segunda-feira, 11 de março de 2013

MULHER & POLÍTICA NUM CONTEXTO DEMOCRÁTICO





Historicamente, a hierarquia sexual na sociedade se responsabilizou pela cidadania seletiva privando as mulheres dos direitos civis e políticos. O nascimento das democracias ocidentais com a defesa dos direitos naturais dos indivíduos inscritos nos princípios de igualdade e de liberdade mensurou o novo estatuto da cidadania. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada em 26 de agosto de 1789, síntese da Revolução Francesa, tornou-se o documento-síntese do modelo de cidadania, fundador dos direitos de liberdade e de igualdade modernos.
Este modelo liberal atravessou o Ocidente, tornou-se fator revolucionário na luta pela cidadania, mas deixou de fora as mulheres. A francesa Olympe de Gouges, em 1791, denuncia as teias do discurso, reformula a Carta redigindo uma Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, em 17 artigos, reivindicando o mesmo nível de tratamento para os dois sexos. Em 1792, a inglesa Mary Wollstonecraft lança as suas Vindications of the Rights of Woman. Ambas pleiteiam co-presença no terreno político, exigem complementaridade como possibilidade de uma relação igualitária mesmo que não necessariamente simétrica baseada no fato de que a diferença de sexo não pode justificar a exclusão das mulheres do poder político e da cidadania social (Groppi, 1995).
O domínio da política marcado pelos limites impostos à participação feminina gera significativos problemas de desigualdade. Olympe de Gouges, analfabeta até a idade adulta, liderou as mulheres francesas no processo de revolução, reclamando o direito de voto às mulheres e o direito destas de exercerem um ofício, influindo nos debates e nas lutas de outras causas sociais. Por ter cometido o "delito” de haver esquecido as virtudes de seu sexo intrometendo-se nos assuntos da República foi denunciada pelo Procurador Chaummete, sendo presa e guilhotinada em 07 de novembro de 1791.
Olympe de Gouges e Mary Wollstonecraft, no século XVIII, foram as primeiras mulheres a defenderem o direito do voto, seguindo-se outros focos insurgentes nos EUA, Inglaterra e nos demais países democráticos do ocidente. No Brasil, os estudos de Hahner (1981) revelam que mulheres cultas já na década de 1880 demonstravam, nos jornais que editavam (“O Sexo feminino”, de Francisca Senhorinha da Motta Diniz) e nas peças e revistas que criavam (Josefina Álvares de Azevedo, em 1891), posições favoráveis à concessão do voto feminino. Alguns constituintes de 1891 debateram o assunto, evidenciando-se posições contrárias de membros do Parlamento, como Lauro Sodré, para quem o sufrágio feminino constituía-se uma “idéia anárquica, fatal, desastrada”, embora fosse favorável à educação da mulher. O médico Tito Lívio de Castro argumentava por sua vez sobre “os cérebros infantis das mulheres, sua inferioridade mental e retardação evolutiva” (Hahner, 1981).
Houve ainda uma gradual mudança das normas legais brasileiras vigentes nas Cartas Constitucionais, desde as Ordenações Filipinas (código portugues de 1603, embasando os códigos no país até 1917) à Constituição de 1988, cuja alteração na legislação civil incorporou um número considerável de propostas específicas, resultante dos debates dos grupos autônomos e ONGs de mulheres.
O artigo 70 da Constituição republicana de 1891 declara: “São eleitores todos os cidadãos maiores de 21 anos que se alistarem na forma da lei.” O termo cidadão referenciava o representante do sexo masculino não contemplando os dois sexos. Através dos debates sabia-se, contudo, que os legisladores haviam excluído a mulher, sem que isso estivesse explícito na Constituição, como ocorria em relação aos mendigos, religiosos, analfabetos e soldados.
A polêmica em torno da cidadania política feminina intensificou-se na década de 1920, a partir da atuação de um grupo de mulheres liderados por Bertha Lutz, mais conhecidas como sufragistas. A Federação Brasileira pelo Progresso Feminino-FBPF fortaleceu os debates no interior da sociedade em “lobby” nacional até a promulgação, em 1932, pelo então Presidente da República, Getúlio Vargas, do novo Código Eleitoral incorporado (até 1934) à Constituição de 1891. Essa nova lei determinava o voto secreto e facultava às mulheres, caso o desejassem, o exercício do voto, direito obrigatório para os homens. Ratificado pela Constituição de 1934, esse direito tornou-se dever de cidadania apenas para aquelas que exercessem uma função pública remunerada.
