sexta-feira, 29 de março de 2013

RELIGIÃO, CULTURA E LAICADO





Apesar de o Brasil ser um estado laico, ou secular, os feriados religiosos são obedecidos atendendo a uma tradição advinda de época remota. Afinal as tradições se impõem com o tempo, com o comportamento que passa por gerações. Em se tratando da Páscoa, poucos sabem que o preceito católico usa o nome de Pessach hebraico que marca a fuga/libertação dos judeus do jugo egípcio. Os hebreus liderados por Moisés saíram do domínio do faraó depois do que o Torá cita como “as sete pragas” que Deus jogou sobre os egípcios escravocratas. A pior das pragas, a morte dos primogênitos, atingiu a família do governante que relaxou a prisão do povo judeu (historicamente foi este povo quem construiu pedra a pedra as grandes pirâmides). Esta passagem é mais conhecida como Êxodo. Na cristandade, Páscoa passou a ser a data da ressurreição de Jesus. Os evangelhos citam que na época em que este foi preso o romano Pilatos chegou a propor uma escolha para liberar um detento na festa pascoal, forma de manter uma certa simpatia para com os dominados pelo seu império (o romano). Foi escolhido Barrabás, um criminoso notório.
A tradição (transmissão de valores de geração em geração) justifica não só os feriados como detalhes das festas religiosas que dão margem a eles – ou derivam deles. Poucos sabem de como se colocou o ovo como um objeto de consumo no período pascal. Isto foi introduzido pela celebração à deusa da primavera, Ostera, simbolizada por uma mulher que segurava um ovo em sua mão e observava um coelho, representante da fertilidade, pulando alegremente ao redor de seus pés. Vai daí a alusão ao coelho, outro detalhe da festa religiosa (e no caso, o coelho simboliza a procriação posto que um animal que se reproduz facilmente).
Não é só o Brasil, como país laico, que abre espaço para feriados religiosos. A Inglaterra, por exemplo, diz-se secular, mas como a rainha é a chefa da igreja anglicana, o seu aniversário é feriado no país.
O que é tradição dificilmente pode ser quebrado por lei. Em 11 de abril de 2012, o Ministro do STF Marco Aurélio Mello reiterou em sessão do STF: "Os dogmas de fé não podem determinar o conteúdo dos atos estatais”. Mas é impossivel mudar sentimentos populares. No governo Sarney, muito apegado à religião católica, passou a idéia de se festejar uma data que caisse no meio da semana em um fim de semana. Não foi a solução para manter ativa a classe trabalhadora – ou a população em geral. Ninguém aceitou passar o dia de Corpus Christi, no calendário católico a data que marca a instituição da eucaristia, de uma quinta-feira, habitualmente respeitada, para uma próxima segunda. No Pará temos um feriado religioso dedicado a N.S. da Conceição(8 de dezembro). Ninguém aceitou comemorar essa efeméride em outra data para convergir para um fim de semana. O que acontece normalmente é um “dia enforcado” ou seja, se um feriado incidir numa quinta-feira, o poder público decreta ponto facultativo na sexta.
A questão do Estado Laico esbarra na maioria católica do país. E mesmo algumas falanges protestantes assumem certas datas. Esta postura popular foi evocada quando em março de 1964 induziu-se a idéia de que o governo Goulart estava caminhando para “o comunismo ateu”. Neste caso, é bom observar a diferença entre Estado Laico e Estado Ateu. No primeiro preza-se a liberdade religiosa de cada um. No segundo proibe-se. Pois a propaganda, guiada pelos norte-americanos que tinham receio de uma nova Cuba no continente, apelavam para a religiosidade do povo colocando os discursos do presidente como formas de simpatia ao governo então vigente em Moscou. A campanha começou a “dar certo” como é exemplo a “Marcha da Familia com Deus e pela Liberdade”, acontecida dias antes do golpe de 31 de março.
Um leque de preceitos tradicionais abre-se à uma população que foi educada pelo colonizador português. Não à toa que uma das primeiras manifestações nacionais depois da chegada de Cabral às terras “de Santa Cruz” foi uma missa. E isso é lembrado nas escolas ao lado de qualquer pesquisa em torno dos descobrimentos ou da interrogação sobre o acaso da descoberta, fato que se discute nas academias em tempos contemporâneos.
Qualquer candidato a cargo eletivo tende a manter uma postura condizente com essa tradição religiosa do povo. Sair da linha é perder voto, dizem eles. E até os ditadores que andaram pelas nossas bandas disseram-se cristãos. Mesmo assim, mesmo mantendo o que é reproduzido de pai para filho/a, comportamentos nada condizentes com a religiosidade crescem na violencia que se observa em toda parte. Certo que hoje a midia divulga o que antes era oculto e às vezes silenciado na pecha do “pecado”. Mas a deseducação pela má absorção de outras culturas ou pela dificuldade de vida gera o que um autor chamou de “ovo da serpente”. Por isso, as festas de cunho religioso são festas. E se antes eram ligadas em outras terras às estações do ano com reflexo na colheita agora são fatos independentes, válidos por eles próprios, de uma cultura a uma suposta fé que se interliga entre as diversas classes sociais.

(Texto originalmente publicado em "O Liberal" de 29/03/2013)

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