sábado, 6 de abril de 2013

EMPREGO DOMÉSTICO OU DOMESTICÁVEL?




Em tempos passados, o trabalho doméstico estava ligado à escravidão, tanto no campo quanto nas cidades. Isto é o que se lê em livros didáticos e o que se sabe pelas conversas com pessoas mais velhas. Elas ou eles , quando não escravos comprados pelos patrões, funcionavam de mordomo, cozinheiro/a. lavadeira, arrumadeira, babá, até de ama de leite para os filhos e filhas da dona da casa. Chamados de “criadas” ou “criados” as pessoas, mesmo ex-escravas(ou seja, alforriadas) não discutiam o valor monetário de seu trabalho, pois muitas vezes eram pessoas adotadas pelos então patrões. O termo “criadagem” ganhou corpo no cenário de habitações luxuosas que escritores diversos retrataram em romances ainda hoje muito consumidos.
O histórico do emprego doméstico ganha diversas fases no Brasil. Há exemplos do que se conhecia no século XIX como ofertas de emprego desse tipo, abdicando de valores empregatícios, que chegavam a ganhar anúncios de jornal. Um exemplo:
“Oferece-se uma senhora solteira que não tem pai nem mãe para servir de companhia a uma senhora viúva que não tenha filhas, e prestando-lhe algum serviço não por dinheiro, e nem precisa dar-lhe de vestir: quem quiser anuncie sua morada. Diário de Pernambuco, 14/03/1856”.
As dificuldades de vida levavam a um prolongamento da escravidão sem o ônus da compra do escravo. E esse quadro persistiu na medida em que os problemas econômicos de uma classe foram ganhando espaço no que Noel Rosa cantava como “século do progresso”. Observe-se que no processo de invenção, produção e comercialização de novas tecnologias e da reforma social pela conquista das mulheres a empregos públicos, a “criada” ou o “criado” passou a ser chamada/o de “empregada/o doméstica/o”. Se isto deu margem a uma especialidade no mercado de trabalho, por outro lado gerou o fato de se tornar mais escasso o sistema de vagas para a categoria. Explica-se na questão do lar moderno onde as mulheres passaram a trabalhar em mesma carga horária do marido (ou sozinha, em casos de mulheres chefes de familia que vivem sem companheiros) e a sua remuneração tornou-se escassa para pagar quem lhe pudesse auxiliar. Evidentemente ampliou-se a necessidade de babás ou quem fizesse um mínimo de serviço para dar funcionamento à rotina de um lar de classe média. E aconteceu o acúmulo de serviço, ou seja, quem era contratado para uma especialidade passou a abraçar muito mais. E as/os domesticas/os passaram a ganhar salário, que era cotado pelo patrão, modulado em suas posses (ou que achava que podia pagar).
A crise do mercado de trabalho na contraposição do aumento populacional e dos desníveis sociais levou a uma luta em duas faces: a de usar o salário mínimo do trabalhador em geral para o serviço de casa e a maior oferta contra o menor ou o mesmo espaço empregatício.
A Lei nº 5.859, de 11 de dezembro de 1972 regulamentada pelo Decreto nº 71.885, de 9 de março de 1973 dispôs sobre a profissão do(a) empregado(a) doméstico(a), conceituando-a e atribuindo-lhe direitos. A Consituição de 1988 concedeu outros direitos sociais às empregadas/os domésticas/os como salário-mínimo, irredutibilidade salarial, repouso semanal remunerado, gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, 1/3 a mais do que o salário normal, licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com duração de 120 dias; licença-paternidade; aviso-prévio; aposentadoria e integração à Previdência Social. Outras medidas legislativas surgiram para beneficiar o/a doméstico/a. Recentemente, o Senado Federal aprovou, em primeiro turno, por unanimidade,a Proposta de Emenda Consitucional de n°478  (mais conhecida como PEC das domésticas), que revoga o parágrafo único do art. 7º da Constituição Federal e estabelece a igualdade de direitos trabalhistas entre os empregados domésticos e os demais trabalhadores urbanos.
Quando se decreta aumento do salário minimo é comum os empregadores dizerem “é pouco para quem ganha e muito para quem paga”. Há casos e casos. No âmbito do emprego doméstico há varias questões a serem estudadas como a regencia do horário de trabalho(quem rege), e (des)vantagens a partir de bons e maus serviços prestados. Quem, no fim das contas, será o equidistante do patrão da industria ou do comércio ? Por outro lado, que empregada/o procura agradar para não perder o emprego e com isso trabalhar além do que pede a regulamentação de seu oficio ?
A verdade é que todos trabalham e merecem ser remunerados por isso. Diz o refrão popular que “só quem trabalha de graça é relogio”. E o relogio acaba sendo, ironicamente, o modulador entre os dois polos do emprego (quem emprega e quem é empregado).
Num mundo de tantas injustiças sociais a luta por minorar este qualificativo é sempre válida posto que o próprio termo “injustiça” qualifica o desprezo pelo que é justo E tenha-se nesse parametro o que seja de melhor para as classes envolvidas num tipo de serviço que pode não aparecer mas é trabalhoso.
Louvem-se as novas medidas que estão respondendo por rearranjos nos contratos de trabalho das domésticas e na mentalidade de patrões e patroas. As mudanças sempre causam impacto e recebem contraditas, mesmo “ao pé do ouvido” – como foi/é o caso da luta secular das mulheres por direitos – mas trazem beneficios para quem contabiliza suas perdas e consegue conquistar tratamento humano justo.

(Texto originalmente publicado em "O Liberal" -PA, em 05/04/2013) 


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