É somente com a Constituição de 1946, revitalizada pelo processo de redemocratização após quase dez anos de ditadura Vargas que as brasileiras alcançaram o direito do voto enquanto dever de cidadania. Nas Constituições de 1967 (período da ditadura militar) e na de 1988 (período que marca uma nova fase de redemocratização depois de 29 anos de ditadura), as mulheres continuaram formalmente reconhecidas nos seus plenos direitos constitucionais e políticos. Nesta Carta de 1988, aliás, a igualdade política entre os dois gêneros tornou-se melhor explicitada, como se pode observar no inciso I do art. 5º: “Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.” Foi uma estratégia do movimento de mulheres presente nos debates para elaboração do documento, que procurou esclarecer prováveis interpretações dúbias que porventura ocorressem nos termos da lei.
A luta pela igualdade de direitos, definindo-se na plena cidadania política da mulher, materializou-se no ato de votar e ser votada, contudo, não criou práticas de participação com direito à representação política, no mesmo nível da participação masculina. As razões explicativas dessa desigualdade: a versão recorrente de argumentos sobre a domesticidade feminina e a presença massiva das mulheres nas tarefas domésticas, nos espaços privados do lar. Estes são fundamentos centrais da formação de estereótipos ligados à definição dos papéis sexuais dos modelos tradicionais de comportamento, reforçado pelo condicionamento cultural do processo clássico de socialização política das mulheres, onde se inscrevem idéias, valores, conceitos e explicações científicas que norteiam o comportamento feminino aspirado. O sistema educacional precário nem sempre contemplando as mulheres, também concorreu, reforçou e definiu as “carreiras” tradicionais para estas, a exemplo, a sua ausência em certas profissões enquanto em outras era quase exclusiva a presença masculina. A difusão de mitos, tabus, estereótipos na sociedade e veiculados pela mídia, tem contribuído para o reforço a esses modelos de comportamento.
Embora ainda hoje persistam esses estereótipos houve grandes conquistas através de lutas pelos direitos políticos femininos. A exemplo, em 1994, as discussões da IV Conferência de Beijing exploraram o tema das ações afirmativas para as cotas partidárias através de lei nacional. A apresentação, debates, articulação e aprovação pelo legislativo de uma emenda de Lei Eleitoral, em 1995, apresentada pela então Deputada Martha Suplicy, garantiram um percentual de 20% das vagas de cada partido ou coligação para preenchimento de candidaturas de mulheres, nas eleições municipais de 1996. Nesse ano, houve aumento do número de candidaturas e de eleitas nos quadros legislativos municipais, embora não fosse alcançada pelos partidos a cota mínima exigida naquele momento. Uma nova redação da emenda a ser aprovada e proposta à Comissão de Constituição e Justiça (CCJR), foi discutida pelos parlamentares que votaram e aprovaram em definitivo, em 1997, o texto final assegurando a adoção de uma cota partidária mínima de 30% e máxima de 70 % para qualquer um dos sexos.
Em 2007 inicia-se a discussão de uma minirreforma eleitoral. Pela Lei 12.034/2009, altera-se o artigo que regulamenta as cotas, obrigando os partidos ao preenchimento das vagas, e não mais uma reserva. Outros itens: a obrigatoriedade de no mínimo 5% dos recursos do Fundo Partidário para a promoção da participação das mulheres; reserva de pelo menos 10% do tempo do HEG dos partidos para este gênero. Outras propostas: lista fechada com alternância de nomes na relação nominal partidária; e financiamento de campanha recentes eixos para a promoção da presença das mulheres em mais cargos de decisão política.
A eleição da primeira presidente da república no Brasil mostra a evolução da representação política feminina exemplificando a presença de mais mulheres no poder.


(Texto originalmente publicado em "O Liberal" de 08/03/2013) 

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