sábado, 23 de março de 2013

LAMPEJOS DE PRECONCEITO




As redes sociais estão cheias de protestos e petições públicas contrárias à nomeação do deputado federal e pastor Marco Feliciano para presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, um deputado conhecido por opiniões racistas e homofóbicas, que assumiu a liderança da Comissão de Direitos Humanos e Minorias na Câmara dos Deputados. Citam sua posição contrária aos homossexuais e um revelado preconceito étnico. Sobre a primeira acusação, disse o pastor em uma entrevista publicada na revista Veja, de 20 de março: “...A minha formação cristã me ensina que o ato homossexual é errado, que é pecado...” E afirma adiante que “não aceita o ato mas aceita o homossexual”.
Marco Feliciano se diz discriminado por sua posição “diferente”. E conclui que “num estado democrático de direito todo mundo tem direito à liberdade de expressão”.
Tratar de qualquer assunto é realmente aceito num regime livre. Mas se a pessoa que fala ocupa um cargo de mando, esta versão se torna ampla, representando não apenas a pessoa, mas o cargo que ela ocupa.
Esta semana, a ex-secretária de Estado norte-americano Hilary Clinton, possível candidata à sucessão de Barak Obama, defendeu o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Disse: “Homossexuais, bissexuais e transsexuais são nossos colegas, professores, soldados, amigos, parentes e cidadãos plenos”. E acrescentou que oficializar a união de pessoas do mesmo sexo conta com o apoio de outros membros do Partido Democrata.
O Sr. Marco Feliciano também foi acusado de preconceito racial especialmente com relação aos negros. Ele se defendeu: “Eu não disse que africanos são todos amaldiçoados. Até porque o continente africano é grande demais. Minha mãe é negra. Olha o meu cabelo como é. E olha que eu dei uma esticadinha. Faço escova progressiva todo mês.” E cita no twitter: “Africanos descendem de ancestral amaldiçoado por Noé”.
Justificando o que se viu como preconceito, o deputado citou o livro bíblico do Gênesis quando reporta que ao sair da Arca o patriarca Noé embebedou-se e ficou nu. “O filho mais novo dele, Cam, riu do pai e contou o que havia visto aos dois irmãos(...) Noé lançou uma maldição sobre o filho de Cam, Canaã. Disse que seria um escravo.(...) de Canaã vieram aqueles que povoaram parte da Etiópia”.
Chega a ser estarrecedor, no mundo atual, em pleno século XXI, observar atitudes ou mesmo ideias preconceituosas espalhadas de forma a atingir atores que são guinados a representar a opinião pública. Realmente indicar uma pessoa que confessa alguma forma de preconceito a um cargo que deve defender os direitos humanos e as minorias é lembrar Esopo e chegar à ironia da raposa ficar tomando conta do galinheiro.
Recentemente nós assistimos a um filme sobre a luta do então presidente dos EUA, Abraham Lincoln, para que o congresso de sua época aprovasse uma emenda que libertaria os escravos. A atitude do Chefe de Estado era corajosa posto que nesse período guerreavam norte e sul, com o último defendendo a mão de obra negra que achava indispensável para a sua mais evidente força de exportação: a colheita do algodão. Lincoln foi enfático ao tratar do assunto com um militar sulista que pedia a aceleração do processo de paz desde que a emenda nº 13 fosse cancelada. Disse que não retiraria o projeto. Ganhou, morreu pelas mãos de descontente regional e em anos seguintes o acirramento de atitudes contra os negros foi notório com a presença de entidades racistas como a Ku Klux Kan.
As lutas contra as manifestações preconceituosas seguiram por tempos e gerações na história do mundo. Os homossexuais também sofreram, e é só lembrar o que aconteceu a Oscar Wilde, o famoso escritor inglês, quando foi acusado e condenado à prisão por suas atitudes extravagantes e de “atos imorais com rapazes”. Na Inglaterra, por muito tempo, perdurou a lei que considerava crime o envolvimento sexual de pessoas do mesmo sexo. No nosso país, o quadro ficava numa posição social herdada de um tradicionalismo que tinha respaldo em textos sagrados e na educação advinda dos colonizadores que marginalizava os que não seguiam a linha da educação hetero. Quem era visto como “desviado” da suposta “moral cristã” clássica era considerado um animal peçonhento. Os humoristas passaram desde cedo a usar a homofobia como inspiração de anedotas. Afinal seguiam outras culturas e eu lembro as anedotas do norte-americano Lenny Bruce que de tão veementes e explicitas levaram-no a processos judiciais. Foi preciso que muitos homo se projetassem na sociedade, especialmente no mundo das artes, para sufocar uma revolta intima de conterrâneos. Hoje ganharam lei, impuseram uma sinceridade que acabou tirando vários "pacientes" dos divãs de psicanalistas. E têm conseguido políticas públicas para garantir seus direitos que são humanos.
“Somos todos iguais”, disse Lincoln. A homofobia, tal como o racismo, deve ser enterrada com o lixo da História, digo eu. Sabendo disso resta o espanto de se ver um ideólogo de opção ultrapassada assumir um posto que denota, justamente, o contrário. Essa é a causa da revolta nas redes sociais e nas petições públicas que temos assinado. A raposa desse caso não chega a ser sagaz como foi pintado esse animal nas fábulas. É simplesmente retrograda.

(Texto originalmente publicado em "O Liberal" de 22/03/2013)

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