As redes
sociais estão cheias de protestos e petições públicas contrárias à nomeação do
deputado federal e pastor Marco Feliciano para presidente da Comissão de
Direitos Humanos da Câmara, um deputado conhecido por opiniões racistas e
homofóbicas, que assumiu a liderança da Comissão de Direitos Humanos e Minorias
na Câmara dos Deputados. Citam sua posição contrária aos homossexuais e um
revelado preconceito étnico. Sobre a primeira acusação, disse o pastor em uma
entrevista publicada na revista Veja, de 20 de março: “...A minha formação
cristã me ensina que o ato homossexual é errado, que é pecado...” E afirma
adiante que “não aceita o ato mas aceita o homossexual”.
Marco
Feliciano se diz discriminado por sua posição “diferente”. E conclui que “num
estado democrático de direito todo mundo tem direito à liberdade de expressão”.
Tratar de
qualquer assunto é realmente aceito num regime livre. Mas se a pessoa que fala
ocupa um cargo de mando, esta versão se torna ampla, representando não apenas a
pessoa, mas o cargo que ela ocupa.
Esta
semana, a ex-secretária de Estado norte-americano Hilary Clinton, possível
candidata à sucessão de Barak Obama, defendeu o casamento entre pessoas do
mesmo sexo. Disse: “Homossexuais, bissexuais e transsexuais são nossos colegas,
professores, soldados, amigos, parentes e cidadãos plenos”. E acrescentou que
oficializar a união de pessoas do mesmo sexo conta com o apoio de outros
membros do Partido Democrata.
O Sr.
Marco Feliciano também foi acusado de preconceito racial especialmente com
relação aos negros. Ele se defendeu: “Eu não disse que africanos são todos
amaldiçoados. Até porque o continente africano é grande demais. Minha mãe é
negra. Olha o meu cabelo como é. E olha que eu dei uma esticadinha. Faço escova
progressiva todo mês.” E cita no twitter: “Africanos descendem de ancestral
amaldiçoado por Noé”.
Justificando
o que se viu como preconceito, o deputado citou o livro bíblico do Gênesis
quando reporta que ao sair da Arca o patriarca Noé embebedou-se e ficou nu. “O
filho mais novo dele, Cam, riu do pai e contou o que havia visto aos dois
irmãos(...) Noé lançou uma maldição sobre o filho de Cam, Canaã. Disse que
seria um escravo.(...) de Canaã vieram aqueles que povoaram parte da Etiópia”.
Chega a
ser estarrecedor, no mundo atual, em pleno século XXI, observar atitudes ou
mesmo ideias preconceituosas espalhadas de forma a atingir atores que são
guinados a representar a opinião pública. Realmente indicar uma pessoa que
confessa alguma forma de preconceito a um cargo que deve defender os direitos
humanos e as minorias é lembrar Esopo e chegar à ironia da raposa ficar tomando
conta do galinheiro.
Recentemente
nós assistimos a um filme sobre a luta do então presidente dos EUA, Abraham
Lincoln, para que o congresso de sua época aprovasse uma emenda que libertaria
os escravos. A atitude do Chefe de Estado era corajosa posto que nesse período
guerreavam norte e sul, com o último defendendo a mão de obra negra que achava
indispensável para a sua mais evidente força de exportação: a colheita do
algodão. Lincoln foi enfático ao tratar do assunto com um militar sulista que
pedia a aceleração do processo de paz desde que a emenda nº 13 fosse cancelada.
Disse que não retiraria o projeto. Ganhou, morreu pelas mãos de descontente regional
e em anos seguintes o acirramento de atitudes contra os negros foi notório com
a presença de entidades racistas como a Ku Klux Kan.
As lutas
contra as manifestações preconceituosas seguiram por tempos e gerações na
história do mundo. Os homossexuais também sofreram, e é só lembrar o que
aconteceu a Oscar Wilde, o famoso escritor inglês, quando foi acusado e
condenado à prisão por suas atitudes extravagantes e de “atos imorais com
rapazes”. Na Inglaterra, por muito tempo, perdurou a lei que considerava crime
o envolvimento sexual de pessoas do mesmo sexo. No nosso país, o quadro ficava
numa posição social herdada de um tradicionalismo que tinha respaldo em textos
sagrados e na educação advinda dos colonizadores que marginalizava os que não
seguiam a linha da educação hetero. Quem era visto como “desviado” da suposta
“moral cristã” clássica era considerado um animal peçonhento. Os humoristas
passaram desde cedo a usar a homofobia como inspiração de anedotas. Afinal
seguiam outras culturas e eu lembro as anedotas do norte-americano Lenny Bruce
que de tão veementes e explicitas levaram-no a processos judiciais. Foi preciso
que muitos homo se projetassem na sociedade, especialmente no mundo das artes,
para sufocar uma revolta intima de conterrâneos. Hoje ganharam lei, impuseram
uma sinceridade que acabou tirando vários "pacientes" dos divãs de psicanalistas.
E têm conseguido políticas públicas para garantir seus direitos que são
humanos.
“Somos
todos iguais”, disse Lincoln. A homofobia, tal como o racismo, deve ser
enterrada com o lixo da História, digo eu. Sabendo disso resta o espanto de se ver um
ideólogo de opção ultrapassada assumir um posto que denota, justamente, o
contrário. Essa é a causa da revolta nas redes sociais e nas petições públicas
que temos assinado. A raposa desse caso não chega a ser sagaz como foi pintado
esse animal nas fábulas. É simplesmente retrograda.
(Texto originalmente publicado em "O Liberal" de 22/03/2013)
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