforme suas necessidades e, dessa evidência criadora, apresenta-se,
historicamente, a evolução gradual do trabalho. Criar seus meios de
subsistência enfrentando as condições adversas torna livre este trabalhador e
independente para ser provedor. Mas quando estas formas criadoras de trabalho
chegam ao mercado, a própria força dos homens se torna mercadoria e os bens
materiais que produz deixam de ser somente para o seu sustento e então o
trabalho que estimula o progresso se torna uma prisão ao assumir esse caráter
mercantil. O produtor destes bens necessários passa a se submeter às exigencias
de produtividade em escalas inimagináveis de um mercado que supõe pagar a força
de trabalho humana contratada, mas, na verdade, está alienando este trabalhador
de seu produto manufaturado. É aqui que é possivel entender que trabalho e
relações de trabalho são conceitos diferentes. É nessa relação de alienação do
produtor direto dos bens que será extraida a mais valia que será acumulada como
lucro e as coisas vão girar nesse tom.
Mas só
comentei esse diferencial porque me interessa tratar dessas duas conceituações
no mês em que o trabalho é a “bola da vez” e algumas situações se revelam
merecedoras de discussão.
Observa-se que o mundo
moderno tende a modificar cada vez mais o processo de trabalho com a
participação crescente da tecnologia. George Orwell, Ray Bradbury, Isaac Asimov
e outros escritores de ficção científica mostraram a tendencia da “robotização”
do serviço levando a máquina a substituir a mão de obra humana e com isso
especificar cada vez mais o qualificativo do trabalhador. Simplificando:
empregam-se técnicos e desemprega-se quem não possui a necessaria escolaridade
para entender a tecnica. Uma ilustração tragicômica disso é descrita por Asimov
quando cita uma doméstica robô tratando dos afazeres de uma casa de classe
média e de babá de uma criança.
Atualmente ainda não se chegou e esse futuro que permanece fantasioso e
é aplicado pelos escritores do gênero. Mas o aumento populacional, as poucas
vagas no mercado e a escolaridade deficiente levam a questões que são
levantadas pelos economistas, pelos tecnicos em geral, pelos industriais,
comerciantes e pelos politicos.
No Brasil atual um tipo de trabalho está sendo focalizado com ambiguidades:
o doméstico. Essa atividade ganhou leis de proteção ao trabalhador/a, haja
vista a discriminação desse tipo de trabalho em relação aos outros. Com isso, o
empregador doméstico passou a gerir responsabilidades de outros empregadores. E
está neste momento achando que as relações de trabalho que passará a ser
obrigado a obedecer tendem a ser diferentes de outros trabalhos que permeiam a
sociedade. Devido a isso, muitas familias estão despedindo seus empregados domésticos
e procurando se adaptar a outras formas de serviço. Dai que novas empresas de
serviços estão sendo criadas para garantir o que antes era tratado com
menosprezo.
O que isso representa? O que antes era um bem tratado como valor de uso
vai se incorporar ao mercado como valor de troca e esse tipo de serviço que
antes tinha uma forma de relação de trabalho passa a ter uma outra maneira de
ser encarado pelo mercado. As empregadas domésticas, certamente, assumirão esse
novo mercado , onde, possivelmente terão uma outra maneira de ser valorizadas.
E levando-se em conta que a maioria deles/as possui baixa escolaridade e inexperiencia
em outras ares de atuação, haverá rearranjos para adequar esse novo ator social
às atividades. Além de chamar a atenção da então funcionária (porque as
relações de trabalho nas empresas será nesse tom) para uma reavaliação de si
próprias, estimula-as a rever sua baixa escolaridade, seu aporte na condição de
tratamento do antigo serviço doméstico que tinha sob sua responsabilidade, criando meios de melhor
qualificar-se.
As patroas e patrões que estão hoje despedindo seus empregados/as comentam
problemas na promoção da categoria ao funcionário comum (dos meios de consumo).
Como monitorar o horário especificado para a/o empregado? Como somar
rigidamente o pagamento extra em tempo acima do especificado no novo contrato
de trabalho?
Por outro lado, há quem generalize e simplesmente despache quem ajudou
nas tarefas caseiras por longos anos. Acha melhor despedir antes que o tempo de
serviço pese no pagamento final. E pouco se importa que a pessoa que a ajudou
em tantas horas dificeis pouco ou nada foi ajudada. São de menor conta os
patrões que atendem às necessidades urgentes de empregados mesmo
emprestando-lhes favores.
A frieza no encontro desses detalhes que cercam o novo regimento do
emprego doméstico deve ser superada de alguma forma. Não desprezar determinado
tipo de trabalho como de menor alcance. Não estratificar comportamento apenas
pela qualificação da mão de obra. Tudo é trabalho. E disso resulta a situação social.
Uma sociedade que vive do trabalho humano deve alcançar relações de trabalho mais
edificantes.
(Texto originalmente publicado em "O Liberal"/PA em 17/05/2013)
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